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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.28  Campinas  2023

https://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a8484 

Práticas Pedagógicas e Processos Educativos em Educação Estatística

Letramento estatístico na consolidação de um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS): uma experiência com alunos do 8° ano do ensino fundamental

Statistical literacy in the consolidation of a Sustainable Development Goal (SDG): an experience in the 8th grade of elementary school

Sidney Silva Santos, idealizador do projeto, responsável por todo o seu planejamento e aplicação, metodologia, investigação, análise de dados, posterior redação final do texto1 
http://orcid.org/0000-0002-3513-3837

Geovane Carlos Barbosa, metodologia, investigação, análise de dados, posterior redação final do texto2 
http://orcid.org/0000-0001-9159-1333

Priscila Bernardo Martins, metodologia, investigação, análise de dados, posterior redação final do texto3 
http://orcid.org/0000-0001-6482-4031

1Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Escola de Ciências Humanas, Jurídicas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em Educação. Campinas, SP, Brasil.

2Instituto Federal do Espírito Santo, Coordenadoria da Licenciatura em Matemática. Cachoeiro de Itapemirim, ES, Brasil.

3Universidade Cruzeiro do Sul, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. São Paulo SP, Brasil.


Resumo

As informações estatísticas sempre estiveram presentes nas tomadas de decisão. No entanto, poucas pessoas possuem os conhecimentos necessários para exercer sua cidadania. Este estudo tem como objetivo desenvolver um projeto de ensino de Estatística, especificamente sobre análise crítica de dados e tomada de decisão, articulado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável “Saúde e Bem-Estar”, visando fornecer significado para os alunos. A investigação, de cunho qualitativo, baseia-se no projeto estatístico “Autocuidado: o que a Estatística tem a ver com isso?”, desenvolvido com estudantes do 8º ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Praia Grande/SP. Os resultados apontam que os estudantes puderam ressignificar seus hábitos de higiene e compreender a importância da Estatística para tomada de decisão. Por fim, entendeu-se que propiciar atividades que expressem a realidade e as experiências dos estudantes e os coloquem como protagonistas no processo de ensino e aprendizagem é uma estratégia relevante para desenvolver um cidadão crítico e letrado em Estatística.

Palavras-chave Autocuidado; Ensino de Estatística; Ensino Fundamental; Letramento Estatístico

Abstract

Statistical information has always been present in society’s decision-making process. However, few people have the necessary knowledge to exercise their citizenship. This study aims to develop a statistics teaching project, specifically on critical data analysis and decision-making, articulated with the Sustainable Development Goal “Health and Well-Being”, aiming to provide meaning for students. The qualitative investigation is based on the statistical project “Self-care: what does statistics have to do with it?”, developed with students of the 8th year of elementary school in a municipal school in the city of Praia Grande/SP. The results indicate that students were able to reframe their hygiene habits and understand the importance of statistics in decision making. Finally, it was understood that developing activities that express students’ reality and experiences and place them as main actors in the teaching and learning process is a relevant strategy for developing a critical and literate citizen in statistics.

Keywords Elementary School; Self-Care; Statistics Teaching; Statistical Literacy

Introdução

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou como pandemia o surto de covid-19, causado pelo novo coronavírus (SarsCov2). Com o crescimento acentuado dos níveis de contágio em nível mundial e a falta de uma vacina ou um fármaco específico cientificamente legitimado e recomendado pelos sanitaristas e órgãos oficiais, as autoridades foram levadas à implementação de lockdowns e restrições sociais em diversas partes do mundo.

O Brasil também enveredou por essa direção, visando assegurar o distanciamento social e abrandar o contágio, de modo a resguardar-se de um colapso dos sistemas de saúde. Diante desse contexto pandêmico, os sistemas de educação também sentiram os impactos da pandemia e enfrentaram muitos desafios tendo em vista a suspensão temporária das aulas presenciais.

Atualmente, após o retorno das aulas presenciais, educadores de diferentes partes do mundo refutam entre antes e depois da pandemia, visto que ainda enfrentam múltiplos desafios para se adaptar à nova realidade, batizada como o “novo normal”. Entre os desafios, podem ser citados a evasão escolar, que foi causada por vários fatores, como, por exemplo, o fato de que muitos estudantes estavam sem acesso à internet e, portanto, não acompanharam as aulas remotas; pais e responsáveis que, muitas vezes, não foram alfabetizados e, consequentemente, não conseguiram apoiar os estudantes; alunos com aprendizagens muito diferentes; alunos que não mudaram ou perderam hábitos de cuidar de si ou, ainda, de se relacionar com o outro. Ademais, os próprios professores enfrentaram problemas com relação ao conhecimento tecnológico, pois, embora apresentassem o conhecimento comum das tecnologias (navegar em sites, redes sociais e ambientes virtuais), era preciso que eles tivessem o entendimento específico do conteúdo atrelado ao uso do recurso digital para ensinar um determinado objeto matemático ou estatístico pois, caso contrário, todos os esforços poderiam ser em vão.

Refletindo sobre isso e em conversas informais com colegas de profissão, na tentativa de reduzir as desigualdades evidenciadas por essa situação de calamidade pública e viabilizar um redimensionamento nas ações mobilizadas pelos estudantes em sala de aula, desenvolveu-se um projeto intitulado “Autocuidado: o que estatística tem a ver com isso?” com um grupo de estudantes de uma turma de 8° ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Praia Grande, no litoral de São Paulo.

O projeto foi idealizado levando em consideração, também, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especificamente o denominado “Saúde e Bem-Estar”, que visa assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar de todos, em todas as idades. Assim, o propósito desse projeto foi promover a conscientização e reflexão sobre a importância do autocuidado de modo a contribuir para o desenvolvimento pessoal, cognitivo e intelectual do estudante e, ao mesmo tempo, não perder de vista o ensino de um determinado objeto de conhecimento que, no caso deste projeto, foi a Estatística. A escolha se justifica devido à necessidade de que a tomada de decisão seja consciente, feita com base em informações reais do cotidiano.

A palavra “autocuidado” será usada, neste artigo, no sentido mais amplo do termo; ou seja, fazendo referência ao conjunto de ações que cada indivíduo pratica para cuidar de si e promover uma melhor qualidade de vida para si mesmo e, consequentemente, para os outros. Nesse sentido, de acordo com o Projeto de Lei nº 9.714/2018, o termo autocuidado:

Envolve questões fundamentais como higiene (geral e pessoal), nutrição (variedade e qualidade dos alimentos ingeridos), estilo de vida (atividades esportivas, lazer etc.), fatores ambientais (condições de moradia, hábitos sociais etc.) e socioeconômicos (nível de renda, crenças culturais etc.)

(Brasil, 2018, p. 2).

Frente ao exposto, o referido artigo visa discutir o ensino de Estatística como recurso potencial para desenvolver o senso crítico dos estudantes de uma turma de 8° ano do ensino fundamental de uma escola do município de Praia Grande (SP) buscando contribui com o processo de tomada de decisões emergentes da realidade, no âmbito de um projeto articulado com o ODS “Saúde e Bem-Estar”.

Especificamente, buscou-se desenvolver reflexões sobre a necessidade de cuidar de si como uma forma de contribuir para o próprio desenvolvimento como cidadão crítico, propor situações de aprendizagem nas quais os estudantes são levados à elaboração de suas próprias estratégias de resolução e refletir e ampliar, por meio de rodas de conversas com profissionais de diversas áreas (odontologista, psicólogo, enfermeiro, advogado), os conhecimentos sobre o cuidar de si.

Tendo em vista esses pressupostos, este projeto assumirá o desenvolvimento de aprendizagens por meio da investigação matemática/estatística como perspectiva pedagógica, uma vez que isso pode favorecer o desenvolvimento dos objetivos propostos, particularmente quando se leva em conta sua dinâmica investigativa e problematizadora, a qual demanda um papel ativo e uma atitude crítica em relação ao conhecimento matemático e estatístico.

Reconhece-se que a educação Estatística4 dá ênfase ao desenvolvimento do raciocínio estatístico e probabilístico a partir do estudo de dados reais. Assim, o uso de recursos tecnológicos para a compreensão conceitual e análise de dados torna-se essencial, já que a abordagem metodológica centra-se na compreensão de conceitos e na elaboração de procedimentos. Desse modo, passa-se a explanar sobre letramento estatístico, focalizando a tomada de decisões.

Letramento estatístico: tomada de decisão

O mundo é repleto de informações e situações que permitem que as pessoas recorram à Estatística para resolver problemas relacionados às diferentes áreas do conhecimento ou para inferir criticamente sobre eles. Segundo Lopes (2008, 2010), nas últimas décadas, os currículos de Matemática da maioria dos países inseriram conteúdos de Combinatória, Probabilidade e Estatística desde os anos iniciais da escolarização fundamental na intenção de desenvolver nos estudantes habilidades e competências a partir de seus primeiros contatos com um mundo em constante mudança.

No Brasil, o ensino desses conteúdos foi implementado de forma sugestiva por meio do tema “Tratamento da Informação” presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) e em Brasil (2017), com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), agora como uma unidade temática específica intitulada: “Probabilidade e Estatística”, a qual normatiza que o ensino de Estatística e Probabilidade deve ser abordado a partir dos primeiros anos do ensino fundamental. Apesar de serem consideradas ciências diferentes, na BNCC, a Estatística é entendida como uma subárea da Matemática.

Esse documento oficial enfatiza que os estudantes do 8° ano devem desenvolver, dentro dessa temática, a habilidade de: “(EF07MA36) Planejar e realizar pesquisa envolvendo tema da realidade social, identificando a necessidade de ser censitária ou de usar amostra, e interpretar os dados para comunicá-los por meio de relatório escrito, tabelas e gráficos, com o apoio de planilhas eletrônicas”.

(EF07MA37) Interpretar e analisar dados apresentados em gráfico de setores divulgados pela mídia e compreender quando é possível ou conveniente sua utilização.

(EF08MA26) Selecionar razões, de diferentes naturezas (física, ética ou econômica), que justificam a realização de pesquisas amostrais e não censitárias, e reconhecer que a seleção da amostra pode ser feita de diferentes maneiras (amostra casual simples, sistemática e estratificada).

(EF08MA27) Planejar e executar pesquisa amostral, selecionando uma técnica de amostragem adequada, e escrever relatório que contenha os gráficos apropriados para representar os conjuntos de dados, destacando aspectos como as medidas de tendência central, a amplitude e as conclusões

(Brasil, 2017, p. 311).

Destaca-se aqui que, para o desenvolvimento do projeto, considerou-se importante retomar com os alunos algumas habilidades do 7º ano relacionadas ao ensino de Estatística, pois entendeu-se que o desenvolvimento dos estudantes, que haviam passado por um período de ensino remoto em decorrência da pandemia, requeria atenção.

Paralelamente a esse cenário, emergem algumas preocupações e desafios sobre o que ensinar e como ensinar os conteúdos relacionados a essas temáticas para efetivar o desenvolvimento do pensamento científico, da comunicação estatística e probabilística, da argumentação fundamentada em dados e da tomada de decisão consciente. Concomitantemente ao desafio de ensinar e aprender Estatística, sobreveio também a necessidade de romper com os aspectos procedimentais das aulas de Matemática que valorizam fórmulas, cálculos e regras.

Entende-se, assim como Cazorla, Kataoka e Silva (2010), que o ensino de Estatística se dá por meio do desenvolvimento de competências, como o letramento estatístico, que tem por intuito proporcionar uma postura focada na investigação e reflexão crítica em uma sociedade globalizada, carregada de informações, e pela necessidade de tomar decisões em situações de incerteza. Isso leva à consideração de que o letramento estatístico está relacionado com as ações de trocar informações, interpretar gráficos e tabelas e entender as informações estatísticas dadas em jornais e outras mídias, sendo capaz de pensar criticamente sobre elas (Campos; Wodewotzki; Jacobini, 2011, p. 44).

O letramento estatístico, também entendido como literacia estatística, “[...] pode ser entendido como a capacidade para interpretar argumentos estatísticos em textos jornalísticos, notícias e informações de diferentes naturezas” (Lopes, 2004, p. 1). Nessa perspectiva, para letrar o estudante, se faz necessário envolvê-lo no processo de aprendizagem, proporcionando o contato com informações estatísticas reais por meio da coleta, organização e interpretação de dados para tirar conclusões e, a partir delas, tomar decisões. Dessa forma, Gal (2002) argumenta que uma criança, um jovem ou um adulto se constitui letrado estatisticamente quando consegue realizar interpretações e análises críticas sobre informações estatísticas apresentadas em uma ótica social globalizada.

Entende-se que, para a aquisição de habilidades relacionadas ao letramento estatístico, torna-se promissor o desenvolvimento do pensamento estatístico, “[...] o qual permite que a pessoa seja capaz de utilizar ideias estatísticas e atribuir um significado à informação estatística” (Lopes, 2004, p. 1), ou, ainda,

[...] requer que a pessoa seja capaz de reconhecer e classificar dados como quantitativos ou qualitativos, discretos ou contínuos, e saiba como o tipo de dado conduz a um tipo específico de tabela, gráfico, ou medida estatística. Precisa saber ler e interpretar tabelas e gráficos, entender as medidas de posição e dispersão, usar as ideias de aleatoriedade, chance e probabilidade para fazer julgamentos sobre eventos incertos e relacionar a amostra com a população. Espera-se, ainda, que o indivíduo saiba como julgar e interpretar uma relação entre duas variáveis. Pode-se notar que isso é muito mais do que possuir competências de cálculo, é preciso adquirir habilidades para compreender a leitura e a interpretação numérica necessária para o exercício pleno da cidadania com responsabilidade social na tomada de decisões

(Lopes, 2004, p. 1).

O contexto atual, requer, mais do que nunca, a existência de cidadãos letrados que sejam capazes de decifrar, de maneira crítica, as informações estatísticas contidas, por meio de números e símbolos e sob a forma de gráficos e tabelas, em textos escritos ou orais e argumentar sobre elas, deixando de lado crenças e atitudes construídas por meio do senso comum (Gal, 2002). Dessa forma, entende-se que é preciso:

Analisar/relacionar criticamente os dados apresentados, questionando /ponderando até mesmo a sua veracidade. Assim, como não é suficiente ao aluno desenvolver a capacidade de organizar e representar uma coleção de dados, faz-se necessário interpretar e comparar esses dados para tirar conclusões

(Lopes, 2008, p. 60).

A Estatística é uma ciência que não se restringe apenas aos cálculos matemáticos; pelo contrário, todos os seus dados estão em um contexto e podem proporcionar ao cidadão a capacidade de refletir e criticar informações apresentadas pela sociedade, inferindo se são falsas ou verdadeiras. Portanto, realizar cálculos não é a única tarefa da Estatística. Seus benefícios vão além de um simples valor numérico calculado por meio de métodos computacionais ou exercícios mecânicos.

Dessa forma, as atividades que compõem este projeto foram direcionadas a fim de promover indícios do letramento estatístico, através do qual os alunos podem compreender, de forma crítica, as informações presentes na mídia para, então, tomar decisões e argumentar sobre os seus pontos de vista, baseando suas decisões em uma análise crítica dos dados que estão postos. Para o letramento estatístico, é importante que o aluno tenha autonomia para escolher a pesquisa, criar seus próprios dados e, assim, compará-los com os apresentados em jornais (impressos ou digitais), TV e internet. Isto posto, a presente atividade zela pelo poder de decisão, investigação, inquirição e argumentação dos estudantes.

Procedimentos metodológicos

Para atingir os objetivos propostos, recorreu-se a uma abordagem qualitativa, que possibilita ao pesquisador compreender o universo dos significados, como crenças, motivos, valores, aspirações e atitudes dos constituintes da pesquisa. De fato, esse método auxilia na compreensão dos fenômenos ocorridos, considerando o olhar do participante da pesquisa com cerne na interpretação intersubjetiva dos episódios (Minayo, 2001; Gamboa, 2003; Neves, 1996). Assim, além dessa subjetividade imersa nos dados, a pesquisa qualitativa é aquela que:

Considera o ambiente como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento chave; possui caráter descritivo; o processo é o foco principal de abordagens e não o resultado ou produto; a análise dos dados é realizada de forma intuitiva e indutivamente pelo pesquisador; não requer o uso de técnicas e métodos estatísticos; têm como preocupação maior o levantamento e a interpretação de fenômenos do que a sua representação dentro de um grupo

(Godoy, 1995, p. 58).

O projeto foi desenvolvido no ano de 2022, com quatro turmas de alunos do 8° ano do ensino fundamental — totalizando 82 adolescentes —, com idades entre 13 e 14 anos, inseridos num processo de escolarização da rede municipal de Praia Grande, município localizado no litoral paulista.

Convém destacar que os estudantes eram oriundos de contextos sociais, geográficos e econômicos diversos, com realidades familiares diferentes. A escola na qual estudavam fica localizada em um bairro de classe média baixa e conta com 14 salas de aula, duas quadras cobertas, uma biblioteca, um laboratório de Ciências, uma sala multimídia e um refeitório. As turmas estão organizadas em três períodos — manhã, tarde e noite —, divididas em dois níveis de escolaridade – ensino fundamental e médio, esse último proporcionado a alunos inseridos na modalidade Educação de Jovens E Adultos (EJA).

O referido projeto foi estruturado em três partes, sendo: levantamento de dados; conversa com os especialistas e validação. Essas partes foram subdivididas em etapas, as quais serão esclarecidas adiante.

A primeira parte, denominada levantamento de dados, teve por objetivo realizar um levantamento de informações referentes aos cuidados que os adolescentes possuíam com eles mesmos, na intenção de confrontar ou refutar esses dados com as indicações sugeridas nas pesquisas brasileiras, veiculadas por meio de mídias na internet. Em busca de atingir os objetivos propostos nessa primeira parte, ela foi estruturada em três etapas:

Para a primeira etapa, o professor das quatro turmas elaborou um formulário, com o auxílio do Google Forms5, com perguntas variadas referentes aos cuidados que os alunos possuíam com eles mesmos. A construção das perguntas baseou-se em observações feitas pelo professor durante as aulas ministradas nos primeiros meses do ano letivo. A intenção era que, nas etapas posteriores, os estudantes respondessem ao formulário de forma anônima para que não houvesse constrangimentos com relação às temáticas abordadas.

A aplicação do formulário se deu na segunda etapa do levantamento de dados. O professor aplicou o referido formulário nas quatro turmas de 8° ano. Na ocasião, os alunos foram levados à sala de multimídia da escola e, individualmente, utilizaram tablets disponibilizados pela instituição para responderem aos questionamentos da etapa anterior. Para isso, escanearam um QR Code para acessar as perguntas elaboradas pelo professor na etapa anterior. Essa etapa foi importante, pois, além de coletar informações que auxiliaram na etapa subsequente, o professor das turmas organizou os dados brutos coletados por meio do formulário utilizando-se de tabelas e gráficos estatísticos (tabela simples, gráficos de barras simples e setores) disponíveis no próprio aplicativo Forms.

Na terceira etapa da primeira parte, os estudantes compararam, validaram ou refutaram as informações coletadas na etapa anterior com outras apresentadas pelas mídias digitais e disponíveis na internet, intituladas “Sobre autocuidado” (https://youtu.be/h4uv5K0s4rM), “Higiene pessoal: hábitos simples fazem a diferença” (https://youtu.be/Z5utoGzDrss) e “Brasileiro é campeão mundial de banho, mas pouco lava as mãos” (https://youtu.be/gUui8j8wK4o). Essas discussões foram realizadas de forma presencial, em rodas de conversa com cada turma, com a colaboração do professor de Ciências tendo em vista que se tencionava a promoção da interdisciplinaridade.

Nessa ocasião, os estudantes tiveram que analisar criticamente os dados oriundos das suas realidades, presentes nos gráficos e tabelas construídos pelo professor na etapa anterior e selecionados para a discussão, e puderam tomar decisões importantes para uma possível mudança de hábito que, sem dúvida, subsidiaram e ampliaram as discussões para as próximas etapas.

Depois do levantamento, coleta, organização e discussão dos dados realizados inicialmente, a segunda parte do projeto foi a conversa com os especialistas. Alguns temas relacionados ao autocuidado foram emergindo a partir do convívio do professor com os estudantes nos meses letivos iniciais do ano de 2022, após o retorno presencial obrigatório às escolas: higiene pessoal, higiene bucal, direitos e deveres (uso de imagens), conflitos pessoais e interpessoais, saúde mental. Essa percepção se deu devido às crianças e adolescentes retornarem para o ensino presencial sem terem que, obrigatoriamente, fazer uso de máscara e manter outros cuidados que tiveram durante a pandemia.

A partir do olhar atento e da percepção do professor das turmas de adolescentes, foi possível intervir em colaboração com profissionais que atuam na área da saúde e da justiça brasileira, ampliando as discussões a respeito do cuidar de si. Nessa parte do projeto, receberam um odontologista, uma psicóloga e um advogado, que participaram das rodas de conversa com os estudantes com a finalidade de atingi-los, de alguma forma, para uma possível mudança de hábito em suas ações diárias. O objetivo foi fazer com que eles refletissem sobre os processos do cuidar de si, mobilizando ações que promovessem uma mudança de hábitos em prol do bem-estar e da qualidade de vida, e que percebessem, dessa forma, que esses cuidados são essenciais para o desenvolvimento de um cidadão crítico e consciente.

Com a intenção de alcançar os objetivos traçados nessa segunda parte do projeto, ela foi organizada em etapas. Assim, a primeira etapa teve início a partir de uma discussão sobre características importantes da saúde bucal e o uso de imagens disponibilizadas na internet, da qual participaram um odontologista e uma advogada, ambos ex-alunos do professor das turmas e primeiro autor deste artigo. A intenção era promover reflexões críticas acerca dessas temáticas, fazendo com que os estudantes percebessem que se trata de uma forma de melhorar as relações pessoais e coletivas, ter mais cuidado com a saúde, mais criatividade e produtividade e melhor qualidade de vida, e que refletissem sobre os cuidados que precisam ter com a divulgação de imagens pessoais na internet. Essa etapa foi necessária para que os alunos interrelacionassem as informações discutidas nas etapas anteriores e mobilizassem reflexões acerca de possíveis mudanças em relação aos cuidados com eles mesmos.

À medida que os meses passavam, outras percepções iam surgindo e, com isso, novas abordagens e temáticas relacionadas ao autocuidado requereram atenção. Na segunda etapa, uma psicóloga foi convidada para discutir aspectos que emergiram na sala de aula, relacionados às questões socioemocionais dos estudantes, na intenção de auxiliá-los a “Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas” (Brasil, 2017, p. 9).

Na sala de aula, os alunos foram postos em rodas de conversa para discutirem características relacionadas à sanidade mental, cognitiva, emocional, na tentativa de reconhecerem suas emoções e saberem lidar com elas. Essa etapa do projeto aconteceu em meados de setembro daquele ano, mês considerado “amarelo”, e o período foi propício para discussões sobre automutilação e suicídio. Já na terceira etapa, o professor de Ciências da instituição foi convidado para confeccionar sabonetes, desodorantes e perfumes com os alunos, na intenção de inspirar e incentivar os estudantes a utilizarem os itens.

Por fim, a terceira parte do projeto consistiu na validação. Essa parte da intervenção tinha como finalidade interrelacionar os objetivos e ações mobilizadas nas etapas anteriores, levando os estudantes a perceberem mudanças de pensamento com relação à maneira de se cuidar e, principalmente, em suas ações dentro e fora da escola, evidenciando que desenvolver hábitos de vida mais saudáveis, conscientes e responsáveis pode iniciar mudanças permanentes na vida deles. A adoção de novos padrões de comportamento pode não só reverter o aparecimento de doenças, mas também aumentar os níveis da capacidade cognitiva e emocional, melhorando o humor e a aprendizagem no dia a dia. Além disso, os alunos puderam perceber que os resultados apresentados oriundos da realidade social, histórica e geográfica em que vivem influencia de maneira significativa a tomada de decisão e que essa pode ser crítica e consciente para que, a partir dela, aconteça a mudança de hábitos.

A terceira parte do projeto desdobrou-se em três etapas. Para compor a primeira, o professor da turma acrescentou outras perguntas àquelas feitas no início do projeto, por meio de outro formulário (Google Forms). Na segunda, o formulário reelaborado foi aplicado aos estudantes. Em seguida, os alunos analisaram os dados e, criticamente, realizaram inferências sobre aqueles disponibilizados por eles na primeira fase do projeto, relacionando suas constatações àquelas apresentadas nessa parte, com a finalidade de identificar se houve mudanças na forma de se olhar e de cuidar de si, além de observar as ações diárias em sala de aula.

Ao final dessas reflexões e apontamentos, na terceira, os adolescentes produziram um texto expressando opinião deles sobre a importância de se cuidar, direcionado seu olhar para a relevância da Estatística nesse movimento. Com isso, identificou-se o novo olhar que eles construíram sobre o autocuidado. Desse modo, foi possível verificar suas reflexões e os cuidados que passaram — ou não — a terem consigo.

Análise das resoluções propostas pelos estudantes

Após a realização do projeto, algumas respostas dos estudantes, trazidas por eles na primeira e na última parte do projeto (levantamento de dados e validação), foram apresentadas para os próprios discentes. Optou-se por trazer os gráficos no sentido de mostrar como as informações estatísticas se apresentam como potencial para que os estudantes sejam capazes de ir muito além do que fazer uma simples comparação de variáveis, muito presente nos currículos apresentados aos professores, visto que o propósito do projeto era fazer com que os estudantes explorassem uma pesquisa estatística em sua plenitude e pudessem analisar os dados criticamente e tomar decisões, tendo em vista mudanças de hábitos que levam à promoção de saúde e bem-estar. Pode-se afirmar, ainda, que os conteúdos estatísticos foram abordados pelo professor responsável pelo projeto de maneira formal, mas que a sua intencionalidade docente se fez muito presente.

Conforme destacado, 82 alunos participaram da primeira parte da pesquisa (levantamento de dados). Já da terceira parte (validação) participaram 65 alunos, com idades entre 13 e 14 anos.

Isso posto, a seguir são trazidos os gráficos comparativos entre as partes levantamento de dados e validação. A Figura 1 mostra o quantitativo de vezes que os estudantes escovavam os dentes por dia. Seus dados revelam que, ao serem questionados sobre a quantidade de vezes que escovavam os dentes por dia, na primeira etapa do projeto, uma taxa percentual bastante relevante e preocupante mostrava que 31% dos alunos estavam entre aqueles que escovam os dentes nenhuma, uma ou duas vezes ao dia. Em contrapartida, esse resultado se modificou depois que a intervenção por meio do projeto foi realizada, sendo que a porcentagem de alunos que escovavam os dentes até duas vezes por dia caiu para 20%.

Fonte: dados da pesquisa (2022)

Figura 1 Número de vezes que os alunos escovavam os dentes por dia. 

Foi possível observar também um aumento expressivo no percentual de estudantes com pelo menos três escovações por dia, principalmente aqueles que escovam quatro ou mais do que quatro vezes por dia, sendo que ambas as categorias tiveram um aumento de 12%. Esse fato demonstra a importância de abordar, nos anos finais do ensino fundamental, ações que levem em consideração temáticas relacionadas ao autocuidado.

Cabe destacar que os dados da parte 1 (antes) desse gráfico foi o ponto de partida que motivou a intervenção, pois entendeu-se que esses estudantes não foram orientados ou, se foram, não deram importância para esse cuidado. Assim, a necessidade de abordar mais situações estatísticas reais que promovam a formação de cidadãos críticos, éticos e reflexivos foi apontada.

No questionamento posterior, fica evidente que muitos estudantes, além de passarem a escovar mais vezes os dentes, também começaram a trocar as meias com mais frequência, conforme é possível observar na Figura 2, através do qual percebeu-se que a maioria dos alunos (20%) envolvidos no projeto trocava as meias três vezes por semana ou, ainda, repetia meias usadas em mais de um dia da semana. A partir das discussões e reflexões realizadas durante o projeto, esse cenário sofreu mudanças, e os alunos passaram a trocar as meias mais do que sete vezes por semana (31%), não repetindo-as durante a semana; pelo contrário, passaram a usar mais de uma meia por dia. Antes, 88% dos alunos trocava as meias até sete vezes por semana; esse percentual diminuiu para 69%, aumentando a taxa daqueles que trocavam suas meias mais de sete vezes por semana.

Fonte: dados da pesquisa (2022).

Figura 2 Quantidade de vezes que os estudantes trocavam as meias em uma semana. 

Outro aspecto que foi questionado antes e depois da intervenção está relacionado ao número de banhos que os alunos tomavam por dia, informações exibidas na Figura 3. As mudanças apresentadas pelos alunos vão ao encontro daquelas esperadas mundialmente: média de três banhos por dia por pessoa. Existiam ainda aqueles que tomam três ou mais banhos por dia, representando 38% do total dos alunos. Para que esse percentual aumentasse, a quantidade de alunos que tomava um banho ou dois por dia diminuiu. Esse fato chamou a atenção, pois pensava-se que faltavam orientações nessa direção, e outras hipóteses foram levantadas: falta de orientação por parte dos pais, falta de costume, falta de recursos financeiros, entre outras.

Fonte: dados da pesquisa (2022).

Figura 3 Quantidade de banhos diários que os alunos tomavam. 

Entendeu-se que a aprendizagem da linguagem gráfica apresenta dificuldades que requerem habilidades específicas para sua compreensão; no entanto, quando essa abordagem é feita com dados oriundos da realidade dos estudantes, o envolvimento deles no processo de análise proporciona o desenvolvimento da habilidade crítica de interpretar, comparar e tirar conclusões para além dos dados apresentados. Dessa forma, foi possível observar que isso vai além da competência de realizar cálculos ou de analisar situações hipotéticas; é preciso apropriar-se de habilidades para compreender a leitura e a interpretação de dados para o exercício pleno da cidadania com responsabilidade social na tomada de decisões (Lopes, 2004).

A Figura 4 exibe o número de vezes que os estudantes trocavam suas roupas íntimas. Sem dúvida, esse é um dos itens mais importantes dessa análise, pois é sabido que a falta de cuidado com essa região propicia o surgimento de bactérias que podem causar infecções, odor corporal e outras doenças. Esse, entre todos os questionamentos, foi mais preocupante dentre os resultados apresentados. Apesar de a escola estar localizada em um bairro de classe média, a realidade socioeconômica dos estudantes era diversa.

Fonte: dados da pesquisa (2022).

Figura 4 Número de vezes que os alunos trocavam as roupas íntimas em uma semana. 

Observando a Figura 4, fica evidente um aumento no percentual de alunos que passaram a usar mais do que sete peças íntimas ao longo da semana e um decréscimo de 5 % para 0 % na porcentagem de alunos que repetiam a mesma peça íntima durante uma semana. Isso nos leva a pensar que existem temas urgentes que precisam ser explorados na escola básica; o cuidado com a higiene íntima é fundamental para que as crianças não sofram com coceiras e irritações, prevenindo, assim, doenças relacionadas à saúde íntima.

Outro aspecto que chama atenção nessa atividade está relacionado à capacidade dos alunos de compreenderem a linguagem gráfica utilizada na organização dos dados. Nessa direção, os discentes foram expostos a uma investigação estatística na qual foi possível observar uma forma de organização, representação e interpretação de dados estatísticos reais; com isso, reconheceram três objetos estatísticos que, segundo Curcio (1989), são fundamentais para o desenvolvimento da compreensão da linguagem gráfica: o tipo de gráfico e seus elementos constitutivos, as relações matemáticas existentes entre os números e suas respectivas ideias, e a habilidade de inferir sobre resultados com argumentos e interrelacionando vários conhecimentos, o que permite extrapolar as informações apresentadas no gráfico — neste caso, a mudança de hábito (Curcio, 1989).

Quando questionados sobre o entendimento deles a respeito do autocuidado, deparou-se com muitas respostas, as quais foram classificadas em quatro categorias, conforme o Quadro 1. Na primeira, foram incluídos os estudantes que não sabiam a que se referia o termo autocuidado. Os alunos que sabiam, mas não conseguiram descrever com palavras, compõem a segunda categoria; aqueles que atrelaram o significado do termo à vaidade foram adicionados à terceira categoria, e os que sabiam o significado numa perspectiva mais geral, o que vai ao encontro da perspectiva desse projeto, foram relacionados na categoria quatro. No entanto, quando questionados sobre o que a estatística tem a ver com autocuidado, os alunos responderam da seguinte forma:

Quadro 1 Classificação das respostas dos estudantes*

Categorias Respostas dos estudantes
Estudantes que não sabiam a que se referia o termo autocuidado Não sei (Aluno A)
Não sei (Aluno B)
Não muita coisa (Aluno C)
Estudantes que sabiam o significado do termo autocuidado, mas não conseguiram descrever com palavras Eu não sei muito :( tipo depende (Aluno D)
Depende (Aluno E)
Não sei explicar (Aluno F)
Estudantes que atrelaram o significado do termo à vaidade Uma pessoa vaidosa que gosta de cuidar de si mesmo (Aluno G)
É quando uma pessoa se cuida, está sempre arrumando etc. (Aluno H)
Estudantes que sabiam o significado numa perspectiva mais geral Cuidar de si mesmo, se amar em primeiro lugar e cuidar de sua higiene pessoal (Aluno I)
Cuidar de mim mesma (Aluna J)
Autocuidado é se cuidar (da pele, da saúde, se exercitando) (Aluno K)
Se cuidar; por exemplo cuidar do rosto, corpo, cabelo, ter uma alimentação boa etc. (Aluno L)
Autocuidado é quando a pessoa cuida de sua alimentação, seu físico; é uma pessoa que está fazendo sempre o melhor para si (Aluno M)

Nota:

*Os estudantes foram identificados pelas letras A até M, uma vez que o formulário foi respondido de forma anônima para preservar suas identidades.

Fonte: dados da pesquisa (2022).

Podemos mudar muitas de nossas ações com dados estatísticos. Com os gráficos que fizemos em sala de aula, influenciaram várias pessoas a mudarem certos hábitos ruins em seu dia a dia. Assim, melhorando sua qualidade de vida, pois às vezes, temos comportamentos ruins mesmo sem sabermos

(Aluno A, 2022).

Tem a ver que essas perguntas, como quantas vezes escova os dentes, trocam meias ou roupas são escolhas para ajudar as pessoas. E que isso pode ser um “roteiro” de aula para ajudar as pessoas e fazerem elas perceberem que precisam tomar decisões para melhor sua saúde física e mental. Essas perguntas fazem-nos refletirmos sobre como nos cuidar se estamos cuidando de nós mesmos ou de quem nós amamos

(Aluno B, 2022).

Sempre me importei com tudo isso, esses assuntos são muito sérios, antes eu me importava muito com isso, mas depois das aulas falando sobre esses assuntos eu comecei a me importar mais

(Aluno C, 2022).

Refletindo sobre as respostas dos estudantes, percebeu-se que se faz necessário retomar, aqui, as ponderações de Lopes (2008, p. 60) quando essa afirma que “[...] não é suficiente ao aluno desenvolver a capacidade de organizar e representar uma coleção de dados, faz-se necessário interpretar e comparar esses dados para tirar conclusões”. Por essa razão, o projeto do qual trata este artigo foi desenvolvido com foco na tomada de decisões a partir de uma análise crítica dos dados apresentados pelos alunos, levando os estudantes a desenvolverem indícios de letramento estatístico.

Para não concluir

Este artigo, intitulado “Letramento Estatístico na consolidação de um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS): uma experiência no -8° ano do Ensino Fundamental”, teve por finalidade discutir o ensino de Estatística por meio do letramento estatístico como recurso potencial para desenvolver o senso crítico dos estudantes do 8° ano do ensino fundamental de uma escola do município de Praia Grande (SP) para embasar o processo de tomada de decisões relacionadas a questões emergentes da realidade, no âmbito de um projeto articulado com o ODS “Saúde e Bem-Estar. Nessa ocasião, buscou-se promover a conscientização e reflexão sobre a importância de cuidar de si para o desenvolvimento pessoal, cognitivo e intelectual desses alunos, evidenciando que a Matemática e a Estatística são fortes aliadas no que diz respeito à tomada de decisão consciente por meio de informações reais.

Reconhece-se que o projeto permitiu evidenciar indícios do letramento estatístico nos estudantes, visto que, segundo Gal (2002) e conforme anunciado no referencial teórico deste trabalho, os estudantes se constituem estatisticamente letrados quando conseguem realizar interpretações e análises críticas sobre informações estatísticas apresentadas em uma ótica social globalizada.

A parte de levantamento de dados foi primordial para que os estudantes pudessem confrontar os achados com dados apresentados nas mídias, o que possibilitou o estabelecimento da capacidade de crítica e o incentivo da autonomia dos estudantes para que exerçam plenamente a cidadania deles. No que se refere à conversa com os especialistas, os estudantes, de forma coletiva, puderam esclarecer dúvidas e, com isso, tecer reflexões e críticas sobre a necessidade de cuidar de si como uma forma de contribuir para seu desenvolvimento como cidadão crítico.

A última parte, a validação, foi relevante para o desenvolvimento de indícios do letramento estatístico nos estudantes, pois, além de permitir uma análise de dados tomando como ponto de partida um contexto que emergiu dentro das discussões em sala de aula, possibilitou a esses estudantes desenvolverem o protagonismo ao analisar dados oriundos da realidade deles sobre suas posturas com relação ao autocuidado. De fato, o conhecimento do contexto, conhecimento estatístico e a informação que emergem dos dados após a análise são elementos essenciais para o desenvolvimento do letramento estatístico (Walichinski, 2012).

Pelas respostas dos estudantes, fica evidente que esse tema precisa ser explorado urgentemente em sala de aula. Embora pareça ser banal, há muito sobre o que os alunos precisam ser conscientizados; o estudo é uma forma de melhorar inúmeros aspectos relativos ao autocuidado, em prol da qualidade de vida, como, por exemplo, a autoestima, as funções mentais e físicas, além de diminuir custos com a saúde.

Com base nessa visão, espera-se desenvolver nos estudantes habilidades que os tornem capazes de serem letrados estatisticamente e de tomarem decisões conscientes baseadas em dados estatísticos sobre o cuidar de si. É nesse sentido que se entende que a estatística se relaciona com o autocuidado, por meio da tomada de decisão baseada em informações, geralmente veiculadas pelas mídias digitais e televisivas.

Finaliza-se este texto apontando a necessidade de estabelecer conexões com outras áreas de conhecimento — como no caso do projeto abordado neste estudo, que envolveu conceitos matemáticos e estatísticos importantes, mas que foi conduzido pelo docente em uma abordagem menos formal, que, certamente, pelos dados apresentados, promoveu indícios de letramento estatístico, uma vez que os estudantes foram capazes de realizar interpretações e análises críticas sobre as informações estatísticas coletadas e organizadas por eles mesmos.

4A educação Estatística consiste em uma área de atuação e investigação em que pesquisadores, nacionais e internacionais, inspirados por suas inquietações, buscam as origens das dificuldades de aprendizagem dos estudantes e os desafios que os professores enfrentam ao ensinar conceitos relacionados à Estatística, desde a década de 1990.

5Esse formulário continha perguntas que abrangiam aspectos da higiene pessoal: quantidade de vezes que os alunos tomavam banho por dia; quantas vezes escovavam os dentes ao dia; quantidade de vezes que lavavam as mãos; se lavavam as mãos antes das refeições, antes ou depois de utilizarem o banheiro, ou, ainda, depois de tocar em objetos; se trocavam as meias e com qual frequência; se trocavam as peças íntimas e com qual frequência; quais vacinas haviam tomado enquanto crianças e se haviam tomado a vacina contra o coronavírus. Disponível em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeK0GaPBVK2wLNwthLeJrvwXq7lJjfGSM-7bHMEKzWqcyX_Wg/viewform?usp=sf_link.

Como citar este artigo/How to cite this article

Santos, S. S.; Barbosa, G. C.; Martins, P. B. Letramento estatístico na consolidação de um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS): uma experiência com alunos do 8° ano do ensino fundamental. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 28, e238484, 2023. http://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a8484.

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Recebido: 28 de Abril de 2023; Revisado: 03 de Julho de 2023; Aceito: 06 de Julho de 2023

Correspondência para/Correspondence to: S. S. SANTOS. E-mail: sidneysantosnm@gmail.com.

Editor: Celi Lopes

Conflito de interesses: não há.

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