SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número2LA TIRANÍA DE LO VISIBLE Y SUS IMAGINACIONES GEOGRÁFICAS: SOBRE UM ARCHIVO CINEMATOGRÁFICO EN LA ESCUELAUNA PELÍCULA EN LA MANO Y UN REAL EN LA CABEZA: EL CINE EN LA CULTURA VISUAL DE LOS PROFESORES DE GEOGRAFÍA ARGENTINOS índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.23 no.2 Campinas abr./jun 2021

https://doi.org/10.20396/etd.v23i2.8661488 

Dossiê

O MISTÉRIO DAS COMÉDIAS ENTRE O CINEMA E A ESCOLA PERGUNTAS DE PESQUISA ÀS RESPOSTAS DOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA

EL MISTERIO DE LAS COMEDIAS ENTRE CINE Y ESCUELA PREGUNTAS DE INVESTIGACIÓN A LAS RESPUESTAS DE LOS PROFESORES DE GEOGRAFÍA

Wenceslao Machado de Oliveira Junior1 

1Doutor em Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, SP - Brasil. Professor (Livre Docente) - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, SP - Brasil. Pós-doutorado no Departamento de Geografia da Universidade do Minho. Minho, Portugal. Editor da Revista Educação Temática Digital -ETD. E-mail: wenceslao.oliveira@gmail.com


RESUMO

O texto parte da pergunta “Onde estão as comédias?”, feita aos resultados da pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”, realizada entre 2016 e 2019 para mapear as relações entre professores de geografia e cinema, tendo em vista atuar nos processos de regulamentação da lei 13.006/14, que torna(ria) obrigatória a exibição de duas horas de cinema nacional nas escolas brasileiras. As perguntas e os resultados aqui expostos buscam revelar parcelas da cultura docente evidenciada nas respostas aos questionários, bem como questionar as próprias respostas, uma vez que os números tabulados das preferências docentes, cruzados com os títulos de filmes exibidos na escola, apontam para o quase desaparecimento das comédias de entre os filmes brasileiros mais exibidos nas escolas, a despeito de serem elas um dos gêneros preferidos dos professores que participaram da pesquisa. Ao longo do texto, busca-se dar pistas para responder à pergunta original, bem como inventar novas perguntas à cultura docente expressa nos resultados.

PALAVRAS-CHAVE Cultura docente; Comédia cinematográfica; Cinema; Ensino de geografia; Pesquisa

RESUMEN

El texto parte de la pregunta "¿dónde están las comedias?" realizada a los resultados de la investigación 'Pantallas escolares: cine y profesores de geografía', realizada entre 2016 y 2019 para mapear las relaciones entre profesores de geografía y cine, con miras a actuar en los procesos regulatorios de la ley 13.006 / 14, que hace(ria) obligatorio exhibir dos horas de cine nacional en las escuelas brasileñas. Las preguntas y resultados aquí presentados buscan exponer porciones de la cultura docente evidenciada en las respuestas a los cuestionarios, así como cuestionar las propias respuestas, ya que los números tabulados de las preferencias docentes cruzadas con los títulos de las películas proyectadas en la escuela apuntan a la casi desaparición de las comedias entre las películas brasileñas más proyectadas en las escuelas, a pesar de ser uno de los géneros preferidos de los profesores que participaron en la investigación. A lo largo del texto, buscamos dar pistas para responder a la pregunta original, así como intentamos inventar nuevas preguntas a la cultura docente expresada en los resultados.

PALAVRAS-CLAVE Cultura docente; Comedia cinematográfica; Cine; Enseñanza de la geografía; Investigación

ABSTRACT

The text starts with the question: ‘Where are the comedies?’, which was made based on the results of the research ‘School screens: cinema and geography teachers’ held between 2016 and 2019 seeking to map the relationships between geography teachers and cinema. It wishes to make a move towards the processes of regulation of the law 13.006/14 that makes compulsory a two-hour film screening of national cinema monthly in Brazilian schools. The questions and results presented here attempt to show fragments of the teaching culture evidenced in the responses to the questionnaires. It also raises doubts over such responses since the sorted number of teaching preferences crossed with the titles of films shown at schools point to the almost disappearance of comedies, despite the fact that they are one of the favorite genres of teachers who participated in the research. Throughout the text, it is attempted to provide clues to responses to the original question as well as invent new questions to teaching culture shown in the results.

KEYWORDS Teaching culture; Cinematographic comedy; Cinema; Geography teaching; Research

1 INTRODUÇÃO: O CONTEXTO DE PESQUISA

A Rede Internacional “Imagens, Geografias e Educação” desenvolve, desde 2009, pesquisas e escritos2 em que o cinema é uma das imagens enfocadas, mas somente em 2016, com a possibilidade aberta pela publicação da lei brasileira 13.006/14, desencadeou uma pesquisa comum a todos os seus polos em torno das relações entre o cinema e o ensino de geografia.

A pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia” foi desenvolvida pela citada Rede, com o intuito de qualificar o processo de regulamentação da referida lei3 a partir da valorização da própria cultura docente já existente, em termos tanto de práticas educativas vigentes quanto de expectativas escolares relativas às múltiplas conexões entre cinema e escola. Essa pesquisa visou, a um só tempo: a) realizar uma mirada mais ampla – regional e quantitativamente falando – em torno de uma base de dados comum, alimentada pela aplicação de um questionário-entrevista4 com professores de geografia em todos os polos da Rede e b) disponibilizar pesquisas diversificadas – qualitativamente falando –, realizadas a partir de cada um de seus polos, resguardando suas diferenças.

Os questionários-entrevistas foram aplicados simultaneamente em diversos locais onde a Rede tem seus polos, dentro dos ritmos e das parcerias que cada pesquisador ou grupo de pesquisa estabeleceu com as redes de ensino locais ou regionais. Foi elaborado um único instrumento de investigação: um questionário-base com 16 perguntas, entre abertas e fechadas, o qual, até o momento, foi aplicado a 136 professores do Brasil, a 60 professores da Colômbia, a 32 professores da Argentina e a 1 professor do Uruguai.

Neste artigo nos deteremos apenas sobre os dados relativos ao Brasil.

Antes, porém, é importante salientar que a referida pesquisa não visou apontar modos de utilização e instrumentalização do cinema e seus filmes pelos professores, mas sim indicar as múltiplas maneiras como os professores são atravessados pela cultura cinematográfica em sua formação. Acreditamos que é desse atravessamento pelos filmes que eles extraem relações e usos também múltiplos, mediados por forças tão díspares quanto os currículos e os conteúdos disciplinares, seu sexo-gênero e sua idade, o tempo de docência e a universidade onde cursaram licenciatura, seu acesso às mídias de massa e aos festivais, bem como seu acesso à produção nacional e estrangeira de filmes, seus gostos e preferências individuais por gêneros cinematográficos, tais como os dramas, os documentários e as comédias.

Cada professor é atravessado de maneira distinta por essas forças, e foi exatamente devido a este amplo conjunto de forças que atua nas relações entre filmes e professores que, logo nas primeiras tabulações das respostas ao questionário da pesquisa, ainda em 2017, nos surgiu a pergunta que deu origem a estes escritos: “Onde estão as comédias?”. A pergunta seguiu ressoando desde então, tendo operado como articuladora da apresentação realizada em evento científico de ampla participação, em julho 20175, e em evento interno da Rede Internacional “Imagens, Geografias e Educação”, em julho 20206. Este texto, portanto, é resultado de um processo ainda não finalizado de nosso foco em uma ausência que reverbera nas escolhas docentes. Como notará o leitor, aqui elencaremos algumas possibilidades de respostas para a pergunta original, mas certamente ele encontrará no artigo muitas outras perguntas desdobradas dela.

Afinal, fazer perguntas para as respostas foi a intenção principal da pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”, de modo a encontrar pistas para seguir formulando outras perguntas que nos aproximem não de “modos ideais” de instrumentalizar os filmes nacionais para ensinar geografia, mas sim das práticas e das expectativas docentes nas relações que eles já estabelecem entre o cinema brasileiro e a escola, bem como auxiliem esses professores a encontrar suas próprias respostas... e outras perguntas para enfrentarem as forças que os atravessam e modulam suas preferências pessoais e escolhas educativas.

2 ONDE ESTÃO AS COMÉDIAS?

Na Wikipédia, comédia cinematográfica seria “[o] filme cômico, que se caracteriza pela inclusão de gags, pilhérias ou brincadeiras, tanto visuais como verbais, [e] começou sua existência praticamente no início desta arte”7. No entanto, esta definição é facilmente relativizada pela variedade de tipos de comédia que a história do cinema inventou, seja no mundo, seja no Brasil, onde este gênero cinematográfico sempre teve um certo destaque. Por exemplo, também na Wikipédia podemos ler que “o primeiro filme sonoro brasileiro é a comédia ‘Acabaram-se os otários’ (1929), de Luiz de Barros”8, e o Dicionário de teatro afirma que a comédia é “uma das formas principais do drama, que enfatiza a crítica e a correção através da deformação e do ridículo. O efeito principal é provocar o riso” (VASCONCELLOS, 1986).

No contexto brasileiro, a pornochanchada foi

[...] classificada como comédia erótica na época de seu lançamento, e como comédia popular urbana ou comédia de costumes estas comédias do cotidiano chegaram mesmo a ser equiparadas ao filme pornográfico, devido à liberdade em mostrar nus parciais femininos e masculinos e à insinuação à sexualidade. A bem da verdade, ninguém nunca definiu realmente o que foi nem como foi a pornochanchada. Assim, vamos tratar, aqui, de examiná-la associando-a ao gênero comédia e destacando seu caráter popular dentro da cultura brasileira.

(SELIGMAN, 2004, p. 2, destaques do original).

Para os fins desta pesquisa, não necessitamos definir precisamente a comédia cinematográfica, mas sim apontar a dificuldade em classificar um filme como pertencente a este gênero, uma vez que provocar o riso pode ser o mote principal de um filme, mas pode também ser apenas um de seus aspectos, podendo o riso ser minoritário na duração do filme, mas de forte intensidade na memória do espectador-professor.

Independente desta elástica condição dos filmes de comédia, nos resultados empíricos da pesquisa notamos o misterioso desaparecimento delas entre os filmes utilizados pelos professores, a despeito de assistirem a muitas comédias no cinema, na televisão e na internet. Este “estranhamento bom” nos levou a fazer as muitas perguntas que circulam por este artigo àquilo que poderia ser entendido somente como resistência ao riso pela “séria” cultura escolar brasileira.

Foi pelos caminhos abertos pelos números que a pergunta nos chegou: “Onde estão as comédias?”. Os números tabulados das preferências docentes, cruzados com os nomes de filmes exibidos na escola, nos chamaram a atenção para o desaparecimento das comédias no percurso entre as telas das salas de cinema e as telas das salas da escola, uma vez que os resultados da pesquisa mostram que este gênero cinematográfico está entre os preferidos dos professores – que assistem a muitas comédias brasileiras –, mas encontra-se quase ausente entre os filmes nacionais que eles exibem – ou desejam exibir – na escola.

Nas respostas às questões 15, “Que filmes brasileiros você já utiliza na escola?” e 16, “Quais outros filmes brasileiros você gostaria de utilizar?”, somente aparecem 8 filmes que poderiam enquadrar-se no gênero da comédia cinematográfica. São eles: O auto da compadecida (ARRAES, 2000), Narradores de Javé (CAFFÉ, 2004), O homem que copiava (FURTADO, 2003), Lisbela e o prisioneiro (ARRAES, 2003), O palhaço (MELLO, 2011), O concurso (VASCONCELOS, 2013), Domésticas (OLIVAL; MEIRELLES, 2001) e Saneamento básico (FURTADO, 2007)9. No conjunto de quase 200 filmes nacionais citados nos questionários, somente 3 teriam relações com a comédia cinematográfica, por terem memoráveis cenas divertidas: Que horas ela volta? (MUYLAERT, 2015), Estômago (JORGE, 2008) e A máquina (FALCÃO, 2005).

Ainda que a questão 15 se relacione diretamente com a questão 11 “Quais filmes você usa para trabalhar quais conteúdos ou temas de geografia?” (Quadro 1), este restrito número de 5 comédias brasileiras não se repete em ambas, havendo coincidência apenas de 2 delas (justamente as mais citadas) e o acréscimo de outros 4 filmes do gênero, totalizando 12 comédias cinematográficas de produção nacional citadas no conjunto de questionários, acrescidas de 3 filmes classificados como “drama/comédia”.

Quadro 1 Somatória das citações, na Questão 11, de todos os filmes de cada gênero cinematográfico 

Total por gênero %
Total 486 100
Drama 238 49
Documentário 115 24
Comédia 45 9
Ação 23 5
Animação 21 4
Ficção científica 17 3
Desconhecido 15 3
Aventura 8 2
Faroeste 2 - de 1
Suspense 2 - de 1

Fonte: tabulação de resultados pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”

Os resultados no Quadro 1 não são somente os dos filmes nacionais, e é importante explicitar que o mais citado de todos foi uma comédia, Tempos modernos (CHAPLIN, 1936), com 20 citações dos professores. O segundo maior número de citações foi 9, para Adeus, Lenin (BECKER, 2003) e O auto da compadecida, tendo o filme Narradores de Javé obtido 7 citações. As demais 13 comédias citadas tiveram 1 ou 2 citações apenas. Mas é importante apontar, para o escopo deste artigo, que 5 delas são de produção brasileira: Cinco vezes favela (FARIAS e outros, 1962), Tapete vermelho (PEREIRA, 2006), Colegas (GALVÃO, 2013), O concurso (VASCONCELOS, 2013) e filmes do Mazzaroppi (sem indicação de um filme específico).

3 O GOSTO PELAS COMÉDIAS

Se é verdade que, como apontado no parágrafo anterior, mais da metade das citações de uso de comédias relacionado a conteúdos e temas geográficos são para 2 filmes estrangeiros, as comédias nacionais compõem quase a metade dos títulos citados no gênero. Esse conhecimento sobre as comédias produzidas no Brasil se destaca também na questão 4, “Gosta de cinema brasileiro? Cite alguns filmes brasileiros que viu”, uma vez que foram citados 197 filmes nacionais, sendo 50 deles do gênero comédia, o que corrobora os resultados da questão 3, voltada diretamente para o mapeamento da relação entre gosto pessoal dos professores e gêneros cinematográficos:

  • 3. Gosta de cinema? Sim ( ) – Não ( )

  • Quais os tipos de filmes você prefere assistir? (Marque quantas opções forem necessárias, indicando a ordem de importância 1, 2, 3, 4...)

  • ( ) Ação ( ) Animação ( ) Bíblico ( ) Comédia ( ) Documentário

  • ( ) Drama ( ) Guerra ( ) Musical ( ) Policial ( ) Western

  • ( ) Outro. Quais? ___________________________________________________________________

Os resultados obtidos entre professores brasileiros apontam as comédias em um lugar de destaque.

Quadro 2 Que gênero de filmes prefere ver no cinema? (primeira preferência) 

Ação – 32
Animação – 6
Comédia – 11
Documentário – 29
Drama – 16
Guerra – 7
Musical – 1
Policial – 2
Religioso – 0
Western – 1

Fonte: tabulação de resultados pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”

Ação, documentário, drama e comédia tiveram, juntos, bem mais de dois terços da preferência cinematográfica dos entrevistados10. Ação e documentário tiveram praticamente o mesmo número de indicações, e o gênero drama teve bem menos indicações, ficando pouco acima do gênero comédia, que obteve cerca de 10% das indicações.

Mas, tendo em vista que nossos gostos cinematográficos não se excluem, seguimos um pouco mais com as preferências indicadas pelos professores brasileiros na questão 3 e apresentamos a seguir os Quadros 3 e 4, com as indicações para segunda e terceira preferências, uma vez que elas alteram, para cima, a posição das comédias indicadas na primeira opção:

Quadro 3 Que gênero de filmes prefere ver no cinema? (segunda preferência) 

Ação – 12
Animação – 19
Comédia – 24
Documentário – 20
Drama – 14
Guerra – 6
Musical – 3
Policial – 6
Religioso – 1
Western – 0

Fonte: tabulação de resultados pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”

Quadro 4 Que gênero de filmes prefere ver no cinema? (terceira preferência) 

Ação – 10
Animação – 9
Comédia – 16
Documentário – 25
Drama – 5
Guerra – 16
Musical – 3
Policial – 2
Religioso – 6
Western – 2

Fonte: tabulação de resultados pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”

Ao mirarmos os números dos Quadros 2, 3 e 4, notamos que o gênero “documentário” se destaca dos demais. No total, 74 professores, entre os 105 que efetivamente responderam essa questão, têm nos documentários uma de suas predileções cinematográficas. Isso significa que quase dois terços dos entrevistados brasileiros dedicam tempo e atenção para esse gênero do cinema11.

Retomando a questão das comédias, a soma das citações dos Quadros 2, 3 e 4 nos mostra que elas têm quase o mesmo número de indicações, 51, que os filmes do gênero “ação”, 54, se considerarmos até a terceira preferência entre os professores brasileiros12.

Tomando como referência as respostas dos professores à questão 7, a seleção de filmes que levam para assistir na escola tem como critério importante “ter visto e gostado”.

  • 7. Como seleciona os filmes que exibe na escola? (Marque quantas opções forem necessárias, indicando a ordem de importância 1, 2, 3, 4...):

  • Entre os que você viu e gostou ( )

  • Entre os compartilhados por professores em redes sociais ( )

  • Por indicação direta de outro professor ( )

  • Por indicação dos alunos ( )

  • Por ter lido em algum material sobre o filme ( )

  • Em alguma reunião na escola ( )

  • Outro ( ) Qual? ___________________________________________________________________

O primeiro dos parênteses, “Entre os que você viu e gostou”, teve 73 marcações como primeiro critério de seleção; e 26 como segundo. Dois terços do total dos professores que efetivamente responderam essa questão. Foi, de longe, o critério mais indicado, uma vez que o segundo mais indicado, “Por ter lido em algum material sobre o filme”, teve, respectivamente, 37 e 16 indicações, um número bastante próximo do obtido pelo terceiro critério mais utilizado, “Por indicação direta de outro professor”, só que invertido em termos de prioridade, 5 e 34 indicações. Somente como quarto critério apareceram as redes sociais, com 4 e 15 indicações, como primeiro e segundo critérios utilizados pelos professores para escolher os filmes que utilizarão em suas atividades com os estudantes.

3 DESENCONTRO ENTRE O QUE SE DIZ E O QUE SE FAZ?

Pois bem, se os professores brasileiros gostam tanto de comédias e se o principal critério de escolha de filmes a serem exibidos na escola é esse gostar, por que tão poucas comédias são listadas entre os filmes que eles já exibem e, mais significativo, a nosso ver, entre os filmes que gostariam de exibir na escola?

Esta pergunta se torna ainda mais relevante, se olhamos os resultados das respostas para a questão 4 (Quadro 5), onde perguntamos “Gosta de cinema brasileiro? Cite alguns filmes brasileiros que viu”. Neles a desconexão entre o número de comédias efetivamente utilizadas em aulas de geografia e o número de filmes deste gênero assistido pelos professores fica ainda mais surpreendente, uma vez que este segundo resultado é quase cinco vezes maior que o número de comédias de fato presentes nas aulas de geografia.

Quadro 5 Somatória das citações, na Questão 4, de todos os filmes de cada gênero cinematográfico 

TOTAL POR GÊNERO %
DRAMA 313 50
COMÉDIA 147 23
AÇÃO 113 18
DOCUMENTÁRIO 41 6
RELIGIOSO 6 1
ANIMAÇÃO 5 1
POLICIAL 3 - de 1
AVENTURA 2 - de 1
DESCONHECIDO 2 - de 1
FICÇÃO CIENTÍFICA 1 - de 1
TOTAIS 633 100

Fonte: tabulação de resultados pesquisa “As telas da escola: cinema e professores de geografia”

Quase um quarto dos filmes lembrados pelos professores foram comédias, conforme mostra o Quadro 5. Entre elas, as mais citadas foram O auto da compadecida (ARRAES, 2000) e Que horas ela volta? (MUYLAERT, 2015), com 46 e 38 citações (a soma delas sendo mais da metade do total), respectivamente, seguidas de O palhaço (MELLO, 2011), com 12 citações; Lisbela e o prisioneiro (ARRAES, 2003), com 11 indicações; e Tapete vermelho (PEREIRA, 2006), com 8 citações. As outras 45 comédias listadas tiveram poucas citações, sendo que 33 delas tiveram uma única citação, entre elas o filme Saneamento básico, uma comédia cujo título remete explicitamente para um tema curricular do ensino de geografia.

O que desejamos destacar com estes números é a enorme concentração em torno de poucos filmes em um universo de conhecimento bastante amplo. Em outras palavras, a despeito de os professores, no conjunto, indicarem conhecer mais de 50 comédias distintas, a maioria delas é conhecida por apenas um ou poucos professores. Estes dados estariam a indicar não apenas a importância de maior permeabilidade entre a produção cinematográfica brasileira e os professores, mas também a coincidência, pelo menos no que tange às comédias13, entre o que é visto na sala de cinema e o que é assistido na sala de aula.

Estariam os professores escolhendo os filmes também com o intuito de manter os estudantes atentos e “agradados”, levando a eles um tipo de filme a que eles já estão acostumados e até mesmo já teriam assistido no cinema ou na televisão? Se assim fosse, as comédias estariam muito mais presentes nas aulas de geografia.

Trazemos aos leitores alguns indicativos de que o gostar de comédias não é restrito aos professores, pelo menos no Brasil.

Na curta matéria (CARMELO, 2017) “Retrospectiva 2016: as 20 maiores bilheterias do cinema brasileiro”, o primeiro subtítulo é “Muitas comédias, algumas biografias e um mistério bíblico em primeiro lugar”, o que revela a grande distinção entre as preferências do público brasileiro em geral e as preferências dos professores de geografia apontadas anteriormente. Se, entre os professores, documentário e ação são preferidos, entre o público geral as comédias são lideranças absolutas; por isso, podemos ler: “Sem surpresas, os melhores resultados vieram das comédias populares, com uma parcela importante de comédias infantis (Carrossel 2 e É fada)”. Na lista dos 20 filmes mais vistos em 2016 no Brasil estão outras 7 comédias voltadas para o público adulto, além das duas comédias infantis citadas explicitamente no trecho acima.

O mesmo site traz a “Retrospectiva 2019: as 20 maiores bilheterias do cinema brasileiro” (ALOI, 2019), em que novamente se destacam as comédias: 7 para o público adulto e 2 para o público infantil, entre as 20, e temos 4 comédias entre as 5 maiores bilheterias do ano.

Crianças e adultos afluem aos milhares para rir diante das telonas brasileiras. Certamente muitos desses adultos são professores e muitas dessas crianças, estudantes de nossas escolas. Por que, então, as comédias não estarem também mais presentes nas escolas? Estariam os professores resistindo (cientes ou não) a que seja capturado aquilo que sobra como uma das poucas oportunidades de desligarem-se do trabalho? Ou seja, resistem à pedagogização de sua “folga”?

Talvez o motivo esteja na frase que um dos professores deixou como resposta à questão 16: “Não tenho muito conhecimento de filmes brasileiros para usar em sala de aula. Os filmes brasileiros que conheço são mais de entretenimento”. Esta frase nos parece trazer algo do pensamento docente em relação ao cinema brasileiro, uma vez que são raros os filmes de grande bilheteria no conjunto de filmes citados pelos professores no questionário. E isto é especialmente verdadeiro para o tipo de comédia em que a maioria das grandes bilheterias se encaixa: a chamada ‘comédia de costume’, “a crítica humorística do cotidiano” (SELIGMAN, 2004, p. 6), aquela que “tem sido vista e estudada quase sempre como um gênero fácil, intimamente ligado ao seu tempo histórico (a contextualização e a identificação são uns dos fatores predominantes na aceitação do texto cômico), popular e menor” (p. 3).

As poucas ‘comédias de costume’ – filmes como Minha mãe é uma peça (PELLENZ, 2013), Colegas (GALVÃO, 2013) ou O concurso (VASCONCELOS, 2013) – que aparecem citadas, o foram por um único professor. As comédias que “furam” este cerco e são indicadas por vários professores não se enquadram como ‘comédias de costume’ e adentram as salas da escola amparadas em conteúdos geográficos, como O auto da compadecida e suas “características nordestinas” ou Narradores de Javé e suas “fontes de recursos, diversidade cultural e gestão pública” (POLICASTRO, 2020, p. 74 e p. 77, respectivamente).

Esta distinção entre os tipos de comédia e a escolha docente de umas e não de outras para serem utilizadas na escola mostra que o poder de divulgação das distribuidoras de filmes e as indicações dos livros didáticos são modulados pelo entendimento dos professores de que as imagens do cinema educam por si mesmas. Camila Policastro (2020, p. 13) aponta que

é importante pensar em como as imagens estruturam os conhecimentos geográficos e viabilizam seu entendimento. Porém, não só isso, pois também temos de levar em consideração que as imagens e a forma como elas são reproduzidas em nossa disciplina garantem certa mirada em detrimento de outra; mostram e, por consequência, escondem outras miradas, outras noções daquilo que é dito real, moldando as noções de mundo que acessamos pelo olhar.

Talvez este seja o motivo da quase ausência das ‘comédias de costume’ nas citações dos professores – elas ensinariam a fazer a crítica humorística do cotidiano escolar? – e o motivo de Lisbela e o prisioneiro não ter sido citado na questão 11 por nenhum professor, a despeito de ter sido lembrado por eles na questão 4. Seria este filme considerado uma ‘comédia de costume’ e, portanto, entendido como mero entretenimento – e, como tal, ter sido vedada a sua utilização escolar? A despeito disso, é bom lembrar que ele aparece, ainda que uma única vez, na questão 16, entre os filmes que os professores desejam utilizar14.

4 FILMES COMO AMPLIAÇÃO CULTURAL

Se voltarmos novamente aos resultados da pesquisa, há uma outra pista para a ausência das ‘comédias de costume’ e para a pouca presença das comédias nas escolhas docentes, de modo geral. Apoiados nos resultados tabulados por Policastro (2020, p. 35) para a questão 10, “Quais os motivos que levam você a passar filmes na escola?”, 48% dos professores escreveram o número 1 no primeiro par de parênteses, mais que o dobro dos 23% que marcaram o número 1 nos parênteses em “Porque se vincula a algum conteúdo específico de geografia”, indicando que o motivo mais frequente para utilizar filmes na escola é “porque o cinema é uma maneira de ampliação cultural dos alunos”.

  • 10. Quais os motivos que levam você a passar filmes na escola? (Marque quantas opções forem necessárias, indicando a ordem de importância 1, 2, 3, 4...):

  • Porque o cinema é uma maneira de ampliação cultural dos alunos ( )

  • Porque é um momento de entretenimento para os alunos ( )

  • Porque você gostou e quer que seus alunos também o vejam ( )

  • Porque traz um conhecimento importante, mesmo que desvinculado da geografia ( )

  • Porque é um momento de descanso para você ( )

  • Porque o cinema amplia a sensibilidade artística ( )

  • Porque o cinema amplia a sensibilidade crítica ( )

  • Porque é um filme brasileiro e, como tal, auxilia a conhecer o Brasil ( )

  • Porque se vincula a algum conteúdo específico de geografia ( )

  • Outros motivos:________________________________________________________________________

Poderiam esses percentuais nos indicar, talvez, que os professores não levam comédias para a escola porque sabem que seus alunos assistem a esse gênero de filmes fora dela? Essa suposição faz sentido, pois, quando se busca ampliar a cultura dos estudantes15, é mesmo pertinente não passar na escola aquilo que já é visto fora.

Importante notar que o cinema e seus filmes não são tomados exclusivamente como fontes privilegiadas para o acesso a certos conteúdos geográficos, mas sim como ampliação cultural que extrapola estes conteúdos, e é também interessante notar que 10% dos professores tomam o filme como uma possibilidade de aumento da ‘sensibilidade crítica’, talvez a nos indicar motivos que os levam a desconsiderar os filmes entendidos como mero entretenimento como ampliação cultural dos estudantes. Por outro lado, 1% dos professores marcaram os parênteses em que o filme “é um momento de entretenimento para os alunos”16.

Por fim, trazemos aqui o fato de que nenhum professor colocou o número 1 diante de “Porque é um filme brasileiro e, como tal, auxilia a conhecer o Brasil”. Isto nos provocou outro “estranhamento bom”, e algumas perguntas, tais como “quando um filme pode ser tomado como um conteúdo geográfico de um país?”, “a maior parte dos professores que participaram da pesquisa não dão aulas para o sétimo ano, onde se concentram os conteúdos sobre Brasil?”, “seria esta uma pergunta redundante, já contida em outra, relativa ao “conteúdo específico de geografia”? Perguntas que buscam respostas imprevistas, e uma conclusão, talvez apressada: para os professores de geografia uma das apostas da lei 13.006/1417, ao recortar a obrigatoriedade aos filmes nacionais, não se confirma, uma vez que a escolha de filmes não se relaciona com mostrar o Brasil para os brasileiros.

5 EM MEIO A OUTRAS, TANTAS, PERGUNTAS

Ao percorrer respostas dos mais de 130 professores brasileiros para várias questões levantadas pela pesquisa, uma conclusão nos parece clara: não há uma única cultura docente que medeie as relações entre os professores de geografia e os filmes. Ainda que possamos notar alguns padrões predominantes, nenhum deles ultrapassa 50% dos professores. Esta nos parece ser uma pista que abre a necessidade de olhar com mais cuidado para os dados por cidades, para verificar, por exemplo, se esta variação está relacionada a situações regionais ou mesmo a formações universitárias específicas – ou se elas se relacionariam muito mais às concepções de educação e (ensino de) geografia que atravessam cada um desses professores em suas escolhas fílmicas para as telas da escola. Ou ainda se elas sofrem algum tipo de mediação do sexo-gênero ou do tempo de docência, do (não) acesso às mídias de massa e aos festivais, do (não) acesso à produção nacional e estrangeira de comédias cinematográficas.

Conforme apontamos desde o início desse artigo, cada professor é atravessado de maneira distinta pelas múltiplas forças que atuam em suas escolhas de quais filmes selecionar para compor sua atuação docente. Entendemos que não há um “modo ideal” de realizar essa composição entre cinema e educação, entre filmes e ensino de geografia, mas sim que há como identificar as forças que têm sido mais marcantes para tornar presentes na escola alguns filmes e alguns gêneros cinematográficos.

Neste artigo optamos por colocar o foco nas ausências, naquilo que não foi incluído de maneira intensa nas respostas aos questionários – neste caso, as comédias –, seja porque está no extracampo cultural, seja porque a inclusão desses filmes na cena educativa poderia criar ruídos ou desvios não desejados por uma perspectiva de educação e de (ser) professor e/ou por uma perspectiva da geografia (escolar).

Talvez o que esteja mediando fortemente a ausência das comédias nas escolhas docentes seja um determinado modo de organizar o trabalho com o pensamento (e o mundo) nas atividades educativas, por meio de contradições dicotômicas (nós/eles; centro/periferia/; ricos/pobres; desenvolvidos/subdesenvolvidos; rural/urbano), o que dificulta, ou mesmo impede, que as imagens atravessadas pela ironia e pelo riso – as imagens das comédias – possam ser utilizadas “solidamente” como engajamento ou como prova em um dos polos das dicotomias.

Portanto, talvez este seja um dos motivos que se aliou à inerente dificuldade de atribuir, às imagens irônicas e humorísticas das comédias, algum sentido estável de “documento de uma situação ou de um lugar geográfico”, o que é possível mais facilmente com as imagens provenientes de dramas ou outros gêneros cinematográficos que, apesar de ficcionais, preservam as imagens em sentidos mais estáveis e mais diretamente transferíveis para a condição de ilustração ou prova do real espacial existente, recurso bastante comum entre professores em sua utilização dos filmes.

Diante dos resultados aqui apresentados, e considerando a preferência nacional por comédias, por que o riso e a comédia – sendo ela o gênero cinematográfico que explora as potencialidades do riso – não têm sido tomados, pela grande maioria desses professores, como entretenimento ou crítica, como elaboração artística e, principalmente, como ampliação cultural ou mesmo como conteúdo geográfico? Não seria de se esperar que o riso e a comédia, tão presentes na cinematografia brasileira citada pelos próprios professores, estivessem mais presentes entre suas motivações para as escolhas de filmes?

Parece-nos que sim. E, justamente por isso, outras perguntas nos assaltam em meio aos dados, na busca de melhor conhecer as práticas e as expectativas docentes em relação ao cinema na escola em geral e nas aulas de geografia em particular.

Deixamos o leitor com algumas delas: não seriam as comédias tidas como ampliação cultural ou como obra de arte? A exclusão ou a pouca utilização delas pelos professores poderia ser entendida como uma das maneiras de contenção da arte – como aquilo que inevitavelmente provoca desvio, ambiguidade, sem-sentido – pelas práticas docentes? As comédias brasileiras não se encaixariam nos conteúdos geográficos? Ou não lidariam com a dimensão crítica do riso? Ou seriam de qualidade ruim? Ou o grande risco, aquilo que trava o percurso das comédias entre o cinema e a escola, é exatamente o do riso como potência libertária, indisciplinada, pouco “séria”, experimentada por cada um desses professores quando vai ao cinema e por isso o amedronta introduzi-lo na escola? Mas seriam os professores mais compostos de medos que de desejos de libertação? Teriam receio do público que a comédia configura, já que “[a] comédia necessita do público para realizar-se em sua plenitude” (SELIGMAN, 2004, p. 3), o que faz com que o modo de assistir às comédias – por ser muito mais coletivo, ruidoso e contagiante – se distinga da forma de apreciar outros gêneros cinematográficos?

Revisão gramatical realizada por: Leda Maria Farah

E-mail: farahledamaria@gmail.com.

2Citamos apenas alguns dos deles, cujas referências completas se encontram ao final do artigo: Oliveira Jr, 2009; Ferraz; Nunes, 2013; Cazetta, 2013; Preve, 2013; Hollman, 2015; Barbosa, 2016; Oliveira Jr; Girardi, 2020. A Rede também é organizadora do Colóquio “A educação pelas imagens e suas geografias”, que em novembro de 2021 terá sua VI edição.

3Outras ações com este mesmo intuito ocorreram nos últimos seis anos. Destacamos aqui o livro Cinema e educação: a lei 13.006 (FRESQUET, 2015) que reuniu reflexões, perspectivas e propostas acerca da aprovação, da regulamentação, das possibilidades e dos riscos que a lei 13.006/14 traça para as relações entre cinema e escola, tendo em vista que ela tornaria – tornará? – obrigatória a exibição de duas horas mensais de cinema nacional nas escolas brasileiras. No entanto, a lei não foi regulamentada desde então, e há poucas chances de isto vir a ocorrer enquanto perdurar o atual cenário governamental brasileiro, no qual a articulação entre educação, cultura e arte tem sido destituída da centralidade que havia conquistado em políticas anteriores que resultaram, inclusive, na aprovação desta lei.

4O questionário-entrevista encontra-se anexo à Apresentação desse Dossiê.

5XII Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia, ocorrido entre 10 e 14 de setembro de 2017, em Belo Horizonte. Nos anais desse evento encontra-se publicado um ensaio em torno desta pergunta. Ver Referências ao final deste artigo: Oliveira Jr (2017).

6Seminário Virtual “As telas da escola: cinema e professores de geografia”, ocorrido entre 30 de junho e 02 de julho de 2020.

7Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Comédia_cinematográfica Acesso em: 27 set. 2020.

8Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_do_Brasil Acesso em: 02 out. 2020.

9Cabe dizer que os dois primeiros filmes são citados por vários professores e pertencem a grandes distribuidoras de filmes, enquanto os demais, que pertencem tanto a distribuidoras grandes quanto médias, tiveram apenas uma citação nas questões 15 e 16, deixando pistas e perguntas sobre a força de penetração e persuasão das distribuidoras nas escolhas – e gostos – dos professores em relação ao cinema. Por outro lado, caberia perguntar: será que a escolha destes filmes se deve à massiva divulgação deles pelo distribuidor ou à combinação desta ampla propaganda com a divulgação intensa deles pelos próprios materiais didáticos presentes nas escolas? - E, como linha de fuga a estes dois modos massivos de escolha de filmes, um dos entrevistados escreveu o seguinte para a pergunta 15: “Até o presente momento, só passei alguns vídeos de mídia independente para retratar os movimentos sociais que estão ocorrendo em nosso país atualmente” e alguns professores indicaram já ter utilizado curtas-metragens e filmes locais, em um dos casos, produzidos na própria universidade onde estudaram.

10Como veremos logo adiante, na somatória das 3 primeiras preferências dos professores, o gênero “guerra” irá ter mais indicações, 37, que o gênero “drama”, 35, que será seguido bem de perto pelo gênero “animação”, com 34 indicações. Caberão reflexões sobre estas significativas indicações para o gênero “animação”, bem como será importante refletir também sobre o desaparecimento do gênero “policial” nas preferências dos professores, uma vez que ele é bastante frequente nos cinemas e nas redes de televisão brasileiros.

11Ainda que esta não seja propriamente uma surpresa apontada pelos resultados, muitas perguntas cabem aqui, desde aquelas vinculadas à tradição escolar dos documentários até aquelas relacionadas à grande e diversificada produção de documentários brasileiros na chamada retomada dos anos 1990 (LINS; MESQUITA, 2008). Mas ficará para outro artigo a reflexão acerca dos dados da pesquisa aqui em foco, que revelaram essa “preferência nacional” dos professores brasileiros pelos documentários. Pistas poderão ser encontradas nas próprias respostas dos professores, que escreveram frases como estas: “Filmes e vídeos que retratam elementos da nossa cultura, língua e particularidades do nosso país, como O Alto da Compadecida, que exemplifica particularidades nordestinas”, como resposta à pergunta 15, “Que filmes brasileiros você já utiliza na escola?”.

12Do ponto de vista da pesquisa, é bastante interessante notar que a significativa mudança do número de questionários preenchidos, de 32 para 136, entre as primeiras tabulações que subsidiaram o trabalho apresentado no XII Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia (OLIVEIRA JR, 2017) e as que foram realizadas para este artigo, em 2020, não alterou significativamente os resultados, mantendo praticamente as mesmas preferências entre os gêneros cinematográficos da amostra 3 vezes menor.

13Mas somente de algumas, como veremos mais adiante.

14O mesmo ocorre com os citados filmes O concurso e Colegas.

15

Tendo em vista o desejo dos professores de ampliação cultural dos estudantes através do cinema e uma certa concentração em poucos títulos, tipos e formatos de filmes citados pelos professores na pesquisa, indicamos aqui algumas iniciativas e sites onde os professores poderão encontrar outros títulos, tipos e formatos de filmes:

http://www.afroflix.com.br

http://portacurtas.org.br/

http://www.inventarcomadiferenca.com.br/canal-inventar/dispositivos/

https://www.mostradecinemainfantil.com.br/ https://ecofalante.org.br/

https://www.youtube.com/user/animamundifestival http://www.videonasaldeias.org.br

http://educacaoconectada.campinas.sp.gov.br/programa-cinema-educacao/acervo/

http://www.sementecinematografica.com.br/

16Seria/será interessante fazer uma pesquisa nos dados a partir das respostas individualizadas, para verificar se as comédias em geral e, especialmente, as ‘comédias de costume’ são citadas exatamente por este 1% de professores.

17As preocupações e as potencialidades mais circunscritas às relações entre o cinema brasileiro e as escolas tornaram-se mais presentes entre pesquisadores e professores no final da primeira década do século XXI. Delas se desdobraram as iniciativas que levaram à aprovação desta lei, bem como livros, artigos e outros trabalhos acadêmicos, como as teses Cinema brasileiro na escola pública – reconhecimento na diferença (REIS JUNIOR, 2010) e Isso que não se vê – pistas para uma pedagogia das imagens(PIPANO, 2019), para citar apenas dois dos muitos exemplos possíveis, um mais focado na assistência aos filmes e outro na produção deles nas escolas brasileiras.

REFERÊNCIAS

ADEUS, LENIN (filme). Direção: Wolfgang Becker. Alemanha, 2003. [ Links ]

ALOI, Rafael. Retrospectiva 2019: as 20 maiores bilheterias do cinema brasileiro. Adoro cinema. Notícias, 30 dez. 2019. Disponível em: http://www.adorocinema.com/slideshows/filmes/slideshow-152460/#page=20 Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

A MÁQUINA (filme). Direção: João Falcão. Brasil, 2005. [ Links ]

BARBOSA, Cristiano. O espaço do devir no documentário: cartografia dos encontros entre cinema e escola. 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. [ Links ]

CARMELO, Bruno. Retrospectiva 2016: as 20 maiores bilheterias do cinema brasileiro. Adoro cinema. Notícias, 3 jan. 2017. Disponível em: http://www.adorocinema.com/slideshows/filmes/slideshow-126578/ Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

CAZETTA, Valéria. As coreo-geo-grafias em Pina: para fazer a geografia dançar. Revista Entre Lugar, Dourados, v. 4, p. 19-31, 2013. [ Links ]

CINCO VEZES FAVELA (filme). Direção: Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman. Brasil, 1962. [ Links ]

COLEGAS (filme). Direção: Marcelo Galvão. Brasil, 2013. [ Links ]

DOMÉSTICAS (filme). Direção: Nando Olival e Fernando Meirelles. Brasil, 2001. [ Links ]

ESTÔMAGO (filme). Direção: Marcos Jorge. Brasil, 2008. [ Links ]

FERRAZ, Claudio Benito; NUNES, Flaviana Gasparotti (Org.). Imagens, geografias e educação - intenções, dispersões e articulações. Dourados: Editora da UFGD, 2013. [ Links ]

FRESQUET, Adriana (Org.). Cinema e educação: a lei 13006. Reflexões, perspectivas e propostas. Ouro Preto: Universo, 2015. [ Links ]

HOLLMAN, Verónica. El agua vale más que el oro: cine documental y conflictos ambientales en Argentina In: AZEVEDO, Ana Francisca; CERAROLS, Rosa Ramirez; OLIVEIRA JR, Wenceslao Machado (Org.). Intervalo - entre Geografias e Cinemas. Volume I. Braga: Editora da Uminho, 2015. p. 201-228. [ Links ]

LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. [ Links ]

LISBELA E O PRISIONEIRO (filme). Direção: Guel Arraes. Brasil, 2003. [ Links ]

MINHA MÃE É UMA PEÇA (filme). Direção: André Pellenz Brasil, 2013 [ Links ]

NARRADORES DE JAVÉ (filme). Direção: Eliane Caffé. Brasil, 2005. [ Links ]

O AUTO DA COMPADECIDA (filme). Direção: Guel Arraes. Brasil, 2000. [ Links ]

O CONCURSO (filme). Direção: Pedro Vasconcelos. Brasil, 2013. [ Links ]

O HOMEM QUE COPIAVA (filme). Direção: Jorge Furtado. Brasil, 2003. [ Links ]

OLIVEIRA JR, Wenceslao Machado (Org.). Dossiê “A educação pelas imagens e suas geografias”. Revista Proposições, Campinas, v. 60, 2009. [ Links ]

OLIVEIRA JR, Wenceslao Machado. O mistério das comédias entre o cinema e a escola - primeiras perguntas de uma pesquisa às respostas dos professores de geografia. In: ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE ENSINO EM GEOGRAFIA, 12., 2017. Anais do XII ENPEG, Belo Horizonte, 2017. v. 1, p. 1142-1162. Disponível em: https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/anais14enpeg/index Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

OLIVEIRA JR, Wenceslao Machado; GIRARDI, Gisele. O cinema como diferença na linguagem do ensino de geografia: uma cartografia provisória. Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 10, p. 45-66, 2020. [ Links ]

O PALHAÇO (filme). Direção: Selton Mello. Brasil, 2011. [ Links ]

PIPANO, Isaac. Isso que não se vê - pistas para uma pedagogia das imagens. 2019. Tese (Doutorado em Comunicação) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019. Disponível em: https://www.issoquenaoseve.com/ Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

POLICASTRO, Camila Benatti. “É só um filme”: aproximação da geografia escolar com o outro no/do cinema. 2020. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Licenciatura em Geografia, Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. [ Links ]

PREVE, Ana Maria Hoepers. Perder-se: experiência e aprendizagem. In: CAZETTA, V.; OLIVEIRA JR., W. M. (Org.). Grafias do espaço: imagens da educação geográfica contemporânea. Campinas: Alínea, 2013. p. 257-277. [ Links ]

QUE HORAS ELA VOLTA? (filme). Direção: Ana Muylaert. Brasil, 2015. [ Links ]

REIS JUNIOR, Antônio. Cinema brasileiro na escola pública - reconhecimento na diferença. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/251343 Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

SANEAMENTO BÁSICO (filme). Direção: Jorge Furtado. Brasil, 2007. [ Links ]

SELIGMAN, Flávia. A tradição cultural da comédia popular brasileira na pornochanchada dos anos 70. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação / ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA DA INTERCOM, 4., 2004, Porto Alegre. Anais do..., 2004 [ Links ]

TAPETE VERMELHO (filme). Direção: Luiz Alberto Pereira. Brasil, 2006. [ Links ]

TEMPOS MODERNOS (filme). Direção: Charles Chaplin. Estados Unidos, 1936. [ Links ]

VASCONCELLOS, Luis Paulo. Dicionário de teatro. Porto Alegre: L&PM, 1986. [ Links ]

Recebido: 10 de Abril de 2020; Aceito: 08 de Fevereiro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution Non-Commercial No Derivative, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais, sem alterações e que o trabalho original seja corretamente citado.