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ETD Educação Temática Digital

On-line version ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.22 no.3 Campinas July/Sept 2020  Epub June 27, 2021

https://doi.org/10.20396/etd.v22i3.8655242 

ARTIGO

A ÁFRICA E OS AFRICANOS EM TEXTOS E IMAGENS DA REVISTA EU SEI TUDO (1917-1958)

AFRICA AND AFRICANS IN TEXTS AND IMAGES OF THE MAGAZINE EU SEI TUDO (I KNOW EVERYTHING) (1917-1958)

ÁFRICA Y LOS AFRICANOS EN TEXTOS E IMÁGENES DE LA REVISTA EU SEI TUDO (LO SÉ TODO) (1917-1958)

Ana Carolina de Carvalho Guimarães1 

Maria Angela Borges Salvadori2 

1Mestra em Educação - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP - Brasil. Professora da Educação Básica. Membro do NIEPHE - Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação. E-mail: ana.carolina.guimaraes@usp.br

2Doutora em Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, SP - Brasil. Docente do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP - Brasil. E-mail: mabsalvadori@usp.br


RESUMO

O magazine ilustrado Eu Sei Tudo foi publicado no Brasil entre 1917 e 1958. Sua origem, entretanto, é francesa e parte significativa de seu conteúdo pertencia também àquela versão. Neste artigo, tomando como fontes históricas figuras e textos presentes na revista brasileira e adotando como referencial teórico os conceitos de representação e imaginário social, investigamos a produção e a circulação entre mundos de imagens relativas à África e aos africanos, inquirindo sobre seus significados. Nossa hipótese é a de que a Eu Sei Tudo promoveu a difusão de estereótipos e preconceitos raciais a partir de uma matriz europeia ligada ao contexto do imperialismo, reproduzida em várias de suas páginas, apesar dos cenários sociais radicalmente diferentes. Tais imagens e textos, expostos a partir de um discurso sobre a alteridade, repetiam no Brasil os supostos antagonismos entre modernidade e atraso, primitivismo e progresso, civilização e barbárie.

PALAVRAS-CHAVE: Impressos; Representação social; Imaginário social; Circulação internacional; África

ABSTRACT

The illustrated magazine Eu Sei Tudo was published in Brazil between 1917 and 1958. Its origin, however, is French and a significant part of its content also belonged to that version. In this article, taking as historical sources figures and texts present in the Brazilian journal and adopting as theoretical reference the concepts of social representation and imaginary, we investigate the production and circulation of images related to Africa and the Africans between worlds, inquiring about their meanings. Our hypothesis is that Eu Sei Tudo promoted the diffusion of racial stereotypes and prejudices from a European matrix linked to the context of imperialism, reproduced in several of its pages, despite radically different social scenarios. These images and texts, exposed from a discourse on alterity, repeated in Brazil the supposed antagonisms between modernity and backwardness, primitivism and progress, civilization and barbarism.

KEYWORDS: Printing; Social representation; Social imagery; International circulation; Africa

RESUMEN

El magacín ilustrado Eu Sei Tudo fue publicado en Brasil entre 1917 y 1958. Sin embargo, su origen es francesa y parte significativa de su contenido pertenecía también a aquella versión. En este artigo, tomando como fuentes históricas figuras y textos presentes en la revista brasileña y adoptando como referencial teórico los conceptos de representación e imaginario social, investigamos la producción y la circulación entre mundos de imágenes relativas a África y a los africanos, inquiriendo sobre sus significados. Nuestra hipótesis es la de que Eu Sei Tudo promovió la difusión de estereotipos y prejuicios raciales a partir de una matriz europea relacionada al contexto del imperialismo, reproducida en varias de sus páginas, a pesar de los escenarios sociales radicalmente diferentes. Tales imágenes y textos, expuestos a partir de un discurso sobre la alteridad, repetían en Brasil los supuestos antagonismos entre modernidad y retraso, primitivismo y progreso, civilización y barbarie.

PALABRAS-CLAVE: Impresos; Representación social; Imaginario social; Circulación internacional; África

1. INTRODUÇÃO: CIRCULAÇÃO INTERNACIONAL DE IMPRESSOS E PRODUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES E IMAGINÁRIOS SOCIAIS

As revistas ilustradas de variedades, publicações de ampla circulação e grande sucesso editorial desde a segunda metade do século XIX, têm sido bastante estudadas por diferentes historiadores, particularmente como fontes documentais para a pesquisa sobre história do cotidiano urbano, considerando públicos leitores, formação de hábitos e emergência de novos padrões de sensibilidade (BARROS, 2017; MARTINS, 2003; MAUAD, 2005; MONTEIRO, 2007). Não obstante, permanecem pouco exploradas no âmbito da história da educação, embora esse tipo de imprenso, em um contexto de configuração de amplos sistemas educativos, tenha desempenhado um papel formativo destacado por meio da propagação de conhecimentos variados e visões de mundo, com forte apelo para os ideais de modernidade. Tal como acontecia com os outros veículos de comunicação de massa então emergentes, essas revistas ilustradas de variedades conformavam também um padrão de comportamento e de análise do que ocorria ao redor do leitor.

À produção desses impressos, somou-se sua circulação internacional, marca de um momento no qual se entrelaçam novas tecnologias de impressão e uma imprensa pensada cada vez mais como negócio, em dimensões transoceânicas. As revistas ilustradas de variedades podem ser vistas como símbolos da própria noção de moderno tanto no que se refere ao seu formato quanto em relação ao conteúdo e, segundo Tania Regina de Luca (2010, p.8), “tiveram um papel fundamental não apenas na difusão de hábitos, costumes, valores e sociabilidades urbanas [ ] mas também na constituição da visualidade e sensibilidade modernas”. As imagens em abundância, uma nova estética que mesclava textos e ilustrações por vezes desconexos e a presença de assuntos tão variados quanto o gosto do consumidor, faziam desses magazines uma leitura mais profunda que os jornais e menos densa que os livros, além de garantia de acesso a toda e qualquer novidade. É possível tomá-las, portanto, como espécies de mediadoras culturais, difundindo visões de mundo, conhecimento científico, arte, curiosidades e, ainda, propondo soluções para problemas domésticos habituais, uma vez que aproximavam o público de um conjunto variado de objetos de arte, tecnologia e conhecimento. Não raras vezes, suas páginas eram dedicadas também aos exercícios de futurologia, especialmente quanto aos meios e veículos de comunicação.

Segundo Jean-Pierre Bacot (2001, p. 290), as revistas ilustradas eram “empresas ideológicas e comerciais” e participaram da construção de conhecimento sobre o mundo. Estudando o caso francês, o historiador mostra como cumpriram papel basilar na construção de um sentimento de identidade e pertença, em certos momentos nacionalista e patriótico, como fica claro em sua abordagem do modo como guerras envolvendo a França, nos séculos XIX e XX, foram tematizadas nesses impressos, assim juntando a uma vontade dos empresários da imprensa, a vontade de Estado. Bacot (2001) assevera, ainda, que esses magazines tiveram papel importante no processo de constituição de uma imagem de si e do outro.

Neste sentido, entendemos que esses magazines ilustrados, de pretensão universalista e enciclopédica, foram responsáveis por disseminar representações e imaginários sociais que, de origem europeia mas circulando em diferentes lugares do mundo, estabeleciam um padrão do que e de quem era considerado cultura; simultaneamente, produziam as visões do inculto. Trabalhando com o conceito de representações sociais, Moscovici (2004) as definiu como uma maneira de pensar e interpretar a realidade que, elaborada coletivamente, estabelece lugares e identidades para si e para o outro. As representações sociais organizam categorias de entendimento e classificação da realidade e, ainda segundo o autor, são prescritivas. Envolvem, portanto, a produção de saberes sociais, cotidianos mas também científicos, e se referem tanto ao objeto representado quanto ao sujeito que produz a representação. Tais representações sociais, para serem compreendidas, exigem atenção ao evento a partir do qual são produzidas, ao contexto em que são elaboradas e aos sujeitos envolvidos.

Para tratar da força das representações sociais, Denise Jodelet (2001, p. 18-19) usou o exemplo do aparecimento da AIDS nos anos 1980. Como o conhecimento científico sobre a doença era ainda incipiente, representações sociais da mesma foram produzidas a partir de uma sequência de informações equivocadas e estereotipadas que levavam os doentes a serem estigmatizados como desviantes, moralmente pervertidos ou religiosamente condenados. Tais representações produziram também o seu inverso, a imagem de como se proteger, e estabeleceram padrões de boa conduta moral; em outras palavras, exemplos do que repelir - eles - e do que seguir - nós. As representações sociais são, portanto,

sistemas que regem nossa relação com o mundo e com os outros - orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervém em processos variados, tais como a difusão e a assimilação de conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição de identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais. Como fenômenos cognitivos, envolvem a pertença social dos indivíduos com as suas implicações afetivas e normativas, com as interiorizações de experiências, práticas, modelos de conduta e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicação social, que a ela estão ligadas (JODELET, 2001, p. 22).

Quanto ao conceito de imaginário, Baczko (1999) salienta seu caráter social e político. Para ele, as representações que formam um imaginário social estabelecem um modo de interpretar as experiências individuais e coletivas a partir de um sistema simbólico. Os imaginários sociais fixam uma identidade coletiva e certas crenças compartilhadas; designam um território e, consequentemente, suas fronteiras, o outro:

De esta manera, el imaginario social es una de las fuerzas reguladoras de la vida colectiva. Al igual que las demás referencias simbólicas, los imaginarios sociales no indican solamente a los individuos su pertenencia a una misma sociedad, sino que también definen, más o menos precisamente, los medios inteligibles de sus relaciones con ésta, con sus divisiones internas, con sus instituciones, etcétera. [ ] De esta manera, el imaginario social es igualmente una pieza efectiva y eficaz del dispositivo de control de la vida colectiva, y en especial del ejercicio del poder. Por consiguiente, es el lugar de los conflictos sociales y una de las cuestiones que están en juego de esos conflitos (BACZKO, 1999, p. 28).

Neste artigo, a partir de figuras e textos presentes na revista Eu Sei Tudo - publicada no Brasil entre 1917 e 1958 - e tomando como referencial teórico esses conceitos de representação e imaginário social, investigamos a produção e a circulação de imagens relativas à África e aos africanos, inquirindo sobre seus significados. Nossa hipótese é a de que a revista promoveu a difusão de estereótipos e preconceitos raciais a partir de uma matriz europeia ligada ao contexto do imperialismo, reproduzida em várias de suas páginas, apesar dos cenários sociais radicalmente diferentes. Tais imagens e textos, expostos a partir de um discurso sobre a alteridade, repetiam no Brasil os supostos antagonismos entre moderno e atraso, primitivo e progresso, civilização e barbárie. Apoiando-nos em Michel Vovelle, interrogamos essas imagens a partir da ideia de que

“[...] nos interessam como expressão de um olhar coletivo oblíquo e, por isso mesmo, revelador tanto que se vê como do que não se vê: os ´silêncios´ da iconografia são tão significativos quanto a ênfase posta em certas particularidades ou em certos temas privilegiados” (VOVELLE, 1997, p. 22).

Seguindo esta trilha, perscrutamos os silêncios e as ênfases colocados em circulação nas páginas da Eu Sei Tudo acerca da paisagem e das populações africanas.

2. SOBRE A EU SEI TUDO

Em 1905, a empresa gráfica Pierre Lafitte lançava na França o primeiro número de um novo magazine ilustrado, a revista Je sais Tout. Periódico de variedades, seu título indicava sua pretensão e conteúdo, com o tratamento de temas variados - das artes ao fazeres domésticos - e especial atenção para com os ideais de progresso científico e tecnológico. Em 1917, era publicada no Brasil a Eu Sei Tudo, versão nacional editada pela Companhia Americana a partir do original francês do qual reproduzia muitos conteúdos e imagens, embora também trouxesse adaptações a partir de elementos regionais e nacionais. Na França, a Je Sais Tout perdurou até 1939, sendo vítima dos problemas criados pela Segunda Guerra Mundial; no Brasil, a publicação foi mais longeva, sendo editada até 1958. Ao longo dos anos de sua publicação, a Eu Sei Tudo teve três diretores: Aureliano Machado, Adelaide Aureliano Machado e Gratuliano Brito. Este último, a partir de 1937, torna-se editor presidente da Companhia Americana que, originalmente, era propriedade de Carlos Malheiro Dias - imigrante português, político, escritor e jornalista - responsável também, à época, pela publicação de outras revistas (GENEROSO, 2016).

Compreender o conteúdo desses magazines e sua circulação implica reconhecer a intensidade das relações culturais entre Brasil e França nos finais do XIX e primeiras décadas do século XX, tema que vem sendo discutido por meio do estudo de variados objetos. No caso específico da história da educação, as pesquisas enfatizam, entre outros elementos, as viagens de professores entre os dois países e a circulação de ideias e materiais pedagógicos (VIDAL, 2005). Neste trabalho, defendemos que, embora não se constitua em periódico educacional stricto sensu, esse tipo de revista ilustrada foi veículo para a disseminação de novos conhecimentos, com evidente intenção educativa, permitindo compreender facetas destes diálogos culturais que colocavam em trânsito ideias, valores e práticas ligados a um sentido de modernidade e civilização.

Buscamos mapear os dispositivos presentes nessas publicações na direção de uma educação difusa e sensível do leitor, capaz de inseri-lo em um mundo novo marcado pela ampliação das formas de comunicação, pela técnica, pela velocidade, pelo espetáculo, pela imagem, pela urbanização e por novos padrões de sociabilidade. Julgamos que essa dimensão educativa se consolidava na leitura dos textos e imagens e na observação das práticas sociais valorizadas em suas páginas. O objetivo é identificar padrões de conhecimento historicamente difundidos pela revista Eu Sei Tudo relativos ao continente africano e suas populações, considerando que a França, onde nasceu seu original, oferecia um repertório cultural com grande ressonância no Brasil, seja na construção de saberes, seja na conformação dos comportamentos sociais. Assim, estudar as revistas é ampliar o quadro de referências para investigar a história da educação para além dos espaços escolares e da unidade do Estado-Nacional que, via de regra, marcam nossos trabalhos. Ainda que a perspectiva nacional esteja aqui presente, essas publicações permitem pensar em termos da circulação internacional de impressos (CANARIO, 2006).

A Je Sais Tout e a Eu Sei Tudo, já em seus logotipos, informavam sobre sua aspiração universalista. Na primeira, um homem cuja desproporcional cabeça é um orbe terrestre, em gesto de reflexão, envolto em um universo estrelado, aparece na capa de muitos volumes; na segunda, um anjo velho com grandes asas paira sobre o globo, mirando com uma lupa para a América do Sul, ilustração inserida nas páginas de abertura, após o sumário. Tais imagens sugerem uma concepção de saber universal e, simultaneamente, de sujeito inteligente, capaz de estar além e acima do senso comum, portador de uma distinção social conferida por esse saber.

Tratar das fotografias veiculadas pelas revistas Je sais tout e Eu Sei Tudo exige refletir também sobre o uso de artefatos visuais que levaram esses magazines ilustrados a se tornarem mais atraentes aos olhos dos leitores, diferenciando-os, por exemplo, das revistas literárias também editadas nesse período. Eram as ilustrações em grande quantidade que caracterizavam esse tipo de publicação e que, muitas vezes de modo independente em relação ao texto, compunham uma outra narrativa, imagética. No caso da revista Eu Sei Tudo, as imagens veiculadas sobre a África e os africanos promoveram a reiteração de representações alicerçadas no contexto e no imaginário imperialistas, evidentes na edição francesa e que, em grande medida, foram replicadas na versão brasileira, embora numa ordem diversa daquela original.

A virada do século XIX para o XX foi um período de proliferação do uso de ilustrações, desenhos ou fotografias, pelos editores e empresas de imprensa. O intuito era atrair o leitor e conferir às revistas de variedades características próprias que funcionassem como um chamariz para a consolidação do mercado destes periódicos. Nas revistas ilustradas, portanto, deveriam ser um apelo visual para o consumo.

Para Dubois, a fotografia pode ser historicamente compreendida como “espelho do real, transformação do real ou traço de um real”. Enquanto “espelho do real”, “[...] o efeito da realidade ligado às imagens fotográficas foi a princípio atribuído à semelhança existente entre a foto e seu referente”; já como “transformação do real”, a fotografia “[...] não é um espelho neutro, mas um instrumento de transposição, de análise, de interpretação e até de transformação do real”; por fim, entendida como “traço do real”, a imagem fotográfica se diferencia de outros modos de representação porque sustenta “[...] um sentimento de realidade incontornável do qual não conseguimos nos livrar apesar da consciência para a sua elaboração” (DUBOIS, 2012, p. 26).

As imagens fotográficas compõem uma narrativa com objetivos que, embora nem sempre explícitos, produzem leituras e modos de interpretação do real. Kossoy (2009) afirma que toda fotografia contém em si realidades e ficções e que as imagens fotográficas podem ser utilizadas nos processos de construção de uma determinada realidade:

A figura fotográfica tem múltiplas faces e realidades. A primeira é a mais evidente, visível. É exatamente o que está ali imóvel no documento (ou na figura petrificada do espelho), na aparência do referente, isto é, sua realidade exterior, o testemunho, o conteúdo da figura fotográfica (passível de identificação), a segunda realidade, enfim.

As demais faces são aquelas que não podemos ver, permanecem ocultas, invisíveis, não se explicam, mas que podemos intuir; é o outro lado do espelho e do documento; não mais a aparência imóvel ou a existência constatada, mas, também e principalmente a vida das situações e dos homens retratados, desaparecidos, a história do tema e da gênese da Figura no espaço e no tempo, a realidade interior da Figura: a primeira realidade (KOSSOY, 2009, p. 131-132)

Assim, a fotografia deve ser analisada como um duplo e a partir de contextos mais amplos. No caso do uso da imagem fotográfica pela imprensa, ela simultaneamente dá a ver uma realidade quanto sugere seu modo de compreensão. Usada como prova, é também indício relativo àqueles que fizeram o registro fotográfico e o utilizaram de diferentes maneiras.

A inserção de grande número de imagens nos magazines ilustrados, portanto, pode ser compreendida a partir de diferentes vetores: a própria técnica fotográfica, a mudança nos padrões da imprensa e a ação dos fotógrafos, ora como defensores da foto documento, ora procurando marcar a autoria e um ponto de vista específico sobre a realidade. De um modo ou de outro, imagens são também uma narrativa, mais ou menos tendenciosa, de acordo com o projeto em que se inserem.

No caso da Eu Sei Tudo, nossa hipótese é a de que a revista veiculou imagens sobre a África e os africanos que se relacionavam a um discurso que buscava reforçar o dualismo entre os “civilizados” e os “não civilizados”, reproduzindo no Brasil o olhar europeu sobre suas colônias e sobre as populações desses territórios, colaborando para a produção de estereótipos e preconceitos. Como afirma Jeffrey Needel (1993) referindo-se às instituições de formação da elite na virada dos Oitocentos para o século XX, a educação era também europeização, particularmente em sua matriz francófona. É com esta perspectiva que discutiremos as imagens a seguir.

3. A ÁFRICA E OS AFRICANOS NAS PÁGINAS DA EU SEI TUDO

Na figura 1, publicada na Eu Sei Tudo em setembro de 1917, em meio à Primeira Guerra Mundial, uma mulher africana, da Senegambia - região que envolvia o que conhecemos hoje como Senegal, Gâmbia e adjacências, definida como uma unidade territorial, do ponto de vista europeu, a partir do domínio colonial-, com seus trajes costumeiros, carrega um bebê em suas costas e fala ao telefone. Na legenda, a revista procura orientar a leitura da imagem, trazendo em grandes letras a palavra “contrastes”, sugerindo a oposição entre a veste tradicional, entendida como “ausência de vestuário”, e o telefone, símbolo da modernidade e do progresso das comunicações. Além disso, o termo “preta” utilizado na legenda para se referir à mulher fotografada indica o tom da revista ao tratar de povos não europeus.

Figura 1 EU SEI TUDO, Os contrastes. Set. 1917, p. 68. 1 fotografia impressa com legenda. 

“Tratava-se, sem dúvida, de publicidade proposital, mas como toda propaganda - comercial ou política - realmente bem sucedida, só teve êxito por ter tocado um ponto sensível do público. As exposições coloniais eram um sucesso. Os jubileus, funerais e coroações britânicos eram ainda mais impressionantes porque, como os antigos triunfos romanos, exibiam marajás submissos com vestimentas preciosas - livremente submissos e não cativos. As paradas militares tornavam-se ainda mais coloridas por incluir sikhs enturbantados, rajputs bigodudos, gurkas sorridentes e implacáveis, cavalarianos argelinos e altos senegaleses negros: o mundo do que era considerado como barbárie a serviço da civilização”. (HOBSMAWM, 1988, p. 107).

As imagens e legendas publicadas pela Eu Sei Tudo produziam a oposição entre “civilização europeia” e o “primitivismo africano”, seja por critérios supostamente científicos, seja por padrões estéticos. As ilustrações buscavam caracterizar e classificar os diferentes grupos sociais e regiões, construindo uma representação social sobre os mesmos. Esta e outras fotografias veiculadas na revista acabavam por produzir um efeito semelhante àquele apontado por Hobsbawm para os grandes eventos: a distinção entre dois mundos, a justificativa da presença e domínio de um sobre o outro, a suposta gratidão do dominado que, enfim, se veria para fora de seu primitivismo, ou sua submissão à força, caso não fosse capaz de compreender o “bem” que lhe era imposto. Enfatizando a oposição entre o moderno e o primitivo, o magazine ajudava a construir olhares sobre a realidade:

A revista Eu Sei Tudo aproximou hábitos, práticas, conhecimentos, fazendo com que eles se entrecruzassem e adquirissem novos significados e novas funções, interferindo diretamente no dia a dia dos seus leitores. Por sua grande mobilidade, a revista Eu Sei Tudo foi analisada como uma revista que ajudou tanto a organizar ideias, quanto a dar sentido ao novo modo de vida que se estava delineando com a modernidade (FERNANDES, 2009, p. 58)

Muitas outras imagens do magazine, como esta da figura 1, se relacionam ao universo feminino. A revista, que apelava para esse público, como evidenciam as propagandas nela veiculadas, oferecia modelos de comportamento - modernidade, elegância, glamour - diretamente ligados à Europa, produzindo um ideal de beleza do qual as mulheres africanas eram o oposto ou uma versão bizarra.

Na próxima foto, cuja legenda informa sobre a “beleza exótica” da mulher Masar (região da Uganda, África), é retratada uma mulher negra africana sentada no chão, apoiada em um vaso que parece ser de barro, com um lenço cobrindo o busto, brincos grandes em formato de argola, muitos colares e outros adereços. A palavra “exótica” chama a atenção pois, em nenhum momento, ao publicar imagens de mulheres europeias, o termo foi utilizado. Seu emprego, portanto, sugere excentricidade, extravagância e mesmo “esquisitice”, num evidente processo de folclorização carregado de conotações pejorativas tanto mais quanto essas mulheres se afastassem da representação da beleza feminina de fenótipo europeu.

Figura 2 EU SEI TUDO, Belleza exótica - mulher Masar, região de Uganda, África. Set. 1930, p. 101. 1 fotografia impressa com legenda. 

Cumpre observar que, tanto nestes dois exemplos quanto em outros a seguir, as imagens parecem ser posadas, o que reforça essa perspectiva acerca da intencionalidade da produção de uma narrativa imagética sobre o continente e sua diversificada população. Além disso, no caso da segunda imagem, sua inserção aleatória, em meio a uma página preenchida com um texto que em nada a ela se relaciona, descontextualiza completamente a experiência e as práticas produzindo também por esse caminho o estranhamento. A descontextualização, a ausência de informações sobre determinado povo e sua cultura, a apresentação da imagem apenas como se contivesse todo o sentido, desumanizam a experiência.

É preciso sublinhar o papel da fotografia na consolidação do imperialismo. Dubois (2012) analisa como a fotografia, a partir de 1860, foi utilizada pelo discurso científico como evidência objetiva, como espelho da realidade, como verdade incontestável, como se o fotógrafo fosse apenas mero instrumento para o registro. Embora nas imagens seja notório o trabalho do fotógrafo na seleção das pessoas e situações a serem captadas pela câmera fotográfica, é possível considerar que a abundância dessas fotos, com suas legendas voltadas à produção de estranhamento, estivesse ligada àquela intenção de produzir “provas” que legitimassem a noção de duas humanidades muito distantes e de uma supostamente mais evoluída que outra.

A mesma tendência está presente na imagem publicada na edição de janeiro de 1924 numa matéria que tratava do “casamento em diferentes épocas e países”. Apesar do título, apenas cerimônias de casamentos africanos foram registradas.

Figura 3 EU SEI TUDO, O Casamento em differentes epochas e paizes. (Acima) Casamento árabe em Azizia (Tripolitania). A noiva vai mettida em um cesto amarrado nas costas de um camello. (Abaixo) Raparigas indígenas da Africa Oriental Ingleza, preparando-se para assistir um casamento. Jan. 1924, p. 47. 2 fotografias impressas com legenda. 

Nesta foto são apresentadas “raparigas indígenas da África Ocidental Inglesa preparando-se para assistir a um casamento”.

Na matéria que acompanha a imagem, lê-se:

Ainda hoje subsistem entre os povos selvagens da Africa curiosos costumes de casamento, que podem ser considerados reminiscências das que dominaram outrora nas raças primitivas. Assim os negros africanos só concebem o celibato como estado imposto forçosamente por deformidade physica ou moléstia incurável e todo aquelle que goza de saúde é obrigado a casar-se. Ao contrario do que ocorre nos países civilizados, onde as prendas moraes e a posição social preferem á beleza physica, os negros gostam da exhuberancia das formas femininas e preferem as mulheres que tenham tido alguma aventura galante, pois dizem que nada vale uma mulher se, ao chegar aos dezessete anos, nada conhecer do amor. (EU SEI TUDO, jan. 1924, p. 47)

Estão presentes no trecho diversos estereótipos produzidos sobre o continente africano e sua população, em especial acerca das mulheres africanas e sua sexualidade. O uso de termos como “selvagens”, “curiosos costumes”, “raças primitivas” enaltece a cultura europeia (“os civilizados”) ao mesmo tempo em que estigmatiza a cultura africana. A escolha desses adjetivos evidencia o tratamento dado a esta população e demonstra uma padronização verticalizada da concepção de “bons hábitos”, “gestos refinados”, beleza, boa conduta, enfim, valores estéticos, morais e características materiais tomados em conjunto como a cultura de um determinado grupo social. Além disso, ao afirmar que “subsistem no tempo presente reminiscências de outrora”, a reportagem reforça uma perspectiva evolutiva do tempo da qual os diferentes povos e suas práticas são as balizas; os africanos, no remoto tempo dos inícios e os europeus, no tempo da civilização.

Indiretamente, a matéria também acentuava um padrão de conduta feminino, estranhando a recusa ao celibato e o maior interesse por mulheres que já tivessem alguma experiência amorosa para o casamento, padrão distinto daquele que passa a vigorar em parte significativa do mundo europeu a partir do século XIX (GAY, 1988). Há um juízo de valor que atravessa os comentários e que, neste caso, contribui com o processo de construção da ideia da lascividade.

Cabe aqui uma menção sobre o uso do termo “indígena” para se referir às populações subjugadas pelo imperialismo europeu. Por meio dele, se produz a alteridade e a subalternidade dos africanos, exigência para o domínio travestido de ajuda humanitária. Abordando especificamente do domínio português sobre Moçambique, Meneses mostrou como os modos de designar transformavam as populações coloniais em:

“ [...] objectos naturais, sobre quem urgia agir, para os ‘introduzir’ na história. No caso de Moçambique, no final do século XIX, a implantação da moderna colonização insistiu e apoiou-se numa hierarquização cultural, a partir da qual emerge, com grande nitidez, a ruptura entre o ‘europeu’ e o ‘indígena’, dando azo à emergência de vários estereótipos que doravante configurariam a representação dos colonizados” (MENESES, 2010, p. 78).

Ressalta-se, por fim, em relação a esta imagem, que adornos, roupas e cabelos das mulheres são apresentados de modo a promover distanciamentos e estranhamentos. As leitoras brasileiras, possivelmente, tomando as noções de primitivo e exótico como verdades, eram orientadas pelas páginas da revista a seguirem outro modelo de conduta e de beleza. Tal como nas demais imagens e textos, a apresentação das práticas desvinculadas de seus contextos e o silenciamento dos sujeitos levam antes ao preconceito que ao conhecimento. Nada se diz, por exemplo, sobre as relações entre identidade e estética. Gomes (2002, p. 44) afirma que o uso de tranças e adereços coloridos “ilustram a estreita relação entre os negros, o cabelo e a identidade negra. A identidade negra compreende um complexo sistema estético”. Mas reconhecer a identidade seria reconhecer o outro como sujeito, o que estava bem longe de acontecer.

As imagens que circularam entre leitores brasileiros da Eu Sei Tudo a partir de seu primeiro número em 1917 foram, em grande parte, reproduzidas dos exemplares franceses que começaram a circular em 1905. Temos aqui um duplo movimento: tomadas em seus originais, tais imagens não podem ser apartadas das teorias raciais do XIX, de uma antropologia evolucionista, do nascimento da criminologia determinista e de outras ideias sobre seleção natural das espécies e determinação inegável do meio sobre o sujeito (FERLA, 2009). Em sua circulação nacional, estas imagens foram lidas num contexto de difusão do pensamento eugênico e seus discursos sobre a “pureza da raça” e os malefícios da miscigenação, utilizados para interpretar o Brasil.

Tais teses defendiam o “aperfeiçoamento” da “raça brasileira” como condição para o progresso do país, o que exigia o “embranquecimento” da população” (D’AVILA, 2006, p. 21). Eram usadas para classificar os diferentes grupos étnicos que formavam a população brasileira, a partir de sua origem, cultura, cor de pele e aparência, entre outros elementos. Esse pensamento racial de suposta matriz científica contribuía para o adensamento dos distanciamentos e conflitos entre os diferentes brasileiros e, na tentativa de criar um sentimento de pertencimento à cultura europeia, tais teorias eugênicas e ideologias racistas fortaleciam os processos de discriminação.

De certo modo, é possível afirmar que a revista colaborava para que seu leitor e/ou leitora brasileiro/a tivesse sobre seu país um olhar semelhante àquele que as potências imperialistas lançaram sobre os vastos territórios de África e Ásia, transferindo para a população negra brasileira esses mesmos estereótipos - degeneração, exotismo, primitivismo - que eram aplicados para a população africana pela revista francesa da qual a brasileira era um desdobramento.

A valorização do arquétipo europeu também se dava, no sentido do avesso, pela retratação de práticas culturais diversas como incultas, selvagens e primitivas. Márcia Yumi Takeuchi (2016), trabalhando com um amplo conjunto de revistas ilustradas cariocas e paulistas, mostrou como os japoneses eram retratados em textos e imagens, destacando o fato de que eram apresentados como o contrário dos caminhos eugênicos que o Brasil deveria seguir, tema também constante desses magazines, asseverando que a iconografia teve um papel fundamental na construção de uma imagem estereotipada do imigrante japonês, entre “gueixas e samurais”, como intitula seu trabalho. Assim, num contexto de difusão de imagens da nação entre o perigo da imigração não seletiva e o “necessário” embranquecimento da população, tais revistas dirigiam mensagens bem claras aos seus leitores.

Este parece ser também o caso da próxima imagem, novamente uma cena de casamento, publicada pela Eu Sei Tudo em 1931 que, ao circular pelo mundo ocidental apartada dos contextos em que ganha sentido, destituída dos afetos e relações sociais que levaram ao matrimônio, tende a desumanizar o casal e a produzir uma folclorização do rito.

Figura 4 EU SEI TUDO, Um casamento na Zululandia. Jan. 1931, p. 49. 1 fotografia impressa com legenda. 

O cenário da imagem, como aliás em muitos retratos, feitos com as pessoas pisando os terrenos naturais, assim como o uso do termo “selvagem” são estratégias para a reiteração do atraso e do primitivismo. A um casamento a céu aberto, consagrado pelo espírito dos antepassados, com os noivos parcialmente vestidos, se contrapunha o clássico casamento ocidental, com seus vestidos e ternos, igrejas e autoridades, novamente fazendo da alteridade, desigualdade e justificativa para a submissão.

Há, ainda, a exposição constante dos corpos nus ou quase nus, objetificados pelas lentes e ações do dominador (STREVA, 2016). Não raras vezes, esse corpo nu é exposto em meio à natureza, à fauna e à flora, deste modo sendo-lhe sequestrada a humanidade e a própria historicidade. O espaço “selvagem” e a abolição da temporalidade fortaleciam essa ideia de uma humanidade primeira à espera de sua evolução. Num país em que, a partir dos anos 1910 e estendendo-se pelas décadas seguintes, a discussão sobre a eugenia e a defesa da “purificação” da raça se intensificam, é de se supor que a circulação de tais imagens promovesse o fortalecimento dos estereótipos e do preconceito na associação entre África e América.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As fotografias relativas ao mundo africano e suas populações foram frequentes nas páginas da Eu Sei Tudo. Todavia, apesar dessa presença, levavam mais ao silenciamento das culturas africanas que a seu reconhecimento, caracterizando os africanos como grupo desprovido de beleza, de “bons modos”, “civilidade” e “progresso”. Não somente os gestos e costumes europeus eram impostos, mas uma estética europeia, considerando cor dos olhos, formato de nariz, tamanho dos lábios e textura do cabelo, entre outros aspectos. Segundo Carvalho (2008, p 2), “para culminar a dominação europeia, seus próprios corpos passaram a indicar, por coerção e rendição, as características físicas da raça humana superior”.

É inegável que este tipo de pensamento está presente ainda hoje:

O processo de aprendizagem do racismo é amplamente discursivo, isto é, baseado na conversação e no contar de histórias diárias, nos livros, na literatura, no cinema, nos artigos de jornal, nos programas de TV, nos estudos científicos entre outros. Muitas práticas de racismo cotidiano, tais como as formas de discriminação, podem até certo ponto ser aprendidas pela observação e imitação, mas até mesmo estas precisam ser explicadas, legitimadas e sustentadas discursivamente de outro modo [...] (VAN DIJK, 2008, p. 15)

Esse ideal de branquidade e o estabelecimento de hierarquias socioculturais estiveram presentes nos periódicos da grande imprensa, em particular nas revistas ilustradas, elas próprias oriundas de uma imprensa “moderna”. A Eu Sei Tudo contribuiu com a produção e transmissão de imagens estereotipadas acerca de homens, mulheres e tradições culturais das variadas regiões e países africanos. Com frequência, aparecem nas edições deste magazine mulheres africanas apresentadas entre o atraso, a curiosidade e o folclórico, sublinhando suas diferenças em relação às mulheres brancas ocidentais. Os registros produzem a visão do exótico, despertando curiosidade, mas raramente conhecimento ou respeito.

Infelizmente, não é possível afirmar que esse imaginário social tenha de todo desaparecido. Revistas de variedades, ainda hoje, exibem regiões e países africanos a partir da exuberância de sua natureza, animais selvagens, árvores grandiosas e safaris pelas savanas. Apesar da emergência dos estudos pós coloniais e das críticas aos tradicionais modos de se contar a história dos territórios dominados pelas potências europeias, do esforço para que possamos romper com uma história única que legitima e naturaliza o domínio de alguns sobre muitos (BHABHA, 1998; MENESES, 2009; SANTOS, 2009), grande parte do que foi estabelecido durante o colonialismo ultrapassou o tempo daquele domínio e persiste no presente. Ao tratar do discurso colonial, Homi Bhabha (1998, p. 106) afirma que o estereótipo é seu principal elemento e que este possui uma ambivalência que lhe confere validade, assegurando “sua repetitividade em conjunturas históricas e discursivas mutantes”. A persistência de representações e imaginários sociais tais como esses que ocuparam as páginas da Eu Sei Tudo tanto indica o peso das heranças coloniais quanto comprova a necessidade de que essa história seja revisitada, especialmente a partir de um olhar dos próprios sujeitos sobre esses movimentos ou, como coloca Robert Slenes (2010), na perspectiva do descentramento.

O que tentamos aqui foi mostrar o quanto um modo de educação levado a cabo por esses impressos que se autodenominavam enciclopédicos e por seus editores foi poderoso na produção e difusão internacional desses estereótipos. E não o fazemos, evidentemente, para sua reiteração mas sim para dizer da importância do reconhecimento dos processos históricos que lhes deram vigor e que, revistos, podem também lhes arrefecer. Certamente que a obrigatoriedade do estudo da cultura africana e afro-brasileira, definida pela Lei 10.639/03, muito pode contribuir com esse processo de descentramento. Entretanto, como sugerimos aqui, outros espaços e práticas de leitura não escolares foram responsáveis pela produção do preconceito e, tanto quanto a escola, esperam por sua revisão.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 19 de Abril de 2019; Aceito: 15 de Agosto de 2019

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Alexandre Ribeiro e Silva. E-mail: alexandrerib@usp.br

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