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ETD Educação Temática Digital

versão On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.22 no.3 Campinas jul./set 2020  Epub 27-Jun-2021

https://doi.org/10.20396/etd.v22i3.8660914 

APRESENTAÇÃO

A INTERNACIONALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PRESSUPOSTOS, SIGNIFICADOS E IMPACTOS

INTERNACIONALIZACIÓN EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR: SUPUESTOS, SIGNIFICADOS Y IMPACTOS

Joyce Wassem1 

Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira2 

Kyria Rebeca Finardi3 

1Doutora em Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutora em Educação - Universidade Federal de Viçosa (UFV). Pós-doutoranda em Educação - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista FAPES/CAPES edital n. 10/2018 - PROFIX 2018. E-mail: joywassem@gmail.com

2Doutora em Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora Titular - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-mail: eaguiar@unicamp.br

3Doutora em Letras - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pós-doutora em Letras Universidade de Genebra, Suíça. Professora do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação (DLCE) e dos Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e Linguística (PPGEL) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-mail: kyria.finardi@gmail.com


A internacionalização da educação superior se entende no marco da mundialização do conhecimento, da integração econômica, dos avanços das tecnologias da informação e da comunicação. “Como o conhecimento é universal, sua procura, seu avanço e sua difusão só podem ter lugar graças aos esforços coletivos da comunidade universitária internacional” [...]. A confiança mútua e a solidariedade são princípios fundamentais dessa dimensão internacional: “os membros da comunidade universitária mundial devem interessar-se não só pela qualidade da instituição à qual pertencem, senão também pela qualidade da educação e da pesquisa superiores no mundo inteiro” (DIAS SOBRINHO, 1999, p. 34, aspas do original, negrito nosso).

A internacionalização da educação superior, embora assuma um novo papel na atualidade, é um dos aspectos integrantes que constituem a organização da universidade desde sua origem. Como fenômeno complexo que é (MOROSINI, 2006), tem exigido das Instituições de Educação Superior (IES) uma explicitação de sua concepção e um planejamento com metas e estratégias consistentes que atendam as particularidades institucionais com finalidade de promoção e valorização da formação do aluno, do docente, do pesquisador e do técnico-administrativo. Se, por um lado, verificamos atualmente a presença da internacionalização em um número grande de universidades, por outro, observamos a necessidade de refletirmos sobre seu significado, pressupostos, políticas, ações e impactos, seja nas IES, seja em âmbito nacional e internacional.

Considerando este cenário, a proposta deste dossiê, “A Internacionalização na educação superior: pressupostos, significados e impactos”, teve como principal objetivo oportunizar espaço para análise e divulgação das visões sobre internacionalização que se processam, na contemporaneidade, nos âmbitos institucional, nacional e internacional. Neste sentido, os artigos do dossiê representam uma importante contribuição para o campo da educação superior e, especialmente, para os estudiosos da internacionalização, trazendo pesquisas, estudos e reflexões sobre concepções, políticas e práticas, vistas a partir de diferentes perspectivas. O dossiê é composto por um conjunto de nove artigos e uma entrevista, com um leque amplo e abrangente de reflexões sobre a temática em pauta, englobando a discussão epistemológica, social, econômica, teórica e prática da internacionalização, assim como o seu lugar nas políticas públicas educacionais.

A variedade de análises dos textos também pode ser observada na diversidade de instituições e regiões em que os(as) autores(as) atuam, no Brasil e no exterior. Assim, os artigos são de autoria de pesquisadores brasileiros das seguintes IES: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Universidade Regional de Blumenau (FURB) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), bem como de pesquisadores estrangeiros da Boston College e da Universidade Florida Atlantic (FAU), ambas nos EUA; da Universidade de British Columbia (UBC) e da Universidade de Toronto, ambas no Canadá.

Cabe esclarecer que os artigos do dossiê foram escritos e representam a reflexão da temática da internacionalização antes do fenômeno da pandemia de Covid-19. Assim, não devem ser esperados comentários que se refiram aos caminhos e direções da internacionalização após as mudanças que se processarão no mundo político, econômico, social e educacional pós-pandemia, ainda que alguns teçam considerações sobre os possíveis impactos na questão da internacionalização da educação superior nesse cenário que se descortina.

Na abertura do dossiê é apresentada a entrevista realizada por Claudia Schiedeck Soares de Souza, Maria Julieta Abba e Danilo Romeu Streck (UNISINOS) com a Profa. Dra. Jane Knight (Universidade de Toronto - Canadá). Intitulada “Internationalization as a process of change: an interview with Jane Knight” (Internacionalização como um processo de mudança: uma entrevista com Jane Knight), a entrevista foi feita em junho de 2019, durante o evento “Shaping Sustainable Futures for Internationalization in Higher Education” (Dando Forma a Futuros Sustentáveis para a Internacionalização na Educação Superior), onde a professora Knight participou como uma das principais conferencistas. Os entrevistadores se debruçaram sobre aspectos que perpassam a internacionalização na contemporaneidade, partindo da experiência e trajetória de Knight, ao longo dos últimos 25 anos, como uma das pesquisadoras mais conhecidas e referenciadas na área de internacionalização. Interessou aos entrevistadores conhecer, na perspectiva da autora, quais elementos da conceituação de internacionalização ainda estariam presentes ao se tentar defini-la na atualidade. Em suas respostas, Knight faz considerações sobre as mudanças que ocorreram, no mundo, nas últimas décadas, particularmente em termos de conectividade e interdependência e aponta novos elementos para além dos comumente citados, como: mobilidade; estudo de línguas; desenvolvimento conjunto de projetos de pesquisa; publicações; eventos; e estágios docentes. Os novos elementos se referem, entre outros, à internacionalização do currículo; ensino do processo de aprendizagem; desenvolvimento de habilidades interculturais; e competências globais.

A pesquisadora enfatiza a mobilidade de estudantes e professores nas regiões do próprio país, aulas virtuais com participação de estudantes de diferentes regiões e países, programas de duplo diploma e um entendimento e abrangência mais amplos do conceito de internacionalização. Knight chama a atenção para o momento em que vivemos, marcado por turbulências, com fronteiras sendo fechadas por razões geopolíticas ou de saúde, tensões e racismos interculturais, e diz que é hora de se olhar para novas formas de mobilidade acadêmica e de cooperação. Nesse sentido, Knight sugere ser limitante definir a internacionalização em termos de estratégias e destaca a importância de entendê-la como um processo para o qual se deve preparar gerações capazes de desenvolver pesquisa, de forma colaborativa, para os desafios globais, com resultados para todos os participantes e, assim, se formarem como cidadãos do mundo. A definição que Knight traz nesta entrevista é a da internacionalização como um processo que integra dimensões internacionais, interculturais e globais no propósito de ensino, aprendizagem, pesquisa e serviço para a sociedade, em nível institucional e de sistema.

O artigo intitulado “The future of internationalization of higher education in challenging global contexts” (O futuro da internacionalização do ensino superior em contextos globais desafiadores), de autoria de Hans de Wit (Boston College), nos lembra que, nas últimas três décadas, a internacionalização tem sido um dos principais focos das políticas internacionais, nacionais e institucionais e apresenta dois componentes relacionados: internacionalização no exterior e internacionalização em casa. O componente 'no exterior' inclui mobilidade acadêmica e tem sido mais predominante do que o componente 'em casa', que inclui a internacionalização do currículo e resultados da aprendizagem percebidos como um paradigma neoliberal e ocidental. De Wit aponta que foram muitos os desafios nas últimas décadas, mas que estamos entrando em novos e mais fortes desafios na e para a internacionalização mundial, os quais serão ainda mais dramaticamente afetados na pós-pandemia. O autor identifica uma mudança gradual, mas cada vez mais visível em 3 direções: de um componente mais marginal e fragmentado para um mais central e compreensivo; de um domínio da mobilidade acadêmica para uma internacionalização do currículo; de atenção para reputação e rankings para contribuição aos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas; e atenção para os grupos marginalizados de refugiados, imigrantes e minorias. Com base nessas constatações, o autor se pergunta: “Qual será o futuro da internacionalização?” e finaliza o texto fazendo considerações sobre o impacto dessas mudanças.

As autoras Sharon Stein (Universidade de British Columbia) e Jhuliane Evelyn da Silva (UFPR), no texto “The Challenges and Complexities of Decolonizing Internationalization in a Time of Global Crises” (Desafios e complexidades para decolonizar a internacionalização em tempos de crises globais), partem do pressuposto de que a internacionalização do ensino superior é frequentemente estruturada como um meio de preparar indivíduos, instituições e nações para um futuro cada vez mais interconectado e incerto. Como outros autores, apontam que práticas tradicionais de internacionalização tendem a reproduzir relações desiguais de poder nos âmbitos local e global. Stein e Silva revisam diferentes visões decoloniais a fim de refletir como elas podem informar uma ressignificação da internacionalização. Especificamente, as autoras consideram as implicações decoloniais para a internacionalização no Brasil e no Canadá e trabalham o que um país pode aprender do outro. As autoras criticam o movimento xenofóbico, particularmente a política de Trump com a conhecida “travel ban” (restrição de viagem) e, no Brasil, as políticas do presidente Jair Bolsonaro que culminam em ataques às supostas ideologias de esquerda. Stein e Silva afirmam que ao reorientar a internacionalização para longe da continuidade do sistema global moderno/colonial existente, e com a possibilidade de que esse sistema esteja terminando, poder-se-ia abrir espaço para algo novo e ainda indefinido. Nesse sentido, elas entendem que esta pode ser uma abordagem de internacionalização que prepare indivíduos, instituições e nações para enfrentar “o fim do mundo como nós o conhecemos”, com o fim de sistemas prejudiciais e insustentáveis para possibilitar outras alternativas. O artigo propõe considerar tanto as possibilidades quanto os desafios e complexidades de se engajar em futuros decoloniais no contexto da internacionalização.

O dossiê traz uma segunda colaboração de Hans de Wit (Boston College) em coautoria com Fernanda Geremias Leal (UFSC) e Lisa Unangst (Boston College), com o título “Internationalization aimed at global social justice: Brazilian university initiatives to integrate refugees and displaced populations” (Internacionalização voltada à justiça social global: iniciativas de universidades brasileiras para integrar refugiados e populações deslocadas). Os autores consideram que apesar da internacionalização oferecer oportunidades e benefícios, ela é um processo que emerge a partir de uma orientação econômica e competitiva, reforçando desigualdades geográficas e geopolíticas, de conhecimento e de poder. Os autores apresentam críticas à hegemonia epistêmica do Hemisfério Norte que recebe o maior fluxo de mobilidade, criticam a submissão das universidades e pesquisadores a esses parâmetros, a existência de uma relação estreita entre internacionalização e diferenciação/estratificação e as ameaças à ideia de universidade como bem público e social. Para De Wit, Leal e Unangst, estas questões, associadas aos desafios da sociedade contemporânea com as crises migratórias, a xenofobia entre outras, clamam por formas mais cooperativas de engajamento internacional e intercultural explicitamente alinhados com esforços mais amplos de justiça social, voltados para a formação de um futuro mais inclusivo, sustentável e alternativo. O texto analisa a internacionalização no contexto brasileiro que, na visão dos autores, se volta mais para interesses desenvolvimentistas e de participação ativa no mercado capitalista global. Os autores apontam que os programas de internacionalização têm enfatizado parcerias com países e universidades bem posicionadas no sistema mundial, restringindo o que esse processo poderia ter sido e/ou poderá ser daqui para frente. No entanto, eles entendem que as iniciativas individuais das IES podem ganhar relevância e lançar luzes sobre como vincular a internacionalização aos desafios sociais globais e locais. De Wit, Leal e Unangst consideram que contra a crescente imersão do ensino superior global em um paradigma altamente competitivo e orientado para a economia, são necessárias outras perspectivas sobre a interação internacional. Neste artigo, os autores exploram os projetos desenvolvidos por três universidades federais brasileiras - UFSC, UFPR e UFPA - que buscam integrar no ensino superior e sociedade brasileira em geral, refugiados e populações deslocadas. Com base nos resultados, enfatizam: 1. O papel da autonomia das IES brasileiras para desenvolver estratégias de internacionalização que sejam contextualmente relevantes e que visem promover a justiça social global; 2. A importância de vincular as atividades de extensão universitária existentes a grupos marginalizados à política institucional de internacionalização, para que os esforços de internacionalização não acabem suprimindo o papel social mais direto dessas instituições.

No artigo “Internationalizations in two Loci of Enunciation: The South and Global North” (Internacionalizações em dois loci de enunciação: o sul e o norte global), de autoria de Kyria Rebeca Finardi (UFES), Sabrina Sembiante (FAU), Gabriel Amorim (UFES) e Thiago Veronez (FAU), os autores revelam os seus locais de enunciação no Sul Global (UFES) e no Norte Global (FAU) como forma de confrontar a miopia epistemológica questionando conhecimentos geralmente tidos como universais. Os autores partem do pressuposto de que as políticas linguísticas e os modelos de cooperação internacional estão intimamente relacionados às ações/planos de internacionalização e representam pistas ou rastros da visão de internacionalização de uma determinada IES. Com base nesse pressuposto, os autores analisam as políticas linguísticas e os acordos de cooperação internacional em seus locais de enunciação como forma de refletir sobre os processos de internacionalização nessas instituições. A análise das políticas linguísticas e acordos internacionais da UFES sugere uma natureza reativa e colonial do processo de internacionalização dessa instituição, evidenciada no número de acordos com instituições do Norte Global e nas políticas linguísticas que privilegiam o uso do inglês. A análise dos acordos de cooperação internacional e políticas linguísticas da FAU sugere que as estratégias de internacionalização são amplamente projetadas com base na posição privilegiada da universidade como uma instituição de língua inglesa localizada no Norte Global. Tomados em conjunto, os resultados do estudo sugerem que, apesar da direção (Norte Global) e dos desafios da parceria entre a UFES e a FAU, essa cooperação tem potencial para abrir caminho para modelos/relações de internacionalização mais equilibradas, passando assim de um modelo de internacionalização tradicional para um modelo mais horizontal.

O artigo de Joyce Wassem e Eliza Bartolozzi Ferreira (UFES), “Política de internacionalização da UFES: a busca pela excelência acadêmica”, também toma a Universidade Federal do Espírito Santo como objeto de análise. O texto apresenta parte dos resultados de pesquisa de pós-doutoramento de Wassem, supervisionado por Ferreira, com financiamento da FAPES/CAPES, que procurou analisar de que modo a internacionalização figura em documentos institucionais da UFES, isto é, compreender os conceitos, razões e estratégias de internacionalização adotadas pela instituição. A pesquisa tem abordagem qualitativa, com coleta de dados composta por análise documental. O texto faz considerações sobre a UFES, criada em 1954 e, considerada a principal IES do estado do Espírito Santo. As autoras apontam que a instituição tem elaborado e implementado um planejamento estratégico com metas e ações e, dentre elas, está a criação de uma Secretaria de Relações Internacionais; a participação na criação da Rede de Internacionalização da Educação do Espírito Santo; a elaboração de um projeto coletivo financiado pelo Programa Institucional de Internacionalização (PrInt) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A análise realizada por Wassem e Ferreira demonstra que tais ações são direcionadas à avaliação empreendida pela CAPES aos Programas de Pós-Graduação (PPG) stricto sensu, ou seja, o foco principal tem sido a busca pela excelência dos PPG, indicada na avaliação pelos conceitos 6 e 7. A pesquisa ressalta também que, para além das dificuldades históricas vivenciadas pelas IES e seus PPG, atualmente são observados novos desafios, em função, principalmente, do contexto político e econômico brasileiro, com a forte presença da desqualificação da ciência protagonizada pelo atual governo, os cortes de financiamento para pesquisas e PPG, o contingenciamento de recursos para educação, além da crise sanitária de Covid-19, entre outros, o que coloca para as IES, em geral, e para a UFES, em particular, o desafio de avaliar sua política de internacionalização e firmar cooperações que possibilitem construir um ambiente mais plural, ético e socialmente justo.

No artigo de autoria de Marília Costa Morosini e Manuir José Mentges (PUCRS), “Organismos internacionais e educação superior: proposições da Agenda E2030”, os autores compreendem a educação superior como uma tarefa complexa. Para eles, um dos fatores que caracteriza tal complexidade são as relações entre diversos níveis socioeconômicos que interferem na educação superior. Morosini e Mentges apontam que, na contemporaneidade, o nível global exerce forte interferência na educação superior e confere uma importância marcada à internacionalização. Essa compreensão se configura, para os autores, em um guarda-chuva com suas múltiplas varetas, constituindo-se em um abrigo para as intempéries de um mundo global que se defronta com modelos de universidade tradicional e modelos de universidade do século XXI. Estes modelos convivem com configurações de contextos emergentes. Para dar conta desse guarda-chuva, os autores analisam as perspectivas global e regional e, nesta última, a perspectiva voltada à América Latina e Caribe, levantando considerações para se (re)pensar a internacionalização da educação superior. O texto, caracterizado pelos autores como Estado do Conhecimento, apresenta a identificação, seleção e sistematização de proposições de organismos internacionais emblemáticos para a educação superior na contemporaneidade.

De autoria de Olgaíses Cabral Maués (UFPA) e Antonia Costa Andrade (UNIFAP), o artigo “A internacionalização dos programas de pós-graduação em educação na região Norte do Brasil: políticas, estratégias e ações” considera que a internacionalização da educação superior passou a ser fundamental na lógica da sociedade do conhecimento; por um lado, por demonstrar a inserção dos países na globalização econômica, e por outro, justamente porque esse nível de ensino é percebido por alguns organismos internacionais como alavanca do crescimento econômico. Deste modo, a dimensão internacional da educação superior passou a ser prioridade, tanto no cenário nacional (governos), quanto internacional (organismos internacionais) e, nesse contexto, as universidades são “convidadas” a se organizarem em atendimento a tal demanda. Maués e Andrade ressaltam ainda que, nesta lógica, as agências nacionais de fomento, como é o caso da CAPES, elegem o critério internacionalização como um dos indicadores de qualidade das instituições de educação superior, particularmente de seus PPG. Nessa perspectiva, o artigo analisa o processo de internacionalização de PPG em Educação da Região Norte do Brasil. As autoras apontam que os resultados iniciais demonstram que os PPG procuram desenvolver diversas ações de internacionalização, ressaltam a ausência de uma avaliação qualitativa dessas ações, e a existência de disparidades de políticas entre as IES estudadas.

No artigo “Desenvolvimentos da internacionalização da educação superior no Brasil: da mobilidade acadêmica internacional à institucionalização do processo na universidade”, Marcelo Knobel (UNICAMP), Manolita Correia Lima (ESPM), Fernanda Geremias Leal (UFSC) e Ivor Prolo (UNEMAT), analisam os desenvolvimentos da internacionalização da educação superior brasileira a partir de três principais programas governamentais voltados ao fomento do processo de internacionalização: o Ciência sem Fronteiras (CsF), o Idiomas sem Fronteiras (IsF) e o Programa Institucional de Internacionalização (PrInt) da CAPES. Os autores estruturam o artigo com base em três principais argumentos. O primeiro é que, no Brasil, tem ocorrido uma evolução no entendimento da internacionalização da educação superior, de mobilidade acadêmica internacional para uma concepção mais ampla de transformação da instituição universitária. O segundo é que a internacionalização da educação superior tem estado atrelada majoritariamente aos interesses desenvolvimentistas do Estado e, por fim, o terceiro argumento é que tais direcionamentos indicam que esse processo tem se consolidado no país de forma hegemônica. Knobel, Lima, Leal e Prolo concluem o artigo com reflexões acerca da perspectiva de internacionalização proposta pelo programa “Future-se”, do governo federal, e destacam três aspectos: a interferência de órgãos estranhos à vida acadêmica da instituição, o comprometimento da autonomia universitária e a pressão pelo autofinanciamento da instituição pública a partir de diversas fontes de financiamento.

Marcia Regina Selpa Heinzle e Pablo Pereira (FURB) trazem no artigo “Professor cosmopolita: as ações sociais de internacionalização nos programas de pós-graduação stricto sensu”, resultados de uma pesquisa qualitativa, com o objetivo de compreender o papel do professor no processo de internacionalização nos PPG stricto sensu de uma instituição pública municipal de ensino superior. Os autores apresentam algumas questões norteadoras para o desenvolvimento do texto: “o que significa o ato de se tornar internacional, intercultural ou global no contexto educacional contemporâneo? Quando e onde afloraram as discussões sobre o tema da internacionalização da educação superior, em especial da pós-graduação stricto sensu? Quem são os atores sociais responsáveis pelas ações de ensino, pesquisa e extensão de dimensão internacional nas universidades? Como se encadeiam essas ações e quais os motivos que impulsionam tais atores a participarem desse processo?”. O pressuposto da pesquisa é o de que o protagonismo de professor com visão cosmopolita é o espírito da internacionalização universitária, uma vez que sem a participação plena e efetiva desses docentes, por meio de suas ações de ensino, pesquisa e extensão, de dimensão internacional, intercultural ou global, a universidade, como a conhecemos no século XXI, talvez não existisse. Na pesquisa desenvolvida, Heinzle e Pereira buscam caracterizar as ações dos professores no processo de internacionalização, bem como apreender suas razões. Como resultados da atuação dos professores, os autores apontam o intercâmbio acadêmico-científico, a produção intelectual, a gestão intercultural e a internacionalização do currículo.

Observamos que os artigos que compõem o dossiê, embora com abordagens e discussões específicas, trazem para o debate uma mesma compreensão de internacionalização da educação superior, vista com um meio e não um fim em si mesma, voltada para a produção de conhecimento, para a construção de acordos de confiança mútua e de solidariedade entre instituições e países, em busca de sua compreensão como um processo que integra dimensões internacionais, interculturais e globais no tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão.

Aos leitores e leitoras almejamos que os artigos instiguem profícuas reflexões, práticas e políticas nos níveis institucional, nacional e internacional, sendo a internacionalização da educação superior concebida como integração e colaboração solidária, a partir de cooperações entre IES e países que contribuam para a produção de conhecimentos mais plurais, conduzida por princípios como justiça social e cidadania global.

As organizadoras!

REFERÊNCIAS

DIAS SOBRINHO, José. Concepções de universidade e de avaliação institucional. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Sorocaba, v. 4, n. 2, p. 29-40, 1999. [ Links ]

MOROSINI, Marília Costa. Estado do conhecimento sobre internacionalização da educação superior: conceitos e práticas. Educar em Revista, Curitiba, n. 28, p. 107-124, 2006. https://doi.org/10.1590/S0104-40602006000200008Links ]

Revisão gramatical realizada por:

Phoenix Maria Finardi Martins E-mail: pos12cbla@gmail.com

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