Introdução
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem suas origens após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Atua desde 1967 com o objetivo de perpetuar o desenvolvimento econômico e político mundial, juntamente com 37 países membros e cinco parceiros estratégicos, sendo um deles o Brasil. A OCDE considera, regularmente, a discussão de problemas economicamente fundados e refletidos em saúde, educação e meio ambiente; tendo como missão auxiliar em politiques meilleures pour une vie meilleure – políticas melhores para uma vida melhor. Ou seja, orienta temas para a construção de políticas públicas, as quais propiciem, ao indivíduo, obter melhores resultados financeiros, prospectando um futuro intensamente positivo, em relação ao enriquecimento da população em geral, para estabelecer e manter o bem-estar social. Entende a educação como chave-mestra na virada desse movimento econômico multilateral, tornando-se ferramenta para desenvolvimento econômico (Bernussi, 2014).
O documento analisado, que constitui a base empírica deste estudo é: Schooling disrupted, schooling rethought. How the Covid - 19 pandemicis changing education (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020). Oriundo de pesquisas realizadas pela OCDE em parceira com Global Education Innovation Initiative, Harvard Graduate School of Education, teve a participação dos sistemas educacionais de 59 países2 no ano de 2020, em meio à pandemia de Covid-19. O propósito foi auxiliar líderes da educação, oferecendo informações que pudessem ser utilizadas durante o período emergencial. Para chegar ao resultado, foram realizadas três etapas: a primeira foi uma pesquisa rápida realizada no período de 18 a 27 de março de 2020, com 333 respostas de 99 países diferentes. Nela, avaliou-se as necessidades e prioridades imediatas de educação, causadas pela pandemia e pelos desafios educacionais previstos. Também discutiu-se uma série de opções para sustentar a continuidade da educação, com a oferta de uma lista de verificação de 25 itens para apoiar o desenvolvimento de estratégia para a continuidade da educação.
Para a segunda etapa, foi elaborada uma lista com curadoria3 de recursos educacionais online, partindo dos 25 itens elencados anteriormente. Já, o resultante da terceira etapa, realizada de 25 de abril a 7 de maio de 2020, culmina no relatório em análise. Esse documento teve como objetivo o exame de “[...] práticas inovadoras para sustentar a continuidade da educação em várias localidades em todo o mundo, mostrando práticas de governos nos níveis municipal, estadual e nacional, bem como o empenho das organizações educacionais na sociedade civil” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 16), com o propósito de informar os esforços para a continuidade da educação.
Os respondentes da pesquisa foram: professores e diretores ou membro da equipe de liderança de escolas públicas e particulares; alto funcionário do governo; gestor escolar (não em alto cargo); funcionário de empresa da área da educação (não uma escola); funcionário de uma organização não governamental em educação. Essa etapa da pesquisa foi igualmente realizada de forma online, através das várias redes do organismo, as quais incluíram as delegações dos países da OCDE e os parceiros institucionais da Iniciativa Global de Inovação em Educação na Universidade de Harvard.
A pesquisa também estendeu-se aos que participaram da primeira etapa, além de outras organizações educacionais, como o World Innovation Summit for Education (WISE)4 e a Organização dos Estados Ibero-americanos. Foram recebidas um total de 1.370 respostas de 59 países, o que configura um volume maior de respostas do que as da primeira etapa. As análises foram divididas em duas Seções, conforme Figura 1:

Fonte: elaborada pela autora, a partir de dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2020).
Figura 1 Divisões da pesquisa OCDE.
Os itens que constituem as seções da pesquisa da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020), foram utilizados como norteadores das questões da investigação aqui proposta e a posteriori, como categorias de análise, sejam elas: a historicidade, a contradição e a mediação. Portanto, países em totalidade global, viram a saúde em situação de emergência com o surgimento da COVID-19, estabelecendo-se o fechamento e interrupção da fabricação de produtos, comércio e serviços, estampando a crise político-econômica. Essa condição afetou diretamente a economia, porém, permite ao grande capital criar soluções criativas (Granemann, 2021), principalmente no andamento da educação, com a introdução de tecnologias existentes e emergentes para ensino remoto e/ou a distância. Esse fechamento afeta a escola que segundo dados da OCDE, nesse mesmo documento em análise, os países com perspectivas de maior número de dias letivos com escolas fechadas foram: Brasil, Costa Rica e Peru.
Todavia, entendemos a necessidade de discutir o contexto educacional em período pandêmico, no Brasil, por se tratar de um país emergente em questões educacionais, com disparidades socioeconômicas entre os grupos de estudantes e alta população destes em vulnerabilidade social. Consta significativas dificuldades de acesso à tecnologia, uma vez que a participação a partir do atual contexto, segundo a OCDE, é, e continuará sendo, cada vez mais mediada pela tecnologia. Encontramos no documento recomendações para o “aprender e ensinar remotamente” como uma saída para o momento de crise sanitária e, para além dela, a efetivação da modalidade em futuro próximo. Assim como, para fortalecimento da capacidade de produção de conhecimento no século XXI, o que consequentemente, afeta a formação do trabalhador, seja em nível de educação básica ou ensino superior.
Este trabalho é originário de estudos para apresentação no Grupo Internacional de Estudos e Pesquisa sobre Educação Superior (GIEPES) — UNICAMP, no mês de novembro de 2021, em uma mesa de discussões sobre o tema: “Recomendações da OCDE e da Unesco para América Latina: análise do contexto educacional e da formação do trabalhador em tempos de pandemia”, o que direciona a escolha pelo documento aqui em estudo. Portanto, o objetivo proposto é analisar como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) traz a insígnia da educação por meio do discurso da “escolaridade interrompida”5 em contexto de pandemia da COVID-19 e quais são as implicações na formação do trabalhador.
Trata-se de uma investigação qualitativa de cunho bibliográfico, tendo como procedimento metodológico de produção e análise de dados, as análises documental e de conteúdo. Buscando conhecer fatos e fenômenos a serem investigados, utilizamo-nos do materialismo histórico dialético, entendido como a teoria geral do ser que privilegia o movimento e as contradições articulados à aplicação dos princípios dessa teoria ao estudo da sociedade (Netto, 2019).
Com intuito de entendermos e contextualizarmos a interrupção da escolaridade e os impactos na formação do trabalhador para obtermos aprofundamento empírico e teórico do tema, estruturamos este trabalho além da introdução, a qual historiciza o processo de pesquisa da OCDE no início do período pandêmico e na compreensão do objeto para uma nova práxis; delineamos a seguir, outras duas seções. Na primeira, discutimos a educação em contexto de crise sanitária, a qual potencializa a interrupção da escolaridade em processo contraditório; a segunda seção aborda as implicações na formação do trabalhador por meio da interrupção da escolaridade em contexto pandêmico ao passo das mediações do Estado; seguida das considerações finais.
Escolaridade interrompida, escolaridade repensada: contexto de crise
Iniciamos esta seção mostrando os lados que versam o documento, o qual nos propomos analisar, dizendo que a crise na educação está intensificada, sendo esta a expressão da prática na atual conjuntura. Cenário este em que as situações de vida tornam-se intoleráveis, opressoras e autoritárias, pela combinação de capitalismo ultraneoliberal e pandemia (Bravo; Matos; Freire, 2020). Portanto, as deliberações do capital potencializam a fragilidade humana, processo este, que vivenciamos nessa circunstância social. Pontuamos que a educação, no contexto de pandemia da Covid-19, é mais um dos inúmeros retrocessos e agravamentos sociais dessa realidade. Todavia, o mercado precisa se manter competitivo através do comportamento da sociedade, assim alerta Friedmann (2014), sendo o indivíduo entidade principal desta. Através do indivíduo são evidenciadas novas culturas, as quais, nessa situação emergente, continuam levando o Estado a desempenhar papel de organizador da atividade econômica com flexibilidade total de interesses direcionados a organização política e econômica.
A organização da atividade econômica, em sua maior parcela, vem por meio da empresa privada operar em mercado livre gerando liberdade econômica e política (Friedmann, 2014). Introduz o capitalismo competitivo, que fica parcelado e ameaçado com essa atualidade que vimos presenciando. Em verdade, a crise capitalista é recorrente, está em outro período de transição com uma nova história - os efeitos da pandemia COVID-19 – as quais geram crise orgânica (Gramsci, 1999). O Estado mínimo está em recusa à proteção ao cidadão quando assume as questões sociais, uma vez que segue em defesa da propriedade privada e das condições gerais da acumulação capitalista. Presenciamos o desmantelamento da vida, próximo da marca de setecentas mil mortes no país que, para além das questões sociais, os elementos do mercado determinam a produção, distribuição, troca, consumo e se sentem harmônicos com as formas de domínio burguês.
Domínio este, desarmonizado pelo agravo das dificuldades da população em saúde, alimentação, cultura e educação. Uma vez que, as questões sociais assumidas pelo Estado, segundo Friedmann (2014) e Hayek (1990), levam o indivíduo a perder a liberdade em proporcionar por si mesmo seu bem estar e igualdade, levando-o a opressão na dependência do Estado. A contradição com o pensamento hayekiano está, exatamente, no processo de “servidão” em função da alocação dos recursos, pois as personificações são sempre conformadas pelos interesses da classe dominante, sem considerar a autenticidade da classe trabalhadora.
Enquanto Hayek e Friedmann consideram perdas de liberdades pelo caminho da servidão, o indivíduo é levado, por esse consenso, a caminhar para privilegiar a “servidão” na intensificação de seu envolvimento cognitivo e socioemocional para diminuir espaços improdutivos (Antunes, 2018). Logo, a liberdade é apontada por Gramsci (1999, p. 281) “[...] como identidade de história e de espírito e, a liberdade como ideologia imediatamente circunstanciada, como superstição e instrumento prático de governo”. Em contraponto, Harvey (2008) introduz que é impossível manter a movimentação para crescimento do capital o tempo todo. O momento atual coloca a prova o tempo e o espaço nas dimensões do capital em suas novas maneiras de dominação, confrontando com as regras básicas da acumulação capitalista.
Identificamos, no discurso dos organismos multilaterais – OCDE e Unesco – a polarização dos interesses de classes. Estes, configurados no aqui e agora, que a educação continua sendo empregada na proposta utilitarista e leva condição de culpada pelo mau desempenho da acumulação capitalista. Isto por não proporcionar o desenvolvimento e formação que o grande capital requer para formar seu exército de reserva. Formação essa prejudicada pela interrupção da escolaridade, pela (des)conexão da virtualidade proposta como recurso emergencial na formação do sujeito.
Sendo posicionamento neoliberal, o desenvolvimento de sujeito individualista, da democracia representativa e liberdade de concorrência econômica no mercado para garantir equilíbrio social, esses organismos multilaterais corroboram com o pensamento neoliberal e trabalham para sugerir que países como o Brasil elaborem e apliquem políticas que atuem junto a personalização da educação, da saúde e da economia.
Enquanto a OCDE traz em sua insígnia “políticas melhores para uma vida melhor”, a Unesco preza pela autenticidade e harmonia do desenvolvimento humano para eliminar a pobreza e a exclusão social. Compreendemos que esses dois organismos trabalham na mesma linha de eliminação da pobreza pelas vias das políticas sociais em contexto ultraneoliberal (Bravo; Matos; Freire, 2020). De acordo com Freire e Cortes (2020, p. 27), o alcance às políticas sociais foi reduzido e passa para o “combate” à pobreza. No final do século XX, o contingente de pessoas em situação de pobreza é maior, não somente no Brasil, mas em extensão global, tornando objetivo dos organismos internacionais, responder à essa questão através de suas recomendações (Freire; Cortes, 2020).
A pesquisa da OCDE de setembro de 2020 sobre Educação interrompida, educação repensada: como a pandemia do Covid-19 está mudando a educação (Schooling disrupted, schooling rethought. How the Covid — 19 pandemicis changing education), contou com a participação de sistemas educacionais de 59 países6. Esses sistemas educacionais segundo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020), organizaram estratégias para prosseguir com a educação apresentando resiliência, flexibilidade e compromisso. Dessa forma, entendem que se dispensou atenção especial para garantir o aprendizado do aluno, ou seja, a competência cognitiva teve maior ênfase do que a socioemocional.
As recomendações da OCDE para desenvolvimento das competências socioemocionais, chegam ao Brasil no ano de 2013, com um projeto desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna, sob égide do relatório Estudos da OCDE sobre competências: competências para o progresso social: o poder das competências socioemocionais (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2015). Todavia, as vistas da OCDE, fica vulnerável uma das competências, o engajamento, uma vez que o relatório oferece resultado de que “[...] nem todos os alunos foram capazes de se engajar de forma consistente com sua educação, conforme previsto nessas estratégias de emergência”, nesse sentido, a responsabilidade é do aluno pela falta de engajamento (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 2).
Com o modelo de educação a distância/online, o enfoque das escolas foi garantir “[...] a continuidade do aprendizado acadêmico” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 2) por meio de recursos digitais, exige de docentes e discentes, o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais e, intrínseca a elas, as habilidades digitais. Pontuam, Médici, Tatto e Leão (2020), Reyes e Quiróz (2020) que as competências digitais, como manuseio de computadores e acesso a plataformas digitais, requerem proatividade no processo de aprendizagem.
O relatório enfatiza a necessidade de professores e alunos dispensarem esforços para encontrarem formas de aprender e ensinar remotamente, uma vez que intensifica a eficácia pedagógica no futuro próximo, para além desse retorno imediato (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020). A evidência, que a educação é um bem público está dada, é um acontecimento histórico (Thompson, 1981). Porém, a reconstituição dela pela aproximação da conectividade, da personalização por “[...] modalidade combinadas de ensino aprendizagem” não se dá na totalidade (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 2). Em função das disparidades socioeconômicas de diferentes grupos de estudantes a aprendizagem se torna provisória, incompleta, seletiva e limitada, mas não inverídica (Thompson, 1981).
O ensino-aprendizagem de forma remota, com aporte nas tecnologias digitais, no espaço escolar, são recomendados para serem utilizados como ferramentas aperfeiçoadas, aprimoradas e implantadas. Na essência, o documento coloca a educação como insígnia para o sucesso de jovens em sua situação socioeconômica, uma vez que a pandemia retraiu oportunidades educacionais, elevou as dificuldades econômicas familiares e diminuiu a capacidade de manter crianças e jovens na ativa educacional. O relatório considera que pela interrupção da escolaridade, as perdas potenciais de aprendizado causam impacto econômico à sociedade. Esse impacto dificulta a construção de “[...] soluções lucrativas aos grandes capitais” (Granemann, 2021, p. 1).
No mundo mediado pelo acesso à tecnologia, só participa quem se integra e prioriza vencer as disparidades sociais aprofundadas pela crise mantendo a motivação e o engajamento, sendo resiliente. Essa é a recomendação do relatório da OCDE: as lições que sustentam a continuidade educacional nesse período de distanciamento social. “Essa percepção traz em si um lado positivo extraordinário ao indicar que essas práticas devem ser continuadas e aprofundadas após a pandemia, com o objetivo de fortalecer a capacidade de educação do século XXI” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 2). Para Thompson (1981, p. 54) é apenas o “[...] caroço invisível dentro da casca das aparências”. Na essência, a recomendação versa pela responsabilização da escola pela organização, gestão e instrução, pela individualização do aluno em desenvolver autonomia, proatividade e comprometimento e, das famílias, no auxílio em casa para o desenvolvimento dessas competências.
O documento, ao mesmo tempo que defende o ensino remoto, apelou para abertura das escolas, principalmente em países com maior número de alunos em desigualdades sociais – caso do Brasil – por entender que nem todos têm condições de adquirir equipamentos tecnológicos para o ensino online. Afirma que as oportunidades educacionais foram influenciadas pela pandemia com a diminuição da renda familiar, impossibilitando a permanência da criança ou jovem na escola (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020). Essas (in)capacidades das famílias em manter os filhos no ambiente escolar seriam de moradia, alimentação transporte, ensino público e gratuito. Aparecem somente no atual contexto?
A pandemia da COVID-19 surge como fenômeno central e situação de multideterminações (Garcia et al., 2021) principalmente na educação. Os preceitos são reforços para as marcas da desigualdade social e podem ser conferidas pela evasão escolar, porém, não são pontos efetivos do contexto pandêmico. Elas vêm assoladas desde os primórdios da humanidade, logo, a desigualdade deve ser ponto de atenção na cobertura sobre o distanciamento escolar, pois cada vez mais existe abandono das pessoas em situação de pobreza/miséria. Segundo Freire e Cortes (2020, p. 28), as políticas para combater a pobreza “[...] permitem reorientar e priorizar a distribuição de recursos públicos, enquanto fixam linhas objetivas (chamadas de métodos científicos) e subjetivas para a população pobre que é dividida entre os merecedores e não merecedores das novas formas de intervenção da política social”. A pobreza está abandonada, a sobrevivência está em colapso, pois são invisíveis às políticas sociais.
A OCDE aponta que a reabertura das escolas traz benefícios para não interromper o desenvolvimento do conhecimento e habilidades, além de permitir aos pais o retorno ao trabalho. Reconhecem que já houve perda de aprendizado e, que essa parcela perdida se não “[...] remediada, provavelmente causará um impacto econômico às sociedades na forma de produtividade e crescimento diminuídos” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 3). Ou seja, só fará aumentar as famílias em situação de pobreza, indivíduos despreparados para o mercado de trabalho que se constitui cada vez mais seletivo. De acordo com a pesquisa, a interrupção da educação, por um ano, equivale a perda entre 7% e 10% de renda ao longo da vida (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020).
Insistem que, para a reabertura das escolas, é necessário o envolvimento dos pais, professores, assim como estabelecer imagem e comunicação confiante e concisa com a comunidade, mostrando de forma proativa que irão aderir às diretrizes nacionais de saúde, assegurando distanciamento social entre as crianças, práticas de higiene pessoal e cuidado com a infraestrutura. Todavia, a recomendação é “[...] expandir e intensificar seus relacionamentos com os pais e as famílias” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 5). A propaganda do produto “educação” está posta, surgem propostas de planejamento da imagem da mercadoria e estratégia de venda (Jameson, 2001), na mediação entre formação do sujeito e economia. O movimento traduz-se na ideologia neoliberal, a qual se introduz pela tecnologia, assegurando a visibilidade da formação para o capital e a invisibilidade de uma formação humana com igualdade de direitos.
O relatório da pesquisa realizada pela OCDE e Universidade de Harvard mostrou que o aprendizado propiciado pelo ensino remoto é uma pequena parcela do que o ofertado pelo ensino presencial. Porém, posiciona-se a favor da mesclagem entre presencial e online – ensino híbrido. Evidencia benefícios obtidos no ensino presencial, os quais propiciam a relação próxima com professores e colegas, com acesso a refeições, apoio pedagógico, psicológico e saúde. Esclarece que, nas modalidades presencial e/ou híbrido são beneficiadas as crianças em maior nível de vulnerabilidade e desigualdade social.
É recomendado pelo organismo que o potencial de inovação – a tecnologia – deve ter continuidade, ser alargado, melhorando a oferta de educação em um novo período em que o Estado possa manter o equilíbrio entre seus gastos e sua arrecadação, uma vez que a pandemia traz restrições financeiras, resultantes dos custos econômicos de saúde pública (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020). Traduz o apoio da tecnologia para desenvolvimento de docentes, como incentivo aos discentes na progressão da autonomia e independência no aprendizado. A defesa da OCDE para a continuidade do aprendizado online e/ou misto, ou ainda, aprendizado independente, é a utilização da tecnologia. Esta, permite aquisição facilidades na aquisição de competências, consideradas pelo organismo, essenciais para suprir as necessidades do século XXI, além de tornar a educação mais relevante quanto a colaboração, comunicação, pesquisa independente e segundo o documento, “[...] habilidades cognitivas de ordem superior”, sendo a ênfase na leitura ou matemática (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 8).
Entendemos que a educação vem sendo o standard da sociedade capitalista, a insígnia desfraldada na atual conjuntura, sendo assim, nos questionamos: quais as necessidades para o século XXI? O sujeito, no ir e vir da escola para o trabalho, girando a economia? Estamos diante do manancial elitizado que legitima seus interesses “[...] como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão sociedade” (Mészáros, 2008, p. 35), a não ser dar continuidade a escolaridade, uma vez interrompida, da forma que convir, no mesmo tom que se vinha propondo (fragmentada, parcelada), mas agora com nova roupagem, as tecnologias digitais.
Formação do trabalhador: rupturas do conhecimento
Diante desse delineamento, encontramos as implicações na formação do trabalhador, as quais se processam pelas rupturas do conhecimento, considerando que estamos há menos de uma década do prazo organizado pela agenda Unesco — educação 2030 — com a declaração de Incheon e Marco para implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4). Nesse sentido, levados pelo contexto pandêmico, se estabelece o aprofundamento do distanciamento para que os organismos (OCDE e Unesco) consigam assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade. Assim, a urgência em preparar jovens para o mercado de trabalho vem atropelada pela necessidade de recuperar o que foi perdido de conteúdos e saberes, neste momento de escolas fechadas, a contar também com a evasão escolar potencializada.
As transformações do mundo do trabalho, encenadas pela quarta revolução industrial, demandam novos saberes e novas exigências à formação do jovem para o mercado de trabalho. Deparamo-nos, nesse contexto, com outro obstáculo epistemológico abarcado nessa formação e no estabelecimento desses parâmetros imbuídos numa dinâmica de interesses capitalistas. Com a interrupção da escolaridade, as relações entre sujeito, que é o ser pensante buscando conhecimento e o objeto - o ser inerte nesta procura - fica desmantelada, uma vez que o aparente compasso harmônico ente sujeito e objeto pode se dar pela educação. Este processo pode ser resultante para (re)configurar propósitos dos organismos multilaterais relacionados a recuperação da economia e da suposta aparência da desigualdade social. Esses, a exemplo da OCDE, sob suas múltiplas facetas, buscam argumentos e formas através da necessidade em manter a acumulação. Mas, tem clara a visão de que esse período de escolas fechadas vai impactar no futuro que já está antecipado e incerto.
O impacto da educação interrompida recai sobre a formação do trabalhador integrante da sociedade capitalista, onde seu desenvolvimento, na forma de ruptura do conhecimento, desfere como ideal econômico, político e social não mais lento e gradual, mas na velocidade que a tecnologia proporciona, distanciando-se da formação humana. Logo, o capitalismo globaliza seus interesses representados pelos organismos multilaterais, uma vez que, o capital, na totalidade de suas relações, opera pelas leis de seu próprio desenvolvimento, constituindo o capitalismo como efeito delas nas formações sociais (Thompson, 1981), fazendo com que esses impactos recaiam com maior elasticidade sobre o trabalhador, sujeito esse, que se expôs às desigualdades. Todavia, entendemos que haverá aprofundamento na ampliação das desigualdades educacionais nos países, em nível mundial, mas principalmente no Brasil, com economia periférica, acentuada pela forte dependência de capitais externos e extrema vulnerabilidade com concentração de renda, abalando fortemente os menos favorecidos.
As soluções emergenciais ditadas pelos organismos multilaterais são apenas “[...] formais e não essenciais”, onde indivíduos são “[...] devidamente educados e aceitos” na “[...] subordinação hierárquica e implacavelmente imposta” (Mészáros, 2008, p. 35). O impacto da lógica do capital, em suma, se expressa nas rupturas do conhecimento na formação do trabalhador que se apresenta com outra face, enfrenta o seletivismo para o mercado de trabalho em consequência do desenvolvimento das competências socioemocionais e, principalmente, da personificação da educação.
Todavia, para que se mantenha plena a continuidade da expansão do capital por meio de sua estruturação intervencionista, é importante recuperar o aprendizado. Pois, a OCDE deixa explícito que a escola pode oferecer aulas extras nos dias em que está fechada, à noite, finais de semana ou ainda prolongar a carga horária diária para recuperar a “perda” de aprendizado (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020). Essa é sem dúvida a marca da exploração dos que ainda estão em formação para atender os ditames do trabalho, é a cicatriz dos interesses burgueses, que de forma alguma leva à emancipação humana. Mas, leva à decadência do saber objetivo, fortalecendo a seletividade e ao distanciamento do conhecimento sintético. Uma vez que o mercado de trabalho, juntamente com suas organizações, empenha-se para o que o ensino básico, técnico ou superior perpetuem e abracem as necessidades urgentes da formação do trabalhador, no sentido de aliviar as gestões capitalistas.
De acordo com a OCDE “[...], é importante que as escolas não percam de vista as necessidades urgentes dos alunos que estão concluindo o ensino médio. A crise econômica em curso está criando um mercado de trabalho profundamente hostil aos jovens” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020, p. 6). Observamos nas recomendações do organismo que os desafios à educação estão impostos, mas reforçamos que estão longe da “[...] perspectiva de uma educação universalizada e da produção de ciência e tecnologia de qualidade socialmente referenciada que se insira na construção de uma sociedade democrática e de sujeitos autônomos e críticos” (Lima Filho, 2015). Isso porque estabelecem o aligeiramento da formação intensificando a recuperação da aprendizagem, consumida pela falta de possibilidades e recursos para o aprender nesse tempo de escolas fechadas. No entanto, utilizam-se do discurso de “mercado de trabalho hostil” para assim justificar a real meta do processo produtivo, por meio das transformações do mundo do trabalho, no que tange às inovações tecnológicas.
Se por um lado, uma das implicações da pandemia da COVID-19 na formação do trabalhador é a ruptura no conhecimento, a outra é o aprofundamento das contradições (Saviani, 2013). Pois, deparamo-nos com a ampliação das desigualdades educacionais, no Brasil, as quais levam ao aprofundamento das contradições na relação educação e trabalho, pela orientação dominante dos organismos multilaterais que tendem a fortalecer a estrutura burguesa.
A ruptura se estabelece pela “[...] não distribuição equitativa do conhecimento” (Boneti, 2011, p. 35), principalmente pela formulação de políticas públicas prontas a atender a fenda causada pela pandemia da COVID-19, a exemplo do Parecer CNE/CP nº 11/2020 (Brasil, 2020)7. Esta, por sua vez, orienta ações educacionais para o andamento e continuidade da aprendizagem com a introdução de tecnologias existentes e emergentes para ensino remoto e/ou a distância. Estes, direcionados às aulas e atividades pedagógicas presenciais e não presenciais no contexto da pandemia.
Também há rupturas pelas formas e disponibilidades de utilização da tecnologia para a educação, favorecendo a um percentual restrito da sociedade, através da seletividade das condições sociais. Não há equivalência na aprendizagem e consequentemente na formação do trabalhador, resultando em impacto na relação educação e trabalho. Uma vez que as exigências dos meios de produção, para o pleno emprego, não geram garantias para formação das classes menos favorecidas, por meio do distanciamento do acesso, da equidade e da qualidade do ensino.
As normativas da OCDE, descritas no relatório sobre a educação interrompida (2020), estão interinamente ajustadas às exigências do mercado de trabalho e das ações capitalista. Isso quer dizer que, de acordo com o desenvolvimento das competências socioemocionais, a responsabilidade em se preparar para o mundo competitivo e enfrentar o desafio da empregabilidade, é do sujeito. Portanto, a inovação tecnológica reflete a falta de possibilidade de acesso pela maioria da população. Assim, restringe o processo de aprendizagem, em decorrência da não equidade do conhecimento socialmente produzido. De acordo com Boneti (2011, p. 36):
Conhecimento socialmente produzido refere-se ao conhecimento básico utilizado pelos sujeitos sociais para se inserirem plenamente no contexto social, quer seja na dinâmica da produção, na busca da garantia dos direitos sociais básicos, nas relações sociais outras ou na própria reprodução e/ou produção do conhecimento nas instituições de ensino.
O conhecimento fraturado tem extensão na totalidade da educação, seja a educação básica, técnica ou ensino superior. Pois, versa desconstruir o pensamento crítico e objetivo que busca pelo desenvolvimento social das classes com vinculação entre interesses populares promovendo a transformação social. Pois, “[...] trata-se de explicitar como as mudanças das formas de produção da existência humana foram gerando historicamente novas formas de educação [...]” (Saviani, 2021, p. 2). Logo, leva ao desenvolvimento de aptidões para compor as novas designações de perfil profissional potencializadas pelas competências socioemocionais e determinadas pelo mercado de trabalho.
O resultado está no processo de homogeneização da classe dominante, que ao juntar vários elementos, a exemplo das competências socioemocionais, forma um todo integrado, de mesma natureza – o trabalhador – porém, com substâncias distintas e o conhecimento como efeito dessa ação. A homogeneidade “[...] faz surgir, no próprio processo de repasse do conhecimento socialmente produzido, uma divisão seletiva entre os que atingem a homogeneidade e os que não conseguem esta meta” (Boneti, 2011, p. 39). No entanto, o trabalhador que não alcançar a meta será excluído do mercado de trabalho.
Das novas competências e novos saberes emergem demandas para preparar o jovem para o mercado de trabalho, pois os modelos de gestão neoliberais exigem do trabalhador capacidades que incluem formação e atitudes voltadas para a competitividade, produtividade e agilidade na execução dos processos produtivos. Tais demandas são advindas das competências socioemocionais, as quais, uma vez desenvolvidas, o trabalhador poderá responder com flexibilidade os desafios econômicos, sociais e tecnológicos do século XXI, como proposto pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2015).
O grande capital, representado pelos interesses dos organismos multilaterais, abastece-se dessas competências para (re)configurar seus propósitos relacionados a uma vida melhor, excluída da pobreza. O capital atua em prol de sua expansão sob todas as facetas, na necessidade em manter efetivamente a acumulação, propondo formação da e para classe trabalhadora (Fontes, 2020, 2016). Diante disso, as recomendações da OCDE em recuperar a aprendizagem fragilizada, encontra-se nesse movimento criado pela teoria econômica, em formar a classe trabalhadora para sustentar o capital. Ademais, a interrupção da escolaridade afeta drasticamente a proposta, realiza a quebra desse contrato levando alunos à fuga escolar, desnaturalizando-se e potencializando danos à estruturação capitalista.
Para a classe que detém o capital é uma grande preocupação, pois o período de interrupção da educação e mesmo pelo ensino remoto ou à distância, acarreta na aquisição tardia do conhecimento para formação do trabalhador, há perdas na aprendizagem pela maior parte da população em idade escolar. Isso é fato e, na visão neoliberal, reflete no processo produtivo, consequentemente, na acumulação capitalista que busca abrangência das competências cognitivas e socioemocionais do indivíduo abarcado pela formação do e para o capital. Por outro lado, utilizam da premissa: aquisição de conhecimento e qualificação profissional, para justificar a redução de pessoas no mercado de trabalho. Concordamos com Saviani (2013) sobre a necessidade de conhecer, precisa e profundamente, a maneira como se estrutura a sociedade brasileira onde a prática educativa é desenvolvida, fortalecendo políticas educacionais consistentes que levem ao aprofundamento das mudanças sociais.
Considerações Finais
Ao resgatarmos o objetivo deste processo investigativo, encontramos preliminarmente, que os incentivos e recomendações da OCDE intensificam a escolaridade interrompida. Isso no sentido de inserir uma ruptura, seja pelas mudanças na educação através do estudo remoto, seja pelas alterações na forma de aprendizagem com ambiente inovador.
Repensar a educação pós-interrupção é pauta de discussões para encaminhamentos de políticas educacionais no Brasil. A educação básica, ensino superior e formação do trabalhador estão em constantes integrações e movimentações para que o capital estabeleça seu projeto de alavancar “exército de reserva”, com iniciativas de controle e estabelecimento de quando e qual ambiente o conhecimento deve se estabelecer.
Todavia, entendemos que as consequências para a formação do trabalhador não irão além do que já está posto pela conjuntura mundial. Irá aprofundar o agravamento que já vem estabelecido, pois essa formação está no incurso da tecnologia, refletindo a antecipação do desemprego anunciado. Alavancando as desigualdades econômicas, educacionais e culturais, pois as regulamentações estarão sob a ótica da aceleração dos currículos educacionais para tentar sanar as perdas de saberes e atravessar o tempo cronológico para o alcance de metas estabelecidas nas agendas globalmente estruturadas.
O planejamento do capitalismo global, através de recomendações e regulações dos organismos multilaterais, já é pré-existente. No entanto, presenciamos o desmantelamento da política pública, que é depredadora e trata o abandono à pobreza com invisibilidade. Ou seja, a pobreza está ali, mas não é vista. O indivíduo é culpado pela sua pobreza, a invisibilidade é dada no deslocamento das reais determinações para essa questão social. É responsabilizado pela perda de aprendizagem e, assim, justifica-se pela estrutura capitalista, a diminuição de pessoas atuantes no sistema produtivo. Quando não se consegue dar conta de si e depende-se do Estado (políticas sociais), está fora do mercado de trabalho, que é seletivo.