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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.22 no.2 Campinas abr./jun 2020  Epub 27-Jun-2021

https://doi.org/10.20396/etd.v22i2.8654388 

ARTIGO

INTERAÇÕES INTERGERACIONAIS: CONCEPÇÕES DE UM GRUPO ACADÊMICO SOBRE O ENVELHECIMENTO HUMANO E SUAS IMPLICAÇÕES

INTERGENERATIONAL INTERACTIONS: CONCEPTIONS OF AN ACADEMIC GROUP ON HUMAN AGING AND ITS IMPLICATIONS

INTERACCIONES INTERGENERACIONALES: CONCEPCIONES DE UN GRUPO ACADÉMICO SOBRE EL ENVEJECIMIENTO HUMANO Y SUS IMPLICACIONES

Jaison Marques Luiz1 

Rafael Silveira da Mota2 

Veronice Camargo da Silva3 

1Mestrado profissional em andamento em Educação e Tecnologia - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense (IFSUL). Pelotas, RS - Brasil. Pesquisador - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense (IFSUL). Pelotas, RS - Brasil. E-mail: jaisonmarkss@gmail.com

2Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, RS - Brasil. Professor de Educação Física Substituto do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET). Santa Maria, RS - Brasil. E-mail: rafa.motta92@gmail.com

3Doutora em Letras - Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Pelotas, RS - Brasil. Professora adjunta e professora do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Estadual do Rio grande do Sul (UERGS). Bagé, RS - Brasil. E-mail: veronice-silva@uergs.edu.br


RESUMO

A presente investigação é resultante de um projeto de extensão desenvolvido em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), localizada na cidade de Bagé-RS, a qual traz, como objetivo geral, reflexionar sobre a aproximação de jovens estudantes e residentes da terceira idade, a partir do acompanhamento de atividades nessas instituições. Para isso, buscou-se apontar alguns caminhos que um grupo de acadêmicos do curso de Pedagogia de uma universidade pública, voluntários/participantes do referido projeto, seguiu para amenizar e constatar tal realidade. Para tanto, esta investigação caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa, cujos dados foram coletados durante um ano e, como instrumento, utilizou-se o diário reflexivo produzido pelos estudantes. As intervenções ocorreram semanalmente, com frequência de duas vezes, com sessões de duas horas de duração, em acompanhamento de atividades junto aos idosos residentes. As atividades foram variadas, tais como: músicas, leituras, rítmicas, cognitivas, motoras, práticas corporais diversas, muitas com o uso de recursos tecnológicos digitais. Após as sessões, os estudantes elaboraram diários de campo reflexivos, a fim de expor seus sentimentos e percepções em relação àquela realidade. Para fins de análise, foram selecionados trechos dos diários de quatro acadêmicos, de um total de doze, cadastrados junto à ILPIs, para desenvolver as atividades. Destaca-se, nesta pesquisa, a relevante participação de acadêmicos em ações como esta, tendo em vista que se constitui num espaço de intervenção para um trabalho intergeracional e para a desconstrução de preconceitos com relação ao processo de envelhecimento e suas limitações, ocasionando benefícios em uma via de mão dupla.

PALAVRAS-CHAVE: Idosos; Recursos tecnológicos; Práticas corporais; Extensão universitária

ABSTRACT

The present research is the result of an extension project developed in a Long Stay Institution for the Elderly (LSIEs) located in the city of Bagé, state of Rio Grande do Sul, which has as general objective to reflect on the approach in between of young students and residents of the elderly, from the monitoring of activities in these institutions. In order to do this, to soften and understand this reality, we sought to point out some paths developed by a group of academics from the Pedagogy course of a public university, volunteers/participants of said project. Therefore, this research was characterized as a qualitative research, whose data were collected during a year, using as instrument a reflexive diary produced by the students. The interventions occurred two times a week, with two-hour sessions each, with the accompaniment of activities with elderly residents. The activities were varied, such as: music, reading, rhythmic, cognitive, motor, various body practices, many with the use of digital technological resources. After the sessions the students in order to expose their feelings and perceptions regarding that reality, produced reflective diary. For purposes of analysis, excerpts from the diaries of four academics, out of a total of twelve, were selected to develop the activities. In this research, we highlight the relevant participation of academics in actions such as this one, given that it constitutes a space for intervention for intergenerational work and for the deconstruction of prejudices regarding the aging process and its limitations, resulting in benefits for participants.

KEYWORDS: Elderly; Technological resources; Body practices; University extension

RESUMEN

La presente investigación es resultado de un proyecto de extensión desarrollado en una Institución de Larga permanencia para ancianos (ILPI), ubicada en la ciudad de Bagé-RS, la cual trae como objetivo general reflexionar sobre la aproximación de jóvenes estudiantes y residentes de la tercera edad, a partir del seguimiento de actividades en esas instituciones. Para ello, se buscó apuntar algunos caminos que un grupo de académicos del curso de Pedagogía de una universidad pública, voluntarios / participantes de dicho proyecto, siguió para amenizar y constatar tal realidad. Para ello, esta investigación se caracterizó como una investigación cualitativa, cuyos datos fueron recolectados durante un año y, como instrumento, se utilizó el diario reflexivo producido por los estudiantes. Las intervenciones ocurrieron semanalmente, con frecuencia de dos veces, con sesiones de dos horas de duración, en seguimiento de actividades junto a los ancianos residentes. Las actividades fueron variadas, tales como: canciones, lecturas, rítmicas, cognitivas, motoras, prácticas corporales diversas, muchas con el uso de recursos tecnológicos digitales. Después de las sesiones, los estudiantes elaboraron diarios de campo reflexivos, a fin de exponer sus sentimientos y percepciones en relación a aquella realidad. Para fines de análisis, se seleccionaron extractos de los diarios de cuatro académicos, de un total de doce, registrados en la ILPI, para desarrollar las actividades. Se destaca, en esta investigación, la relevante participación de académicos en acciones como ésta, teniendo en vista que se constituye en un espacio de intervención para un trabajo intergeneracional y para la deconstrucción de prejuicios con relación al proceso de envejecimiento y sus limitaciones, ocasionando beneficios en una vía de mano doble.

PALAVRAS-CLAVE: Ancianos; Recursos tecnológicos; Prácticas corporales; Extensión universitaria

1 INTRODUÇÃO

Aceitar a possibilidade de que um dia a velhice chegará e pensar nela, talvez seja uma das tarefas mais complexas que o ser humano possa enfrentar, pois somente não envelhece quem morre antes desse processo. A vida passa e, nessa passagem, parte dos sonhos vai se perdendo e, com o tempo, a idade avança. Aos que seguem o ciclo da vida, a velhice é inevitável. No entanto, muitos chegam nessa fase sem familiares ou são abandonados pela própria família e, infelizmente, acabam em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Diante dessa realidade, questiona-se como se dão os processos de interação intergeracional entre jovens e idosos que frequentam e vivem em ILPIs?

Reflexões acerca do envelhecimento precisam ganhar espaços, tanto no meio sociocultural quanto no ambiente acadêmico. Dessa forma, esta proposta de investigação é resultante da inserção voluntária de um grupo de estudantes universitários do curso de Pedagogia de uma universidade pública, numa instituição localizada na cidade de Bagé-RS. A inserção deu-se com a execução de um projeto de extensão, acompanhado por um educador físico que se desafiou a trilhar um caminho que proporcionou um momento de reflexão para vivenciar, interagir e compartilhar experiências realizadas com idosos dessa ILPIs, numa via de mão dupla entre jovens e idosos.

Justifica-se a presente proposta na medida em que, nesse movimento de interação, vivencia-se uma realidade destoante daquela comumente encontrada na contemporaneidade, em que muitos acreditam na pretensa jovialidade, deparando-se com uma velhice que anuncia modos de vida que se chocam. Sob este olhar, esta investigação tem como objetivo geral reflexionar sobre a aproximação de jovens estudantes e residentes da terceira idade, a partir do acompanhamento de atividades nessas instituições após a materialização de suas percepções, por meio de registros sistemáticos denominados diários reflexivos (anotações das percepções dos alunos após as sessões de intervenção junto aos idosos).

Diante disso, os objetivos específicos constituíram-se em: compreender quais motivos levam estes jovens acadêmicos a afastarem-se ou a não frequentarem uma ILPIs, assim como, distinguir as diferentes formas que o preconceito pode se manifestar nestas instituições e, por fim, apontar caminhos que um grupo de estudantes universitários buscou, durante desenvolvimento do referido projeto, para compreender os processos do envelhecimento humano e suas implicações, juntamente com os próprios idosos, em momentos de ação-reflexão no desenvolvimento do projeto ao longo de um ano.

Posto isso, a presente investigação caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa. Quanto aos procedimentos, constituiu-se como uma pesquisa ex-post-facto. O instrumento utilizado foi denominado como diário reflexivo, produzido pelos acadêmicos ao final de cada intervenção realizada na ILPIs. Para fins de análises, foram selecionados excertos de diários de quatro acadêmicos, produzidos durante o ano de 2018.1.1 A intencionalidade do amadurecimento

Na esteira do senso comum, a maioria dos sonhos dos indivíduos quando crianças é crescer para ter liberdade e ser independente. À medida que o tempo passa, há aprendizagens, e novos caminhos são trilhados; ao trilhá-los, tem-se a oportunidade de viver experiências que proporcionam sentimentos e emoções que, naturalmente, podem ser guardadas em cada memória. Na vida adulta, por sua vez, muitas lembranças estão presentes, mas podem ser alteradas, transformadas ou apagadas com o passar dos anos. No entanto, na senilidade, o corpo sofre alterações e necessita de mais cuidados, carinho, amor e atenção. Dessa forma, buscou-se uma melhor compreensão do significado de idoso:

O cronológico define como idoso a pessoa que tem mais idade do que um certo limite preestabelecido. Por se tratar de um critério objetivo, de facílima verificação concreta, geralmente é adotado pelas legislações, como, por exemplo, a que trata da aposentadoria por idade... Pelo critério psicobiológico deve-se buscar uma avaliação individualizada da pessoa, ou seja, seu condicionamento psicológico e fisiológico, logo, importante não é a sua faixa etária, mas sim as condições físicas em que está o seu organismo e as condições psíquicas de sua mente. O critério econômico-social considera como fator prioritário e fundamental, uma visão abrangente do patamar social e econômico da pessoa, partindo-se sempre da ideia de que o hipossuficiente precisa de maior proteção se comparado ao autossuficiente. (BOBBIO apud BRAGA, 2011, p. 3)

Enfim, para dar sentido a esse debate, tem-se que compreender o que é “ser idoso”. Na terceira idade, muitas vezes pela inatividade dos idosos, seus movimentos acabam se tornando limitados e, muitas vezes, restritos. Isso pode interferir não apenas fisicamente, mas também nos aspectos cognitivos, afetivos ou motores. Principalmente, quando o idoso é submetido a um ambiente de estresse ou excluído da sociedade, ou isolado de seu núcleo familiar.

Nessa fase da vida, acontecem breves sinapses e, com isso, muitas lembranças e sentimentos apagados tornam-se presentes. Em alguns casos, no lugar dessas memórias, ganha espaço a ociosidade que, algumas vezes, pode levar à tristeza e à depressão. Nesse sentido, pode-se dizer que o sujeito não é só o que lembra (IZQUIERDO, 2004), mas também o que esquece. Ao não lembrar o próprio nome, o lugar de nascimento, os ancestrais, os espaços territoriais e sociais (BRANDÃO e MERCADANTE, 2009), perde-se a própria identidade construída num processo dinâmico durante toda vida (CIAMPA, 2011); aliado a isso, perde-se a possibilidade de interagir com o mundo e com as pessoas ao seu redor.

Ao longo da vida, muitos idosos perdem suas próprias lembranças, passam por situações de abandono afetivo, em que as famílias, por algumas situações adversas, não sabem como tratá-los, cuidá-los ou participar de forma efetiva de suas vidas e os veem - única possibilidade - como residentes em ILPIs. Reforça-se que todo idoso tem direito a conviver no âmbito da família, no entanto, de acordo com Azevedo (2004), não se pode impor o afeto,

e tampouco precificá-lo, pelo fato de não existir obrigação legal de amar. O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença. (AZEVEDO, 2004, p. 14)

Mesmo sendo um direito conviver com a família, muitos idosos que têm sua família, inclusive, com boa estrutura financeira, são rejeitados e abandonados nessas ILPIs. Atitude vista por muitos, até mesmo pelos próprios idosos que lá residem, como um depósito de “velhos”, como se fossem objetos descartáveis.

Quem conhece o funcionamento de uma ILPIs sabe quanto os idosos que lá estão se sentem felizes quando lhes é oferecido bem mais do que uma visita, mas lhes é ofertado carinho e atenção. Afinal, eles passam manhãs, tardes e noites ociosos, pois, como entretenimento, eles têm, no máximo, televisão ou rádio, para, literalmente, passar o tempo.

De acordo com o primeiro artigo do Estatuto do Idoso do Brasil, são consideradas pessoas idosas aquelas que têm idade igual ou superior a 60 anos (Brasil, 2005). Já Bee (1997, p. 547) relata que “os que têm mais de 65 anos podem ser divididos, para facilitar, entre os idosos mais jovens (entre 65 e 75 anos) e os idosos mais velhos (acima de 75 anos)”. É possível perceber que, diferentemente da fase anterior, durante a meia idade, as capacidades físicas já começam a declinar, inclusive no que se refere à procriação.

O envelhecimento surge associado a um processo marcado por alterações em nível biológico, psicológico e social, que podem refletir-se no nível de comportamento do idoso, no tipo de atividades que mantém, bem como nas interações sociais. O envelhecimento é ainda um processo que ocorre ao logo do tempo, de forma progressiva, varia de indivíduo para indivíduo, porquanto se sabe que as pessoas não envelhecem todas da mesma forma. (LOPES, 2009, p. 1).

1.2 Preconceitos e suas correlações nas ILPIs: algumas considerações

Para Reis (2000), o que leva à discriminação e à exclusão não é carência material, mas o preconceito com relação às pessoas carentes. Isso gera formas diferenciadas de abordagem e tratamento, traduzindo o “risco” de poluição que potencialmente essas pessoas representam. Não há dúvida de que, nesse caso, é o preconceito o gerador da discriminação e da desigualdade que exclui o aspecto “distintivo e formativo” do ordenamento moral da sociedade brasileira, na busca que nega uma “ética de igualdade” ou de reciprocidade. (REIS, 2000, p. 125).

Para Joaquim (2006), o preconceito é um julgamento prévio ou pré-julgamento de uma pessoa com base em estereótipos, ou seja, simples carimbo. Este conceito prévio nada mais é do que preconceito. Segundo o Dicionário de Ciências Sociais, da Fundação Getúlio Vargas (1990), preconceito trata de atitudes negativas, desfavoráveis com um grupo ou com seus componentes individuais. É caracterizado por crenças estereotipadas.

Parte-se da ideia de que o preconceito pode ser uma “máquina de guerra” presente nas relações sociais cotidianas (TAGUIEFF, 1987). O preconceito, usualmente incorporado e acreditado, é a mola central e o reprodutor mais eficaz da discriminação e da exclusão. Esse preconceito é formado por um conjunto de diferentes opiniões e está atrelado a ações e a atitudes negativas (CARONE, 1991) de grupos que são socialmente discriminados; nesse caso, fizemos a correlação com o grupo de idosos em acompanhamento.

A cultura tem um modelo familiar estereotipado, dito “tradicional”. E a geração atual é oriunda dessa visão, uma vez que foi criada assim, ocasionando uma sociedade cheia de preconceitos: alguns ditam o que é certo ou errado ou o que entra e sai de moda. A lógica deveria ser que, com o passar do tempo, os indivíduos aprendessem com as vivências e experiências, no entanto muitos se tornam ainda mais preconceituosos.

Taussig (1993) explica que preconceito é uma “atitude interior (no sentido interno) de um sujeito que viola os atributos e os qualificativos em relação ao outro sujeito, estabelecendo o funcionamento cognitivo e os contatos perceptivos de forma equivocada, cindida e traumática; portanto, pondo sempre à prova (ou derrotando) as capacidades e os recursos simbólicos do outro.” (TAUSSIG, 1993, p. 159).

O preconceito, então, não se dá apenas em relação ao ambiente, mas em relação às ideologias e, dentro das ILPIs, essa realidade não diverge, tendo em vista que muitos que ali estão vêm carregados de preconceitos, provenientes de suas culturas familiares e de tudo que viveram e experienciaram no decorrer de suas vidas.

Percebe-se que, na instituição em que o projeto foi desenvolvido, há discriminação e distanciamento, também, por parte de residentes em relação a outros residentes. Muitos não se relacionam por questões raciais, cognitivas, intelectuais e, até mesmo, por questões de gênero ou de aparência. Tais constatações sobressaíram nos dias de convivência na atualização das atividades. Dessa forma, preconceito pode ser definido como:

conjunto de crenças, atitudes e comportamentos que consiste em atribuir a qualquer membro de determinado grupo humano uma característica negativa, pelo simples fato de pertencer àquele grupo: a característica em questão é vista como essencial, definidora da natureza do grupo e, portanto, adere indelevelmente a todos os indivíduos que o compõem. (MEZAN, 1998, p. 226)

Sendo assim, o preconceito existente, na maioria dos ambientes externos, acaba se internalizando, já que esses idosos não nasceram e nem viveram por toda a vida nessas instituições. São vidas carregadas de histórias, culturas e convicções, originadas de espaços externos, que, ao chegar num novo espaço, têm a possibilidade de quebra das relações e distanciamentos.

Nesta pesquisa, tratou-se do contexto intergeracional4 como a proximidade/troca de conhecimento/experiências entre indivíduos em diferentes realidades cronológicas e, mais especialmente, da relação entre as gerações.

1.3 O (des)abrigo das instituições de longa permanência para idosos

A projeção do Brasil, até 2060, é de 25,5% milhões de idosos com mais de 65 anos (IBGE, 2018), em decorrência dos baixos índices de natalidade, uma vez que se estabeleceu, na contemporaneidade, um perfil de família compacto. Com o aumento de idosos, há uma tendência em, também, aumentar a vulnerabilidade desses indivíduos. Em função das mudanças em termos de parâmetros familiares, muitos são submetidos a organizações, habitualmente conhecidas, no Brasil, como “asilos para idosos”. De acordo com Watanabe e Di Giovanni (2009), a palavra asilo tem origem,

do grego asylon, que significa o local onde as pessoas sentem-se abrigadas e protegidas contra diversos danos de qualquer natureza, as instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) historicamente têm o seu surgimento fundamentado na caridade e num atendimento básico às necessidades de vida, como ter onde se alimentar, se banhar e dormir; destinadas ao amparo aos sem família, pobres e mentalmente enfermos. (WATANABE e DI GIOVANNI, 2009. p. 69)

O Estatuto do Idoso (BRASIL, 2013) estipula, no artigo 3, de forma específica, que é obrigação não só da família, mas também da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

De acordo com a legislação brasileira, a responsabilidade de amparar o idoso está a cargo do Estado, devendo incluir aquele que não tem rede familiar de apoio e está em situação de vulnerabilidade, oferecendo-lhe os mais diversos serviços. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº283 (Brasil, 2005), define ILPIs como “Instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinada a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade e dignidade e cidadania.” (WATANABE e DI GIOVANNI, 2009. p. 69).

Para que as instituições possam melhorar a qualidade de seus serviços, devem ser elaboradas avaliações periódicas para analisar as questões mais pertinentes. É preciso levar ao poder público/sociedade o que realmente acontece nesses espaços, apontar suas necessidades e, se necessário, denunciar o descaso e/ou descumprimento da lei, tendo em vista que o bem-estar dos idosos que ali residem é responsabilidade de todos.

Infelizmente, as ILPIs, no Brasil, têm se tornado abrigos com acúmulo de idosos e, muitos apresentam uma infraestrutura inadequada, não demonstram um comprometimento em relação às questões emocionais e intelectuais e não oferecem mão de obra especializada, tais como, médicos, psicólogos, educadores físicos, fisioterapeutas, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos e outras funções ou profissionais que poderiam estar descritos na legislação atual vigente. No Estatuto do Idoso (2003), não há especificidades de profissionais da área, o Estatuto apenas menciona a atenção relacionada à saúde em seu atendimento pleno do direito à saúde, com acesso igualitário e universal.

É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. (ESTATUTO IDOSO, 2003, Art. 15)

Silva e Santos (2010) comentam que a equipe das ILPIs, objetivando assessorar, integralmente, a pessoa idosa, deve ser composta por profissionais de saúde, tais como: técnicos em cuidados com a pessoa idosa, auxiliares e técnicos de enfermagem e enfermeiros, médico, nutricionista, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta e educador físico.

1.4 Um presente do futuro para gerações passadas: ato embrionário da pesquisa

A sociedade da informação (CASTELLS, 1999) estrutura-se a partir de um contexto de aceitação global, cujo desenvolvimento tecnológico reconfigurou o modo de ser, agir, relacionar e existir dos indivíduos e, principalmente, propôs os padrões comunicacionais vigentes. A sociedade da informação utiliza a tecnologia e a informação para manter-se intensamente atualizada e informada nas esferas econômica, social, cultural e política. Aqueles que não se enquadram nesses modelos acabam tornando esse processo de tecnologização mais demorado.

Há um ritmo acelerado e uma urgência para que a tecnologia seja dominada por todos ou para que as pessoas incorporem as transformações das sociedades (CASTELLS, 1999). No entanto, é preciso ter consciência de que as pessoas são diferentes, têm tempos diferentes para aprender - para algumas, pode ser mais demorado do que para outras.

Ter um olhar sobre esse recurso e utilizá-lo para fins benéficos é torná-lo uma ferramenta que diversifica e potencializa os meios de sua inserção. Quem poderia imaginar, por exemplo, o uso do recurso tecnológico para atuar nas questões de mobilidade dos idosos residentes em uma ILPIs? Torna-se, portanto, um desafio, uma vez que é uma área de atuação com poucas propostas de inclusão e carece de intervenções. Além de proporcionar a esse público contato com a descoberta e com o novo, tem-se um campo para a área de pesquisa, ensino e extensão, revertendo em soluções ou amenizando os impactos já vividos nesse ambiente.

Para isso, o desenvolvimento de projetos educacionais e/ou sociais são extremamente relevantes em espaços como esse. Além de proporcionar um olhar para esse público, é um excelente laboratório para estágios e pesquisas acadêmicas; são ambientes que carecem de uma atenção social mais efetiva e, ainda, de acompanhamento e de reflexão das políticas públicas voltadas para essa população, que, segundo os dados do IBGE, nos próximos anos, tende a triplicar.

Idosos que vivem em ILPIs sofrem uma perda brusca na questão musculoesquelética (ANTUNES NETO et. al, 2007), acarretando alteração nos mecanismos que atuam no controle postural, aferentes, eferentes e centrais. Com relação a esses fatores, o uso do letramento digital 5 pode ser uma das formas mais atrativas e envolventes para que esse público não esmoreça, porque, por meio de jogos virtuais, o idoso pode interagir com o ambiente virtual proposto, recebendo um feedback visual em relação às mudanças de seu movimento e, desse modo, criar estratégias para recuperar e/ou manter o equilíbrio (SCHIAVINATO et. al, 2011).

A presente pesquisa nasceu de um projeto de extensão que versava, inicialmente, sobre Letramento Digital, uso dos recursos tecnológicos e práticas corporais em espaços não formais, a partir de recursos tecnológicos aliados à consciência corporal e ao letramento digital, por intermédio do uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, aliadas ao movimento, como uma ferramenta de auxílio na mobilidade corporal na terceira idade.

As atividades inicialmente desenvolvidas com os idosos tiveram o auxílio do videogame XBOX 360, sensor de movimento kinect, aparelho multimídia, telão branco e jogos relacionados ao esporte, os quais proporcionam aos idosos o reconhecimento, a projeção do seu corpo e o contato com as TDIC, promovendo práticas de letramento corporal e digital, em que os idosos, de maneira individual, mas com o apoio do grupo, praticam esportes através de jogos que os possibilitam um primeiro contato com essas ferramentas tecnológicas inéditas para eles. Da Silva (2016) sugere que é preciso aliar produção do conhecimento com envelhecimento ativo, tendo em vista que se vive em uma sociedade que:

Valoriza o vigor físico, a velocidade e a imagem, o idoso não tem suas potencialidades desenvolvidas adequadamente. Por isso, é imperioso dedicar maior atenção aos nexos entre produção do conhecimento e envelhecimento ativo, a partir da recuperação das memórias do passado que auxiliam na compreensão dos fenômenos sociais contemporâneos, como a quase onipresença das tecnologias de comunicação no cotidiano das pessoas. (DA SILVA, 2016, p. 381)

Desse modo, observa-se uma padronização social, a qual desconsidera ou descaracteriza os idosos, privando-os de um processo de envelhecimento mais vigoroso. Contudo, a prática de letramento digital e corporal que vise promulgar espaços para esses indivíduos, potencializando, também, seu desenvolvimento cognitivo, tem de contribuir com a qualidade de vida desses idosos, parcialmente esquecidos pela sociedade.

Como colocamos no início, este projeto tornou-se o ato embrionário da pesquisa, que aflorou na proposta metodológica de acompanhamento sistemático com os idosos na ILPI para além das atividades de letramento digital, mas, sim, para um acompanhamento sistemático de atividades junto aos residentes.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para melhor compreender o caminho metodológico definido para este artigo quanto a sua natureza e abordagem, caracterizou-se a presente investigação como uma pesquisa qualitativa. Desta maneira, quanto aos procedimentos, apresentou características de uma pesquisa ex-post-facto, a qual, de acordo com Fonseca (2002),

tem por objetivo investigar possíveis relações de causa e efeito entre um determinado fato identificado pelo pesquisador e um fenômeno que ocorre posteriormente. A principal característica deste tipo de pesquisa é o fato de os dados serem coletados após a ocorrência dos eventos. (FONSECA, 2002, p. 32)

Nesse caso, o fato identificado é o processo de envelhecimento em uma ILPIs e os dados coletados após, que se referem aos diários reflexivos. Portanto, como apoio para a pesquisa, de todos os diários reflexivos de cada inserção, escritos semanalmente, pelos doze voluntários do projeto, durante um ano, foram selecionados quatro relatos.

Após cada sessão ou intervenção, geralmente de duas horas, duas vezes na semana, com os grupos de idosos, os acadêmicos, a partir das narrativas e das vivências e experiências daquele momento, materializavam uma escrita num diário que denominamos de reflexivos, porque, a cada momento, as memórias, histórias e relatos iam se incorporando às escritas anteriores do próprio diário.

Geralmente, os estudantes atuavam em duplas ou trios, e acompanhavam as atividades diversas para o grupo de idosos, tais como: músicas, leituras, rítmicas, cognitivas, motoras e práticas corporais diversas. Pelo menos, uma das atividades semanais desenvolvidas era inerente às práticas de inserção no mundo digital. O grupo de alunos voluntários reunia-se mensalmente para debater as atividades desenvolvidas e para mapear situações elencadas pelos próprios estudantes e idosos como exitosas ou proveitosas, sob o ponto de vista de entender o processo de envelhecimento e suas causas e/ou consequências.

Os diários reflexivos dos estudantes, em sua confecção, versavam de três a quatro páginas, em média, com a seguinte proposta de escrita sequencial: relato da chegada e aproximação com os idosos, identificação da atividade proposta, acompanhamento da atividade e, durante a execução, indagação e questionamentos em forma de narrativas dos idosos sobre suas vidas, experiências, medos, vergonhas, posturas e anseios. Também, orientou-se os próprios alunos a perceberem seus sentimentos e emoções naquele momento em que estavam na ILPIs e sua interação com outros idosos e familiares.

A pesquisa, segundo Minayo (2001), foi classificada como qualitativa, porquanto não podíamos prever dados quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações estabelecidas entre os universitários e os idosos. A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2001, p. 14)

2.1 Sobre os sujeitos da pesquisa

O referido projeto ocorreu em uma ILPIs, na qual residem cinquenta e cinco idosos, na faixa etária de 62 a 80 anos, com um público diversificado, composto por idosos cadeirantes, outros que apresentam sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVCs) e, também, pelos demais que não possuem problema locomotor como limitação. Muitos estão na ILPIs há mais de 15 anos, sem familiares, sendo os últimos de suas gerações; alguns com dificuldades motoras e/ou cognitivas e com uso de medicação de uso controlado.

Na ILPIs, constatamos dezoito profissionais que acompanhavam a rotina desses idosos, tais como técnicos, auxiliares e fisioterapeutas, alguns de forma voluntária e apenas sete contratados, exclusivamente, para o trabalho na instituição. O acompanhamento contou com doze voluntários, acadêmicos do curso de Licenciatura em Pedagogia, de uma Universidade pública da cidade de Bagé, região da campanha do Rio Grande do Sul, e foi coordenado por uma docente pesquisadora, em colaboração com outro docente pesquisador, juntamente com dois acadêmicos: um pesquisador bolsista do curso de Pedagogia e outro pesquisador externo da área de Educação Física.

Destaca-se que os acadêmicos voluntários foram imprescindíveis para a execução do projeto inicialmente proposto, pois auxiliaram desde a montagem dos equipamentos (XBOX 360, kinect e multimídia) até a motivação de os idosos utilizarem jogos relacionados ao esporte (boliche, atletismo, golfe) - os quais trabalham suas habilidades motoras, coordenação fina, coordenação óculo-manual e óculo-pedal, noção de espaço e tempo, usando seus movimentos para apresentar outra realidade. Vale salientar que todos os jogos selecionados foram testados e definidos de acordo com a limitação de cada um.

Cabe lembrar, aqui, que, a partir de um projeto extensão anteriormente citado, chegou-se à possibilidade de buscar as relações intergeracionais entre os alunos jovens e os idosos. Dessa ideia inicial, foram propostas, além das atividades relacionadas ao letramento digital, outras atividades de leituras, caminhadas, rítmicas, corporais, musicais, que levassem à aproximação entre as gerações e, ao mesmo tempo, fossem sendo descritas pelos próprios estudantes ao longo do período. Foi suscitado aos estudantes que, ao longo das atividades realizadas, fossem se aproximando dos idosos em falas, perguntas, sensações, emoções e que, após os encontros, fossem traduzidos em escritas para futuras análises e debates no próprio grupo de universitários.

Dessa maneira, para fins de seleção dos diários reflexivos dos estudantes, estabeleceram-se alguns critérios: reflexões que surgissem naturalmente em seus diários - que nos levassem a possíveis relações com atos ou ações que nos propusessem a pensar em preconceitos e em discriminação por desigualdade social, por estarem nesse ambiente; participação efetiva no projeto; um representante de cada semestre, ou seja, um voluntário do 3º, outro do 6º e outro do 8º semestre do curso de Pedagogia - com a finalidade de estudantes de semestres diferentes também emergirem em seus diários, em suas próprias concepções de envelhecimento e no tratamento com idades mais avançadas.

Com isso, para efetivar as análises, foram selecionados os diários reflexivos de um voluntário de cada semestre, cujas reflexões destacaram-se perante as demais, de forma que, no sequencial dos diários deste voluntário, se percebesse a evolução das concepções/percepções e/ou relações com o envelhecimento de forma mais ampla (visão biológica, social, cultural, dentre outras). Para manter suas identidades preservadas, foram denominados, neste artigo, como voluntários, W, X, Y e Z.

3 INVESTIGAR É IMPRESCINDÍVEL

Sabe-se que visitas em ILPIs acontecem rotineiramente, no entanto, muitas delas têm somente o enfoque assistencialista, deixando de lado todas as questões emocionais de que essas organizações necessitam. A realocação desses idosos, nestes ambientes, já enfrentam inúmeras transformações, as quais não carecem apenas de questões materiais, mas, sim, de perspectivas sociais que visem à mudança.

Diante desse aspecto, não é necessário apenas entender o envelhecimento sob a ótica biológica, mas sim sob a ótica social, legal, cultural como um ciclo complexo que engloba desde a aceitação das pequenas mudanças por parte dos indivíduos até as mudanças mais complexas presentes no meio sociocultural. (DEL-MASSO, 2015, p.20)

Entretanto, não é possível negligenciar essas ações, já que se lida com um ser humano cujos direitos já foram violados, o que reflete numa política pública ineficaz, bem como, algumas vezes, na falta de fiscalização dos órgãos responsáveis. Nessa perspectiva, a universidade tem fundamental importância no sentido de provocar reflexões sobre o papel que o idoso ocupa na sociedade, além de permitir que se tenha um novo olhar acerca do envelhecimento humano, com o propósito de possibilitar mudança de uma visão, muitas vezes negativa, de descrédito.

A partir dos dizeres dos acadêmicos, destaca-se a reflexão do voluntário W na medida em que é possível perceber o quanto é significativa sua participação no projeto, bem como sua percepção e internalização dos conceitos ligados ao envelhecimento humano ao longo do projeto. Revela suas angústias e seu medo de como chegar até os idosos que ali estavam e, ao mesmo tempo, sua alegria por vencer esse primeiro desafio para, aos poucos, revelar o quanto essa experiência foi indescritível. Confessa, ainda, que a afetividade foi imprescindível para que conseguisse atingir seu objetivo, ao relatar, por exemplo, o seu primeiro contato:

Para iniciar, eu nem sabia como cumprimentá-los, com medo de alguma rejeição, mas foi tranquila essa parte. Me encantei com a alegria de três pessoas que tive um maior contato, a felicidade deles me contagiou e a imagem que eu tinha do lar foi se desfazendo aos poucos. O entusiasmo e o carinho transmitido dessa minha primeira visita são indescritíveis, sai daquele local feliz e motivada. (VOLUNTÁRIO W, mai, 2018)

Como constatado no relato, é confirmado o receio e o medo por parte daqueles que visitam uma ILPIs, principalmente num primeiro contato. Tal percepção evidencia que o lado externo destes ambientes não dá a devida importância a esses indivíduos, buscando se envolver e/ou exercer alguma função nestes espaços. Diante deste cenário, alia-se o fato de essas instituições já existirem há muito tempo no mesmo espaço, sem identidade, permanecendo desconhecidas ou, até mesmo, esquecidas. Afinal, essa realidade reflete nos relatos da maioria dos voluntários, somando-se à realidade existente na sociedade, principalmente pelos relatos dos acadêmicos de que a maioria das pessoas a sua volta e/ou convivência sequer relatam a possibilidade de conhecer ou visitar tais ambientes.

Corroborando a isso, há percepção dos primeiros contatos dos voluntários com as histórias de vida dos idosos/residentes numa ILPIs, repletas de angústias, as quais refletem inúmeras negligências. Por sua vez, as micropolíticas apresentam realidades que podem ser transformadas e/ou modificadas. Sendo assim, a perspectiva do sujeito “X”, em seu primeiro contato com a ILPIs, é reveladora quando escreve em seu diário:

Paramos para conversar com a Dona Ivete, uma senhora de bem com a vida e engraçada, adorei escutar as suas histórias que faz qualquer um rir. Sempre podemos aprender com eles e suas experiências de vida. Foi gratificante fazer parte daquele momento e conhecer um pouco mais daquelas pessoas que possuem tantas histórias de vida que nem imaginamos. Sempre é uma grande experiência, compartilhar amor, carinho e atenção, parar e escutar quem tem tanto a nos dizer é a melhor forma de ajudá-los. Uma das lições que aprendi com a Dona Ivete foi: Casar nem sempre é uma boa opção! Levarei para a vida. (VOLUNTARIO X, mai, 2018)

Pode-se depreender, por meio desse relato, o quanto esses espaços possibilitam troca de experiências, vivências e memórias, as quais geram outras memórias que perpetuaram na vida e na mente dessas pessoas. Sobre isso, Del-Masso (2015) aponta:

Diante desse aspecto, não é necessário apenas entender o envelhecimento sob a ótica biológica, mas sim sob a ótica social, legal, cultural como um ciclo complexo que engloba desde a aceitação das pequenas mudanças por parte dos indivíduos até as mudanças mais complexas presentes no meio sociocultural. (DEL-MASSO, 2015, p.20)

Fica evidente a possibilidade em poder aprender com os mais velhos, uma vez que estes possuem saberes divergentes, construídos numa época diferente, muitas vezes, de forma empírica, mas com muitos significados para esses sujeitos na constituição de sua identidade ou de sua própria concepção de ser humano e de integrante da sociedade. Sendo assim, ao ouvir relatos de vida, consegue-se exprimir de suas opiniões as “verdades” e vivências, carregadas de simbolismos e simbologias para suas próprias vidas.

Constata-se o valor dado ao outro, por meio da narração do voluntário Y:

Eu fico feliz, pois, eles me dão combustível para viver mais um pouco, entenderia que mesmo em meio às adversidades da vida, mesmo eu esquecendo onde larguei meus óculos, ou onde fica a minha cama, existiriam pessoas que ainda se importavam comigo, e que não estaria completamente sozinho em meio à multidão (por multidão entende-se que sejam todos os demais moradores que viveriam no asilo comigo). Isso seria para mim, a esperança em meio à desesperança, e eu percebi esse sentimento em alguns dos idosos de lá, quando nos viram chegar e quando paramos para ver como eles estavam. Essa atitude é importante e revela o melhor lado da humanidade, o amor ao próximo, o sentimento de empatia, nossa capacidade de nos colocar no lugar deles e querer conhecer mais de suas histórias. (VOLUNTÁRIO Y, abril, 2018)

O voluntário Y vislumbra uma esperança quase impossível, não somente para os idosos que lá estão, mas para si próprio, pois o mesmo, no futuro, imagina-se também vivendo numa ILPIs, colocando-se no lugar ou na situação do outro, exercendo a empatia, tentando compreender os sentimentos e emoções a que esses idosos estão susceptíveis. Para isso, busca-se desenvolver, por intermédio do projeto, práticas corporais e tecnológicas, as quais promovam socialização, interação e musicalidade nos mais diferentes grupos, respeitando as limitações e individualidades de cada um.

Contudo, essa esperança, em meio à desesperança, mencionada pelo voluntário Z, mostra que a vida possui altos e baixos, momentos bons e ruins, ou, ainda, a imprevisibilidade do futuro. Destaca-se dos dizeres de Z o quanto suas reflexões estão livres de preconceito, uma vez que não há elementos que possam direcionar a características negativas (MEZAN, 1998). Ao contrário, seus dizeres são carregados de respeito e de esperança.

Algumas atividades foram ao mesmo tempo prazerosas e lúdicas, movimentando muitas emoções e sensações nos idosos, como a atividade proposta por eles mesmos (os idosos), intitulada como o Dia do Baile.

Neste dia planejamos as atividades a pedido de alguns residentes, pois haviam solicitado um dia de dança para matar a saudades do tempo que saiam para dançar e curtir, a justificativa da mesma proponente foi “esquecer que estavam enclausurados e esquecidos neste espaço”. Solicitamos neste dia todos voluntários do projeto, porque seria uma atividade que muitos não estariam habituados e precisaríamos da pró-atividade de todos, para atender e envolver o máximo de idosos e suas limitações na atividade. Começamos a convidar os idosos à irem para o pátio, com a proposta de apreciar o sol e assim convencê-los a saírem da sala, recebemos os mesmos com musica e colocamos praticamente todos para fora, voluntária X e voluntário Y ficaram designados a ensinar os passos e adaptar as questões de mobilidade, por ser um terreno muito irregular; pegamos um par e começamos a demonstrar, fomos acrescentando mais pares à roda, eles estavam muitos dispersos e quando percebemos poucos estavam participando não estava sendo uma atividade eficiente por acharem complexo. Logo propomos dançarmos em duplas, como a proposta era continuar estimulando a mobilidade e a capacidade de pensar, agir e de estímulo só readaptarmos a proposta inicial e conseguimos que todos fizessem essa prática sem que eles percebessem, estávamos na mesma proposta só de uma maneira mais solta. (VOLUNTÁRIO Z, julho, 2018)

Neste dia, notamos que a receptividade foi melhor aceita, porém os receios eram por parte dos voluntários do projeto. Eles tiveram de abandonar qualquer preconceito ou pudor, relatados por eles mesmos em reuniões com a orientadora da proposta. Não sabiam como agir ou movimentar os que tinham necessidades especiais e/ou reduzidas, por receio de machucá-los ou, pelo simples fato, de não saber como conduzi-los. E, ao final, conseguimos incluir a todos residentes, conforme relata outro trecho do Voluntário Z, “Nesse dia percebi que as limitações que os idosos tinham não eram empecilhos para mim e no final todos estavam dançando, muita risada e só se escutava as gargalhadas, inclusive a minha.” (VOLUNTÁRIO Y, julho, 2018).

4 NÃO HÁ UM PONTO FINAL, HÁ RETICÊNCIAS

Diante do exposto, quando falamos sobre os processos de envelhecimento humano, a partir das interações das intergerações, percebemos o quanto os preconceitos estão imbricados, direta ou indiretamente, nas atitudes e implicações dos acadêmicos. Ao se disporem a participar de um projeto como esse, fica nítida, em seus relatos, a presença de preconceitos ao relatarem suas práticas nos diários reflexivos.

Contudo, os preconceitos são hábitos mutáveis e flexíveis quando estes se permitem assim ser. O projeto proporcionou a esses jovens acadêmicos a vivência que os fez resgatar aspectos familiares e/ou se enxergar no futuro como idosos.

Na terceira idade, esses preconceitos deveriam ser inexistentes, porém relutam com as histórias e experiências vividas, permanecendo latentes, assim como a resistência em desconstruí-los. No entanto, a promoção de práticas como essa, destacada pelos estudantes voluntários, em seus diários, confirmou a oportunidade de interação com os residentes da ILPIs, nas mais diferentes atividades, envolvendo práticas corporais, jogos de raciocínio, desmistificando esses estereótipos.

Após analisar os diários, nota-se, visivelmente, a aproximação dos jovens estudantes com os residentes da ILPIs, desmitificando suas dúvidas e/ou receios em frequentar ambientes como este, os quais são esquecidos pela comunidade externa. Os motivos para o distanciamento dos jovens com relação às instituições ficam evidentes na fala desses, quando relacionado às questões sociais e culturais, as quais mencionam, demonstrando a não relevância destas instituições, desconsiderando as histórias de vida daqueles que lá residem.

Por fim, não podemos deixar de destacar a participação ativa dos voluntários durante o desenvolvimento do referido projeto, para compreender os processos de envelhecimento humano e suas implicações, destacando ações que constituem um espaço de intervenção para um trabalho intergeracional e para a desconstrução de preconceitos em relação à pessoa idosa.

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4 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa em linha, "intergeracional", in 2008-2013 Disponível em: https://dicionario.priberam.org/intergeracional - Acesso em 19 de maio de 2019.

55 De acordo com Theisen (2015), o letramento digital permite a inserção dos indivíduos em práticas sociais por meio das ferramentas tecnológicas e colabora para desenvolver um posicionamento crítico sobre o uso das mesmas e sua atuação na sociedade.

Recebido: 07 de Janeiro de 2019; Aceito: 29 de Abril de 2019

Revisão gramatical realizada por:

Liliana Lemos Mendes. E-mail: tcontextos@yahoo.com.br

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