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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.22 no.2 Campinas abr./jun 2020  Epub 27-Jun-2021

https://doi.org/10.20396/etd.v22i2.8654510 

ARTIGO

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA VOLTADA À FORMAÇÃO CIDADÃ: ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO DIDÁTICA NOS ANOS INICIAIS

SCIENTIFIC LITERACY BACK TO CITIZEN TRAINING: ANALYSIS OF A DIDACTIC INTERVENTION IN INITIAL YEARS

ALFABETIZACIÓN CIENTÍFICA VOLTADA LA FORMACIÓN CIUDADANA: ANÁLISIS DE UNA INTERVENCIÓN DIDÁTICA EN LOS AÑOS INICIALES

Cleci Teresinha Werner da Rosa1 

Raquel Langaro2 

1Doutora em Educação Cientifica e Tecnológica - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Santa Catarina, SC - Brasil. Docente permanente - Programa de pós-Graduação em Educação; Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - Universidade de Passo Fundo, Instituto de Ciências Exatas e Geociências (UFP). Passo Fundo, RS - Brasil. E-mail: cwerner@upf.br

2Mestre em Educação - Universidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo, RS. Servidora da Prefeitura Municipal de Tapejara e Servidora Pública da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul.- Tapejara, RS - Brasil. E-mail: raquel.langaro@hotmail.com


RESUMO

O estudo parte da necessidade de implementar e analisar propostas didáticas que favoreçam a alfabetização científica nos anos iniciais. Com essa percepção e acompanhada do entendimento de que ensinar Ciências está associada a buscar respostas aos problemas vivenciados pelos estudantes, formulou-se a questão de investigação: que características associadas à alfabetização científica são beneficiadas por práticas pedagógicas pautadas pela busca de solução a problemas vivenciados pelos estudantes? Para responder a essa questão, o estudo estruturou uma proposta didática baseada nos Três Momentos Pedagógicos tomando-se como referencial a alfabetização científica em Lorenzetti (2000). O objetivo está em avaliar as contribuições da sequência didática para o processo de alfabetização científica. Em termos metodológicos adota-se a abordagem qualitativa e participante, envolvendo a produção de dados a partir dos registros da professora/pesquisadora no diário de bordo, coleta dos materiais elaborados pelos alunos e gravação em áudio e vídeo de uma das atividades realizadas - telejornal. Os resultados apontam que a sequência didática contribuiu para a alfabetização científica especificamente no uso de vocabulários enriquecidos com termos e conceitos científicos, na identificação desses conhecimentos nas situações cotidianas, na identificação de que há mitos e crenças em grande parte dos conhecimentos adquiridos no mundo vivencial, sobre o papel consciente que cada sujeito deve exercer na sociedade e na sua responsabilidade crítica sobre os eventos circundantes. Por outro lado, se mostrou fragilizada em aspectos como a identificação de que não há verdades absolutas na ciência e que ela é fruto de um contexto social, cultural, econômico e político.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Ciências; Alfabetização científica; Formação científica e cidadã

ABSTRACT

The research starts from the necessity to implement and analyze didactic proposals that favor the scientific literacy the initial years. With this perception, and accompanied by the understanding that teaching science is associated with seeking answers to the problems present in the near or remote surroundings of students, the question that guides research is formulated: what characteristics associated with scientific literacy are benefited by pedagogical practices based on by the search for a solution to problems experienced by the students? In order to respond to this questioning, we search for the support of the methodological proposal based on named Three Pedagogical Moments, taking as a point of reference the understanding of scientific literacy in the Lorenzetti (2000). The objective to evaluate a didactic sequence of their contributions to the process of scientific literacy. The research takes as presupposition the qualitative and participatory approach, involving the production of data from the teacher/researcher's records in the form of logbook, the collection of the materials elaborated by the students and the audio and video recording of one of the activities executed - television news. The results indicate that the didactic sequence was favorable to scientific literacy specifically in relation to the use of vocabulary enriched with scientific terms and concepts, to identify this knowledge in everyday situations, to identify that there are myths and beliefs in most of the knowledge acquired in the experiential world, about the conscious role that each subject must exercise in society and their critical responsibility for the surrounding events. On the other hand, it has been weakened in aspects such as the identification of there is no absolute truth in science and that it is the fruit of a social, cultural, economic and political context.

KEYWORDS: Science Teaching; Scientific Literacy; Scientific and citizen training

RESUMEN

El estudio parte de la necesidad de implementar y analizar propuestas didácticas que favorezcan la alfabetización científica en los años iniciales. Con esta percepción y acompañada del entendimiento de que la enseñanza de Ciencias está asociada a buscar respuestas a los problemas vivenciados por los estudiantes, se formuló la cuestión de investigación: qué características asociadas a la alfabetización científica se benefician de prácticas pedagógicas basadas en la búsqueda de solución a problemas vivenciados por los estudiantes? Para responder a esta cuestión, el estudio se hace sobre la base de desarrollos teóricos basada en los Tres Momentos Pedagógicos tomando como referencial la alfabetización científica en Lorenzetti (2000). El objetivo es evaluar las contribuciones de la secuencia didáctica al proceso de alfabetización científica. O metodo de la investigacion es cualitativo y participante, involucrando la producción de datos a partir de los registros de la profesora/investigadora en el diario de bordo, recolección de los materiales elaborados por los alumnos y grabación en audio y video de una de las actividades realizadas - telediario. Los resultados apuntan que la secuencia didáctica contribuyó a la alfabetización científica específicamente en el uso de vocabularios enriquecido con términos y conceptos científicos, en la identificación de esos conocimientos en las situaciones cotidianas, en la identificación de que hay mitos y creencias en gran parte de los conocimientos adquiridos en el mundo vivencial, sobre el papel consciente que cada sujeto debe ejercer en la sociedad y en su responsabilidad crítica sobre los acontecimientos circundantes. Adenmas, se mostró fragilizada en aspectos como la identificación de que no hay verdad absoluta en la ciencia y que es fruto de un contexto social, cultural, económico y político.

PALAVRAS-CLAVE: Enseñanza de Ciencias; Alfabetización científica; Formación científica y ciudadana

1 INTRODUÇÃO

É cada vez mais ressaltado nas pesquisas e documentos oficiais a necessidade de debater e discutir conhecimento científico desde as mais tenras idades. A Base Nacional Curricular Comum, infere, entre outros aspectos, a importância de um ensino de Ciências que exercite a curiosidade intelectual, promovendo situações que levem a investigação, reflexão, análise crítica, imaginação e criatividade, ao mesmo tempo em que permita investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas (BRASIL, 2017). A ênfase está em formar sujeitos letrados cientificamente e que possam exercer em sua plenitude a cidadania.

Essa compreensão pode ser complementada com as discussões de Lorenzetti e Delizoicov (2001), ao inferirem que a prática do ensino de Ciências nos anos iniciais deve estar voltada a fornecer subsídios ao estudante para a construção dos seus primeiros significados sobre o mundo, ampliando seus conhecimentos, sua cultura e sua possibilidade de compreender e efetivamente participar na sociedade em que se encontra inserido. Tais características estão alinhadas com a alfabetização científica, que implica na valorização do conhecimento científico para a cidadania e educação das pessoas.

Entretanto, Minosso (2017) alerta que tais entendimentos se reportam a uma visão de ensino de Ciências que é pouco condizente com as práticas dos professores nos anos iniciais. A autora menciona que os professores têm pouca afinidade com aspectos vinculados à alfabetização científica e que em sua prática pedagógica são realizadas poucas ações voltadas a fomentar esse processo. Lorenzetti (2000), por sua vez, já havia relatado que grande parte dos professores dos anos iniciais priorizam a Matemática e a Língua Portuguesa e pouco a Ciências e, quando o fazem, apresentam aos alunos uma Ciência descontextualizada e desvinculada da formação do pensamento crítico.

A problemática apresentada leva a necessidade de buscar alternativas para uma nova reorganização do ensino de Ciências nos anos iniciais, mais especificamente propor e avaliar sequências didáticas que estejam orientadas a trazer o mundo vivencial para dentro da escola representa uma possibilidade de autonomia, que desenvolve a capacidade de assumir uma presença consciente no mundo. Tal perspectiva direciona o olhar deste estudo para as práticas pedagógicas e sua contribuição para o processo de alfabetização científica, delineando o questionamento central deste estudo: que características associadas à alfabetização científica são beneficiadas por práticas pedagógicas pautadas pela busca de solução a problemas vivenciados pelos estudantes?

Desta forma, a presente pesquisa aponta para a necessidade de desenvolver uma sequência didática (SD) e analisar as suas contribuições para a alfabetização científica. Essa SD se serve das discussões de Lorenzetti (2000) ao final de sua dissertação ao apontar como alternativa à estruturação didática na forma dos Três Momentos Pedagógicos - 3MP como proposto por Delizoicov e Angotti (1991). Tal orientação toma como pressuposto a perspectiva pedagógica de Paulo Freire e busca aproximação com a alfabetização científica.

A partir do questionamento e dos pressupostos teóricos apresentados, tem-se como objetivo do estudo avaliar as contribuições para a alfabetização científica, ofertadas por uma SD orientada pelos 3MP ao abordar o conteúdo do tema “Queimadas” no quinto ano do Ensino Fundamental.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O ensino das Ciências nos anos iniciais vai além de uma simples aquisição e compreensão de conteúdos programáticos, como entendido no início do século XX. Implica a busca e aprimoramento de diversas habilidades e competências para que os educandos possam desenvolver raciocínio lógico diante dos conteúdos abordados, mas também, que possam desenvolver formas de compreender, agir e situar-se no mundo. Andrade e Moraes (2009) alegam que a relação da ciência com os alunos não está somente presente na escola, por meio dos conteúdos e práticas vivenciadas, mas sim, encontra-se presente no cotidiano, seja em programas de TV, livros, histórias, filmes, na sua alimentação, dentre outros.

A visão de um ensino de Ciências voltado à cidadania remete a necessidade de instrumentalizar para viver e modificar a sociedade, especialmente em termos das desigualdades sociais e econômicas. Ou como mencionado por Sasseron e Carvalho (2011, p. 59-60): “um ensino de Ciências preocupado com a formação cidadã dos alunos para ação e atuação em sociedade”. Como decorrência, emanam as práticas voltadas à alfabetização científica que passam a ser um referencial pedagógico para subsidiar o ensino. Todavia, é necessário esclarecer que o significado do termo “Alfabetização Científica” é polissêmico na literatura, como lembra Sasseron (2017). Isso decorre de sua utilização associada a diferentes escolas teóricas nas quais são feitas aproximações que acabam por resultar em diferenças na compreensão do termo.

Essa variação no entendimento inicia pelo próprio uso do termo que, a partir dessas distintas escolas, acabam por se apresentar de diferentes formas. Sobre a presença dessas denominações e suas compreensões no ensino de Ciências, Santos (2007, p. 477), menciona que “se a prioridade for preparar novos cientistas, o enfoque curricular será centrado em conceitos científicos; se o objetivo for voltado para a formação da cidadania, o enfoque englobará a função social e o desenvolvimento de atitudes e valores”. De acordo com o autor, na escola a primeira está relacionada à alfabetização científica e vem sendo considerada na acepção do domínio da linguagem científica; enquanto a segunda está associada ao letramento científico e se volta ao uso do conhecimento científico na prática social.

Por limitações textuais e sem se ater por demasia ao que cada um dos diferentes termos enfatiza em suas definições, centra-se a discussão a partir da compreensão do conceito de “Alfabetização Científica” e as características desse enfoque na prática pedagógica em Ciências nos anos iniciais, especialmente a partir do trabalho de Lorenzetti (2000). Para isso, toma-se como ponto de partida a compreensão freireana de alfabetização, na qual, o ensino não pode ocorrer de forma descontextualizada do saber de mundo, da vida cotidiana dos sujeitos. Para o autor, não basta apenas que os alunos aprendam a ler a palavra, mas que também saibam fazer a leitura do mundo. Isso implica que os alunos sejam alfabetizados e aprendam não apenas “a decodificar palavras e símbolos nem decorar fórmulas e conceitos científicos, mas sim aprender a fazer uma leitura crítica e significativa do mundo do qual faz parte” (SANTOS, 2016, p. 46-47).

O entendimento de Lorenzetti (2000, p. 86) que se encontra fortemente ancorada na perspectiva de Paulo Freire, infere que a alfabetização científica nos anos iniciais é o processo “pelo qual a linguagem das Ciências Naturais adquire significados, constituindo-se um meio para o indivíduo ampliar o seu universo de conhecimento, a sua cultura, como cidadão inserido na sociedade”. Para que isso se concretize, o autor infere que as atividades realizadas com os alunos devem estar ancoradas na possibilidade de os alunos interagirem com o conhecimento, estimulando a sua participação ativa. Nesse entendimento, o autor enfatiza que o papel do professor é de ‘organizador e diretor’ de toda a atividade, na qual os alunos se sintam motivados a participar das aulas com dedicação e empenho. Continua o autor mencionando que é nos anos iniciais que os alunos estabelecem a compreensão inicial da ciência e desenvolvem habilidades e atitudes científicas.

Para confirmar essa importância, Lorenzetti (2000) faz uso das palavras de Harlen (1994), que diz que o ensino de Ciências deverá ser desenvolvido para que os alunos “descubram o significado do mundo” (p. 32). Continua o autor, mencionando que para termos uma sociedade democrática, faz-se necessário ter indivíduos cientificamente informados em Ciências, pois a alfabetização científica torna os alunos seres capazes de resolver problemas que surgem no dia a dia, conseguindo também, tomar decisões mais adequadas para transformar e melhorar a qualidade de vida, bem como, seus hábitos, pensando em preservar a sua saúde.

Para um indivíduo ser alfabetizado cientificamente, este não precisa necessariamente ter completo domínio da ciência, mas deve saber utilizar as informações e aprendizagens construídas em sua vida. Por meio dessas informações e aprendizagens, o sujeito é capaz de relacionar a ciência e a tecnologia, percebendo que as mesmas influenciam na sociedade, e são influenciadas pela sociedade. A capacidade de compreender que a ciência é feita por homens, desmistificando a imagem de que somente pesquisadores e cientistas são capazes de fazer ciência, percebendo que esses são produtores de conhecimentos da mesma, também é uma característica de um sujeito alfabetizado cientificamente.

Ainda, um sujeito alfabetizado cientificamente, consegue distinguir os conhecimentos científicos das opiniões pessoais, crenças e mitos; aplicando esses conhecimentos científicos aprendidos não somente no ambiente escolar, mas nos contextos não escolares, visando transformar sua vivência e sua forma de agir no mundo. Nessas condições os alunos modificam suas atitudes, tornam-se mais críticos e questionadores dos conhecimentos, dos fenômenos naturais, da ciência e da tecnologia que lhes são apresentados. Isso os torna aptos a discutir, tomar posições e decisões diante todos esses assuntos como cidadão consciente de seu papel. Ademais, esses alunos compreendem e reconhecem que o saber científico é provisório e está sempre sujeito a modificações conforme os resultados de pesquisas e estudos obtidos e acumulados, os quais são impulsionados pelas interações humanas e sociais. A visão de mundo desses alunos se torna mais rica e interessante, instigando o gosto pela ciência, ampliando seus conhecimentos, além de, compreender como realmente as coisas funcionam e que os avanços e as descobertas cientificas são importantes para todos.

O mencionado por Lorenzetti (2000) aponta para o entendimento de que um sujeito alfabetizado cientificamente apresenta características como uso de vocabulário enriquecido por termos e conceitos próprios da ciência; estabelece relações entre os conhecimentos discutidos na escola e as situações vivenciais, especialmente as que vinculam ciência, tecnologia e sociedade; compreende que a ciência é fruto de um processo de construção humana e vinculada a um contexto social, político e histórico; que não há verdades absolutas na ciência, mas sim um saber provisório e em permanente processo de modificações; que ela se distingue de mitos e crenças populares; que favorece uma mudança nas atitudes levando os sujeitos a se tornarem mais críticos e participativos e, especialmente, que favorece o processo de conscientização sobre o papel dos sujeitos na sociedade contemporânea.

Como alternativa para a operacionalização deste entendimento no contexto escolar, Lorenzetti (2000) infere a estruturação de ações didático-metodológica na perspectiva dos 3MP, seguindo o proposto por Delizoicov e Angotti (1991). Essa proposta, fundamentada na perspectiva de Paulo Freire, está estruturada em três partes que caracterizam os diferentes momentos e foram assim denominados: “Problematização inicial” (PI), “Organização do conhecimento” (OC) e “Aplicação do conhecimento” (AC).

O primeiro momento, identificado como PI, encontra-se vinculado à apresentação da situação-problema ou problematizadora que norteará as discussões. O ponto de partida são as situações vivenciadas pelos estudantes e trazidas por eles para dentro da sala de aula. São temas emergentes e que podem ser problematizados constituindo-se no elemento norteador das discussões sobre o conteúdo em análise. Na formulação do problema, o papel do professor é fundamental, pois atua como um provocador e incentivador da curiosidade dos alunos, construindo e modificando aprendizagens por meio do diálogo e do respeito mútuo, estimulando tanto a construção coletiva como individual. Segundo Delizoicov (1982), o professor precisa problematizar inicialmente levando em consideração a realidade de seus alunos, incitando-os a participar expondo seus conhecimentos, seus questionamentos e dúvidas, assim, poderão perceber-se como seres importantes no processo de ensino aprendizagem, não somente como meros receptores de conhecimentos. O professor, por sua vez, não deve dar as respostas prontas, nem questões pontuais, precisa permitir que o aluno pense, reflita e busque possíveis respostas para as problemáticas propostas.

A partir das problematizações e questionamentos levantados, parte-se para o segundo momento pedagógico, o relacionado a OC. Nele, inicia-se sob a orientação do professor, o estudo sistemático dos conhecimentos envolvidos durante a PI. É nesse momento que os conhecimentos científicos passam a se fazer presentes nas aulas e discussões propostas, como uma forma de compreender e entender todas as problemáticas levantadas no primeiro momento. Mas para esse fim, faz-se necessário pensar nos materiais e atividades a serem utilizados, como forma de sistematizar todos os conceitos e conhecimentos obtidos, instigando sempre a vontade dos alunos em aprender sempre mais. Com o auxílio do professor, o aluno poderá estabelecer relações entre os novos conhecimentos e aqueles já existentes, podendo solucionar com maior segurança as problematizações suscitadas anteriormente no primeiro momento pedagógico.

O terceiro momento, entendido como o da AC, corresponde à etapa de voltar à problematização inicialmente apresentada e buscar respostas frente aos novos conteúdos abordados. É um momento de retomada da situação problematizadora apresentada ou constituída pelos estudantes, com o objetivo de avaliar se os conhecimentos adquiridos com a realização das atividades do segundo momento foram suficientes para respondê-la. Dessa forma, constitui-se um conjunto de etapas ou momentos que se complementam e que possibilitam fazer locuções e comparações entre o que foi abordado em sala de aula e as diferentes situações vivenciadas e trazidas pelos alunos.

Para essa sistematização final das atividades Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), enfatizam a importância de o professor propor atividades que capacitem seus alunos a utilizar os conhecimentos explorados e apreendidos, bem como a conceituação científica discutida na OC. O aluno, quando chega ao terceiro momento, constrói potencialidades de compreender e discorrer cientificamente a problemática apresentada inicialmente, fazendo, por exemplo, relações dos conteúdos abordados com a sua realidade. Sendo que, nesse momento, as problemáticas iniciais levantadas no primeiro momento pedagógico passam a serem mais facilmente visualizadas e entendidas a partir de um olhar da Ciência.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada caracteriza-se com qualitativa considerando que investigar o contexto educacional requer esforço e cuidado de modo a respeitar as especificidades inerentes a este espaço e aos sujeitos neles presentes, seguindo o proposto por Bogdan e Biklen (1994). Os instrumentos utilizados na produção dos dados foram: diário de registros preenchido pela professora/pesquisadora; materiais produzidos pelos alunos (cartazes, relatórios das aulas experimentais e história em quadrinhos); e, gravação em áudio e vídeo da última atividade desenvolvida (Telejornal). Os dados foram analisados a luz da Análise do Conteúdo na perspectiva de Laurence Bardin (2004)

A SD desenvolvida, foi estruturada nos 3MP e operacionalizada em nove encontros. O tema estudado foi “Queimadas” e sua aplicação ocorreu em uma turma de quinto ano do ensino fundamental de uma escola pública estadual, localizada em uma cidade do norte do estado Rio Grande do Sul. A turma estava integralizada por 19 alunos, sendo dez meninos e nove meninas, cuja faixa etária está entre 10 e 13 anos. As atividades desenvolvidas e vinculadas à disciplina de Ciências ocorreram no período regular de aula previsto pela professora da turma, que também é uma das pesquisadoras, e estão descritas no Quadro 1 a seguir, onde observam-se a especificação do encontro (E), a identificação do número de períodos (P) destinados a cada encontro e a classificação de acordo com os 3MP.

QUADRO 1 Descrição das atividades desenvolvidas. 

E P3 Atividades e tópicos abordados MP
1 2 Apresentação da proposta e da situação-problema: Por que ocorrem incêndios nas matas? Discussões sobre o tema queimadas com apresentação de vídeos e imagens. Elaboração de cartazes referente a temática. PI
2 4 Abordagem do tema “como pode ocorrer uma queimada e quais as possibilidades para sua ocorrência”, por meio da realização de três atividades experimentais. OC
3 4 Abordagem do tema “Átomo” com a utilização de vídeos. Discussões sobre o processo de produção do conhecimento a partir do vídeo apresentado.
4 4 Abordagem do tema “Combustão”, por meio da realização de três atividades experimentais.
5 2 Apresentação da Cartilha que contém informações sobre as queimadas no país e a diferença em relação a um incêndio.
6 6 Produção de história em quadrinhos com a utilização do software TooDoo com objetivo de sistematizar os conhecimentos adquiridos, especialmente os vinculados a cartilha.
7 2 Palestra com biólogas com objetivo de discutir a questão do lixo e as razões que levam a população a queimá-lo e as consequências disso para o ambiente.
8 2 Elaboração de um Telejornal retomando o questionamento inicialmente apresentado e como forma de aplicação do conhecimento obtido com as atividades desenvolvidas. AC
9 3 Apresentação do Telejornal.

Fonte: autores, 2018

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta seção são apresentados os resultados obtidos a partir da SD tomando-se como categorias as características de alfabetização científica mencionadas por Lorenzetti (2000). Cabe ainda destacar que os fragmentos dos registros da pesquisadora/professora e das falas e escritos dos alunos, quando utilizados no texto estão em itálico e entre aspas.

5.1 Uso de vocabulário enriquecido por termos e conceitos próprios da ciência

Essa primeira categoria apoia-se na compreensão de que para o aluno ser considerado alfabetizado cientificamente, deverá saber fazer uso, bem como entender, termos e conceitos científicos nas interlocuções e em suas produções escritas. Com esse intuito foram realizadas atividades que possibilitaram identificar evidências de que os alunos se apropriaram desses termos e passaram a utilizá-los. Situação que pode ser visualizada em diferentes etapas da sequência didática desenvolvida, como na diferença de resposta obtida para o questionamento sobre o entendimento de queimadas, realizado no primeiro e no sexto encontro.

Em contrapartida, os registros realizados no momento da produção das histórias em quadrinhos permitiram verificar que o entendimento sobre queimadas passava a estar relacionado a termos científicos decorrentes das discussões realizadas. Durante a elaboração das histórias em quadrinho, os alunos relacionaram queimadas à combustão e essa à necessidade de oxigênio, como relatado em diferentes passagens do Diário de Bordo.

“Na atividade experimental de hoje, percebi claramente que os alunos estão utilizando termos mais científicos, como combustão para se referir a queimadas e identificaram que para sua realização são necessários um combustível e um comburente, inclusive mencionando esses termos”

“No momento em que se organizavam para produzir suas histórias em quadrinho, grande parte dos alunos não mais utilizavam expressões como queima, mas sim, combustão e alguns enfatizam que para isso ocorrer temos de ter combustível e comburente [...[”

Os cartazes, produzidos pelos alunos, também são exemplos de como os alunos passaram a utilizar os termos científicos após as discussões. Neles contam expressões como “Queimadas naturais e queimadas artificiais”; “As queimadas são formadas por faíscas que se juntam a materiais inflamáveis”; “Podemos ter queimadas de diferentes origens”; “O homem pode provocar as queimadas, mas o Sol também pode ser responsável por elas”.

Outro exemplo da utilização de termos científicos pode ser identificado com o momento em que os alunos realizaram as atividades experimentais. O uso do termo oxigênio em distinção à expressão utilizada nos primeiros encontros como sendo “ar” aponta que os alunos passaram a compreender que o necessário para realizar a combustão era o gás oxigênio. Ainda, com relação à utilização dos termos científicos, ilustramos a forma com ele foi integrando gradativamente o vocabulário dos alunos, selecionando fragmentos de fala utilizados pelos grupos durante a apresentação do Telejornal.

Grupo 1: “As queimadas são provocadas pela natureza ou pelo homem. A natureza provoca elevadas temperaturas que a vegetação pode entrar em combustão. O homem causa queimadas para o preparo da terra para agricultura e pecuária”

Grupo 2: “Queimada é uma reação química exotérmica”.

Grupo 4: “As principais consequências das queimadas provocadas no Brasil são: aumento na liberação de dióxido de carbono, destruição de habitat naturais, erosão do solo e destruição da infraestrutura”.

As falas que foram gravadas e transcritas denotam que os alunos recorreram a expressões científicas e apontam que a sequência didática desenvolvida possibilitou a apropriação desses termos científicos por parte dos alunos. O uso desse vocabulário como indicador de alfabetização científica é apontado por Lorenzetti (2000), mas igualmente defendido por Sasseron (2008). De acordo com a autora, a alfabetização científica nos anos iniciais visa a compreensão básica de conceitos e termos científicos. Portanto, os alunos devem fazer uso, em suas argumentações, desses termos, denotando uma compreensão básica daquilo que foi abordado nas atividades.

5.2 Estabelecer relações entre os conhecimentos discutidos na escola e as situações vivenciais, especialmente as que vinculam ciência, tecnologia e sociedade

A segunda categoria aborda a aproximação entre os temas contemplados no contexto escolar e as situações vivenciais, o que é particularmente favorecido pela estruturação de uma sequência didática pautada nos 3MP, como ressaltado por seus idealizadores. Embora a ênfase não tenha sido em discutir as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS, destaca-se que tais relações entre as situações vivenciadas e os conteúdos abordados permitiu verificar de que forma esse indicador foi contemplado no estudo desenvolvido.

A situação-problema apresentada aos alunos partia de suas vivências, sendo inclusive trazida por eles para discussão. A região em que o estudo foi desenvolvido tem sido periodicamente atingida por queimadas, especificamente como decorrência de situações provocadas pelo homem. Tal percepção levou a que os alunos questionassem a professora, estabelecendo as condições para o desenvolvimento do referido estudo. Além desse momento, também foi possível identificar as relações com as situações cotidianas, as quais ocorreram durante as discussões na apresentação da cartilha “Gestão Ambiental”, no sétimo encontro. Nesse momento os alunos trouxeram exemplos de situações presenciadas que ilustram as relações entre o tema em estudo e sociedade.

A medida que a leitura da cartilha avançava, novas inferências eram feitas pelos alunos, apontando que o conteúdo estava em sintonia com as questões vivenciadas. De acordo com Lorenzetti (2000), o diálogo em sala de aula e a possibilidade de relatar vivências se apresenta como uma forma de mostrar que o conteúdo presente na escola está na realidade dos alunos e pode vir a instrumentalizá-los frente a um processo de alfabetização científica. Ainda nesse momento em que os estudantes analisaram a cartilha, foi possível perceber que os alunos identificaram a importância de uma conscientização sobre os impactos sociais, e nesse caso ambientais, relativa a ação do homem na natureza. O registro do Diário de Bordo no quinto encontro relata aspectos da discussão realizada.

“Ao mencionar que as queimadas são prejudiciais à vida na terra, os alunos imediatamente mencionaram a questão relativa à vida dos animais e a forma como o homem tem buscado querer produzir mais, desconsiderando os impactos sociais disso.”

Outro aspecto que permitiu aproximar os conteúdos com as situações presentes na vida dos alunos, foi a atividade experimental. No segundo encontro, ao realizar a primeira atividade experimental, referente à diferença de temperatura dos corpos em função do aquecimento provocado pelo Sol, os alunos imediatamente relacionaram com situações presentes no seu cotidiano. Na primeira atividade experimental, relativa à necessidade de oxigênio para a queima se concretizar, o Diário de Bordo registrou situações trazidas pelos alunos que ilustram as relações entre o discutido cientificamente e o mundo vivencial.

“A atividade trouxe vários questionamentos, mas um deles chamou atenção. Um dos alunos imediatamente ao ver que para realizar a queima havia necessidade de oxigênio, expôs que ele já havia percebido isso ao organizar as lenhas para fazer fogo. Segundo ele se não deixar espaço para o ‘ar’ entrar o fogo não pega e seguiu mencionando que agora havia entendido as razões disso. Outro aluno destacou que no fogão a lenha não pode colocar muita lenha e que a mãe sempre diz que precisa entrar ‘ar’ para acender o fogo”.

Na aproximação com a perspectiva CTS a argumentação defendida por Sasseron (2008) torna-se relevante e mostra que nas atividades experimentais os alunos podem estabelecer as relações desejáveis no processo de alfabetização científica. Segue a autora mencionando que a presença dessa perspectiva nos anos iniciais favorece “compreender as aplicações dos saberes construídos pelas ciências considerando as ações que podem ser desencadeadas pela utilização dos mesmos” (p. 65).

As discussões que permearam o terceiro encontro também são exemplos da relação com a ciência e tecnologia, especialmente as associadas à produção de novos materiais e artefatos tecnológicos. Sobre isso, Lorenzetti e Delizoicov (2001, p. 43) mencionam que a alfabetização científica deve ser “compreendida como o processo pelo qual a linguagem das Ciências Naturais adquire significados, constituindo-se um meio para o indivíduo ampliar seu universo de conhecimento, a sua cultura, como cidadão inserido na sociedade”.

5.3 Compreender que a ciência é fruto de um processo de construção humana e vinculada a um contexto social, político e histórico

As atividades desenvolvidas tiveram como objetivo ilustrar que, como destacado por Sasseron (2008), a ciência deve ser entendida como um corpo de conhecimentos em constantes transformações evidenciando o caráter humano e social inerentes às investigações científicas. Segue a autora destacando que: “Além disso, deve trazer contribuições para o comportamento assumido por alunos e professor, sempre que defrontados com informações e conjunto de novas circunstâncias que exigem reflexões e análises considerando-se o contexto antes de tomar uma decisão” (p. 65).

Embora essa evidência tenha sido restrita a momentos específicos, pode-se dizer que ela esteve presente nas atividades e acompanhou as discussões na SD, evitando uma visão dogmática da ciência. Um exemplo disso ocorreu no terceiro encontro, em que foi apresentada a estrutura da matéria aos estudantes, especificamente o átomo. Contudo, o mais próximo desta categoria foram as discussões envolvendo o processo de como a Ciência evolui, desenvolve novos conhecimentos e busca novos desafios que a levam a estar em constante aperfeiçoamento. Com isso, o caráter provisório do conhecimento científico foi ressaltado, enfatizando que ele é fruto de uma compreensão coletiva, histórica e social. Tais colocações levaram a novos questionamentos, levando a que o tema se expandisse para além do projetado para o encontro. Dentre os questionamentos, esteve a forma como a sociedade influenciou o pensamento de Einstein e como esse conhecimento produzido por ele teve impacto na sociedade contemporânea. Os registros no Diário de Bordo desse terceiro encontro confirmam o mencionado anteriormente.

“Após a apresentação do vídeo sobre o átomo, passei a debater com os alunos sobre a produção do conhecimento, como os elementos químicos se formam, como produzimos novos materiais e aparatos tecnológicos. Enfatizei que o caráter provisório da ciência e também que ela decorre de aspectos sociais, culturais e é fruto de uma construção coletiva. [...] Percebi que ao mesmo tempo em que o tema levava a questionamentos vinculados à curiosidade, especialmente com relação a determinados equipamentos, a abordagem relativa à natureza da ciência ficava limitada [...] Ao final identifiquei que eles compreenderam o processo evolutivo, especialmente quando se trata de compreender que as pesquisas possibilitam ampliar os conhecimentos e revê-los constantemente.

A Ciência enquanto fruto de um processo histórico e social é ressaltada por Lorenzetti (2000) ao dizer que os alunos precisam perceber que a Ciência, bem como o conhecimento, possui uma história intimamente ligada à evolução das diversas formas de organização social, bem como à evolução da história humana.

5.4 Identificar que não há verdades absolutas na ciência, mas sim um saber provisório e em permanente processo de modificações

Essa categoria é semelhante à anterior e pode ser associada a ela de modo a identificar que as discussões do terceiro encontro também contemplaram esse aspecto. Contudo, é preciso ressaltar que ambos os aspectos são difíceis de serem abordados nos anos iniciais, como relatado no Diário de Bordo:

“É nítida a dificuldade dos alunos em compreender o caráter provisório da ciência. Em certos momentos dava a impressão de que estavam entendendo do que se tratava, mas logo depois algum aluno fazia uma pergunta de aplicação do conhecimento e as discussões assumiam um novo rumo.”

Esse caráter de conhecimento provisório, que pode ser reconstruído e aperfeiçoado, também pode ser visualizado no quinto encontro, quando utilizada a cartilha sobre gestão Ambiental. O relatado anterior em que os alunos narraram histórias de seus avós sobre a limpeza do solo e o modo como desconsideravam as toxinas expelidas na atmosfera, são exemplos de que o conhecimento evolui e novas visões sobre um mesmo fenômeno podem ser elaboradas. Essa percepção foi mencionada por um dos alunos durante a atividade com a cartilha ao inferir que hoje seu avô sabe que não pode mais provocar essas queimadas, porque elas são prejudiciais ao ambiente.

5.5 Identificar que a ciência se distingue de mitos e crenças populares

Oportunizar que os alunos relatem suas experiências vividas e do mesmo modo as confrontem com o conhecimento científico, leva à identificação de mitos e crenças populares que se revelam presentes em muitas histórias familiares. Nesse contexto, temos passagens em que os alunos relataram situações de crenças e mitos e que, após a discussão do conhecimento científico, eles identificaram razões científicas para a ocorrência dos eventos.

Dentre essas situações, está a vivenciada na atividade experimental que mostrou a necessidade do oxigênio para provocar a queima. Um dos alunos trouxe a história de que na sua comunidade há falas sobre a vegetação queimar sozinha, e ele não entendia como isso acontecia. Mas, após os experimentos realizados nas aulas e, sabendo que, com presença de oxigênio, com calor excessivo, bem como com o atrito das folhas secas, poderia gerar naturalmente uma reação à qual dava origem à combustão. Dessa forma, o aluno compreendeu que não era por acaso que aconteciam essas queimadas ou que elas decorriam de algo sobrenatural, mas que havia uma explicação que justificava a sua ocorrência.

Outro momento identificado com a desmistificação de conhecimentos populares, foi na palestra com as biólogas, especialmente, quando os estudantes questionaram sobre a queima do lixo para reduzir a sua quantidade e, consequentemente, diminuir a poluição do ambiente. Tal passagem foi, assim, registrada no Diário de Bordo:

“Dentre as perguntas dos alunos, percebi que uma retomava um mito popular, quando um aluno questionou uma das biólogas sobre o ato de queimar o lixo para diminuir a poluição do ambiente, sendo que, na sua casa, todo o lixo seco é queimado, a fim de evitar a poluição e o excesso de lixo descartado. Percebi na fala dos alunos em diálogo com as biólogas que esse episódio mexeu com eles, especialmente com o aluno que questionou. A explicação das biólogas ocorreu no sentido de relatar que ao queimar o lixo, reduz a quantidade de resíduos expostos, porém, prejudica mais o ambiente pelo fato da combustão liberar gases que são tóxicos e prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Outro aluno mencionou que a poluição gerada pela queima do lixo na sua casa não é visível, mas todos sentem, pois o vento espalha os gases tóxicos para todos os lugares, prejudicando ainda mais”.

Os mitos e crenças presentes na sociedade apontam para a importância de discutir conhecimento científico com os alunos, desde as mais tenras idades. Chassot (2000), aborda que é preciso verificar se os saberes populares dos alunos podem ser apenas ensinados através dos conteúdos usuais, ou precisam ir além dos conteúdos programados.

5.6 Verificar que favorece uma mudança nas atitudes levando os sujeitos a se tornarem mais críticos e participativos

A sexta categoria elencada por Lorenzetti (2000) apoia-se na formação crítica e consciente dos alunos, de forma que esses consigam em suas interlocuções, ou em escritas, perceberem-se como seres integrantes e responsáveis pelo meio em que estão inseridos. O autor enfatiza a importância da formação de alunos críticos, participativos, que se percebam como parte da sociedade em que estão inseridos, podendo atuar nela de forma consciente. Tais aspectos podem ser favorecidos quando as abordagens dos conteúdos de Ciências estejam em sintonia com a preocupação de favorecer a alfabetização científica.

Apesar dessa categoria ter sido restrita a alguns momentos específicos, pode-se dizer que, de forma geral, ela perpassou todas as atividades realizadas, estando evidenciada nas discussões e debates. Todavia, alguns momentos foram mais marcantes e se revelaram mais próximos do anunciado por Lorenzetti (2000). Dentre esses destacam-se dois momentos: a visita das biólogas e o Telejornal. Em tais momentos foi possível identificar que os alunos se perceberam como parte da sociedade e responsáveis por ela, apontando para a necessidade de uma mudança em suas atitudes. O registro do Diário de Bordo ilustra o mencionado:

“Durante a conversa com as biólogas, um dos aspectos questionados por elas foi sobre a responsabilidade pelas ocorrências de queimadas, especialmente as provocadas e quem deve cuidar para evitar esse tipo de queimada. Na fala elas questionaram: de quem é a responsabilidade pela ocorrência das queimadas e dos incêndios? Quem pode evitar isso?

Nesse momento, percebi que os estudantes passaram a refletir e identificar em suas atitudes aspectos que têm contribuído para isso. Alguns expuseram com clareza que em suas famílias a ação de queimar folhas, lixo, terrenos, tem sido uma prática sem muito questionamento. Um dos alunos colocou que a limpeza dos terrenos para o plantio é realizada com frequência, sem que sejam buscadas outras alternativas.

[...]

A fala e as intervenções dos estudantes levaram a que as biólogas pudessem expor questões voltadas à conscientização sobre os efeitos dessas queimadas e que é a atitude de cada um que pode mudar a situação apresentada.”

A conversa com as biólogas abordou questões como o tratamento do lixo pelo município e como os problemas gerados pela falta de conhecimento da população tem gerado problemas para todos, inclusive para a natureza. No debate, percebeu-se o interesse dos alunos e a consciência deles perante essa problemática. Novamente, o Diário de Bordo possibilita verificar que as discussões realizadas no contexto desse sétimo encontro apresenta uma relação direta com a categoria em análise, especialmente com a necessidade de conscientização dos estudantes e sua mudança de atitude.

“Esse debate sobre a problemática existente em nosso município resultou em muitas colocações dos alunos, sendo que, uma chamou-me a atenção. [...] um aluno mencionou a sua preocupação quanto ao excesso de lixo que as pessoas da nossa cidade jogam nas ruas, quando tem festividades ou shows em comemorações a datas como a semana do município, natal ou final de ano. O aluno continuou dizendo que, as pessoas consomem alimentos e bebidas e, mesmo estando ao lado de uma lixeira, não têm a capacidade de jogar no lugar correto, atirando no chão. [...], continuou o aluno, muitos têm os filhos junto e ao invés de ensinar que devemos cuidar do ambiente e jogar o lixo no lugar correto, dão maus exemplos mandando as crianças jogarem no chão.

Esses momentos de debate e exposição do pensamento dos alunos, demonstrou o quanto as práticas e atividades realizadas auxiliaram na capacidade de pensar de forma crítica e consciente, levando cada um a perceber-se como parte da sociedade e responsável por ela, conseguindo tirar conclusões acerca da realidade em que se encontram inseridos. Essa postura crítica que a escola deve proporcionar é mencionada por autores como Scheid (2018) ao inferir que “o ensino de ciências deve proporcionar a todos os estudantes o desenvolvimento de capacidades que despertem a inquietação frente ao desconhecido, conduzindo-os a buscar explicações lógicas por meio de hipóteses testáveis” (p. 241).

É pela apropriação dos conhecimentos científicos, pela responsabilidade social, pelo respeito ao outro, pelo comprometimento com questões éticas, entre outros aspectos, que os estudantes poderão exercer a sua condição de sujeitos críticos e participativos, promovendo uma mudança de atitudes da sociedade. Essa mudança começa pela construção de valores que precisam estar alicerçados na importância de que se vive em um contexto social e coletivo e que as ações do hoje terão reflexo no amanhã. Ou seja, as atitudes de hoje permitirão um futuro mais sustentável. Sobre esse papel que cada sujeito tem na sociedade contemporânea e a forma como contribui para a qualidade de vida das futuras gerações, integra a próxima categoria de análise desse texto.

5.7 Instigar a conscientização sobre o papel dos sujeitos na sociedade contemporânea

Essa categoria está associada aos momentos de debates e conversas que interligaram o conteúdo da SD à realidade e às vivências dos alunos, especialmente no sentido de identificar o seu papel na sociedade, a exemplo da anterior. Nos anos iniciais torna-se mais difícil abordar aspectos que condizem a essa categoria, uma vez que os alunos ainda não apresentam conhecimentos sobre questões mais amplas que afetam a sociedade. Isso fica nítido nas falas, que se limitam a trazer à sala conhecimentos adquiridos no contexto familiar e o que visualizam ao seu redor. Todavia, pode-se considerar que é a partir dessas experiências vivenciais e distintas para cada um que podem ser discutidas formas de exercitar o papel de cidadãos conscientes e responsáveis por seu próprio futuro.

Durante a SD desenvolvida, alguns momentos foram oportunos a que essas questões estivessem presentes e fossem manifestadas pelos estudantes. Dentre elas, está o momento em que realizaram a atividade experimental relativa à queima de diferentes materiais. No relatório produzido pelos estudantes, um deles registrou que devemos ter o cuidado ao expor os corpos ao Sol, porque mesmo sem querer podemos estar provocando um incêndio. O mencionado pela aluna está vinculado a suas observações e à identificação de que esses cuidados podem contribuir para que não ocorram incêndios indesejados.

Outro momento de conscientização social foi na realização do Telejornal, como explicitado nas seguintes passagens transcritas das gravações do Telejornal:

Grupo 2: “As queimadas podem ser provocadas pelo homem em diferentes situações como quando ele joga cigarro no chão. Muitos não têm ideia de que ao fazer isso estão prejudicando a natureza e as pessoas que vivem ao seu redor”.

Grupo 3: “Jogar lixo em terrenos baldios pode levar a que as pessoas utilizem o fogo como forma de limpeza e isso prejudica a todos, natureza e sociedade”.

Grupo 4: “Com os incêndios florestais a vegetação no cerrado é castigada, uma ameaça também com a fauna, porque muitos animais não têm para onde ir e acabam sendo vítimas do fogo. [...]os animais também sofrem com as queimadas, eles não têm para onde fugir, alguns morrem, outros ficam queimados, alguns se intoxicam com a fumaça e outros tentam fugir e são atropelados no asfalto. A morte desses animais leva a sua extinção o que prejudica a natureza e a nossa vida”.

Nessas falas dos alunos elaboradas para o Telejornal, foi possível identificar que eles tiveram uma preocupação com o social, uma consciência de seu papel na sociedade contemporânea. De acordo com Santos (2005), esse pode ser um caminho para a construção de novos valores culturais, sociais, políticos e econômicos que surgem como necessários para a formação de uma nova consciência mundial em benefício da vida e de toda a diversidade existente na natureza.

Scheid (2018), destaca o papel que as instituições de ensino exercem frente a essa necessidade de promover o exercício para a cidadania. Para a autora, as instituições educativas são responsáveis por contribuir para a alfabetização cientifica e tecnológica dos indivíduos, possibilitando-lhes o exercício pleno da cidadania: “Essa cidadania relaciona-se com o desenvolvimento das habilidades e competências que possibilitam ao indivíduo a compreensão da realidade social, política, civil e cultural que o cerca” (p. 234).

Essa preocupação que as instituições devem ter ficou evidenciada ao longo de toda atividade desenvolvida na SD, mas teve sua relevância no momento do Telejornal, como já mencionado. Além disso, pode-se destacar que o diálogo, oportunizado com os pais dos estudantes, após a atividade, também representa um momento ímpar em termos de avaliação de sua potencialidade para a formação cidadã desses estudantes. Sobre isso, menciona-se que em momento posterior ao trabalho realizado com os alunos e ao encerramento da SD, foi apresentada a gravação do Telejornal aos pais. Nesse momento, foi possível perceber que o trabalho realizado ultrapassou o contexto escolar e teve repercussão nas famílias e comunidade em que os estudantes estão inseridos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos com a investigação indicam que o processo de alfabetização científica pode ter sido favorecido na SD por oportunizar momentos de retomada dos conhecimentos que os alunos já possuíam em seu convívio fora do ambiente escolar, especialmente os conhecimentos adquiridos no contexto familiar e na comunidade em que vivem. Além disso, pôde-se verificar que os alunos conseguiram associar o conteúdo sobre Combustão, com a sua realidade, inferindo possibilidades de compreensão e sabendo explicar cada situação vivenciada e aprendida, utilizando para isso, termos e conceitos científicos. Os alunos, por meio das atividades desenvolvidas, puderam estabelecer relações entre seus conhecimentos e os conteúdos abordados em sala de aula, vinculando-os a tecnologia, a ciência e a sociedade, percebendo que, todos esses conhecimentos estão sempre em processo de construção, vinculado a história, a política e, as necessidades da sociedade.

Outra questão importante de ressaltar é à distinção entre mitos e crenças de saberes científicos, pois os alunos trazem uma bagagem de conhecimento adquirido no contexto familiar e ela subsidia ou ancora os novos. Nesse sentido, quando esses conhecimentos são decorrentes de mitos e crenças é necessário que haja uma discussão e um confronto de modo a mostrar que eles se diferem dos conhecimentos científicos. As atividades que envolverem esse confronto apontaram que os alunos aceitaram a existência de um novo conhecimento que se difere do seu, contudo, se este novo saber vai suprir o já existente é difícil de saber, porque as crenças e mitos representam conhecimentos associados a uma cultura que faz parte do cotidiano dos alunos.

Em termos das relações sociais e da percepção de que os conhecimentos adquiridos contribuem para que eles assumam posicionamentos mais críticos na sociedade, destaca-se que as atividades podem ser consideradas exitosas. Essa identificação toma como referência o discutido nas categorias apresentadas no qual é possível identificar que os estudantes ao se apropriarem dos termos científicos e dos conhecimentos associados a ele, passam a ser mais críticos e a refletir sobre seu papel na sociedade.

Embora ainda em uma idade tenra, os alunos participantes do estudo, demonstraram, por meio dos indicativos de compreensão dos conteúdos abordados na SD, que se identificam como seres integrantes da sociedade, capazes de intervir e modificar a mesma. Além disso, puderam ver que cada um deles precisa ser um cidadão consciente e responsável diante do meio em que estão inseridos, bem como são capazes de auxiliar as pessoas de sua convivência a entender e compreender o cotidiano, contribuindo para reduzir a degradação do ambiente.

Por fim, encerra-se este estudo destacando que, como mencionado por Lorenzetti e Delizoicov (2001), o olhar do professor deve estar voltado a fornecer subsídios ao estudante para a construção dos seus primeiros significados sobre o mundo, ampliando seus conhecimentos, sua cultura e sua possibilidade de compreender e efetivamente participar na sociedade em que se encontra inserido. Dessa forma se estará promovendo a alfabetização científica, fundamental para o exercício pleno da cidadania.

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3 Cada período corresponde a 50 minutos.

Recebido: 25 de Janeiro de 2019; Aceito: 03 de Julho de 2019

Revisão gramatical realizada por:

Bruna Regina Langaro Bonora. E-mail: bruna.langaro@hotmail.com

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