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ETD Educação Temática Digital

On-line version ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.22 no.3 Campinas July/Sept 2020  Epub June 27, 2021

https://doi.org/10.20396/etd.v22i3.8654946 

ARTIGO

CONVERSAS INTERATIVAS VIRTUAIS EM UM PROGRAMA HÍBRIDO DE MENTORIA: TEMAS TRATADOS E ABORDAGENS ADOTADAS DE PROFESSORAS EXPERIENTES-MENTORAS

INTERACTIVE VIRTUAL CONVERSATIONS IN A HYBRID MENTORING PROGRAM: THEMES TREATED AND APPROACHES ADOPTED OF EXPERIENCED MENTOR TEACHERS

CONVERSACIONES INTERACTIVAS EN UM PROGRAMA HÍBRIDO DE MENTORÍA: TEMAS TRATADOS Y ENFOQUES APROBADOS POR PROFESORAS EXPERIMENTADOS-MENTORAS

Fabiana Marini Braga1 

Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali2 

Priscila Menarin Cesário3 

Mariângela Machado de Castro4 

1Doutora em Educação - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP - Brasil. Professora associada - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: fmarinibraga@gmail.com

2Doutora em Psicologia - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP - Brasil. Professora titular - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: alinereali@gmail.com

3Doutoranda em Educação - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP - Brasil. Pesquisadora na área de Desenvolvimento profissional docente, Educação a Distância, Formação de professores, Docência Virtual e Tecnologias na Educação. Trabalha como docente na Educação Infantil e no Ensino Superior. E-mail: primenarim@gmail.com

4Doutoranda em Educação - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP - Brasil. Tutora Virtual no projeto de pesquisa "Desenvolvimento profissional docente de professores experientes e iniciantes: Programa Híbrido de Mentoria" - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: mariangela.sgs@gmail.com


RESUMO

Analisam-se temas tratados e abordagens adotadas por professoras experientes, no papel de mentoras (Ms), evidenciadas em conversas interativas virtuais mantidas com professoras iniciantes (PIs) do Programa de Híbrido de Mentoria (PHM), realizado por pesquisadoras de uma universidade pública. A partir de um estudo de natureza descritiva-analítica-exploratória tendo como contexto de interação o Moodle (Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA), consideraram-se as interações de três díades (M-PI) nas fases iniciais do PHM, ao longo de 6-11 meses. As análises apresentadas referem-se às narrativas escritas registradas no AVA, numa perspectiva longitudinal dos diálogos mantidos por cada díade, levando-se em conta uma leitura representacional das situações relatadas. A partir da seleção de trechos ou pequenas “porções” das interlocuções, identificaram-se abordagens diferenciadas pelas Ms assim como temas tratados. Os resultados evidenciados apontam cinco diferentes abordagens na interlocução, empregadas pelas Ms ao tratarem de temas como: características do PHM, sua organização e dinâmicas; trajetórias escolares e profissionais prévias das PIs; início da docência; práticas pedagógicas, incluindo concepções de ensino, aluno, aprendizagem etc. Esses resultados apontam haver certa associação de algumas abordagens com a fase do processo de mentoria vivenciado pela díade, sem a identificação de uma taxionomia entre elas. Incluem, em alguns casos, experiências docentes das Ms e expressam marcas idiossincráticas de cada uma. Considera-se que o uso apropriado de cada abordagem por Ms pode impulsionar os processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional das PIs.

PALAVRAS-CHAVE: Conversas interativas virtuais; Programa Híbrido de Mentoria; Professoras experientes; Mentoras; Indução de professores

ABSTRACT

We analyze the themes treated and the approaches adopted by experienced teachers in the role of mentors (Ms), evidenced in the virtual interactive conversations held with beginner teachers (BTs) of the Hybrid Mentoring Program (PHM), carried out by researchers from a public university. From a descriptive-analytical-exploratory study, considering the Moodle (Virtual Learning Environment as the interaction context - AVA), it was considered the interactions of three dyads (M-BT) in the initial phases of the PHM, along 6-11 months. The analysis presented refers to written narratives registered in the AVA, in a longitudinal perspective of the dialogues maintained by each dyad, considering a representational reading of the reported situations. It was identified themes and the adopted approaches by the Ms from the selection of excerpts or small "portions" of the interlocutions The results show five different approaches of interlocution used by the Ms when addressing topics such as characteristics of the PHM, its organization, and dynamics; school trajectories and previous professionals of the BTs; teacher beginning, pedagogical practices, including conceptions of teaching, student, learning, etc. These results point to a certain association of some approaches with the phase of the mentoring process experienced by the dyad, without the identification of a taxonomy between them. Also, they include, in some cases, the Ms teaching experiences and express idiosyncratic marks of each one. It is considered that the appropriate use of each process can promote the learning processes and the professional development of BTs.

KEYWORDS: Interactive virtual conversation; Hybrid Mentoring Program; Experienced teacher; Mentors; Teacher induction

RESUMEN

Se analizan temas tratados y enfoques adoptados por profesoras experimentadas, en el papel de mentoras (Ms), evidenciadas en las conversaciones interactivas virtuales mantenidas con maestras iniciantes (PI) del Programa de Híbrido de Mentoría (PHM), realizado por investigadores de una universidad pública. A partir de un estudio de naturaleza descriptiva-analítica-exploratoria, teniendo como contexto de interacción el Moodle (Ambiente Virtual de Aprendizaje - AVA), se consideraron las interacciones de tres díades (M-PI) en las fases iniciales del PHM, a lo largo de 6-11 meses. Los análisis presentados se refieren a las narrativas escritas registradas en el AVA, en una perspectiva longitudinal de los diálogos mantenidos por cada díada, teniendo en cuenta una lectura representacional de las situaciones relatadas. A partir de la selección de trechos o pequeñas "porciones" de las interlocuciones, se identificaron enfoques adoptados por las Ms así como temas tratados. Los resultados evidenciados señalan cinco diferentes enfoques de interlocución, empleados por las Ms al abordar temas como: características del PHM, su organización y dinámicas; trayectorias escolares y profesionales previos de las PI; inicio de la docencia; prácticas pedagógicas, incluyendo concepciones de enseñanza, alumno, aprendizaje, etc. Estos resultados apunta a que hay cierta asociación de algunos enfoques con la fase del proceso de mentor vivido por la diade, sin la identificación de una taxonomía entre ellos. Aún, incluyen, en algunos casos, experiencias docentes de las Ms y expresan marcas idiosincrásicas de cada una. Se considera que el uso apropiado de cada enfoque por Ms puede impulsar los procesos de aprendizaje y desarrollo profesional de las PI.

PALAVRAS-CLAVE: Conversaciones interactivas virtuales; Programa Híbrido de Mentoría; Profesoras experimentadas; Los mentoras; Induction del professores

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo são analisados temas tratados e abordagens adotadas em conversas interativas virtuais entre professoras experientes, no papel de mentoras (Ms) e professoras iniciantes (PIs), agrupadas em díades (M-PI) do Programa Híbrido de Mentoria (PHM). Estas conversas são compreendidas como a troca de ideias entre as interlocutoras - professoras com tempos distintos de experiência na carreira docente - que interagem de forma ativa, sistemática e periódica. Este tipo de interação pode apresentar efeitos recíprocos nos processos de aprendizagem e no conhecimento profissional das participantes do PHM.

O Programa caracteriza-se como uma pesquisa-intervenção, sob responsabilidade de um grupo de pesquisadoras em conjunto com tutoras de uma universidade pública, que tem o Moodle (Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA) como contexto principal das interações estabelecidas. Sua investigação tem como propósito identificar contribuições e limites do Programa para a aprendizagem e desenvolvimento profissional da docência de professores com tempos distintos de carreira. Na ocasião da coleta dos dados analisados neste estudo, o PHM contava com 14 professoras experientes, as mentoras (Ms), e 25 professoras iniciantes (PIs) nos níveis de ensino de Educação Infantil (EI), Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AI) e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Programas de Mentoria ou indução são frequentes nos Estados Unidos, Europa, Austrália e em alguns países da América Central e América Latina (MARCELO; VAILLANT, 2017), embora em nosso país sejam quase inexistentes. Muitas dessas iniciativas levam em consideração que a formação inicial apresenta limitações nos processos de aprendizagem promovidos, em particular, ao se considerar a natureza dinâmica e exigente do ensino ao requisitar a todo momento a tomada de decisões pelo professor, à luz das características de seus alunos e do contexto de atuação. A indução de professores pode se referir a uma ação política voltada para o ingresso de professores na carreira docente. Envolve, geralmente, uma diversidade de atividades promovidas por redes de ensino dirigidas para PIs e podem incluir sessões de orientação, colaboração entre professores, reuniões com supervisores, oficinas, assistência extra em sala de aula, carga de trabalho reduzida e, principalmente, mentoria. Internacionalmente, nas últimas décadas, observa-se que os termos mentoria e indução têm sido usados de forma intercambiável (INGERSOLL; STRONG, 2011). A mentoria refere-se à orientação individual fornecida aos iniciantes geralmente por professores experientes.

Processos de indução e mentoria envolvem conversas interativas entre professores com experiências distintas que podem se configurar uma fonte relevante de aprendizagem profissional docente, pois oferecem “oportunidade para o diálogo construtivo” (HOBSON et al, 2009, p.212). Nessas circunstâncias são estabelecidas condições para interpretação conjunta de experiências e conceitos prévios, troca de práticas vivenciadas e projeções sobre o trabalho futuro (HORN et al, 2017). Por meio de processos mais sistemáticos de análise sobre situações de interesse podem promover a reflexão sobre a prática.

Professores iniciantes, em face à complexidade da sala de aula, com frequência, enfrentam dificuldades na gestão de sala, na condução dos processos de ensino e aprendizagem, assim como na atuação profissional em circunstâncias que envolvem o conhecimento da cultura, das regras, das políticas e de socialização na comunidade escolar. A partir dessas dificuldades, muitas vezes esses professores sentem-se inseguros na realização das atividades docentes em função de sentimentos de baixa autoeficácia e stress, de incerteza quanto ao seu papel e desconhecimento de algumas das tarefas sob sua responsabilidade. Nesses casos, sua posição como iniciante na comunidade educacional pode ser percebida como frágil para confrontar ideias e práticas de outros profissionais da educação, com destaque para diretores, coordenadores e alguns pares. Essas situações, sem apoio profissional institucional da escola, “minam” a energia positiva que geralmente caracteriza o início da atuação docente e se apresentam como desafios difíceis de serem enfrentados pelos iniciantes (LIMA, 2006; MARIANO, 2006).

Professores experientes, de acordo com MacLellan e Soden (2003), além de mais anos de carreira, geralmente dispõem de um repertório mais amplo de comportamentos profissionais que inclui uma base de conhecimento para o ensino; o que parece favorecer a construção de soluções para as dificuldades enfrentadas. Essa bagagem de conhecimentos e vivências profissionais mais extensas são partes dos requisitos para atuar como formadores de outros professores e/ou mentores de professores em início de carreira. Destaca-se, todavia, que a consideração apenas de anos de experiência é um critério insuficiente para qualificá-los para o exercício de tal função. Para tanto, faz-se necessário que esses profissionais participem de processos formativos para que possam construir conhecimentos específicos e pedagógicos para auxiliar/apoiar professores iniciantes, isto é, que aprendam a “ensinar a ensinar”. Neste sentido, advoga-se que nesses processos formativos, para além de temas e conteúdos relacionados à aprendizagem de adultos e à aprendizagem da docência sejam consideradas as especificidades do nível de ensino em que os professores atuarão e do contexto de atuação.

Na condução do Programa em pauta adotou-se um modelo construtivo-colaborativo (COLE; KNOWLES, 1993) na medida em que considerou as relações horizontais de interação entre professores experientes/mentores e pesquisadores, a valorização e a relevância da associação entre conhecimento prático e conhecimento teórico. O PHM, por se caracterizar como uma pesquisa-intervenção e não fazer parte de uma ação política, tem como propósito de intervenção desenvolver ações de mentoria e, no caso da investigação, examinar seus limites e potencialidades. O envolvimento ativo das professoras experientes como mentoras acontece em diversas etapas, incluindo a definição das características do Programa de Mentoria construído, seus caminhos e análises colaborativas dos dados obtidos durante o seu desenvolvimento. A participação de professores experientes e iniciantes ocorre considerando a sua anuência ao termo de consentimento livre e esclarecido referente à pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UFSCar, processo n° 68145717.8.0000.5504y.

Neste artigo, tendo como foco os temas tratados e abordagens adotadas pelas mentoras ao dialogarem com as PIs no AVA, apresentam-se análises de um estudo de natureza descritiva-analítica-exploratória de três mentoras junto a cada uma das iniciantes que acompanharam ao longo da etapa de letramento digital e início do processo de mentoria. A opção pelo foco nas Ms se dá em face da importância de se conhecer como as professoras experientes atuavam naquela etapa do processo. Ao compreender-se em maior profundidade as abordagens adotadas e temas tratados pelas mentoras, o desenvolvimento das conversas interativas virtuais mantidas por elas pôde ser melhor definido e orientado no decorrer da trilha formativa delineada para cada PI.

2 CONVERSAS INTERATIVAS VIRTUAIS E PROCESSOS DE MENTORIA

No caso de processos de mentoria, as conversas em geral apresentam como foco a melhoria das práticas pedagógicas das professoras iniciantes (TIMPERLEY, 2015). Especificamente, por meio delas, é possível identificar a origem das dificuldades, incertezas, inseguranças, as variáveis envolvidas, necessidades formativas das iniciantes. Essas conversas possibilitam a definição de objetivos e procedimentos para o desenvolvimento dos processos de mentoria, a definição de critérios para identificação de práticas efetivas construídas em conjunto pelas díades e aplicadas pelas iniciantes, assim como o redirecionamento do processo sempre que necessário (ORLAND-BARACK, 2006).

As conversas, nos casos indicados, ao viabilizarem a colaboração entre mentora e professora iniciante, comportam a expressão pública do “pensar” e o que se faz e podem se desenvolver de diferentes meios: presencialmente, face a face, ou mesmo virtualmente, de modo síncrono ou não - por escrito, por meio de vídeos e áudios. A definição de normas mútuas dessa interação pode ampliar a visibilidade de práticas e aprendizagem de novos conhecimentos por mentoras e professoras iniciantes e são, por essas razões, reconhecidas como conversas interativas (CARROLL, 2005).

Nesses processos, os feedbacks dos interlocutores mostram-se relevantes para manter as pessoas ativas e envolvidas no curso das conversas. Para isto, é necessário que o mentor encontre meios para “ver” a aprendizagem dos professores iniciantes que acompanha e, por outro lado, incentive-os a se perceberem aprendendo em direção a um processo autônomo de atuação e desenvolvimento profissional. Quando um iniciante descreve suas práticas de forma “visível” e expressa o que sabe permite que o mentor estabeleça em conjunto com ele os objetivos do processo de mentoria e - ao longo do tempo - identifique se as aprendizagens pretendidas estão ocorrendo ou não.

A natureza das relações estabelecidas entre mentor e iniciantes vincula-se aos contextos de pertencimento. No caso de professores iniciantes que pertencem a um mesmo contexto de trabalho dos mentores, constrangimentos podem ocorrer, em especial, em relação aos professores iniciantes. Eles sentem-se mais confortáveis ao estabelecerem uma relação de confiança e respeito mútuo com seus mentores quando estes não atuam na mesma escola, já que a explicitação de suas angústias, medos e dúvidas pode - sob sua perspectiva - fragilizá-los em face aos seus pares e superiores (BORGES, 2017). É esperado que as características das abordagens dos mentores na condução das conversas com os professores iniciantes possam alavancar, estimular e potencializar a construção de conhecimentos profissionais e processos reflexivos sobre as práticas docentes.

Na mentoria as conversas interativas mostram-se processos complexos, de acordo com Brondyk e Searby (2013), pois revelam e/ou têm a marca das concepções e características dos programas e de seus participantes. Desse modo, em alguns casos apresentam-se permeados por tensões resultantes de diferenças de concepções de mentoria, expectativas relacionadas ao processo comunicacional e de crenças sobre ensino, por exemplo (BRADBURY; KOBALLA, 2008).

A despeito de um extenso conjunto de pesquisas sobre processos de mentoria relatadas em literatura internacional, há poucos estudos sobre os temas abordados nesses casos e de como são tratados em espaços virtuais por meio de conversas interativas virtuais entre mentores e iniciantes - professores com tempos de experiências distintos.

3 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS

Considerando-se que a pesquisa sobre o PHM tem como base referências sobre formação e investigação de professores, assume-se uma perspectiva em que se consideram igualmente os conhecimentos acadêmicos gerados pelas pesquisadoras e os conhecimentos práticos construídos pelas professoras em sua atuação docente, adotando uma perspectiva construtiva-colaborativa de interação e de relações não hierárquicas entre as participantes (COLE; KNOWLES, 1993). Neste modelo são considerados os seguintes aspectos: a natureza dos processos de aprendizagem da docência e da aprendizagem de adultos; as influências das crenças e experiências nas práticas pedagógicas; o caráter dinâmico e situado do ensino; o valor formativo de processos reflexivos sobre as práticas docentes, a aprendizagem e desenvolvimento profissional docente; a importância de condições organizacionais adequadas para fomentar o crescimento profissional de professores e a relevância da colaboração concebida como diálogo entre as participantes. Esses aspectos implicam em conversações de professoras e pesquisadoras engajadas em trocas e desenvolvimento profissional recíproco a partir de múltiplos pontos de vista.

O processo investigativo, embora marcado pela intervenção, envolve a participação ativa e dinâmica das participantes, mentoras, iniciantes, pesquisadoras e tutoras. Isso resulta ao longo do tempo em uma quantidade grande de informações posto que cada díade M-PI constrói uma trilha formativa específica que favorece a identificação das oportunidades de construção ou reconstrução de conhecimentos profissionais da docência, seus conteúdos, os processos envolvidos e a sua caracterização.

Houve uma etapa formativa inicial dirigida às mentoras, que durou cerca de oito meses, sobre temas como letramento digital, programas de mentoria, aprendizagem e desenvolvimento profissional da docência e uso de recursos de tecnologia digital. Em seguida ocorreu a etapa de sua atuação com as professoras iniciantes. No período da coleta dos dados analisados, 14 mentoras acompanhavam 25 professoras iniciantes organizadas em díades fixas mentor-iniciante (M-PI) tendo em vista o nível de ensino de atuação. As Ms participantes do PHM foram selecionadas por se tratarem de professoras experientes com mais de 15 anos de atuação e as iniciantes levando-se em conta o menor tempo de atuação (máximo cinco anos) e a maior disponibilidade de tempo para cumprir as atividades propostas pelo Programa.

Destaca-se que a equipe de pesquisadoras manteve o processo formativo-investigativo ao longo das intervenções das Ms junto às iniciantes que envolve duas fases: a de letramento das PIs (Fase 1) e o seu acompanhamento por meio do AVA. Todo esse processo é seguido por reuniões semanais presenciais com as Ms na universidade. Além disso, tutoras fazem parte do grupo de pesquisa e acompanham mais estreitamente as ações das Ms em relação às iniciantes acompanhadas.

O processo de mentoria no PHM implica, da parte das Ms, em um primeiro momento, na supervisão de cada uma das PIs na Fase 1 (Letramento digital - três meses de duração), sob sua responsabilidade. Em uma Fase 2 (Acompanhamento individual - até oito meses, neste estudo), as Ms conduzem interações nas quais auxiliam - em processos individualizados que apresentam durações variadas - as iniciantes a lidarem com dificuldades enfrentadas nessa etapa de suas carreiras. Semanalmente, as Ms participam de reunião presencial com o grupo de pesquisadoras. Mentoras e iniciantes realizam atividades virtuais como relatos, diários, participação em fóruns para discussão de textos etc. referentes às atividades de mentoria e que são acompanhadas pelas tutoras e pesquisadoras por meio de feedbacks específicos. Além disso, esporadicamente, há encontros presenciais envolvendo mentoras, iniciantes, pesquisadoras e tutoras.

Para condução das intervenções considera-se uma perspectiva reflexiva, ou de inquirição, sobre as práticas. Toma-se como pressuposto que as narrativas registradas no Moodle referentes aos diálogos mantidos entre M e cada uma das PIs acompanhadas configuram-se como diferentes espaços de interlocução - diários, relatos, respostas às tarefas e orientações, feedbacks, respostas aos feedbacks. Tais espaços possibilitam a identificação de ideias, intenções, pensamentos, crenças, análises, dúvidas, dilemas, dados, histórias de alunos, da sala de aula e da escola, entre outras. Além disso, possibilitam a discussão de alternativas sobre como lidar com dificuldades, identificação do curso da discussão, a sua configuração, os processos envolvidos e as análises realizadas.

A interlocução entre M e PI ao longo do PHM é concebida como um conjunto de conversas interativas virtuais entre profissionais com tempos de atuação diversificada, que são analisadas em uma perspectiva temporal - na qual a sequência dos registros sobre as experiências é relevante porque indicam o seu desenrolar e os temas focalizados - e configuram a história de cada díade M-PI. Neste sentido, trata-se de um sistema mútuo que está em constante movimento e desenvolvimento (SOUZA; ARAÚJO; PAULA, 2015). Na investigação realizada, as histórias narradas nas conversas mantidas entre PI e suas Ms foram registradas por meio de diferentes ferramentas do Moodle o que possibilita o uso de múltiplos suportes midiáticos. Essas ferramentas são concebidas como reservadas e seguras e permitem o registro de avanços e retornos/retomadas quanto aos temas abordados e ações realizadas, a despeito das especificidades de cada uma ser ainda pouco exploradas no que concerne aos processos de mentoria, como é o caso de seu caráter interativo.

Dadas essas características, a adoção de uma perspectiva longitudinal de análise é possível uma vez que tanto as participantes quanto as pesquisadoras podem, sempre que necessário, acessar os conteúdos tratados, consultando-os, verificando as mudanças ocorridas, as relações estabelecidas entre situações vivenciadas e tratadas, os pontos de inflexão e de continuidade de práticas, os pontos de vista e análises, revisões, reconstrução de conhecimentos e construção de novos conhecimentos e de práticas relatadas nas narrativas registradas.

As interlocuções analisadas foram registradas de forma escrita e, geralmente, ocorreram de modo assíncrono no caso do AVA. Os registros concebidos como narrativas possibilitam explorar o pensamento de cada participante da díade bem como as práticas descritas (BORKO, 2004). Essas narrativas favorecem a representação da experiência humana, sua explicitação, caracterização e compreensão (VAZ; MENDES; MAUÉS, 2001). Compreende-se, deste modo, que os conhecimentos e práticas presentes nos diálogos intergeracionais estabelecidos, via conversas interativas, consistem numa relação situada entre profissionais com tempos de experiência e possivelmente conhecimentos diversificados com um propósito comum.

Para a análise desses registros, como observadores-insiders (AMARAL, 2009; KOZINETS, 2010), realizou-se uma leitura representacional das situações relatadas. Considerou-se, pois, que esses registros não consistem em uma verdade literal dos fatos, mas a representação de que o sujeito a elaborou e/ou fez das situações experienciadas num dado momento.

Em face dessas características do objeto de investigação, contexto da presente análise, procedeu-se a um estudo qualitativo de natureza descritiva-analítica-exploratória considerando-se a ocorrência das conversas virtuais ao longo do tempo, no caso um período de 6-11 meses, restrito à Fase 1 (Letramento digital - três meses de duração) e à Fase 2 (Acompanhamento individual - até oito meses, neste estudo), dependendo do caso do acompanhamento de uma PI por cada M participante. Especificamente, neste estudo buscou-se identificar os temas tratados assim como as abordagens que as Ms adotavam ao interagirem com as PIs nas fases consideradas. As três díades M-PI foram selecionadas por apresentarem maior tempo de permanência e engajamento no PHM observado pela qualidade, volume e frequência das interações mantidas e que contemplam os diferentes níveis de ensino. Sendo assim, optou-se por uma díade da Educação Infantil (EI), uma dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AI) e outra da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

É importante descrever algumas características profissionais e pessoais das participantes das díades selecionadas para este artigo durante o período analisado. Essa descrição, por conseguinte, poderá influenciar a identificação dos temas tratados e abordagens adotadas nas conversas interativas virtuais que envolveram as três díades M-PI.

Na díade da EI, a mentora é graduada em Pedagogia e História e possui especialização em EI. No início de sua participação tinha 49 anos de idade e 22 anos de experiência docente. A PI-EI com 25 de idade é graduada em Pedagogia e atuava há dois anos na carreira docente. Na díade dos AI, a mentora é graduada em Pedagogia, fez Mestrado em Educação Especial, tinha 35 anos de idade e possuía dez anos de experiência docente. A PI-AI tinha 36 anos e é graduada em Pedagogia e Ciências Biológicas com quatro anos de experiência docente. Na díade da EJA, a mentora tinha 42 anos, graduada em Pedagogia e possui três especializações, sendo uma em Psicopedagogia, uma em EJA e outra em Alfabetização e Letramento e tinha 19 anos de experiência docente. A PI-EJA é graduada em Pedagogia e Matemática, possuía 28 anos e tinha menos de um mês de experiência docente no início da interação com sua M.

Para a sistematização dos dados procedeu-se à cópia/download das conversas registradas em cada uma das ferramentas do Moodle utilizada, tomando-se como marcador temporal principal cada um dos quatro módulos que compuseram o processo de mentoria na Fase 1 e os primeiros meses da Fase 2.

O registro das narrativas escritas tanto pelas Ms quanto pelas PIs apresentam informações sobre diversos aspectos relacionados à atividade de ensinar das iniciantes, aos conteúdos, aos estudantes, além de descrições e análises sobre as situações vivenciadas, questionamentos, respostas, sugestões, lembretes, elogios etc. que retratam os temas e processos envolvidos nas conversas interativas. Para análise desses dados foram realizadas leituras cuidadosas do material produzido por cada díade em cada uma das ferramentas do Moodle, a fim de localizar trechos nos quais estavam claramente objetivadas as características das abordagens adotadas pelas Ms. Isto quer dizer que, após leituras recursivas envolvendo mais de uma pesquisadora, foram selecionados trechos ou pequenas “porções” das interlocuções representativas das características evidenciadas nas abordagens, incluindo os temas e modo pelos quais foram desenvolvidos na díade considerada. Esse material compõe linhas do tempo que representam as conversas de cada díade organizadas ao longo das diferentes etapas do PHM.

Esse tipo de sistematização possibilita identificar nas conversas aspectos colocados em evidência, posicionamentos adotados pelas interlocutoras, curso da conversa, resultados e desdobramentos relacionados aos temas tratados etc. Destaca-se que o curso das conversas nem sempre é linear no sentido da continuidade de um mesmo assunto até o seu esgotamento, de seu início até o encerramento, uma vez que muitas vezes é entremeado pela introdução de novos assuntos por qualquer um dos interlocutores da díade.

A partir das linhas do tempo construídas foram evidenciadas características recorrentes que puderam configurar alguns temas tratados e abordagens adotadas na maneira pela qual as Ms se dirigiam às suas PIs e que serão apresentados no próximo subitem.

4 TEMAS TRATADOS E ABORDAGENS ADOTADAS PELAS MENTORAS

Na análise das interlocuções realizadas pelas três díades os temas mais tratados nessas duas fases foram relacionados, num primeiro momento, às características do PHM, sua organização e dinâmicas e acordos estabelecidos para a interlocução entre M-PI. Na sequência, foram discutidos alguns temas relacionados ao letramento digital. Nessas conversas iniciais, observou-se que as iniciantes expunham as expectativas de sua participação no programa. Por sua vez, as Ms explicitaram suas concepções sobre os processos sob a sua responsabilidade e, a partir da projeção das interações futuras, apontam as potencialidades do Programa para a aprendizagem e desenvolvimento profissional da docência das iniciantes. A seguir, alguns exemplos sobre esse tema podem ser evidenciados na díade M-PI EJA.

O acolhimento ao professor iniciante é fundamental para o seu desenvolvimento profissional, pois o início é um período de descobertas e intensas aprendizagens. (M-EJA; 01/03/18; Ferramenta: Tarefa).

Com esse programa espero expandir meus conhecimentos e estreitar as dúvidas quanto à maneira de agir nas diferentes circunstâncias encontradas na sala de aula, em pouco tempo pude ver que esses alunos têm muita vontade de aprender, porém têm muita dificuldade. Tenho certeza de que o contato com um professor experiente me ajudará a ver de outra forma o meio no qual estamos inseridos, bem como estar preparada para o que vem pela frente e dessa forma me tornar uma professora melhor (PI-EJA; 16/03/18; Ferramenta: Fórum).

As trajetórias escolares e profissionais prévias das PIs foi um outro tema tratado na Fase 1 em função do interesse das Ms em conhecer como tais processos ocorreram. Trata-se de assunto relevante para a atuação docente - em particular o seu início - uma vez que as experiências prévias como estudante e na escola ou como docente, iniciantes costumam marcar e influenciar a composição de crenças sobre ensinar, aprender, ser um docente profissional. Essas concepções podem ainda manter relação com as práticas pedagógicas das iniciantes ao servir como fundamentos a serem seguidos e o modo como determinadas situações profissionais são compreendidas (TARDIF et al, 1991). É possível observar um exemplo dessa temática na interlocução na díade M-PI AI.

Eu vivo alguns conflitos teóricos, pois não me identifico com os ideais construtivistas, então há uma série de ações das quais faço uso em sala de aula, mais porque sou obrigada a fazer e menos porque compreendo onde isso me levará. (PI-AI; 01/11/2017; Ferramenta: Tarefa).

Fique tranquila, é muito comum no nosso início da docência estes conflitos teóricos. Também considero que não temos que seguir à risca uma teoria, pois nem todos os educandos irão se beneficiar desta teoria. A flexibilidade é muito importante na nossa profissão. É interessante termos referências de outras práticas pedagógicas e refletirmos se realmente dá certo ou não e assim vamos construindo a nossa prática. (M-AI; 04/11/2017; Ferramenta: Tarefa).

Nota-se que no início da docência algumas facetas desse período são abordadas como as dificuldades enfrentadas, os sentimentos, as condições de trabalho e de infraestrutura da escola bem como a própria permanência na carreira e por isso foram tratadas pelas PIs. Essa fase inicial é descrita por elas como um período de incertezas, de sentimentos variáveis, ora negativos, ora positivos e até mesmo contraditórios (MARCELO; VAILLANT, 2017). As dificuldades incluíam situações como não saber ensinar certos conteúdos, que atividades propor e como definir os procedimentos pedagógicos adequados.

Eu tive muita dificuldade de lidar com eles [os alunos]. Custei a entender como era uma criança de 2-3 anos, qual o nível de desenvolvimento deles, que tipo de atividade eu poderia fazer. (PI - EI; 17/11/17; Ferramenta: Diário).

A Fase 2 do PHM é composta pelo acompanhamento mais sistemático de cada PI por sua M. No período analisado neste estudo, notou-se uma variedade de assuntos tratados nas conversas realizadas pelas díades analisadas. No que se refere às práticas pedagógicas os temas versaram sobre aspectos que se relacionam ao nível e modalidade de atuação das PIs: concepção de ensino, de aluno, de aprendizagem; avaliação diagnóstica; mediação pedagógica; planejamento e avaliação da aprendizagem; domínio/organização de conteúdo. Segue um exemplo que ilustra alguns desses temas:

A avaliação é uma forma de ver e conseguir colocar em uma escala de 0 a 10 tudo o que acontece na sala de aula, avaliando não só o aprendizado do aluno, mas também a didática de nós, professores. Na Educação de Jovens e Adultos temos um item diferente [dos outros níveis de ensino], o esquecimento. Os alunos da EJA se esforçam para aprender, alguns passam a semana toda fazendo todas as atividades corretamente, mas ao passar o fim de semana esquecem parte do que foi aprendido [...] Então decidi fazer uma avaliação diária com eles. Todo dia no final da aula faço ditado avaliando o que é ensinado, o que eles aprenderam e qual foi a maior dificuldade encontrada por eles para assim, pensar em outra forma de ensinar. (PI-EJA;26/05/18; Ferramenta: Tarefa).

A maneira que você encontrou para avaliar seu trabalho é interessante, porém eles podem responder apenas o que aprenderam no dia, nos dando um falso resultado. Por exemplo, se explorei a palavra arroz, escrevi, fiz a leitura, encontrei no texto e ao final do dia pedir para que os alunos escrevam, eles podem fazê-lo corretamente e alguns dias depois não conseguir mais escrevê-la. Neste caso o aluno apenas reproduz um conhecimento que tinha na memória, não houve aprendizado de fato [...] Além da avaliação diária, você utiliza algum outro tipo de avaliação? Como podemos saber se os alunos apenas memorizam o conteúdo ou se eles aprenderam de fato? (M-EJA; 05/06/18; Ferramenta: Tarefa).

Nas interlocuções entre M-PI, em geral, observou-se a presença de algumas características na maneira pela qual eram expressas as orientações, instruções, questionamentos, sugestões etc. Com a recorrência dessas características nas diferentes interlocuções mantidas nas diversas díades, foi possível definir as seguintes abordagens: diretiva, empática, inquiritiva, propositiva e inquiritiva-propositiva. Destacam-se, ainda neste período, a disponibilidade e prontidão de atendimento manifestadas pelas mentoras, o que aparentemente propiciou a elas maior aproximação com suas PIs acompanhadas e que foi permeado pela escuta sensível e fala respeitosa - compreendidas como um posicionamento ético e profissional estabelecido nas conversas interativas virtuais - das Ms em sua atuação no acompanhamento de suas PIs.

A abordagem diretiva pode ser compreendida como aquela que a mentora orienta, instrui, ordena, direciona e indica procedimentos e materiais. Segue um exemplo de uma conversa em que esta característica se apresenta:

Diante das dificuldades apontadas por você com relação a desenvolver a autonomia da turma, elencadas no diário e por meio do Whatsapp, sugiro que realize a leitura do texto “Como desenvolver a autonomia das crianças na Educação Infantil?” que aborda noções sobre como trabalhar a autonomia com crianças pequenas. Após a leitura teremos oportunidade de discutir os pontos que chamaram sua atenção. Para auxiliar a reflexão sugiro a seguir um pequeno roteiro: Observe as propostas sugeridas no texto; Destaque os pontos que chamaram sua atenção; Há alguma semelhança entre as propostas do texto e o seu trabalho? Na sua rotina, quais os momentos que você pode trabalhar a autonomia? Nesse momento, você deverá elaborar um texto reflexivo sobre a leitura realizada e os questionamentos levantados acima. (M-EI; 14/04/18; Ferramenta: tarefa).

A abordagem empática pode ser descrita como aquela em que a M apoia, concorda, mostra-se sensível às situações relatadas pelas PIs. Em alguns casos, a experiência pessoal da M é apresentada como forma de indicar que também vivencia situações similares ou realiza as práticas sugeridas, além de demonstrar sua compreensão e suporte. Esta abordagem pode ser evidenciada no excerto a seguir:

Parabéns pela atividade. Você conseguiu elaborar um semanário com menos conteúdos, porém com as atividades essenciais. Lembrando que com este cronograma você poderá fazer modificações conforme forem surgindo demandas. Por exemplo, quando tem feriado no dia da produção eu modifico esta atividade para outro dia, pois julgo ser fundamental na rotina semanal, assim como revisão textual. Nós temos esta autonomia e flexibilidade com nosso planejamento (M-AI; 18/05/18; Ferramenta: Tarefa).

No caso da abordagem propositiva a M recomenda, opina, sugere, incita, incentiva, propõe de maneira construtiva e colaborativa, estimulante, inspiradora etc. com a intenção de que a PI atinja um objetivo ou realize uma atividade bem sucedida de modo a ampliar o seu repertório de práticas e conhecimentos.

Os conflitos existem e nós professores precisamos mediá-los com o objetivo de desenvolver a autonomia das crianças com o propósito de elas mesmas conseguirem resolver os conflitos de maneira construtiva. Uma intervenção que pode ajudar é representar uma situação de conflito com a ajuda de fantoches e fazer um teatro com uma situação problema para as crianças resolverem, o que você acha da ideia? (M-EI; 12/06/18; Ferramenta: Tarefa).

Você pode enviar a rotina com mais detalhes e tentaremos inserir a música. Legal você fazer a revistinha, apresentar nosso trabalho é importante para a comunidade valorizar a educação infantil! Que bom que gostou da ideia, o próximo passo é pensar na música. Você tem alguma ideia de qual música? Vamos conversando. (M-EI; 21/08/18; Ferramenta: Fórum).

Na abordagem inquiritiva a mentora se informa, interroga, questiona, examina, investiga, indaga etc. as concepções, intenções, propósitos e ações das professoras iniciantes.

A proposta desta tarefa é refletirmos sobre a importância do planejamento semanal. A sugestão é que você coloque seu semanário da primeira semana de abril com algumas observações nas atividades. Nesta atividade iremos focar na disciplina de língua portuguesa. Para auxiliá-la nas reflexões, sugerimos pensar sobre: Como foi a dinâmica das aulas? As atividades foram coletivas, individuais, em duplas e/ou em grupos? Como foi exposto o conteúdo e aplicadas as atividades? Alguma atividade teve adequação de conteúdo ou metodologia para algum educando? Todos realizaram a atividade? (...) Você conseguiu realizar tudo que planejou da forma que pensou? Necessitou de modificações? Por quê? Quais dificuldades você encontrou durante a semana? (M-AI; 08/04/18; Ferramenta: Tarefa).

Foi identificada uma quarta abordagem: a inquiritiva-propositiva que se caracteriza pela combinação de questionamentos e sugestões dirigidas para as professoras iniciantes.

As crianças nessa fase estão no início deste processo de busca e aprendizado do autogoverno, e somente ocorre esse aprendizado na relação com o outro e nos momentos de convívio em grupo marcado por conflitos e disputas, mas que favorece o amadurecimento dos pequenos com relação à moralidade, à cooperação. Nossas crianças conseguem realizar muitas coisas, no entanto necessitamos oferecer esses momentos, como por exemplo, em um de seus relatos sobre os pratinhos de tinta sujos, será que elas conseguem ajudar lavando tais recipientes? Como vamos avaliar a ajuda da criança ao tentar lavar pratinhos? Como trabalhamos possíveis atitudes que, por meio de nosso olhar de adultos, não consideramos corretas? Como uma “baguncinha” na hora de lavar? Em minha rotina procuro sempre administrar o tempo e elaborar momentos para as escolhas das crianças, sempre reforçando as regras e combinados. Como seria isso? Em minha rotina, em um desses momentos eu destino 30 minutos para os cantos com atividades diversificadas (M-EI;23/04/18; Ferramenta: Tarefa).

A partir da identificação dessas abordagens que as Ms adotaram em suas interlocuções com as PIs, observa-se, no geral, que a escuta sensível e a fala respeitosa estiveram presentes nas três díades analisadas em todas as etapas do processo aqui considerado o que de certo modo indica a presença docente (VAUGHAN, 2010), embora tensões tenham surgido ocasionalmente em função de divergências de pontos de vista relativas às ideias ou ações discutidas. A partir do incitamento das Ms em relação às PIs, observou-se a presença do exercício da reflexão dos fazeres docentes - compreendida como a explicitação do conhecimento profissional docente, com vistas a torná-lo conhecido e avaliado (MARCOLINO; MIZUKAMI, 2008). Ao tematizar questões da prática e das concepções que as norteiam na condução das conversas, essas ações de mentoria mostraram-se essenciais para a construção de um posicionamento ético e profissional das Ms, bem como com as bases teórico-metodológicas do Programa.

5 DISCUSSÃO

A partir da abordagem adotada por professores experientes, no papel de mentoras, na interação com professoras iniciantes foi evidenciado o tratamento de diferentes temas tendo como base diferentes abordagens na interlocução. Essas abordagens foram estabelecidas por meio de certos conjuntos de características que se mostraram recorrentes ao longo de um período de 6 a 11 meses de duração das conversas interativas virtuais consideradas nesta análise.

No início das interlocuções no tratamento de um determinado tema, as Ms adotam com maior frequência uma abordagem empática. Por meio dela afirmou-se a concordância e o apoio às situações relatadas pelas PIs que demonstram a sensibilidade e o interesse das Ms. A abordagem empática parece bastante pertinente ao se considerar o início do estabelecimento de uma relação que idealmente deve estar pautada na interlocução compreensiva, aceitação, não reprovação ou censura, que são posturas consistentes com a busca do estabelecimento de vínculos de confiança e da presença docente (VAUGHAN, 2010) evidenciados na escuta sensível e na fala respeitosa entre as participantes de cada díade. Observou-se que a experiência pessoal e profissional das Ms foram apresentadas como forma de demonstrar sua concordância com as ações relatadas pelas PIs e suporte a partir da indicação de vivência em situações similares (MACLELLAN; SODEN, 2003).

A abordagem inquiritiva revelou-se bastante útil, em um primeiro momento, no processo de busca de informações da parte da M a respeito de sua PI ao contemplar sua trajetória, suas ideias, concepções, experiências, informações sobre a escola, a sala de aula, seus alunos, entre outros aspectos relacionados ao seu perfil e ao contexto da prática profissional da iniciante (BORKO, 2004). Essa abordagem mostrou ser essencial para o processo de identificação das necessidades formativas das PIs. Além disso, o inquirir mostra-se presente ao longo do processo de mentoria analisado até o momento. Num certo grau e medida, dependendo da situação, a abordagem inquiritiva assume as feições de um processo reflexivo (MARCOLIN; MIZUKAMI, 2008) sobre a própria prática, da parte da PI, o qual é promovido/estimulado com base nas questões apresentadas pela M.

A partir dos questionamentos às PIs, as Ms orientam, instruem e até mesmo indicam procedimentos a fim de direcionarem suas práticas. Nesse caso, estabelece-se a abordagem diretiva. Observa-se que, diante da presença dessa abordagem na interlocução, a M oferece um conjunto de informações prescritivas que, de certo modo, não possibilitam a contra-argumentação da PI e a promoção de processos reflexivos no momento em que ocorre, pois seus resultados de certo modo estão previstos.

A abordagem propositiva, aqui compreendida como recomendação, sugestão, incentivo e, também, proposição de modo construtivo e colaborativo, mostrou-se como um dos aspectos que evidenciam mais claramente o processo de mentoria defendido pelo grupo proponente do PHM. Isso porque tal abordagem não só representa a tentativa e a construção de práticas bem sucedidas, como também inclui a possibilidade de minimização das dificuldades vivenciadas e expressadas pelas PIs considerando seus conhecimentos prévios e o processo de aprendizagem de novos conhecimentos (ORLAND-BARAK, 2006). Sendo assim, notou-se que a abordagem propositiva demanda determinado tempo de interação entre M e PI para que ela ocorra. Certamente, esse intervalo de tempo é um espaço necessário para o estabelecimento de vínculos de confiança no escopo das interlocuções diádicas a partir da atuação das Ms (VAUGHAN, 2010; TIMPERLEY, 2015).

Evidenciou-se, ainda, a associação de características da abordagem inquiritiva e da propositiva em porções das conversas analisadas. Nesse caso, a ligação dessas duas abordagens numa conversa - de certo modo - consolida o cerne do processo de mentoria, uma vez que ao mesmo tempo que as propostas são apresentadas/sugeridas, as concepções e as práticas são, respectivamente, refletidas e experimentadas e caracterizam o processo de reflexão sobre as práticas docentes (RODGERS, 2002).

As abordagens inquiritiva, propositiva e inquiritivo-propositiva mostram-se mais relacionadas a uma perspectiva na qual a M promove a construção colaborativa de conceitos e práticas, enquanto na abordagem diretiva ela oferece subsídios para em menos tempo reduzir e/ou diminuir angústias, dilemas, conflitos, entre outros aspectos apresentados nos relatos da PI. É importante ressaltar que, no primeiro caso, evidencia-se a configuração de um processo temporalmente mais longo e denso, ao passo que no segundo, o processo ocorre de modo mais rápido e em situações pontuais. Podemos descrevê-los, respectivamente, como “ensinar a pescar” e “dar o peixe”.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alguns aspectos se destacaram na análise longitudinal dos dados aqui considerados e que apontam certa vinculação de ocorrência de algumas abordagens com a fase do processo de mentoria vivenciado pela díade. Por exemplo, a empática geralmente manifestou-se no início das interações, no relato de dificuldades e de práticas das PIs que não se mostraram bem sucedidas ainda que estas últimas estejam relacionadas àquelas sugeridas pelas Ms. O uso adequado dessas abordagens pela M, aparentemente, pode alavancar os processos de aprendizagem e de desenvolvimento profissional das PIs.

Outro aspecto a ser ressaltado refere-se à característica das interlocuções das Ms de incluírem a própria experiência que se mostra como referência de situações que - de alguma forma - foram vivenciadas. Essas experiências são apresentadas possivelmente para as PIs numa perspectiva ou tentativa de evidenciar que os casos tratados fazem parte do cotidiano de qualquer profissional. Podem ainda se configurar como um modelo bem sucedido a ser adotado ou até como um contraexemplo a não ser seguido pela PI. O uso dessas experiências mostra-se mais presente na abordagem inquiritivo-propositiva. A estratégia de usar de sua própria experiência para auxiliar a PI em alguns aspectos, de certo modo, salienta o conhecimento profissional e, em alguns casos, a expertise das professoras experientes.

Em se tratando de um estudo descritivo-analítico-exploratório não se pode assegurar que as abordagens aqui expostas são estáticas e uniformes assim como foram descritas neste texto. Por um lado, isto significa considerar que outras associações entre as abordagens, tais como inquiritivo-propositiva, podem ser feitas. Além disso, não há uma taxonomia entre as abordagens na medida em que se desenham a partir das características específicas de cada uma das díades, ainda que se possa considerar uma mesma M. De outro lado, observa-se também que essas interações mantêm alguma relação com as características idiossincráticas das Ms.

Em vista dos resultados obtidos, compreende-se ser necessário ampliar esse tipo de análise para outras díades na perspectiva de reafirmar as abordagens identificadas, assim como pautar processos formativos de Ms. Parece ser relevante analisar outros elementos não abordados neste estudo como a definição do pareamento entre a M e a PI que foi delineado pelas pesquisadoras. Neste caso, levou-se em conta a proximidade entre a série/ano de atuação da PI e atuação/experiência passada ou presente da M na mesma série e o fato de não atuarem na mesma escola. Outro elemento que suscita aprofundamento refere-se aos conteúdos abordados nas interações em relação às demandas das PIs. Há casos em que se observa ênfase da mentora naqueles assuntos nos quais aparentemente detém maior domínio. Um terceiro elemento corresponde à compreensão das potencialidades e limites de cada uma das ferramentas tecnológicas do Moodle utilizadas nas conversas interativas virtuais considerando os perfis das mentoras e das professoras iniciantes.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento da pesquisa “Desenvolvimento profissional docente de professores e experientes e iniciantes: Programa Híbrido de Mentoria”, processo 201625412-8.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 15 de Março de 2019; Aceito: 06 de Maio de 2020

Revisão gramatical realizada por:

Maria Inês Aoki Ohnuma E-mail: miaosc.uab@gmail.com

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