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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.28  Campinas  2023

https://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a8489 

Práticas Pedagógicas e Processos Educativos em Educação Estatística

Rede de conversação universidade e escola: discussões e reflexões sobre o ensino de Estatística

University and school conversation network: discussions and reflections on the teaching of Statistics

Suzi Samá, concepção, escrita do artigo1 
http://orcid.org/0000-0002-7490-9722

Rejane Conceição Silveira da Silva, concepção, escrita do artigo2 
http://orcid.org/0000-0003-3266-957X

1Universidade Federal do Rio Grande, Instituto de Matemática, Estatística e Física, Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências. Rio Grande, RS, Brasil.

2Universidade Federal de Pelotas, Instituto de Física e Matemática, Curso de Licenciatura em Matemática a Distância. Pelotas, RS, Brasil.


Resumo

O presente artigo tem por objetivo apresentar como uma rede de conversação instituída entre uma universidade e uma escola (re)pensou o ensino de Estatística na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. A constituição dessa rede de conversação, formada por professoras da escola e por professoras e estudantes da universidade, foi fundamentada no respeito pelo outro e na legitimação dos saberes. Os conceitos estatísticos foram discutidos a partir de propostas de atividades idealizadas na rede e inspiradas em pesquisas de integrantes do Grupo de Trabalho em Educação Estatística da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Assim, por meio da literatura infantil, do ensino através da pesquisa e da observação de fenômenos, conceitos estatísticos foram abordados em diferentes contextos — o que possibilitou experienciar outras realidades. As conversações estabelecidas de forma recorrente entre escola e universidade fomentaram a construção de um pensamento crítico sobre o ensino da Estatística.

Palavras-chave Estatística; Formação de Professores; Primeiro Ciclo do Ensino Fundamental; Técnicas de Ensino-Aprendizagem

Abstract

This paper aims to present how a conversation network established between the university and the school (re)thinks the teaching of Statistics in Early Childhood Education and the early years of Elementary School. This conversation network is comprised of by school teachers, university professors and students, and is based on respect for others and the legitimation of knowledge. Statistical concepts were discussed based on proposals for activities idealized on the network and inspired by the Working Group on Statistical Education — GT12 research members, which belongs to the Mathematics Education Brazilian Society. Thus, through children’s literature, teaching through research and observation of phenomena, statistical concepts were approached in different contexts, which made it possible to experience other realities. The recurrent conversations established between the school and the university can encourage the construction of critical thinking about teaching Statistics.

Keywords Statistics; Teacher training; Primary education; education; Teaching-Learning techniques

Introdução

Neste artigo, será apresentado o movimento que um grupo de pesquisadoras, professoras e estudantes de graduação realizaram ao planejar e pensar formas de trabalhar a Estatística na escola, em especial na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Esse movimento foi fundamentado na Teoria da Biologia do Conhecer, segundo a qual os seres humanos vivem em conversações e tudo o que fazem surge nas redes de conversação das quais participam (Maturana, 2002). O que na vida cotidiana é chamado de conversa trata-se do fluir entrelaçado de linguajar e de emocionar: “[...] a palavra conversar vem da união de duas raízes latinas: ‘cum’, que quer dizer ‘com’, e ‘versare’ que quer dizer ‘dar voltas com o outro”’ (Maturana, 2014, p. 200).

Nessa perspectiva, a rede de conversação universidade e escola foi constituída a fim de discutir atividades envolvendo conceitos estatísticos aplicados em diversos contextos e surgiu a partir do interesse de um grupo de professoras da educação infantil e dos anos iniciais de uma escola estadual do Rio Grande do Sul em trabalhar conteúdos de Estatística com seus estudantes. Esse querer instigou o conversar enquanto professoras e pesquisadoras da educação Estatística integrantes do Grupo de Trabalho em Educação Estatística (GT12), da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), em parceria com estudantes da Psicologia e da Matemática de uma universidade do Rio Grande do Sul. Assim, as conversações tiveram início a partir de discuções sobre pesquisas no campo da educação Estatística realizadas por membros do GT12, no âmbito de seus grupos de pesquisas e programas de pós-graduação, para embasar as discussões e reflexões.

Nessa rede, conversou-se sobre as pesquisas de Buehring (2006), Souza (2007) e Toledo (2018), que apontam para as potencialidades de se trabalhar noções de Probabilidade e Estatística desde a educação infantil. Esses estudos apresentam propostas didáticas envolvendo conceitos estatísticos e probabilísticos tanto para a educação infantil quanto para os anos iniciais do ensino fundamental. Também foram analisados textos de livros como o e-book de Cazorla et al. (2017), publicado pela SBEM.

A intenção das pesquisadoras ao compartilhar essas pesquisas e textos com o grupo era, além de dar visibilidade a importantes contribuições oriundas da pesquisa acadêmica, promover o debate e a reflexão sobre essas propostas no contexto de atuação desse grupo de professoras da educação básica — atividades essas que, além de possibilitar o trabalho com conceitos estatísticos, também oportunizaram a discussão sobre como ensiná-los em que momento do currículo abordá-los. Dessa forma, ampliou-se o aporte teórico do presente estudo para a Base do Conhecimento proposta por Shulman (1986), a qual é constituída por três categorias: conhecimento específico do conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo e conhecimento curricular. O conhecimento específico do conteúdo se relaciona com os conceitos de Estatística pontuados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC); o conhecimento pedagógico do conteúdo abarca as estratégias didáticas para o ensino desse conteúdo e o conhecimento curricular consiste em como os conceitos se relacionam com as demais áreas do conhecimento no mesmo ano letivo e nos anos subsequentes.

Desse modo, por meio da rede de conversação estabelecida, foram abordadas as propostas didáticas dessas pesquisas, não apenas no que diz respeito ao ano ou nível escolar para o qual foram idealizadas, mas também sua ampliação para os demais anos escolares do ensino fundamental, com as devidas adaptações. Nessa rede de conversação também foi possível debater a percepção das professoras da educação básica sobre as atividades a partir da realidade da escola na qual lecionavam e dos estudantes. Em concordância com Silva (2017), acredita-se que é na dinâmica das relações de aceitação mútua, da escuta atenta e da acolhida que a troca de saberes e de experiências se tornam possíveis, ampliando a construção de novas aprendizagens para todos.

Das relações humanas participam diferentes emoções que lhes dão distintas características. De acordo com Maturana (2002), é a emoção que define o domínio da ação e é o amor — não como um sentimento, mas como o domínio no qual ações recorrentes com o outro fazem do outro um legítimo na convivência. Portanto, é no domínio da aceitação mútua que são constituídas condutas de respeito, que as hierarquias são extintas e uma convivência cooperativa é produzida, e é nessa convivência que se abrem espaços para a diversidade, para a pluralidade de ideias e para as reflexões. Para Maturana (2002), o fato dos indivíduos expressarem opiniões e pensamentos diferentes não cria uma dinâmica de negação na convivência porque existe o entendimento e a aceitação de que não há uma verdade absoluta, mas sim, muitas verdades legítimas em suas origens.

Operar na dinâmica da aceitação mútua não significa estar em concordância de ideias, menos ainda estar na passividade, seguindo ordens ou subordinações; na verdade, propicia que seus interlocutores estabeleçam redes de conversações baseadas na confiança e em atitudes de respeito e de partilha que podem promover reflexões - e é a partir da reflexão que se pode construir argumentos que permitam concordar ou discordar da opinião do outro.

Assim, o presente artigo tem por objetivo apresentar como uma rede de conversação instituída entre uma universidade e uma escola (re)pensou o ensino de Estatística na educação infantil e nos anos iniciais do esino fundamental. Para isso, o texto está organizado em cinco seções. Nessa primeira seção foi apresentada a proposta do artigo. Na sequência será discutido o ensino de Probabilidade e Estatística na educação básica; na terceira seção é mostrado o primeiro movimento da rede de conversação entre professores da escola e professores e estudantes da universidade, de pensar sobre o ensino dessa área do conhecimento; na quarta, são narradas as atividades desenvolvidas, bem como as discussões e reflexões tecidas na rede de conversação. Por último, algumas considerações são trazidas.

Ensino de Probabilidade e Estatística na educação básica

A necessidade de compreender e interpretar informações que circulam no dia a dia e a probabilidade de um evento ocorrer fomentou, no cenário educacional, uma discussão sobre trabalhar conceitos de Probabilidade e Estatística desde os anos iniciais do ensino fundamental para o exercício pleno da cidadania. Desse modo, a inserção desses conteúdos já se faz presente nos documentos educacionais desde a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1997) e, mais recentemente, na BNCC (Brasil, 2018).

Os estudos relativos à noção de Estatística e de Probabilidade começaram a ser incorporados aos currículos nacionais dos anos iniciais da educação básica a partir da publicação, no final da década de 1990, dos PCN, integrando o bloco denominado “[...] tratamento da informação”. De acordo com os PCN, foi a demanda social que destacou esse tema como um bloco de conteúdo, e isso ocorreu devido ao ao uso de conceitos estatísticos feito atualmente na sociedade (Brasil, 1997). Ainda, corroborando essa ideia, Borba, Souza e Carvalho (2018) apontam que essas formas de raciocínio são essenciais para fomentar mudanças nas sociedades atuais e a compreensão dessas mudanças.

Assim, para dar conta das demandas da sociedade atual, os estudantes necessitam não somente se apropriar dos conceitos dessa área, mas aprender a mobilizar esses conhecimentos para outras situações do seu dia a dia. É importante que o aluno desenvolva autonomia para facilitar a tomada de decisões no cotidiano e encontre, na escola, motivação para desenvolver esses saberes.

Atualmente, a Estatística, junto com a Probabilidade, constitui uma das cinco unidades temáticas da BNCC da área de Matemática para o ensino básico. Na BNCC, cada unidade temática contempla um conjunto de objetos de conhecimentos, os quais se relacionam a diversas habilidades a serem trabalhadas ao longo dos anos escolares da educação básica, de forma a garantir o desenvolvimento das competências gerais e específicas previstas para esse nível de ensino. Além disso, a BNCC também recomenda que essas unidades possam se articular, pois os conhecimentos não estão separados, mas interligados, constituindo um todo necessário ao desenvolvimento pleno do estudante (Brasil, 2018).

A unidade temática que trata do ensino de Probabilidade e Estatística no ensino fundamental estuda a incerteza e o tratamento de dados e propõe a abordagem de conceitos, fatos e procedimentos presentes em muitas situações-problema da vida cotidiana, das ciências e da tecnologia (Brasil, 2018). O trabalho dessa unidade pretende que os alunos desenvolvam a capacidade de realizar investigações, de fazer julgamentos e posicionarem-se de forma consciente e crítica frente a fenômenos sociais, econômicos, ambientais, entre outros.

Para isso, devem ser exploradas atividades de coleta de dados e de construção e interpretação de tabelas e gráficos, bem como noções de aleatoriedade e raciocínio combinatório. Além disso, a realização de pesquisas é fundamental, pois a investigação de questões relevantes proporciona ao estudante a oportunidade de mobilizar e articular conceitos necessários para o desenvolvimento de habilidades e competências, que lhe permitem o entendimento crítico da realidade e a sua participação na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Como afirma Guimarães (2016), a pesquisa deve ser o eixo estruturador da formação estatística em todos os níveis de ensino, pois favorece o desenvolvimento do pensamento científico e a curiosidade do aluno.

Apesar das propostas curriculares indicarem a inserção dessa área nos currículos de Matemática e de seus conteúdos serem tão importantes para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, o ensino dos conceitos estatísticos e probabilísticos ainda se constitui um desafio para muitos professores, sobretudo para aqueles que atuam nos anos iniciais da educação básica. Muitas dificuldades evidenciadas nesse contexto podem estar relacionadas à formação inicial dos professores da educação básica, em especial aos conhecimentos conceituais dessa área e à sua didática. Nesse sentido, Borba, Souza e Carvalho (2018, p. 21) apontam que “[...] debates – tanto relativos aos conceitos, quanto ao ensino dos conceitos – são fundamentais, nos processos formativos, para que os professores se apropriem de como trabalhar a Combinatória, a Estatística e a Probabilidade em suas salas de aula” – o que vai ao encontro do que propõe Shulman (1986).

Desde 2008, Lopes alerta que a formação de professores não incorpora um trabalho sistemático sobre estocástica3, o que dificulta o desenvolvimento de práticas pedagógicas exitosas sobre essa temática pelos professores na educação básica (Lopes, 2008). Na mesma linha de pensamento, Costa e Pamplona (2011) defendem que, além da formação de educadores matemáticos, os cursos de licenciatura em Matemática precisam formar educadores estatísticos. Ainda discorrendo sobre as dificuldades do ensino dessa área, Lima et al. (2022) reiteram que as demandas estocásticas presentes na BNCC (Brasil, 2018) só serão atendidas quando os currículos dos cursos de licenciatura em Matemática e Pedagogia forem reformulados e projetos duradouros de formação continuada de professores dessas áreas forem desenvolvidos.

Os desafios são diversos, principalmente se a complexidade de ensinar e aprender Probabilidade e Estatística for levada em conta. Embora se saiba que as dificuldades extrapolam a dimensão da formação, é importante (re)pensá-la reconhecendo a existência de lacunas e ampliando as discussões de forma a atender as necessidades dos futuros educadores. Além disso, também é fundamental estabelecer redes de conversação com professores de Matemática que atuam na educação básica, promovendo formações continuadas que propiciem a reflexão e o compartilhamento de experiências envolvendo essa área do conhecimento.

Caminho metodológico

O presente estudo é de cunho qualitativo, uma vez que os fenômenos humanos e sociais consistem em um universo de significados, crenças, valores e atitudes (Minayo, 2006). Na produção de conhecimento sobre o fenômeno que se busca explicar aqui, foi adotada a observação das interações e interlocuções dos professores participantes de uma rede de conversação a partir de algumas concepções da Teoria da Biologia do Conhecer, proposta por Humberto Maturana e Francisco Varela. O conversar, para Maturana (2001), é o fluir entrelaçado de linguajar e emocionar. O linguajar consiste estar na linguagem sem que seja necessário associar esse fato à fala, pois, para Maturana, a linguagem é vista como um operar em coordenações de coordenações de ações.

A rede de conversação da qual trata este artigo foi composta por oito docentes pedagogas e/ou licenciadas, todas do sexo feminino, que atuavam na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental em uma escola pública localizada no sul do estado do Rio Grande do Sul. Como já dito anteriormente, essa rede foi constituída devido ao interesse dessas professoras em conversar sobre o ensino e a aprendizagem de Estatística. Os nove encontros, de aproximadamente três horas cada, ocorreram ao longo do ano de 2021, de forma remota pelo Google Meet®, devido ao período de isolamento causado pela pandemia de covid-19.

No primeiro encontro, o qual foi chamado de “encontro zero”, as participantes dialogaram brevemente sobre suas vivências no magistério e suas motivações, interesses e anseios, a fim de que o planejamento dos encontros posteriores fosse (re)pensado. Nessa perspectiva, nos encontros subsequentes escolheu-se conversar sobre as pesquisas de Buehring (2006), Souza (2007) e Toledo (2018), que apresentam propostas didáticas e apontam para as potencialidades de se trabalhar noções de Probabilidade e Estatística desde a educação infantil. Também foram analisados textos de livros como o e-book de Cazorla et al. (2017), publicado pela SBEM. Além disso, vários contextos em que a Estatística pode ser aplicada foram discutidos, bem como o papel da educação Estatística nos dias atuais.

Ao longo dos encontros, as participantes se movimentaram na direção de constituirem uma rede de conversação que possibilitasse pesquisar, debater e refletir sobre o ensino de Estatística e de Probabilidade. Assim, é apresentado a seguir esse movimento que tem como foco a constituição de uma rede de conversação entre a escola e a universidade em prol do ensino de Estatística.

Rede de conversação na universidade sobre o ensino da Estatística

É importante salientar que este movimento de pensar sobre o ensino da Estatística na educação básica começou antes da formação da rede de conversação estabelecida com as professoras da escola. Ele surge em 2019, a partir de algumas indagações das autoras do presente artigo sobre Estatística e Probabilidade na educação básica. Se os conhecimentos estatísticos e probabilísticos são tão importantes, porque ainda são pouco trabalhados nas escolas? Quais as dificuldades de trabalhar Estatística e Probabilidade na educação básica? De que forma as pesquisas realizadas nos grupos de pesquisas e nos programas de pós-graduação no âmbito da educação Estatística podem contribuir para uma mudança dessa realidade?

A fim de responder essas indagações, as autoras buscaram por produções na área da educação Estatística, como as de Buehring (2006), Souza (2007), Cazorla et al. (2017) e Toledo (2018), membros do GT12, já citadas na introdução do presente artigo. Segundo Samá e Silva (2020), apesar dessas pesquisas e textos terem sido organizados ainda na vigência dos PCN, as atividades pedagógicas propostas também possibilitam o desenvolvimento de algumas das habilidades e competências preconizadas na BNCC, bem como da autonomia, da formação cidadã dos estudantes e do Letramento Estatístico. O artigo publicado por Samá e Silva (2020), autoras do presente texto, foi um dos resultados desse movimento inicial.

Outro resultado foi a criação, em 2020, do projeto de extensão intitulado “Rede de saberes na Educação Estatística: conexão entre a escola, universidade e comunidade”. Uma das ações desse projeto foi o planejamendo de uma formação continuada com professores da educação básica em prol do ensino de Estatística e Probabilidade, e outra ação consistiu na produção de materiais didáticos para o ensino dos conceitos estatísticos e probabilísticos com o intuito de desenvolver as habilidades contidas na BNCC.

Com base na proposta do projeto e nas leituras das pesquisas e textos dos membros do GT12, foram organizadas algumas atividades para o ensino dos conceitos estatísticos e probabilísticos com o auxílio de duas alunas/bolsistas da graduação, que passaram a integrar a equipe do projeto. Instituiu-se, assim, a rede de conversação na universidade, constituída pelas autoras deste artigo, por uma aluna/bolsista do curso de Matemática e por outra do curso de Psicologia.

Em 2021, em meio à pandemia de covid-19, as autoras receberam o contato de um grupo de professoras da educação infantil e anos iniciais de uma escola pública do RS que demonstrou interesse em participar de um curso sobre o ensino de Estatística. É importante destacar que uma dessas professoras do grupo estava atuando na educação infantil e que outras professoras do grupo já haviam atuado e podem voltar a atuar nesse nível de escolarização. Contudo, as autoras não desejavam realizar um curso para professores da educação básica, com atividades pré-estabelecidas, um rumo e uma trajetória definidos, pois acreditavam, em concordância com Maturana (2001), no potencial do encontro, da partilha e da cooperação que transformam o grupo e definem suas ações.

Nessa mesma perspectiva, Souza e Assunção (2016) não somente desenvolveram um projeto relacionado à Matemática e à Estatística em parceria com uma universidade e uma escola, como também defendem que mais ações como essa sejam realizadas. Para os autores, essas ações podem incentivar os professores a inovarem e a realizarem eles mesmos suas próprias pesquisas. No entanto, destacam que essa parceria nem sempre é uma tarefa fácil, e, por isso, estabelecer laços de confiança é fundamental — e talvez o maior desafio.

Conscientes da importância da construção de laços de confiança, buscou-se, então, ampliar a rede de conversação com a participação das professoras da escola, criando um espaço em que todos os saberes fossem legitimados. Compactua-se com Maturana e Dávila (2006) que a educação é um fenômeno de transformação da convivência, que ocorre em um um ambiente relacional onde não aprende-se uma temática, mas sim, um viver e um conviver. Dessa forma, as professoras da escola passaram a integrar o grupo — o que possibilitou a criação de uma rede de conversação para além da universidade. Para Maturana (2001), uma rede de conversação se constitui a partir de diferentes domínios de ações dos seres humanos; por isso, esses vivem em diferentes redes de conversações que se entrecruzam através de desejos e emoções. Desse modo, na rede foram discutidos conceitos estatísticos de forma a promover a troca de experiências e metodologias de ensino que auxiliassem as professoras a desenvolver as habilidades e competências previstas na BNCC para a educação infantil e os anos iniciais. Os conceitos probabilísticos não foram abordados num primeiro momento, em decorrência do desejo do grupo de professoras de que as discussões sobre os conceitos estatísticos, as formas de ensinar esses conceitos e a inserção desses no currículo se aprofundassem. Na próxima seção, discutir-se-á a constituição da rede de conversação universidade e escola e as atividades abordadas.

Rede de conversação universidade e escola sobre o ensino da Estatística

Dando início à rede de conversação universidade e escola, realizou-se um encontro por webconferência, denominado encontro zero, a fim de conhecer as professoras da escola, que demonstraram interesse em participar da rede de forma voluntária, suas expectativas e interesses, pois acredita-se, como Imbernón (2011), ser fundamental que a opinião e participação dos professores seja considerada no momento de planejar, executar e avaliar atividades e/ou formação. Entende-se, ainda, que a formação continuada requer a colaboração de todos, a fim de potencializar novos processos de reflexão sobre a teoria e a prática educacional e proporcionar avanços na profissionalização da docência.

Desse modo, nesse encontro as pesquisadoras procuraram ouvir as docentes, que manifestaram suas preocupações em abordar conteúdos estatísticos com seus alunos pela falta de conhecimento tanto específico quanto pedagógico dos conceitos. Além disso, foi possível perceber o desejo delas de estarem naquele espaço trocando experiências e compartilhando saberes — e foi esse desejo, como explica Maturana (2002), que permitiu que elas permanecessem nessa rede de conversação, pois tudo que se aceita a priori é aceito num espaço de preferências; isto é, num espaço não racional. Para Maturana, não é a razão que leva um indivíduo à ação, mas a emoção. Dessa forma, a emoção fundamenta as ações das pessoas; ou seja, “o mundo que vivemos depende dos nossos desejos” (Maturana, 2002, p. 34) e do nosso emocionar.

Os demais encontros ocorreram de junho a julho de 2021, um por semana, ao longo de oito semanas. Por conta da pandemia, todos foram realizados de forma remota através das plataformas Google Meet® e Coursify.me®, onde os materiais produzidos ao longo da ação foram disponibilizados.

Os diálogos promovidos na rede de conversação seguiram algumas temáticas inspiradas no e-book de Cazorla et al. (2017). Cabe ressaltar que, apesar da definição dessa estrutura, o planejamento dos encontros era organizado conforme as discussões e as demandas que emergiam na interação e na troca de experiências de sala de aula das professoras da educação básica. Portanto, o planejamento nunca foi rígido; havia um fio condutor para as ideias e os conceitos que se desejava discutir a partir dos anseios e das necessidades que eram percebidos nas conversas mantidas com as professoras da escola. Assim, foi construída uma relação de respeito e cooperação onde as integrantes da rede legitimaram umas às outras, o que permitiu que fossem tecidas conversações na perspectiva de “dar voltas com” (Maturana, 2014), em que o outro tem presença como legítimo outro; isto é, quando o outro é aceito e legitimado.

A partir do e-book de Cazorla et al. (2017), a conversa teve início com as professoras da escola debatendo sobre Estatística e a educação Estatística, com questões como: Por que estudar Estatística na educação básica? Como ensinar Estatística? Qual o objetivo da educação Estatística? Nessa conversa, foram apresentadas as definições das autoras sobre educação Estatística, a qual “[...] está centrada no estudo da compreensão de como as pessoas aprendem Estatística envolvendo os aspectos cognitivos e afetivos e o desenvolvimento de abordagens didáticas e de materiais de ensino” (Cazorla et al., 2017, p.15).

Ainda, nessa perspectiva trabalhou-se com a ideia da pesquisa como um dos eixos estruturadores da abordagem de Estatística na escola e as fases de uma investigação científica foram discutidas. Para Cazorla e Santana (2010), as fases de uma investigação científica consistem em problematização, planejamento e execução. Na problematização da pesquisa, elucida-se a importância da escolha do tema para contextualizar o problema a ser investigado, incentivando os alunos à observação sistemática dos fenômenos que ocorrem ao seu redor, bem como a sua participação ativa nesse processo. No planejamento da pesquisa é colocada em pauta a importância da definição da população a ser investigada, a identificação e caracterização das variáveis e o levantamento dos dados. Na terceira e última fase, a execução da pesquisa, os diversos conceitos e procedimentos que, segundo Cazorla e Santana (2010), podem ajudar a organizar os dados e a extrair as informações mais relevantes de forma a analisar, interpretar e comunicar os resultados são apresentados.

Partindo do pressuposto de que uma investigação científica tem início na observação de fenômenos e da subsequente formulação de um problema, as autoras debateram com as professoras fenômenos observáveis em condições naturais, como por exemplo, a germinação de sementes de feijão, conforme apresentado por Cazorla et al. (2017). Segundo as autoras, nesse fenômeno a criança é levada a questionar, investigar e descobrir os acontecimentos ao seu redor; ou seja, por meio dessa atividade a criança busca entender o mundo, formulando questões e/ou afirmações, como: Será que todas sementes demoram o mesmo tempo para crescer? O que é necessário para que uma semente cresça? Por que algumas sementes não germinam? Esses questionamentos podem partir da curiosidade das crianças e estimular a busca por respostas.

Com os dados coletados, ao longo do experimento o professor pode discutir com os estudantes os tipos de variáveis (qualitativas e quantitativas) e a representação tabular e/ou gráfica. Para isso, cada criança realiza o experimento da germinação das sementes de feijão em casa e, em sala de aula, discute sobre os resultados encontrados – como, por exemplo, quantos feijões plantou, quantos germinaram, quantos centímetros cada plantinha cresceu. Com os dados obtidos (respostas) referentes a esses questionamentos (variáveis), o professor pode discutir com os estudantes a representação gráfica para cada variável, como o gráfico de colunas ou o pictograma, dependendo do ano escolar. O gráfico pode ser construído na sala de informática da escola, usando um software (por exemplo, o Excel) ou com material concreto em sala de aula. Esse experimento evidencia o quanto o conhecimento curricular (Shulman, 1986) também é fundamental no processo de aprendizagem dos estudantes, pois possibilita ao professor articular os conceitos estatísticos com os de outras áreas de conhecimentos de onde surgem os dados.

Além de experimentos como o da germinação de sementes, o professor também pode trabalhar em sala de aula com fenômenos observáveis, como o arco-íris – conforme Cazorla et al. (2017) também propuseram. Assim, na rede de conversação debateu-se com as professoras como esse fenômeno poderia ser abordado em sala de aula. Na conversa surgiu a proposta de incluir esse contexto por meio de música, literatura infantil, conversa com as crianças sobre como surge o arco-íris e quais suas cores.

A partir das cores do arco-íris o professor pode questionar cada estudante sobre de qual das cores do arco-íris ele mais gosta. Os dados desse levantamento podem ser representados em tabelas ou gráficos. Ao longo da atividade, o professor ensina, incentiva e estimula as crianças a pensarem sobre a construção das tabelas e dos gráficos, como o gráfico de barras horizontais da Figura 1. A participação das crianças ao longo da atividade é fundamental para que elas compreendam o papel da Estatística em seu cotidiano. O gráfico da Figura 1 representa uma única variável, a cor, e, por isso, todas as barras deveriam ter a mesma cor. No entanto, considerando o nível de ensino, caso a aula seja ministrada para os anos iniciais ou para a educação infantil, o professor pode sugerir que as crianças pintem cada barra conforme a cor que ela indica, de forma a auxiliar na percepção da construção gráfica, e questioná-los sobre qual é a cor preferida entre os estudantes que estão no início da alfabetização ou que ainda não foram alfabetizados.

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021).

Figura 1 Gráfico de barras com as cores do arco-íris. 

De acordo com a BNCC, a leitura, a interpretação e a construção de tabelas e gráficos têm papel fundamental na aprendizagem e no desenvolvimento de habilidades como ler dados expressos em tabelas e em gráficos de colunas/barras simples, previstas na área de Matemática do referido documento. A atividade do arco-íris pode desencadear a investigação de outras variáveis, como, por exemplo, a cor predileta de cada estudante em diferentes contextos (para além das cores do arco-íris), como a cor predileta de camiseta. O resultado dessa pesquisa pode ser representado em uma tabela ou gráfico como, por exemplo, o pictograma4 (Figura 2). Nesse gráfico, as colunas foram substituídas por camisetas, imagens que representam a variável investigada.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021)

Figura 2 Pictograma com as cores de camisetas prediletas dos estudantes. 

Em se tratando da contextualização da Estatística na conversa com as professoras, percebeu-se que elas utilizam muito a literatura infantil para abordar conceitos e temas do cotidiano. Toledo (2018) trabalhou com o livro “Meu dente caiu!” de forma a introduzir entre estudantes de uma turma do 2º ano do ensino fundamental uma investigação sobre os dentes deles que já haviam caído e a crença na fada dos dentes. Essa foi uma das atividades propostas pela autora em sua dissertação de mestrado.

De acordo com Silva (2003, p. 165), “[...] o trabalho com literatura infantil ajuda em vários aspectos da alfabetização matemática, principalmente no tocante ao desenvolvimento da leitura, da escrita e da formação de conceitos”. Souza e Assunção (2016) defendem o uso da literatura em atividades envolvendo conceitos matemáticos e estatísticos desenvolvidas com alunos da Educação Infantil. Para Shulman (2014, p. 217), a chave para distinguir a base do conhecimento para o ensino “[...] está na interseção entre conteúdo e pedagogia, na capacidade do professor para transformar o conhecimento de conteúdo que possui em formas que são pedagogicamente poderosas e, mesmo assim, adaptáveis às variações em habilidade e histórico apresentadas pelos alunos”.

Assim, na conversa sobre a potencialidade de abordar conceitos estatísticos por meio da literatura infantil, sugeriu-se o livro de Browne5 (2009), cujo cenário é a África do Sul – o que permite que as professoras explorem também a diversidade cultural, geográfica, a fauna e a flora. Em relação à Estatística, foram problematizados temas de investigação possíveis de serem trabalhados a partir da história do livro. Destaca-se a atividade que envolve diferentes tipos de frutas, foco principal da história. O professor pode perguntar aos estudantes qual a fruta predileta de cada um e propor a construção de uma tabela para registrar as respostas dos alunos. Nessa atividade, as frutas foram representadas por imagens (Figura 3)6, o que facilita a participação dos estudantes dos anos iniciais ou da educação infantil, ainda em processo de alfabetização.

Fonte: Correia et al. (2022).

Figura 3 Proposta de atividade para o contexto do livro “A Surpresa de Handa”. 

A partir da construção da tabela com as frutas, realizada no encontro relativo à sistematização e organização dos dados, discutiu-se sobre os elementos que constituem uma tabela e o que a diferencia de um quadro. Na sequência, foi sugerida a construção de um gráfico de colunas a partir dos dados organizados na tabela. Nessa atividade foram utilizadas imagens em vez de palavras tendo em vista que ela foi proposta para o 1º ano do ensino fundamental, cujos alunos se encontram num processo de alfabetização.

A utilização de imagens nessa atividade foi inspirada na dissertação de mestrado de Souza (2007). O autor desenvolveu uma atividade de pesquisa com alunos de educação infantil, não alfabetizados, utilizando imagens na construção de um questionário de coleta de dados e na organização desses em gráficos de colunas. A atividade proposta pelo autor foi inspirada na pesquisa de opinião realizada pelo setor da Prefeitura de Suzano/SP responsável pela merenda escolar. Essa pesquisa foi apresentada para as professores da rede de conversação no terceiro encontro (Figura 4), de forma a evidenciar a importância de trazer temas do cotidiano dos estudantes para investigação em sala de aula. Lopes (2003) ressalta a importância de abordar os conceitos estatísticos por meio da investigação com temas reais, que tenham significado para o estudante.

Fonte: Adaptado de Souza (2007).

Figura 4 Slide construído a partir da pesquisa de Souza (2007)

Essa atividade possibilitou ampliar a discussão sobre a pesquisa no ensino dos conceitos estatísticos já iniciada no primeiro encontro a partir do e-book de Cazorla et al. (2017). Outras pesquisas foram propostas a partir de temas inerentes ao ambiente escolar e ao cotidiano dos estudantes — como a temática da festa de aniversário, em que foi explorada a tabela de dupla entrada, proposta para o 2º ano do ensino fundamental, a fim de contemplar a habilidade específica da Matemática (EF02MA22) que trata de “[...] comparar informações de pesquisas apresentadas por meio de tabelas de dupla entrada e em gráficos de colunas simples ou barras, para melhor compreender aspectos da realidade próxima” (Brasil, 2018, p. 285).

Para inserir a temática da festa de aniversário, o professor pode contar uma história, propor uma música ou organizar uma festa com os aniversariantes do mês da turma. A partir desse tema, pode-se solicitar que os estudantes organizem uma pesquisa a fim de verificarem as preferências de doces e salgados para a festinha. É possível apresentar o resultado dessa investigação por meio de uma tabela de dupla entrada, colocando nas linhas o sexo do estudante (meninas ou meninos) e, nas colunas, o tipo de doce ou salgado preferido.

A partir dessa atividade de construção da tabela, foi possível debater com as professoras sobre questões referentes às dificuldades mais comuns enfrentadas pelos estudantes na organização de uma tabela, como o processo de contagem, a ordem das informações, como registrar as quantidades e a transposição dos dados para a tabela, como apontado por Buehring (2006) em sua pesquisa. Também discutiu-se sobre como a literatura infantil e o uso de imagens podem auxiliar na abordagem dos conceitos estatísticos.

Uma das professoras relatou que costumava levar tabelas já prontas para a sala de aula, o que não oportuniza aos estudantes compreender como essas são construídas e o que os dados expressam. A partir dessa reflexão, as professoras perceberam como é importante que o estudante vivencie a construção da tabela, pense e planeje sua elaboração e organização.

Em sua dissertação de mestrado, Buehring (2006) apresenta as diferentes estratégias adotadas pelas crianças na organização dos dados coletados em uma atividade intitulada “De que você tem medo”. Nessa atividade, a autora conversou com os estudantes sobre “O que é medo? Por que temos medo? O que acontece quando sentimos medo? Todos sentem medo? De que temos medo?” (Buehring, 2006, p. 70). Na sequência, cada estudante desenhou o seu maior medo, como espírito, o pai, aranha, fantasma, escuro, entre outros, e, por fim, apresentou seu desenho para a turma. Depois dessa apresentação, foi realizada a organização dos resultados de forma a construir uma tabela e um gráfico. Ao longo da atividade, a professora/pesquisadora relata as diferentes estratégias adotadas pelos estudantes na tabulação dos resultados, bem como suas dúvidas.

Quando essa proposta de atividade foi apresentada para as professoras da escola, elas comentaram que, assim como na pesquisa de Buehring (2006), o medo do pai também poderia surgir entre seus alunos, assim como outras situações delicadas vivenciadas pelas crianças no âmbito familiar e social.

A partir dessas manifestações, iniciou-se uma discussão sobre o cuidado que o professor precisa ter ao propor atividades de forma a não constranger ou gerar desconforto no estudante. A escola precisa estar atenta às diversas formas de violência contra a criança e o adolescente - muitas dessas invisíveis, como a violência psicológica -, de forma a auxiliar a família e o estudante. As diversas formas de violência, no entanto, podem ser observadas de outras maneiras, como no baixo rendimento escolar, problemas emocionais como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (Abranches; Assis, 2011). Exatamente por isso é importante ter cuidado na realização das atividades e na forma como os temas serão abordados, a fim de evitar a exposição do estudante — o que pode gerar um sofrimento ainda maior.

Nesse contexto também observou-se a potência da rede de conversações permeada pela aceitação do outro em sua legitimação, pois, por meio da aceitação mútua, do respeito e da cooperação, foi possível que houvesse uma reflexão e uma discussão crítica sobre questões sociais e como elas podem ser suscitadas por meio de atividades relacionadas à educação estatística.

Ao longo de todas as atividades, ao tratarem da construção de tabelas e gráficos, as pesquisadoras discutiram com as professoras sobre os elementos que constituem cada uma dessas formas de organizar e apresentar os dados, bem como a adequação de cada representação ao tipo de variável em estudo. Compreender como se organiza uma tabela e um gráfico pode auxiliar o estudante na leitura de informações apresentadas por meio dessas formas de representação. O professor tem papel fundamental nesse processo, pois, à medida que estabelece relações com diferentes linguagens e formas de expressão, ele auxilia o estudante na construção do conhecimento dos conceitos estatísticos.

Considerações Finais

Para pensar sobre o ensino de Estatística, as pesquisadoras instituiram uma rede de conversação com uma aluna da graduação em Psicologia e outra da graduação em Matemática que, posteriormente, foi ampliada, com a participação de professoras atuantes na educação infantil e anos iniciais da educação básica. Nessa rede denominada “rede de conversação universidade e escola” discutiu-se, especialmente, o que ensinar e como ensinar Estatística para desenvolver as habilidades e competências previstas na BNCC para essa etapa do ensino.

A rede universidade e escola foi estabelecida a partir do desejo de seus participantes e construída na perspectiva das relações de respeito mútuo e de ações que legitimam o outro. Desse modo, constituiu-se uma convivência cooperativa que permitiu a troca de experiências e possibilitou a compreensão sobre algumas das potencialidades e dos limites das atividades propostas. Nesse contexto, foram observadas e discutidas as possibilidades de implementação de propostas de ensino de Estatística já existentes, adequando-as a outros contextos e a diferentes anos escolares para ampliar o repertório de alternativas do professor.

Além disso, foi possível perceber como o professor precisa ser cuidadoso com as atividades que propõe aos alunos e com a forma como fará a abordagem na sala de aula para não criar situações de constrangimento e provocar sofrimento. Muitos problemas sociais podem e até devem ser debatidos na escola; contudo, é necessário que isso seja feito no momento certo e de forma adequada, sob o risco de originarem situações emotivas difíceis de serem mediadas pelo professor.

Nos encontros com as professoras da escola, foram discutidos pesquisas e trabalhos do campo da educação Estatística envolvendo propostas didáticas para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental, que geraram novas ideias e provocaram reflexões. Com isso, percebeu-se a importância de criar espaços profissionais em que se possa conversar sobre o que é produzido na academia, assim como sobre as questões cotidianas que perpassam o dia a dia das escolas. As conversações estabelecidas de forma recorrente entre essas duas instâncias da educação podem avançar na perspectiva de um trabalho conjunto que possibilite a valorização do ensino de Estatística e promova a construção e o exercício de uma cidadania crítica.

Outro aspecto discutido com as professoras foi o estudo da Estatística por meio da investigação e da literatura infantil. Participar de uma investigação possibilita aos estudantes compreenderem todas as fases da pesquisa, desde a coleta dos dados até a representação desses por meio de tabelas e gráficos. Da mesma forma, explorar o contexto das histórias infantis leva os estudantes a encontrarem significado nos conceitos estatísticos adotados no tratamento dos dados, auxiliando-os a ler o mundo em que vivem. Desse modo, essas abordagens potencializam o processo de ensinar e aprender Estatística.

Por fim, ressalta-se que estabelecer espaços de discussão entre a universidade e a escola possibilita aos professores pesquisadores, professores da escola e graduandos experienciarem outras realidades e fomentarem a construção de um pensamento crítico sobre o ensino da Estatística.

3Estocástica é o termo utilizado para tratar a probabilidade integrada à estatística.

4Vídeo com a construção do pictograma no Excel disponível em https://youtu.be/_cGFtzM3xfo

5A escolha desse livro deu-se por ele estar disponível em vídeo na plataforma Youtube, o que facilita o acesso dos alunos e minimiza a dificuldade enfrentada pelos professores no que diz respeito ao material didático em tempos de pandemia.

6Essa atividade está publicada no E-book de Correia et al. (2022).

Como citar este artigo/How to cite this article

SAMÁ, S.; SILVA, R. C. S. Rede de conversação universidade e escola: discussões e reflexões sobre o ensino de Estatística. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 28, e238489, 2023. http://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a8489

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Recebido: 28 de Abril de 2023; Revisado: 05 de Julho de 2023; Aceito: 06 de Julho de 2023

Correspondência para/Correspondence to: S. SAMÀ. E-mail: suzisama@furg.br.

Editora Responsável: Celi Aparecida Spasandin Lopes

Conflito de interesses: não há

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