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Revista de Educação PUC-Campinas

Print version ISSN 1519-3993On-line version ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.29  Campinas  2024

https://doi.org/10.24220/2318-0870v29e2024a8565 

ORIGINAL

Políticas Curriculares para o Ensino de Inglês no Estado de São Paulo (1931-1971): expectativas e limites do contexto escolar

Curricular Policies for the English teaching in the State of São Paulo (1931-1971): expectations and limits of the school context

Luiz Ricardo Gonçalves Rabello, escrita do texto, pesquisa em Diário Oficial, pesquisa bibliográfica, contato com a revista, ajuste de normalização do artigo1 
http://orcid.org/0000-0003-1776-2303

Isabel Melero Bello, escrita do texto, pesquisa em Diário Oficial, pesquisa bibliográfica, ajuste de normalização do artigo1 
http://orcid.org/0000-0002-6891-2001

1Universidade Federal de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Guarulhos, SP, Brasil.


Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar a trajetória das políticas curriculares para o ensino de Inglês na rede estadual de educação do Estado de São Paulo de 1931 a 1971. Os dados apresentados neste artigo são resultados de pesquisa de mestrado que investigou a trajetória das políticas curriculares para o ensino de Inglês de 1892 a 1971. A análise documental foi a metodologia utilizada para verificar fichas individuais de alunos de dois ginásios estaduais, bem como decretos, leis, portarias e regimentos publicados em diário oficial. A pesquisa demonstrou que o Inglês foi disciplina curricular obrigatória nos ginásios paulistas no período analisado e que seu ensino, a partir de 1931, deveria ser feito diretamente na língua inglesa, não sendo permitido o uso da língua materna. No entanto, sua trajetória nos currículos escolares foi permeada por descontinuidades e pela distância em relação ao que era oficializado pela legislação e as condições objetivas das escolas para realizar tais propostas.

Palavras-chave Ginásio; Inglês; Programa curricular

Abstract

The objective of this article is to present the trajectory of curricular policies for the teaching of English in the public schools of São Paulo State from 1931 to 1971. The data presented in this article are results of a master dissertation that investigated the trajectory of curricular policies of English teaching from 1892 to 1971. Document analysis was the methodology used to verify student files in two elementary schools and also decrees, laws and regiments published in the state official journal. The research showed that English was a curricular discipline in the elemenatry schools of São Paulo in the analyzed period and that, starting in 1931, it was supposed to be taught directly in the English language, not being allowed to use the student’s mother tongue. However, its trajectory in the schools programmes was permeated by discontinuities and by distances in relation to what was made official by legislation and the objective conditions of the schools to carry out such proposals.

Keywords Elementary School; English; Study programme

Introdução

Este artigo faz parte de pesquisa de mestrado realizada entre 2019 e 2021 que investigou as políticas curriculares para o ensino de Inglês na Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo. O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise sobre a trajetória das políticas curriculares para o ensino de Inglês de 1931 até período que antecede a Reforma do Ensino de 1o. e 2 graus — Lei 5692/71 (Brasil, 1971), com foco no que hoje se denomina anos finais do Ensino Fundamental.

A metodologia utilizada na realização desta pesquisa foi a Análise Documental na perspectiva de Cellard (2008). Foram feitas coletas e análise de dados no Diário Oficial do Estado de São Paulo e no arquivo de duas escolas estaduais, uma localizada na capital paulista e outra no município de Guarulhos. Durante a realização desta pesquisa foi encontrada uma grande barreira: a pandemia de Covid-192 causou o fechamento do Arquivo Público do Estado de São Paulo e da Biblioteca de Livros Didáticos da Universidade de São Paulo, locais que haviam sido selecionados para coleta de dados. No entanto, a busca por publicações das políticas curriculares para a disciplina de Inglês não ficou inviabilizada, pois o Diário Oficial do Estado de São Paulo está disponível na internet3, com documentos digitalizados que vão desde o final do século XIX até os dias atuais.

Para desenvolvimento da análise sobre as transformações do ensino secundário no Estado de São Paulo no recorte temporal estabelecido para esta pesquisa, foram selecionados como aportes teóricos os trabalhos de Romanelli (2019) e Souza (2008). Para pesquisar as mudanças nas orientações no ensino de Inglês com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — Lei 4024/61 — LDB/61 (Brasil, 1961), esta pesquisa se baseou em Chagas (1979). Por fim, para a análise dos currículos escolares, adotou-se como referencial teórico Sacristán (2000), que apresenta as concepções de currículo prescrito, currículo apresentado aos professores, currículo moldado pelos professores e currículo em ação. Para este estudo em particular, buscou-se apoio nas concepções de currículo prescrito e currículo apresentado aos professores, o que ajudou a compreender os limites e as diferenças entre um currículo oficial e as reais possibilidades de cada localidade do país para aplicá-lo. Segundo Sacristán (2000), o currículo prescrito é aquele constituído pelas legislações que determinam, às vezes de forma vaga, o que deve ser ensinado. É referência para a elaboração de normativas locais e para materiais e livros didáticos. Já o currículo apresentado aos professores são releituras do currículo oficial destinadas aos docentes, e elaboradas pelos órgãos para os quais os profissionais trabalham.

Vale esclarecer que o Inglês é disciplina escolar na Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo há mais de cento e trinta anos (São Paulo, 1892). No entanto, verificou-se que seu lugar no programa curricular das escolas paulistas não seguiu uma trajetória regular, variando entre disciplina optativa, complementar ou obrigatória ao longo dos anos e lutando por um espaço no currículo escolar com outras Línguas Estrangeiras Modernas (LEM).

Apesar de os brasileiros passarem a ter mais interesse pela cultura norte-americana do que pela francesa a partir da década de 1930 (Tota, 2000), o Francês teve maior relevância como disciplina curricular no Ensino Secundário paulista do final século XIX até a década de 1960 e uma das justificativas é a longa tradição do Colégio Pedro II, que foi responsável pela elaboração de currículos e orientações didáticas para os ginásios brasileiros até o ano de 1961 (Rabello, 2021).

O ensino fundamental (anos finais) teve diferentes denominações ao longo do último século no Brasil, por isso, neste trabalho serão utilizadas denominações diferentes para tratar desta etapa do ensino, conforme o período histórico analisado.

Tendo em vista o contexto apresentado, este artigo está organizado em 4 seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção trata das iniciativas iniciais para organizar a educação brasileira em âmbito nacional, particularmente os currículos escolares, movimento que teve início nos anos 1930. Na sequência, discute-se a expansão dos ginásios paulistas a partir dos anos 1930 e a questão da formação de professores para o ensino de Inglês no estado de São Paulo, assim como os processos de seleção de docentes para a área. Na seção seguinte, as consequências e mudanças trazidas com a LDB/61 (Brasil, 1961) são discutidas, sobretudo no que se refere ao ensino de Inglês no estado de São Paulo. A seção 4 traz um exemplo dos efeitos da reforma de 1961 (Brasil, 1961) sobre uma escola paulista em particular: o Ginásio Estadual de Ermelino Matarazzo.

No portuguese, please! o método direto na escola pública

A partir de 1930 um novo cenário social e econômico ganhou força no Brasil e aumentou a demanda por escolas públicas, impulsionada pelo crescimento demográfico, urbanização e transformações econômicas (Romanelli, 2019). É importante destacar que no período do Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1945) muitas iniciativas foram tomadas na área da Educação4. Entre 1930 e 1937, período conhecido como “Segunda República”, cria-se o Ministério da Educação e Saúde Pública (o jurista Francisco Campos assumiu a função), assim como ocorre a Reforma do Ensino Secundário e do Ensino Superior (1931), além da promulgação da Constituição Federal de 1934. Como afirma Romanelli (2019, p. 59):

A intensificação do capitalismo industrial no Brasil, que a Revolução de 30 acabou por representar, determina consequentemente o aparecimento de novas exigências educacionais. Se antes, na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela população nem pelos poderes constituídos (pelo menos em termos de propósitos reais), a nova situação implantada na década de 30 veio modificar profundamente o quadro das aspirações sociais, em matéria de educação, e, em função disso, a ação do próprio Estado.

Com a instalação do Governo Provisório em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública que estabeleceu, pela primeira vez, o regime seriado e a frequência obrigatória no ensino secundário no Brasil (Fausto, 2009), como demonstra o Quadro 1:

Quadro 1 Programa curricular do curso fundamental do ensino secundário de 1931. 

1ª Série 2ª Série 3ª Série 4ª Série 5ª Série
Português Português Português Português Português
Francês Francês Francês Francês Latim
História da civilização Inglês Inglês Inglês Alemão (Facultativo)
Geografia História da Civilização História da Civilização Latim História da Civilização
Matemática Geografia Geografia Alemão (facultativo) Geografia
Física Matemática Matemática História da Civilização Matemática
Química Ciências Físicas e Naturais Física Geografia Física
História natural Desenho Química Matemática Química
Desenho Música (Canto Orfeônico) História Natural Física História Natural
- - Desenho Química Desenho
- - - História Natural -
- - - Desenho -

Fonte: Elaborado pelo autor (2023), com base em Brasil (1931a).

De acordo com o programa curricular estabelecido pela reforma de 19315, o Inglês tornou-se disciplina obrigatória no 2º, 3º e 4º ano do curso fundamental do ensino secundário (Brasil, 1931a). É importante destacar que o programa curricular fixado pela reforma de 1931 não estabeleceu uma carga horária específica para cada disciplina, deixando essa tarefa para os diretores dos ginásios, conforme orientação no artigo 31: “O horario escolar será organizado pelo director antes da abertura dos cursos, fixada em 50 minutos a duração de cada aula, com intervallo obrigatorio de 10 minutos no minimo, entre uma e outra” (Brasil, 1931a, online).

Sobre a função que deveria cumprir o ensino secundário neste período, o próprio Ministro da Educação e Saúde Pública afirmou “A finalidade exclusiva do ensino secundário não há de ser a matrícula nos cursos superiores; seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do homem para todos os setores da atividade nacional” (Romanelli, 2019, p. 136).

No dia 30 de junho de 1931 foi estabelecido que o ensino de LEM deveria ser realizado nas escolas públicas diretamente na língua alvo e apresentava a seguinte crítica ao método que era utilizado até então:

Não basta, pois, que o aluno se torne capaz de ler, com maior ou menor dificuldade, os autores estrangeiros, traduzindo aproximadamente os vocábulos, os grupos sintáticos, os idiotismos, sem poder dispensar o emprego abusivo do uso do dicionário ou regras decoradas

(Brasil, 1931b, p. 13).

De acordo com as novas orientações didáticas estabelecidas pela Reforma de 1931, o foco na habilidade de leitura, que há muito tempo foi considerada a mais importante para o uso de LEM (Richards; Rodgers, 2014), era redirecionado para as habilidades de fala e escrita: “No manejo da lingua extrangeira é preciso que o aluno consiga, com desembaraço correspondente a idade, exprimir o pensamento, oralmente ou por escripto” (São Paulo, 1931, p. 13). Assim, com o objetivo de superar a prática de exercícios de tradução no ensino de LEM, o Ministério da Educação e Saúde Pública estabeleceu que se aplicasse o Método Direto nas aulas de LEM no curso fundamental do ensino secundário:

É necessario que o alumno adquira a faculdade de manifestar o pensamento directamente na lingua extrangeira, sem a mediação da lingua materna. Para se realizar este objectivo é mister applicar-se o methodo directo intuitivo, isto é, ensinar a lingua extrangeira na própria lingua extrangeira

(São Paulo, 1931, p. 13).

Sobre a origem e procedimentos didáticos do novo método que deveria ser usado no ensino de LEM no Ensino Secundário Fundamental, Pietraróia (2008, p. 12) afirma:

A metodologia direta já havia sido implantada na França em 1901 e – rompendo completamente com a metodologia tradicional, a qual criticava o fraco desempenho de comunicação dos aprendizes – tinha como principais orientações: 1. O ensino das palavras estrangeiras sem passar pelo intermédio de seus equivalentes na língua materno do aluno; 2. O ensino da língua oral sem passar pelo intermédio de sua forma escrita; 3. O ensino da gramática sem passar pelo intermédio de sua regra explícita.

Para Bittencourt (1990), a reforma de 1931 encerrou uma longa tradição de autonomia que docentes dos ginásios paulistas tinham para produzir os planos de ensino, pois,

[...] deslocou o lugar da produção dos programas escolares transferindo a tarefa para o Ministério da Educação e Saúde, de acordo com o projeto unificador do governo [...] terminou com a diversidade de programas, tornando conteúdos, métodos e avaliações únicos e obrigatórios para todo o país

(Bittencourt, 1990, p. 65).

Como pode se perceber, o currículo prescrito (Sacristán, 2000) determinou a série que a disciplina deveria ser oferecida, assim como o método a ser utilizado, estabelecendo, portanto, um padrão nacional. Contudo, não se pode afirmar que essa padronização foi, de fato, implantada em todo o país, dada a diversidade econômica, social e política que o caracterizava. O currículo apresentado aos professores, o currículo moldado pelos professores e o currículo em ação, como define Sacristán (2000), apresentaram, provavelmente, variações que tinham como fim a adaptação às condições objetivas de cada estado, cidade e escola.

Seguindo tais orientações, o novo programa de ensino para os ginásios do país, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 30 de junho de 19316 estabeleceu orientações didáticas específicas para o ensino de LEM em cada série do curso fundamental do ensino secundário. A primeira tratou do uso de ditados nas aulas para que os alunos pudessem praticar a pronúncia das palavras:

Os exercicios devem ter em vista, a principio, habituar o estudante ao systema fonetico particular da lingua extrangeira. Convém, dest’arte, que os primeiros exercicios constatam frequentemente em dictados, lidos o mais das vezes por alumnos, cuja pronuncia terá o professor ocasião de corrigir com vantagem para toda a classe

(São Paulo, 1931, p. 13).

Em seguida, a orientação era que os professores proporcionassem aos alunos oportunidades de conversação nas aulas:

Nas primeiras séries, o professor, depois de preparada em aula a licção, fará com que os alumnos dialoguem, usando as expressões apprendidas, conjugem verbos em grupos syntacticos, preencham lacunas em phrases ou façam, em casa, por escripto, exercicios calcados no que se estudou na aula

(São Paulo, 1931, p. 13, grifo próprio).

Seguindo princípios do novo método de ensino de LEM, para proporcionar aos alunos oportunidade de aprender por meio de práticas orais nas aulas, os professores deveriam evitar interrupções para corrigir eventuais erros gramaticais durante a fala dos alunos: “Para não se prejudicar a obtenção da agilidade necessaria ao uso da lingua extrangeira, deve o professor deixar, emquanto for possivel, a observancia dos preceitos grammaticaes para segundo plano” (São Paulo, 1931). Essas orientações configuraram o que Sacristán (2000) denominou como currículo apresentado aos professores, sendo mais diretivo, já que tratou do que e do como fazer.

Diferentemente do método antigo, que fazia uso de literatura clássica como material didático, o programa de ensino estabelecido com a Reforma de 1931 orientava para o uso de materiais com temas ligados ao cotidiano dos alunos, como aspectos da natureza, costumes, economia, política, história e folclore (São Paulo, 1931). Para Bittencourt (1990, p. 79), o uso, bem como a dependência de livro didático por parte dos professores neste período, foi aumentando conforme aumentava o número de escolas secundárias, pois “Essas obras, além de serem fiéis aos programas oficiais, eram, em sua maioria, produzidas por professores dos ginásios públicos [...]”.

Outra orientação didática para o ensino de LEM que demonstra a tentativa do Governo de superar o método antigo, baseado em traduções, era que o estudo de gramática deveria ser feito apenas de forma indutiva, evitando traduções, versões e comparações com a língua materna:

[...] as regras de grammatica só se apprenderão indutivamente, sem formalismo [...] Só depois de alcançado na lingua extrangeira conhecimento bastante desenvolvido, convirá introduzir-se o estudo comparativo das duas línguas, usando-se, para isto, algumas traducções e, depois, em menor número do que estas, as versões

(São Paulo, 1931, p. 13).

As atividades de tradução, versão e análise gramatical, comuns para o ensino de LEM, deveriam ser evitadas, pois, de acordo com as orientações da reforma de 1931, uma das finalidades do ensino de LEM era: “[...] que o alumno adquira a faculdade de manifestar o pensamento directamente na lingua extrangeira, sem a mediação da lingua materna” (São Paulo, 1931, p. 13).

O programa também dava instruções para leitura de textos como atividade complementar para os alunos:

As leituras feitas fora de classe devem merecer a mais desvelada atenção do professor. Cumpre-lhe estimular e dirigir a curiosidade do discipulo pelo conhecimento na literatura estrangeira, das obras que mais coincidam com as suas tendencias. São também de se aproveitar, para leitura fora da aula, os jornais e revistas

(São Paulo, 1931, p. 13).

Apesar desta atualização no método de ensino de LEM, permanecia a orientação para uma antiga prática de decorar trechos de poesias: “É conveniente que o estudante guarde de cór algumas poesias ou trecho de prosadores, escolhidos, nos primeiros anos, pelo professor e, depois, pelo proprio aluno” (São Paulo, 1931, p. 13). De acordo com o Decreto n°19.890, de 18 de abril de 1931 (São Paulo, 1931), os programas de LEM para o Ensino Secundário Fundamental foram desenvolvidos pela congregação do Colégio Pedro II, mas os autores permaneceram anônimos e não receberam créditos pelo trabalho (Bittencourt, 1990).

Pode-se afirmar que a Reforma de 1931 foi um marco para o ensino de LEM ao estabelecer o uso do Método Direto nas escolas públicas do país. No entanto, apesar da modernização no método, Chagas (1979, p. 111) afirma que “[...] a carência absoluta de professores cuja formação linguística e pedagógica ensejasse o cumprimento de programa tão ‘avançado’ foram circunstâncias que transformaram as Instruções de 1931 em autêntica letra morta”.

A expansão dos ginásios paulistas e a carência de professores para o ensino de Inglês

No ano de 1931 existiam apenas três ginásios públicos que ofereciam o Ensino Secundário Fundamental no Estado de São Paulo, sendo um na Capital, um em Campinas e o outro em Ribeirão Preto (Bittencourt, 1990). Somente a partir de 1934 foi iniciada a expansão dos ginásios públicos no Estado de São Paulo, pois, de acordo com pesquisa realizada em publicações do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, em 1936 já havia ginásios funcionando nas seguintes cidades do interior e litoral: Amparo, Araraquara, Araras, Avaré, Bauru, Campinas, Catanduva, Faxina, Franca, Itápolis, Itu, Jaboticabal, Mogi das Cruzes, Penápolis, Piraju, Ribeirão Preto, Rio Preto, Santos, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, Sorocaba, Tatuí, Taubaté e Tietê (São Paulo, 1936). Assim, os ginásios no Estado de São Paulo, que eram três no final da Primeira República, já somavam vinte e quatro em 1936.

O período de maior expansão dos ginásios paulistas ocorreu no final da década de 1940, quando dezenas foram criados no interior do Estado de São Paulo durante a gestão do Governador Adhemar de Barros (1947-1951)7. De acordo com Beiseigel (1964, p. 81), um dos motivos que levou à multiplicação de instituições de ensino secundário durante este período foi a questão eleitoral, pois

Buscando a obtenção do voto e orientando-se, por isso mesmo, para o atendimento das reivindicações educacionais da comunidade, a atuação do agente público – no Legislativo ou no Executivo – foi decisiva para a rápida multiplicação do número de escolas secundárias. Em pouco tempo, quase todas as cidades sedes de municípios passaram a contar com pelo menos uma escola secundária pública estadual.

Entretanto, percebe-se que, mesmo com sua grande tradição e vanguarda na promoção do ensino de LEM no secundário público, a Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo não cumpria totalmente o programa curricular estabelecido pela Reforma de 1931. A partir da análise de decretos que criaram os ginásios no Estado de São Paulo nos anos de 1949 e 1950, constatou-se que a formação e contratação de professores de Inglês na rede pública de ensino do Estado de São Paulo não acompanhou o ritmo da expansão dos estabelecimentos de ensino secundário (Rabello, 2021), questão a ser tratada a seguir.

No dia 25 de janeiro de 1934, pelo Decreto n. 6.283, era criada a Universidade de São Paulo e, entre suas diversas faculdades, surgiam o Instituto de Educação e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que deu início à formação de professores para o ensino secundário em nível superior no Estado de São Paulo (São Paulo, 1934). De acordo com Romanelli (2019, p. 134),

A Universidade de São Paulo foi criada segundo as normas do decreto e apresentava a novidade de possuir uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, segundo Fernando Azevedo, passou a ser a medula do sistema, tendo por objetivos a formação de professores para o magistério secundário [...]”.

Apesar das disciplinas de LEM fazerem parte do currículo do Ensino Secundário paulista desde 1892, como já mencionado, e que a reforma de 1931 já previsse que a formação de professores para o ensino secundário fosse expandida (Saviani, 2011), foi apenas a partir de 1950 que a rede pública de ensino do Estado de São Paulo passou a oferecer um curso de formação continuada para professores de Inglês do ciclo ginasial. A circular n. 65, de 29 de novembro de 1949, publicada pelo Departamento de Educação do Estado de São Paulo, divulgava o “Sétimo Seminário de Verão”, que, a partir desta edição, passou a ser realizado em parceria com a instituição particular de ensino de Inglês União Cultural Brasil-Estados Unidos (UCBEU):

O Diretor Geral do Departamento de Educação, tendo em vista a conveniência de oferecer aos professôres novas oportunidades de aprimoramento de sua cultura geral e especializada, e considerando o oferecimento da União Cultural Brasil-Estados Unidos, decidiu reconhecer o Sétimo Seminário de Verão, organizado pela referida entidade para professôres de inglês do Estado de São Paulo e estados visinhos

(São Paulo, 1949, p. 13).

O referido programa de formação de professores foi realizado durante quinze anos. É importante destacar que o Inglês foi a única disciplina do programa curricular do ciclo ginasial contemplada em todas as edições deste evento formativo de 1950 a 1965, contando com a parceria de instituições privadas na realização de cursos para os professores de Inglês. A UCBEU, instituição que mais vezes participou das formações para professores de Inglês neste período, sempre ofereceu cursos com foco na oralidade do Inglês (Rabello, 2021).

Em relação à seleção de professores, no período entre 1950 e 1963, foram encontrados dados de onze edições de “Concurso de Ingresso no Magistério Secundário e Normal” para provimento de vagas para professor de Inglês na rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Os concursos para as vagas de LEM eram organizados por bancas examinadoras específicas para cada disciplina, cujos presidentes eram professores estrangeiros que lecionavam na Universidade de São Paulo. Isto porque, nas décadas de 1940, 1950 e início de 1960, a Universidade de São Paulo manteve um vínculo estreito com o Conselho Britânico que indicava professores para ocupar a cadeira de Inglês naquela instituição, que também ficaram responsáveis pelas bancas examinadoras para os concursos de Inglês da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo durante mais de duas décadas (Mutran, 1994). Segundo a autora, os professores indicados pelo Conselho Britânico para ocupar a cadeira de Letras na Universidade de São Paulo foram: Daniel Redshaw (1940-1942), Kenneth Swann (1942-1947), Geoffrey Wile (1948-1950), John Francis Tuchy (1950-1955) e Kenneth Buthley (1955-1964). No rigoroso concurso de ingresso, os candidatos deveriam escolher um ponto sobre literatura inglesa entre os quinze disponibilizados, como publicado no referido edital, e dissertar em inglês sobre o ponto escolhido seguindo as seguintes orientações que foram publicadas em língua estrangeira no Diário Oficial do Estado de São Paulo:

I – a literary appreciation of the poem or passage.

II – a short explanation in your own words of the meaning of the poem.

III – a comentary on the figures of speech employed.

IV – a commentary on the language and metre.

V – a general summary showing how the poem or passage illustrates what is known of the poet’s characteristics or ideas

(São Paulo, 1950, p. 23).

No dia 13 de outubro de 1955, o Comunicado n. 40 apresentava um quadro da “[...] distribuição dos candidatos segundo seus títulos de formação, instituições que o conferiram e resultados finais dos concursos de ingresso no magistério secundário e normal, de 1955 [...]” dos candidatos inscritos no concurso de Inglês daquele ano (São Paulo, 1955, p. 24). A partir da análise dos resultados do referido concurso, percebe-se que não havia a exigência de formação específica em nível superior para concorrer as vagas, dada a variedade de formações dos candidatos, e que, apesar da criação de um curso superior de formação de professores de Inglês na Universidade de São Paulo na década de 1930, o número de candidatos egressos desta instituição era insuficiente para atender a demanda de vagas gerada com a expansão dos ginásios públicos no Estado de São Paulo.

A flexibilização curricular pós LDB/61

Após 13 anos de tramitação na Câmara Federal, no dia 20 de dezembro de 1961 foi lançada a primeira Lei de Diretrizes e Bases e a educação básica foi dividida nos graus primário e médio, sendo o segundo composto pelos ciclos ginasial e colegial (Brasil, 1961).

Diferentemente do que acontecia com a legislação educacional desde o Brasil Império, a LDB/1961 (Brasil, 1961) não estabeleceu disciplinas curriculares para o ensino secundário no país e, pela primeira vez desde a publicação dos programas de ensino do Colégio Pedro II em 1854 (Brasil, 1854), o Inglês ficou fora do rol de disciplinas estabelecidas para esse ciclo. Sobre a nova legislação educacional de 1961, Souza (2008, p. 232) afirma que:

[…] a LDB restringiu-se à indicação de diretrizes quantitativas, instituindo a flexibilização curricular para a atribuição de competências compartilhadas para determinação das disciplinas obrigatórias e optativas entre o Conselho Federal de Educação [...] os conselhos estaduais e os estabelecimentos de ensino’.

Para flexibilizar a composição dos programas curriculares do ensino ginasial, a LDB/1961 (Brasil, 1961) estabeleceu a seguinte orientação no artigo 44: “O ensino secundário admite variedade de currículos, segundo as matérias optativas que forem preferidas pelos estabelecimentos”. Além disso, determinou a criação do Conselho Federal de Educação (CFE) que teria, entre outras atribuições, a competência de “[...] indicar disciplinas obrigatórias para os sistemas de ensino médio […] (Brasil, 1961)8.

Além da criação do CFE, a LDB/61 também estabeleceu que fossem criados os conselhos estaduais de educação que deveriam, entre outras atribuições, “[...] permitir aos estabelecimentos de ensino escolher livremente até duas disciplinas optativas para integrarem o currículo de cada curso”. Para Chagas (1979, p. 123), a LDB/61 acertou ao não incluir LEM entre as disciplinas obrigatórias, pois, assim, deixou de “[...] exigir o seu ensino onde ele não pudesse revestir um mínimo de eficiência, sem por essa razão deixar de organizar-se o ginásio ou mesmo colégio de que as comunidades necessitavam”. Considera-se essa afirmação um tanto controversa, pois ao invés de ressaltar a necessidade de o Estado oferecer condições iguais de ensino para todos acaba por legitimar justamente o oposto, ou seja, é melhor oferecer o mínimo do que nada9.

Como já mencionado, a reforma de 1931 havia estabelecido uma metodologia específica para o ensino de LEM nos ginásios do país e a obrigatoriedade do ensino de Inglês nas 2ª, 3ª e 4ª séries do curso fundamental do ensino secundário (Brasil, 1931a), o que não se repetiu com o advento da LDB/61 (Brasil, 1961). Sobre a descentralização para a formulação dos programas de ensino, Chagas (1979, p. 128) afirma:

A chamada à responsabilidade dos professores é evidente. A lei não determina listas de ‘matérias’, segundo o usual entendimento do termo: listas de partes mais ou menos pormenorizadas de ciências, artes ou técnicas. Vai entendê-las como relação ampla e abrangente de ‘campos de conhecimento’ a serem desdobrados e especificados pelos estabelecimentos.

Ainda no ano de 1962, o CFE lançou a “Consolidação da Legislação do Ensino Secundário, após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” (Brasil, 1969). De acordo com as orientações estabelecidas para o ensino secundário neste documento, o CFE indicava aos sistemas de ensino quatro opções de planos curriculares para o ensino secundário. No Plano A não havia disciplinas de LEM, no Plano B e C deveria ser escolhida uma LEM para o 3º e 4º ano e, por fim, no Plano D o programa curricular do ciclo ginasial deveria ter duas disciplinas de LEM no 3º e 4º ano (Rabello, 2021). De acordo com os planos curriculares publicados pelo CFE em 1962, caso o estabelecimento de ensino optasse, havia a possibilidade de serem mantidas até duas disciplinas de LEM no currículo do ciclo ginasial, (Brasil, 1969). Como dito acima, apesar da aparente autonomia dada às escolas, com a implementação de um currículo prescrito (Sacristán, 2000) bastante flexível, oficializou-se a situação de precariedade relativa ao ensino de LEM no país, sobretudo no âmbito das redes públicas de ensino.

Com o objetivo de cumprir a nova legislação educacional estabelecida pela LDB/61 (Brasil,1961), no dia 28 de fevereiro de 1962, o Governo do Estado de São Paulo publicou no Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOESP) o seguinte programa curricular que deveria ser adotado pelos ginásios paulistas no ano letivo de 1962:

Artigo 1º: No ano letivo de 1962 constituirão o currículo do 1º ciclo do ensino secundário, nos estabelecimentos mantidos pelo Estado, como disciplinas obrigatórias, português (4 séries), história (4 série), geografia (4 séries), matemática (4 séries), ciência (2 séries sob forma de iniciação à ciência e 2 séries sob forma de ciências físicas e biológicas), francês (2 séries), Canto Orfeônico (2 séries): e como disciplinas optativas, desenho e inglês

(São Paulo, 1962, p. 20).

Percebe-se que no programa curricular do ensino ginasial da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo predominava a disciplina Francês em relação ao Inglês, pois, de acordo com o programa curricular estabelecido pela então chamada Secretaria de Estado dos Negócios da Educação, o Francês seria a única disciplina de LEM obrigatória no ano letivo de 1962, enquanto o Inglês era disciplina optativa, podendo os estabelecimentos de ensino optarem por desenho (idem).

Conforme determinação do CFE, a Lei n°7.940, de 7 de junho de 1963 criou o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (São Paulo, 1963a, p. 2) e no dia 28 de janeiro de 1964 foram publicadas novas orientações curriculares para o ensino secundário paulista (São Paulo, 1964, p. 37). A referida resolução também exaltava algumas mudanças realizadas pela LDB/61 (Brasil, 1961):

A instituição do ginásio único multicurricular, recomenda-se, pois, como solução para o problema da ‘escola média para todos’, escola democrática, comum e verdadeiramente flexível, em que a flexibilidade é entendida, não como uniformidade, variável de região para região, de acordo com as possibilidades de cada uma, mas, sim, como ‘variedade, riqueza e boa dosagem de currículos’ para a exploração e encaminhamento das vocações dos alunos

(São Paulo, 1964, p. 38).

Esta Resolução fixou as cinco disciplinas indicadas pelo CFE em 1962 (Português, Matemática, História, Geografia e Ciências) como “fundamentais e comuns a todos os currículos” do ciclo ginasial e indicou quatro opções de disciplinas complementares para a parte diversificada do programa:

A tríplice orientação oferecida para a determinação das disciplinas complementares do Sistema Estadual de Ensino já assegura grande flexibilidade ao currículo do ciclo ginasial, atendendo, por um lado, às exigências da formação cultural, através da escolha de disciplinas (Francês, Inglês ou Latim) e Artes (Desenho) [...]

(São Paulo, 1964, p. 38).

Para a indicação das disciplinas complementares que poderiam compor o currículo dos ginásios estaduais, o Conselho Estadual de Educação apresentou as seguintes justificativas:

A inclusão do Francês, Inglês e Latim no grupo de disciplinas complementares justifica-se plenamente. O Francês e o Inglês por serem línguas universalmente faladas e muito difundidas em nosso Estado [...]. Em relação ao Inglês, ao lado dos aspectos culturais, não deve ser descurada a importância prática que assume seu conhecimento

(São Paulo, 1964, p. 38).

Além da possibilidade do Inglês ser inserido no programa curricular do ensino ginasial como disciplina complementar, também foi indicada uma LEM para compor o currículo como disciplina optativa:

Como disciplinas optativas poderão os estabelecimentos de ensino escolher disciplinas de cultura geral ou disciplinas específicas, já referidas no item anterior [...]. Certas peculiaridades relacionadas com o ambiente social e cultural poderão conduzir determinados estabelecimentos de ensino a escolher uma língua moderna não incluída entre as disciplinas complementares

(São Paulo 1964, p. 38).

Desta forma, foram criadas opções para que os ginásios paulistas pudessem manter até duas disciplinas de LEM no programa curricular, sendo uma optativa na 1ª e 2ª série e outra complementar na 3ª e 4ª série. Percebe-se que, apesar da exclusão das disciplinas de LEM do programa curricular do ciclo ginasial, a LDB/61 (Brasil, 1961) deixou espaço no currículo para o ensino de Inglês nos ginásios que já ofereciam esta disciplina. Para Romanelli (2019, p. 188), a nova forma de compor o currículo escolar, na prática, trouxe poucas mudanças no ciclo ginasial, pois:

A possibilidade de os Estados e os estabelecimentos anexarem disciplinas optativas ao currículo mínimo estabelecido pelo Conselho Federal de Educação foi, sem dúvida, um progresso em matéria de legislação [...] porque, na prática, as escolas acabaram compondo o seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos de que já dispunham, ou seja, continuaram mantendo o mesmo currículo de antes [...].

No caso da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, muitos ginásios contavam com professores efetivos de Inglês devido a longa tradição do ensino secundário paulista no ensino desta disciplina. Nesse sentido, é importante ressaltar que foi a partir da flexibilização para compor os programas curriculares, criada com a LDB/61 (Brasil, 1961) que o Inglês passou a ser a opção mais frequente, entre as LEM, nos ginásios do país (Souza, 2008).

Apesar da rede pública de ensino do Estado de São Paulo ter uma longa tradição no ensino de Inglês, a LDB/61 afetou o ensino desta disciplina nos ginásios paulistas.

Uma consequência provocada pela retirada do Inglês do programa curricular do ciclo ginasial foi a interrupção na realização de novos concursos, bem como na contratação de candidatos que já haviam sido aprovados em concursos vigentes. Sobre a implementação da LDB/61, Souza (2008, p. 238) afirma:

[…] as mudanças curriculares causaram inúmeros problemas para o magistério secundário […] acarretando desemprego e diminuição de salários. As alterações afetaram principalmente os professores de Latim, Grego, Francês, Espanhol, Desenho, Filosofia, Canto orfeônico e Trabalhos Manuais que tiveram suas disciplinas consideradas optativas ou transformadas em práticas educativas sujeitas à escolha dos estabelecimentos de ensino.

De acordo com publicação no dia 1° de março de 1963, o chefe do Serviço de Ensino Secundário e Normal, o Professor Rosalvo Florentino, havia cobrado o então Secretário de Educação sobre a lotação de professores que haviam sido aprovados em concurso, cuja validade estava prestes a expirar (São Paulo, 1963b). O Secretário de Educação, por sua vez, acolheu a reclamação sobre a necessidade da nomeação dos professores e comprometeu-se a convocar os docentes aprovados no último certame:

A medida permitirá o aproveitamento de candidatos aprovados em concursos cuja validade está prestes a expirar. Observa-se que a Secretaria vinha deixando de lotar cargos correspondentes a disciplinas não mais consideradas obrigatórias pela Lei de Diretrizes e Bases, tais como francês, inglês, desenho, canto orfeônico e trabalhos manuais [...] Finalmente, de conformidade com a legislação em vigor, os professores de matérias não constantes no currículo serão aproveitados em disciplinas correlatas

(São Paulo, 1963b, p. 1).

Apesar do compromisso assumido pelo Secretário de Educação, o Decreto n. 42.360, de 16 de agosto de 1963, determinou o cancelamento de 104 cargos de professor de Inglês em diversos ginásios estaduais da Capital e interior quando estes se tornassem vagos (São Paulo, 1963c, p. 5).

O ensino de inglês em duas escolas públicas paulistas

Com o objetivo de analisar como deu-se o cumprimento das políticas curriculares para o ensino de Inglês na vida cotidiana de uma escola da Rede Estadual Paulista antes e depois da LDB/1961, lançou-se mão de fichas individuais dos alunos – os únicos materiais concretos disponíveis no arquivo do Ginásio Estadual de Ermelino Matarazzo (GEEM), atual Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo, localizada na Capital, bem como nos arquivos do Ginásio Estadual Conselheiro Crispiniano, atual Escola Estadual Conselheiro Crispiniano, na Cidade de Guarulhos. Estes materiais foram encontrados em ótimo estado de conservação, pois deles dependem a emissão de históricos escolares de estudantes que passaram pela instituição. Infelizmente, de acordo com funcionários da escola, demais materiais escolares que poderiam dar indícios de como o ensino de Inglês era realizado, como os diários de classe e avaliações de alunos, foram descartados ao longo do tempo.

De acordo com a análise das fichas dos alunos, o GEEM cumpria, no início da década de 1960, a matriz curricular estabelecida pela reforma de 194210 que era composta pelas disciplinas de Inglês e Francês, sendo o Francês disciplina obrigatória em todas as séries do Ensino Secundário enquanto o Inglês era ensinado no 2º, 3º e 4º ano, conforme Figura 1.

Fonte: acervo da Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo.

Figura 1 Ficha individual de aluno de 1961. 

A LDB/1961 (Brasil, 1961) havia estabelecido o prazo de um ano para que as instituições de ensino se adequassem às novas orientações curriculares. Provavelmente, por isso, no ano de 1962, observa-se uma diminuição das aulas de LEM no programa curricular do GEEM. Percebe-se na Figura 2 que, por conta do período de adequação à nova lei, não ocorreu o ensino de Francês nas duas primeiras séries do ciclo ginasial e o Inglês também não foi oferecido na 2ª série (Rabello, 2021).

Fonte: Acervo da Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo.

Figura 2 Ficha individual de aluno de 1962. 

A mesma situação foi identificada no Ginásio Estadual Conselheiro Crispiniano em Guarulhos. No ano letivo de 1962 não houve ensino de LEM no programa curricular desta instituição, conforme apresentado na Figura 3.

Fonte: Acervo da Escola Estadual Conselheiro Crispiniano.

Figura 3 Ficha individual de aluno de 1962. 

A partir de 196411, percebe-se a mudança na configuração das fichas individuais dos alunos, pois, após a LDB/1961 (Brasil, 1961), os programas curriculares passaram a ser complementados pelos próprios estabelecimentos de ensino e o campo onde, anteriormente, constava o nome das disciplinas, surgiu em branco para ser preenchido pela própria escola.

A partir do ano de 1964 (Figura 4), o programa curricular do ciclo ginasial do GEEM teve o Francês na 1ª e 2ª série e Inglês na 3ª e 4ª série, configuração curricular que se manteve no ciclo ginasial do GEEM pelo menos até 1971, ano limite da pesquisa (Rabello, 2021).

Fonte: Acervo da Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo.

Figura 4 Ficha individual de aluno de 1964. 

Considerações Finais

O artigo teve como objetivo analisar a trajetória das políticas curriculares para o ensino de Inglês nos currículos escolares da rede pública de ensino do Estado de São Paulo a partir dos anos 1930, quando se iniciaram as tentativas de organizar a educação brasileira de forma centralizada, inclusive determinando currículos oficiais nacionais, até o período que antecede a Reforma de 1o. e 2o. Graus, a Lei n°5692/71 que altera a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a lei 4.024/61. Procurou-se entender o lugar que o Inglês ocupou no período analisado nos currículos oficiais e nas escolas que foram campo empírico da pesquisa, as disputas com outras disciplinas de LEM por um espaço e as condições de seu oferecimento.

O desenvolvimento da pesquisa permitiu perceber que a trajetória do Inglês nos currículos escolares foi permeada por descontinuidades e pela distância em relação ao que era oficializado pela legislação e as condições objetivas das escolas para realizar tais propostas. Como considerado por alguns autores citados ao longo do texto, por vezes, a legislação transformou-se em “letra morta” porque não havia professores suficientes para assumir a função nas escolas ou porque aqueles que se prontificavam ao cargo não possuíam formação adequada para tanto.

Ao desenvolver a análise documental ao longo do período analisado percebeu-se que as intenções em relação ao Inglês – e a outras LEM - foram aos poucos tornando-se menos ambiciosas, chegando à LDB/61 com poucas expectativas em relação a isso, pois as escolas que tivessem professores habilitados para oferecer LEM poderia fazê-lo da forma que fosse possível, mas a que não possuísse professores poderia simplesmente não oferecer disciplinas de língua estrangeira. O currículo prescrito acabou por oficializar as condições precárias das escolas, sobretudo públicas, para o oferecimento do Inglês no país.

É importante destacar que essa pesquisa identificou o momento que o Inglês tornou-se uma disciplina escolar mais importante do que o Francês no currículo do ensino fundamental justamente quando as LEM deixaram de ser disciplinas obrigatórias com a LDB/61 e as escolas passaram a ser responsáveis pela escolha de disciplinas complementares.

No caso do Estado de São Paulo, o ensino de Inglês esteve presente ao longo do período em questão, pelo menos, nas escolas que foram campo empírico desta pesquisa. No entanto, não se pode afirmar que o mesmo ocorreu no restante do estado ou do país.

Espera-se, nesse sentido, que os resultados desta pesquisa contribuam para a construção do conhecimento sobre a trajetória da disciplina de Inglês em nosso país e que incentive o desenvolvimento de outras pesquisas, em outras regiões, para que se somem a esta iniciativa.

Como citar este artigo/How to cite this article: Rabello, L. R. G.; Bello, I. M. Políticas Curriculares para o Ensino de Inglês no Estado de São Paulo (1931-1971): expectativas e limites do contexto escolar. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 29, e248565, 2024. https://doi.org/10.24220/2318-0870v29e2024a8565

2No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a elevação do estado de contaminação da COVID-19 à Pandemia.

4Getúlio Vargas foi um dos líderes do movimento que ficou conhecido como “Revolução de 30”, no qual o recém presidente eleito Washington Luís foi deposto. Assim, um Governo Provisório assumiu a condução do país (1930-1934).

5Também conhecida como Reforma Francisco Campos.

6Vale lembrar que o estado de São Paulo também passou por momentos turbulentos no período em questão. À época, Lauro de Camargo era interventor federal no estado e escolhido por ser considerado uma pessoa moderada para lidar com os conflitos oligárquicos entre o Partido Democrático e os tenentistas, além da tensão gerada com os paulistas pela intervenção federal. Ainda assim, permaneceu como interventor durante um curto período: entre julho e novembro de 1931, quando renunciou ao cargo. Fonte: http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/uploads/r/arquivo-publico-do-estado-de-s-ao-paulo/1/5/15028/Manifesto_Laudo_Ferreira_de_Camargo.jpg. Acesso em: 3 out. 2023.

7Durante o Estado Novo foi nomeado interventor federal no estado de São Paulo pelo então presidente Getúlio Vargas entre 1938 e1941. Em 1947 foi eleito governador do estado de São Paulo. Fonte: http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/adhemar-de-barros;isad. Acesso em: 5 out. 2023.

9É importante destacar que Valnir Chagas (1921-2006) foi conselheiro do Conselho Federal de Educação – CFE no período 1962-1976, atuando de forma muito expressiva na elaboração das orientações legais para a formação de professores.

10Lei orgânica do Ensino Secundário de 09 de abril de 1941, também conhecida como Reforma Capanema (Brasil, 1942).

11É importante destacar o fato de que o período analisado nesta seção também foi permeado por momentos políticos conflituosos. Após renúncia de Jânio Quadros, João Goulart assumiu a presidência da República em 07 de setembro de 1961. Um golpe militar teve início em 31 de março de 1964, o que provocou a saída de João Goulart da presidência. O militar Humberto Castelo Branco assume com eleição indireta o lugar de João Goulart, dando início à Ditadura Militar no Brasil. Esse contexto trouxe mudanças radicais em relação aos rumos da educação no Brasil mediante a reforma da educação superior (Lei n°5540/68) (Brasil, 1968) e do 1o. e 2o. Graus (Lei n°5692/71) (Brasil, 1971).

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Recebido: 24 de Maio de 2023; Revisado: 06 de Outubro de 2023; Aceito: 10 de Outubro de 2023

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Andreza Barbosa

Conflito de interesses

Não há conflito de interesses.

Correspondência para/Correspondence to: L.R.G. Rabello. E-mail: luiz.rabello@unifesp.br

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