1 INTRODUÇÃO
Para ser um bom professor, basta dispor de comunicação fluente e ter sólidos conhecimentos acerca da disciplina que leciona? Essa é uma crença antiga que durante muito tempo prevaleceu (GIL, 2008). Porém, sabemos hoje que o docente necessita de muito mais que apenas conhecimento do conteúdo para tornar o aprendizado mais eficaz. No ato de ensinar, espera-se do professor, além do domínio do conteúdo específico, que ele tenha conhecimento de como se ensina e de como se devem usar os recursos que estão à sua disposição.
Nessa perspectiva, Shulman (1986) propôs um modelo de conhecimento para a docência denominado de "Conhecimento Pedagógico do Conteúdo" (da sigla em inglês PCK, Pedagogical Content Knowledge). Para Shulman (1986), a interseção de conteúdo e pedagogia poderia ser a chave para o professor transformar o conhecimento do conteúdo que ele possui em formas pedagogicamente adaptadas às capacidades de aprendizagem apresentadas por seus alunos. A partir desse modelo, com a inclusão da tecnologia, foi proposto por Koehler e Mishra (2005) o modelo Conhecimento Tecnológico, Pedagógico do Conteúdo (Technological Pedagogical Content Knowledge – TPACK), englobando a complexidade de conhecimentos docentes, inclusive no uso adequado das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). O TPACK engloba o ensino de conteúdos curriculares utilizando técnicas pedagógicas, métodos ou estratégias de ensino que fazem uso das tecnologias para ensinar de forma diferenciada, conforme as necessidades de aprendizagem dos estudantes (CIBOTTO; OLIVEIRA, 2017).
Nesse âmbito, a didática é uma parte específica da Pedagogia que se refere aos conteúdos do ensino e aos processos próprios para a construção do conhecimento, definindo-se, assim, como a ciência e a arte do ensino (HAYDT, 2006). Em outras palavras, “a didática seria o caminho e recursos que o professor deve utilizar para que o aluno possa aprender o conteúdo de forma mais rápida e eficiente, e de preferência sem a famosa decoreba” (OLISKOVICZ; PIVA, 2012, p. 112). Tais caminhos e recursos são organizados dentro do que chamamos de "estratégias didáticas".
As estratégias didáticas, conforme Mercado (2014), definem-se como procedimentos e recursos didáticos utilizados pelo docente para estimular a participação do estudante, tendo em vista os objetivos a serem alcançados. Constituem a intervenção do docente para desenvolver as diversas habilidades cognitivas e relacionais dos estudantes, tais como raciocínio, reflexão, trabalho coletivo, argumentação e resolução de problemas. Haydt (2006) e Martins (2009) colocam que as estratégias didáticas são formas de intervenção na sala de aula que contribuem para que o aluno mobilize seus esquemas operatórios de pensamento e participe ativamente das experiências de aprendizagem. Masetto (1998) aponta, dentre outras competências, que o docente deve ter o domínio em determinada área do conhecimento e o domínio na área pedagógica, incluindo as TIC, tanto em termos de teoria quanto de práticas. O docente precisa estar preparado para trabalhar com estratégias didáticas em qualquer ambiente. Hoje, para se manter atualizado, precisa principalmente saber atuar em ambientes equipados com tecnologia. De acordo com Oliveira et al (2016, p. 421) “as TIC e suas aplicações na educação põem em discussão as estratégias didáticas utilizadas pelo docente do ensino superior, o qual necessita desenvolver novos saberes e competências.” Ademais, o professor deve saber apropriar-se dos recursos que as TIC oferecem, com o objetivo de potencializar o seu trabalho docente de modo que o ensino seja significativo para os estudantes.
Em concordância, Kenski (2004, p. 22) afirma que, “as mídias há muito tempo abandonaram suas características de mero suporte tecnológico e criaram suas próprias lógicas”, e isso conduz para o pensamento de que a amplitude e a aplicabilidade dos recursos midiáticos na educação proporcionam aos docentes a construção de didáticas inovadoras, facilitando o desenvolvimento de competências e habilidades dos discentes, considerando que muitos desses recursos fazem parte do seu meio sociocultural. Essa constatação impõe que se repense a necessidade de utilização das tecnologias no meio escolar, como uma ferramenta didática interativa e significativa para o processo de ensino e aprendizagem (LIMA; MOITA, 2011), pois a sua utilização amplia as diferentes formas de se ter acesso aos sistemas de informação, estimulando o desenvolvimento de conhecimento pelos estudantes. Ademais, as TIC são de suma importância, pois permitem que a escola não seja o único nem o principal espaço físico em que possa ocorrer a aprendizagem, uma vez que, com as mídias digitais e os espaços virtuais, isto pode ocorrer em qualquer lugar (LEITE, 2015). Ou seja, os profissionais que compõem a escola (professores, coordenadores, gestores) podem ir além do ambiente físico, podem apropriar-se dos ambientes virtuais, no intuito de fazer com que a construção do conhecimento aconteça de forma mais aberta, integrada e multissensorial, o que a torna, sem dúvida, muito mais atraente e complexa (LEÃO, 2011).
Contudo, por mais útil que as TIC possam ser, do ponto de vista de Moura et al. (2012), a inserção delas nas escolas não deve ser vista como uma solução para os problemas da educação, mas como uma ferramenta que auxilia na resolução das deficiências existentes no ensino; no entanto isto dependerá da forma como ela é usada pelo professor, pois as diversas ferramentas, quando utilizadas de forma redutiva e inadequada, não trarão os resultados esperados. A tecnologia não é algo que possa ser concebido positiva ou negativamente, pois a relação está em como esta deve ser utilizada e em que contexto. O mais importante é conhecer que tipo de ferramenta tecnológica deve ser utilizada no processo educacional (LEVY, 1999; LEITE, 2018). Destarte, as tecnologias não vieram para substituir o professor, e sim para auxiliá-lo no processo de construção do conhecimento.
Se a tecnologia pode ser útil no processo de ensino e aprendizagem, temos então que o professor é figura essencial nesse processo, pois se ele não souber trabalhar de forma efetiva em um ambiente de aprendizagem equipado com tecnologia, o equipamento por si só não trará benefício algum. Saber escolher e utilizar as tecnologias em uma aprendizagem tecnológica ativa é um dos papéis do professor (LEITE, 2018). E é nessa perspectiva que investigamos, neste trabalho, as estratégias didáticas em torno do uso das TIC utilizadas por três docentes do ensino superior, no Curso de Licenciatura em Química, tendo em vista que Nardi (1998) afirma que muitos professores de química alegam não realizarem atividades experimentais por possuírem um número excessivo de aulas, não tendo tempo de prepará-las, além de que as turmas possuem um elevado número de alunos. Existe uma variedade de ferramentas que podem facilitar a compreensão dos conceitos químicos e que os professores podem utilizar em sala de aula. Contudo, para o professor usar um recurso em sala de aula, antes ele precisa conhecer e utilizar, identificar suas contribuições e limitações e, somente após concluir essas duas ações, elaborar estratégias de uso do recurso. Sendo assim, será que os professores das disciplinas que têm em sua ementa a especificidade de uso das TIC conhecem os recursos hoje disponíveis? Se conhecem, como elaboram as estratégias de uso desses recursos para usarem em suas aulas? Se não conhecem, como podem cumprir com êxito o que está registrado na ementa? Investigamos esses questionamentos nesta pesquisa (parte dos resultados da dissertação de mestrado) através de um roteiro de entrevistas semi-estruturadas com três professores do curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
2 METODOLOGIA
Este trabalho seguiu os moldes de uma pesquisa qualitativa, o que corresponde, segundo Minayo (2001), a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis e, segundo Moraes e Galiazzi (2011), por ser uma metodologia de análise de informações com a finalidade de produzir diferentes compreensões sobre os fenômenos e discursos investigados.
Nesse sentido, buscamos identificar, através de um roteiro de entrevistas semi-estruturadas, as estratégias didáticas envolvidas no uso das TIC pelos sujeitos da pesquisa. A escolha desse instrumento para a coleta de dados se justifica por possibilitar que os sujeitos discorram de forma guiada, porém livre sobre a temática norteadora. Na opinião de Tuckman (2002), a utilização da inquirição através de entrevista é muito usada em investigações na área da educação e é, na opinião do autor, uma técnica potencialmente muito útil nesta área, tendo um valor inegável na recolha pontual dos dados. As entrevistas contaram com a participação da pesquisadora com cada um dos entrevistados individualmente e foi gravada em áudio para transcrição posterior. Para a seleção dos sujeitos da pesquisa, a investigação se deu dentro da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil, em que, das cinco instituições de ensino superior existentes, apenas a UFRPE apresentava disciplinas (três no total) que continham na sua ementa a especificidade de uso das TIC. Essas disciplinas estavam sendo ministradas por três docentes distintos, o que foi determinante para a escolha dos três sujeitos da pesquisa.
Para a coleta de dados, nós nos baseamos no roteiro de entrevista semi-estruturada que elaboramos (Quadro 1), que foi validado por meio de um teste piloto, ou seja, um teste preliminar, de caráter experimental, aplicado com um professor externo à análise, que serviu para avaliar aspectos da entrevista e corrigir eventuais falhas antes de sua implantação definitiva. As entrevistas foram realizadas na própria Instituição (UFRPE), em horários de disponibilidade dos professores. Os dados foram recolhidos de forma voluntária, confidencial, anônima, adotando nomes fictícios, e foram tratados de forma agregada. Os professores assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando uma cópia para cada um deles e outra, para a pesquisadora.
Número | Pergunta/Momento | Objetivo Específico |
---|---|---|
1 | Qual é o seu histórico de formação? | Caracterizar o professor. |
2 | Quantas vezes ministrou essa disciplina? Você gosta? | Caracterizar o professor. |
3 | Todo professor já foi aluno um dia. Como foi a sua experiência com as TIC, como aluno? A conheceu/experimentou na graduação ou na pós-graduação? | Identificar em sua formação o momento em que se deparou com as TIC. |
4 | Você se recorda de algum professor que frequentemente utilizava as TIC em sala de aula? Como ele a utilizava? Você considera apropriado? O que você mudaria na abordagem dele? | Identificar o que o professor julga como certo ou errado na abordagem das TIC com base na atitude de outro profissional. |
5 | Em sua disciplina, como faz utilização das TIC? Somente você utiliza ou seus alunos também fazem uso? Eles elaboram algum material com uso das TIC em sua disciplina? | Identificar se o professor visa fazer as TIC conhecidas, se visa à utilização das TIC ou se visa à elaboração de um material com as TIC. |
6 | Você já elaborou algum material com as TIC para sua aula? Com qual recurso? Com que frequência? | Identificar se o professor já elaborou ou se elabora seus próprios materiais. |
7 | Que estratégia ou estratégias você utiliza quando está usando as TIC? Qual estratégia você considera essencial para uma aula utilizando as TIC? | Identificar as estratégias utilizadas pelo professor. |
8 | Se o seu aluno precisa ministrar uma aula e tem a obrigatoriedade de utilizar um material didático com uso das TIC, você acha que ele teria a capacidade de discernir sobre qual material utilizar? Você acha que seu aluno conhece as funcionalidades das TIC (suas contribuições e limitações) para uma escolha consciente? Como sua disciplina contribui para isso? | Identificar se o professor apresenta as contribuições e limitações das TIC em sala de aula. |
9 | Que atividade, abordagem e recursos com uso das TIC você considera mais comum em sua sala de aula? | Identificar o que o professor mais vê como comum em sua abordagem em sala de aula. |
10 | E a nível pessoal, que atividade e recurso você mais utiliza em seu dia a dia? | Identificar o uso das TIC em nível pessoal. |
11 | Teria algo a mais que gostaria de comentar sobre as TIC na educação? Observações, críticas, dificuldades... | Comentário livre do professor. |
Fonte: os autores.
A entrevista foi estruturada com base no que pretendemos como objetivo: conhecer as estratégias didáticas utilizadas por professores de disciplinas em que se recorre ao uso das TIC no ensino de Química em cursos de Licenciatura. Os dados coletados foram analisados por meio do método de Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011). Nesse sentido, as narrativas foram fragmentadas em unidades (unitarização), que foram reagrupadas nas categorias iniciais (categorização). A entrevista semi-estruturada (Quadro 1) tem 11 perguntas/momentos, numeradas de 1 a 11, todas com um objetivo específico. Ao realizarmos a entrevista, vimos que algumas dessas perguntas/momentos se uniam por um objetivo central, e assim foram categorizadas, conforme o Quadro 2.
Perguntas/Momentos | Objetivo Central |
---|---|
3 e 4 | 1. Experiência na formação inicial. |
5 e 6 | 2. Experiência enquanto professor. |
7, 8 e 9 | 3. Estratégias de uso das TIC. |
1, 2 e 10 | 4. Identidade do docente. |
Fonte: os autores.
Como podemos observar no Quadro 2, as perguntas 3 e 4 se enquadram no objetivo central 1, na qual o professor descreve sua experiência na formação inicial em relação às TIC; as perguntas 5 e 6 se enquadram no objetivo central 2, suscitando ao professor descrever o uso pelos alunos e por ele em relação às TIC na sua sala de aula; as perguntas 7, 8 e 9 têm por objetivo que os professores descrevam como se dão as estratégias de uso das TIC (objetivo central 3); as perguntas 1, 2 e 10 eram para caracterizar os professores e por isso se enquadram no objetivo central 4; a pergunta 11, comentário livre do professor, não têm objetivo central.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir dos objetivos centrais (1, 2, 3 e 4) e da realização das entrevistas, realizamos o processo que Galiazzi e Moraes (2011) chamam de “desmontagem” dos textos (em nosso caso, o texto foi a transcrição das entrevistas) e que consiste no processo de unitarização. Unitarizar, segundo os mesmos autores, implica examinar os textos em seus mínimos detalhes, fragmentando-os com o propósito de atingir unidades constituintes. Em seguida, foi realizada a etapa de categorização, que é reunir o que é comum.
Para elaborar a categorização das respostas, os três docentes foram representados pelas siglas P1, P2 e P3. Vale pontuar que as categorias não são excludentes, ou seja, a produção textual de um único sujeito pode ser incluída em mais de uma categoria. Descrevemos no Quadro 2 as perguntas/momentos da entrevista em 3 objetivos centrais e em cada um deles observamos as categorias. Para representar essas categorias, utilizamos a notação Cn.x que representa, respectivamente, C: a categoria, n: o número do objetivo central e x: categoria observada. Assim, realizamos a categorização de cada objetivo, conforme descrito no Quadro 3.
Objetivo | Categoria | Descrição | Ocorrências |
---|---|---|---|
1 | C1.1 | Não tive experiência com as TIC como aluno. | P2 |
C1.2 | Tive professores que utilizavam as TIC de maneira apropriada. | P1 | |
C1.3 | Tive professores que utilizavam as TIC de maneira inapropriada. | P3 | |
2 | C2.1 | Os alunos elaboram um material digital na minha aula. | P2, P3 |
C2.2 | Os alunos utilizam as TIC na minha aula. | P3 | |
C2.3 | Eu, como professor, elaboro materiais digitais específicos para minhas aulas. | P3 | |
C2.4 | Eu, como professor, utilizo recursos disponíveis na Internet. | P1, P2, P3 | |
3 | C3.1 | Eu faço uma junção dos recursos já disponíveis na Internet. | P1, P2 |
C3.2 | Eu trabalho com discussão sobre os recursos; aula dialogada. | P3 | |
C3.3 | Os alunos terminam a disciplina sensibilizados do uso das TIC. | P1 | |
C3.4 | Os alunos terminam a disciplina sabendo que o recurso a ser possivelmente utilizado futuramente depende do ambiente em que está o professor. | P2, P3 |
Fonte: os autores.
As perguntas 1, 2 e 10 eram para caracterizar os professores e por isso se enquadram no objetivo central 4, que visava à identidade do docente – esse objetivo não apresentou categorias; e a pergunta 11 era de comentário livre do professor, não tendo um objetivo central.
A pergunta/momento 1 dizia respeito ao histórico de formação de cada docente. Para reservar suas identidades, colocamos no quadro abaixo (Quadro 4), somente a formação em relação ao ensino e educação.
Formação | Ocorrência |
---|---|
Licenciatura | P3 |
Mestrado em Educação/Ensino | P3 |
Doutorado em Educação/Ensino | P1, P2, P3 |
Fonte: os autores.
Assim, temos que somente P3 possui toda a sua formação voltada para o ensino: ele se formou em um curso de licenciatura, fez mestrado e doutorado em Ensino. Os demais docentes tiveram uma formação em Ensino somente no doutorado, porém isso não os impediu de ministrar aula com sua formação anterior ao doutorado. Observe a frase de P1 “[...] antes de terminar o mestrado eu ingressei na universidade”, ou seja, P1 ingressou como docente da universidade mesmo não tendo sua formação voltada para o Ensino, o que é preocupante, uma vez que P1 estava formando professores sem ter sido primeiramente formado para ser um professor (até aquele momento de seu ingresso).
A pergunta/momento 2 buscava que o docente explanasse sobre a disciplina que ministra: número de vezes que ministrou, se gosta da disciplina etc. O Quadro 5 descreve o tempo que os docentes entrevistados ministraram as disciplinas selecionadas.
Disciplina | Tempo que ministrou a disciplina |
---|---|
Práticas Pedagógicas no Ensino de Química I (PPEQI) | P1 desde 2010 não contínuo P2 poucas vezes |
Práticas Pedagógicas no Ensino de Química II (PPEQII) | P2 desde 2009 contínuo |
Tecnologias da Informação e Comunicação para o Ensino de Química (TICEQ) | P3 por 2 anos contínuos (4 semestres) |
Fonte: os autores.
Durante o período das entrevistas, as disciplinas que os docentes estavam ministrando eram: PPEQI (ministrada por P1), PPEQII (ministrada por P2) e TICEQ (ministrada por P3). Em nossa entrevista, P1 destacou que a disciplina de PPEQI não existia antes de 2010. Foi em 2010 que a matriz curricular do curso de Química foi alterada e houve o acréscimo dessa disciplina. P1 participou ativamente da elaboração dessa ementa e por isso assumiu a primeira turma. Observemos a fala de P1:
A primeira turma de Prática Pedagógica I eu assumi porque a gente tinha participado muito ativamente da elaboração dessas ementas, então quando veio a primeira turma eu fiquei com esta primeira turma até para tentar consolidar uma proposta que havia sido discutida no grupo (...) Depois que as outras turmas foram começando, outros professores foram assumindo as Práticas.
(P1).
Conforme colocamos no Quadro 5, P1 ministra a disciplina de PPEQI de forma não contínua, pois como observamos em sua fala, outros professores também foram assumindo essa disciplina. Abordaremos mais sobre essa fala de P1, porém antes vamos analisar o que disse P3 sobre a pergunta 2:
No início foi um desafio para mim, porque eu nunca tive nenhuma cadeira de TIC na minha formação, até então. Aí quando eu cheguei, ela caiu de surpresa para mim. Eu não sabia que eu ia dar essa disciplina. Então eu tive que estudar, tive que conhecer tudo sobre a área.
(P3).
Temos que P1 não só conhecia profundamente sua disciplina, como também participou ativamente de sua elaboração, ou seja, estava familiarizado com a ementa, com o objetivo da criação dela. Enquanto P3 nunca tinha tido contato em sua formação com nenhuma disciplina sobre as TIC e teve que aprender “do zero”. Notemos a diferença na fala de P1 e P3. O primeiro sabia sobre a disciplina, já o segundo desconhecia o conteúdo da disciplina. Observamos que P3 se interessou pela disciplina, como podemos observar em sua fala: “[...] depois eu fui me interessando. Até entrei nessa área no doutorado”.No decorrer da entrevista notamos que P3 se apropriava dos recursos tecnológicos para uso próprio, mas será que essa apropriação era utilizada quando o docente atuava na Universidade para ministrar aula? Pois ele poderia não ter nenhuma familiaridade com as tecnologias e mesmo assim seria “escalado” para ministrar a disciplina de TICEQ? Enquanto P1 sabia exatamente o que fazer em sua sala de aula, pois participou da “criação” da disciplina, P3 teve que descobrir do que se tratava a disciplina. Podemos trazer o ensino como uma mobilização de vários saberes, como destaca Gauthier et al (1998) e Pimenta (1995), entre eles os saberes pedagógicos, didáticos e da experiência. Em relação aos saberes da experiência, destacamos que seriam aqueles resultantes do trabalho cotidiano, no conhecimento do seu meio, que surgem e são validados pela experiência. Temos que P3 ministrou a disciplina de TICEQ por dois anos seguidos (quatro semestres) baseado nos saberes da experiência como docente dessa disciplina. Segundo P3,
A discussão pedagógica sobre o uso das TIC, nunca tive [na formação inicial], não conhecia a discussão em cima delas. A discussão de como usar, de que forma posso usar, metodologias e tudo mais. Então, tudo isso comecei a estudar e pesquisar por conta própria quando tive que ministrar a disciplina.
(P3).
Observamos nesta fala um professor, formador de professores, que não teve acesso às discussões sobre o uso das tecnologias na educação em sua formação inicial, tendo que pensar em estratégias didáticas para discutir em sua sala de aula o uso pedagógico das TIC. Não é nosso objetivo inferir sobre a capacitação do docente P3 em ministrar tais disciplinas, pois seu percurso acadêmico tem sido sobre as TIC, como disse em sua fala “Até entrei nessa área no doutorado”. Abordamos aqui a importância de se ter, na formação inicial, uma disciplina voltada para uso das TIC nos currículos dos cursos de licenciatura, pois em tais cursos estão sendo formados futuros professores que estarão atuando em uma sala de aula, formando, talvez, outros professores. Para que assim não aconteça de o professor, tal como P3, tenha que buscar capacitação enquanto ministra uma disciplina. Vale ressaltar nesse ponto, também, a importância da formação continuada, que não pode ser negligenciada.
As perguntas/momentos 3 e 4 foram separadas como questões categorizadas, elas questionavam a experiência do docente com as TIC ainda como aluno, na sua formação. Perguntamos se o docente conheceu/experimentou as TIC na sua graduação ou na pós-graduação e se ele se recordava de algum docente que frequentemente utilizava as TIC em sala de aula. Questionamos também se ele considerava como apropriada a abordagem desse docente. Essas questões se enquadram no que chamamos de Objetivo central 1, que descreve a experiência em relação às TIC na formação inicial do docente entrevistado. Observemos a fala de P2: “Não, não tive nada de TIC na minha graduação. Na minha graduação os computadores ainda estavam se popularizando (...). Na pós-graduação também não tive nada com as TIC. Descobri as TIC enquanto professor” (P2). Temos que P2 se enquadra na categoria C1.1, pois disse que não teve experiência com as TIC como aluno. Já as falas de P1 e P3 mostram que já tiveram experiência com o emprego das TIC na sua formação inicial, porém tiveram experiências contrárias. P1 considera sua experiência como apropriada até para os dias de hoje, se enquadrando na categoria C1.2, conforme sua fala: “Até hoje eu admiro muito a forma como ele conduzia a disciplina (...) em termos de estratégia em sala de aula, esse professor realmente marcou pela dinâmica que ele dava aula e que eu acredito que hoje seria uma dinâmica ainda bastante atual” (P1). Já P3 considera que sua experiência com as TIC não foi adequada, se enquadrando na categoria C1.3. Para P3,
Eu sempre tive assim... Alguns que usavam de forma esporádica (...) em algumas situações, eu acho que era uma maneira, não vou dizer incorreta, mas uma maneira que não trazia benefícios para a aula. Então, exemplo, datashow, que é muito utilizado, mas era o mesmo texto do livro.
(P3).
E completa “Então em alguns casos eu percebia isso, que se usava o recurso, mas sem pensar nas possibilidades dele melhorar o aprendizado, era usada mais como uma ferramenta diferenciada” (P3). É importante comentar que P3 corrobora com as ideias de Leão (2011) e Leite (2015) ao inferirem que a mudança de um recurso por outro por si só não proporcionará melhorias no processo de ensino e aprendizagem, ou seja, a mera “transfiguração” de uma roupagem antiga para a utilização de recursos tecnológicos de ponta não trará grandes mudanças se não vierem acompanhadas de estratégias que valorizem a construção do conhecimento.
As perguntas/momentos 5 e 6 também foram separadas como questões categorizadas, elas questionavam como os docentes fazem uso das TIC em sua sala de aula. Se somente eles utilizam ou se seus alunos também fazem uso. Se os alunos e eles, como docentes, elaboram algum material/produto na disciplina. Essas questões se enquadram no que chamamos de Objetivo central 2, que descreve o uso pelos alunos e pelos docentes entrevistados em relação às TIC na sala de aula. Nesse sentido, P2 e P3 responderam que seus alunos elaboram um material digital em suas aulas, se enquadrando na categoria C2.1. Temos a seguir a fala de P2:
No caso dos vídeos, os alunos desenvolvem também, eles analisam do ponto de vista crítico, de uma análise sistêmica, e eles também desenvolvem. [Quanto aos jogos] os alunos não produzem os jogos eletrônicos por conta da dificuldade, mas inclusive se coloca como uma possibilidade, alguns já até tentaram.
(P2).
E, em uma fala mais completa, P3 diz como e para que se dava essa elaboração:
Eu tentava fazer o seguinte, cada aula vamos discutir sobre um tema. Então eu trazia uma discussão teórica sobre o que era aquela ferramenta, como ela poderia ser usada, mostrava aplicações, exemplos e pedia uma atividade, porque não tinha prova na disciplina. (...), então eu mostrava exemplos de Podcast da área de Química e pedia para eles construírem um também. Ou, quando era uma ferramenta mais complexa, por exemplo, FlexQuest, então a gente pensava como montar um plano de aula para uma sequência de aulas que pudesse aplicar.
(P3).
Essa fala de P3 também o enquadra na categoria C2.2, que diz que os alunos também fazem uso das TIC em sua aula. Ou seja, na disciplina de P3 os alunos conhecem, elaboram e utilizam as TIC. Essa informação se relaciona com as considerações de Reis, Leite e Leão (2019), que realizaram uma investigação do currículo de Cursos de Licenciatura em Química (CLQ) no âmbito nacional e perceberam que algumas disciplinas tinham objetivos diferentes no quesito de tornar conhecidas, elaborar ou conhecer as TIC. Vale ressaltar que a ementa da disciplina, por si só, não seria suficiente se não fosse o modo como P3 trazia as discussões em sala de aula, pois como afirma Moura et al. (2012), o docente é figura demasiadamente importante nesse meio, pois ele irá ser o intermediador entre o aluno e a tecnologia dos softwares, desmistificando a suposição de que a informática é capaz de substituir o docente. Consideramos, portanto, a disciplina de P3 (TICEQ) como eficaz no sentido do uso pedagógico das TIC, promovendo não só um uso pelo docente, mas também incentivando o licenciando a elaborar e pensar em estratégias para uso das TIC e pensar nas possibilidades da elaboração de material digital. É importante salientar que P1 e P2 relataram que a existência de uma disciplina específica para trabalhar com o uso pedagógico das tecnologias na educação é relativamente recente no curso (considerando o tempo em que estão na instituição como docentes). Para P1,
Quando a gente tinha na matriz anterior só uma disciplina de Instrumentação [além de Práticas, P1 também ministra a disciplina de Instrumentação para o Ensino de Química I], nós não tínhamos ainda uma disciplina de Tecnologias, de uma discussão mais teórica das TIC. Na Instrumentação isso tudo era concentrado, então, eu fiquei vários anos com essa disciplina sem o suporte de uma disciplina de TIC sendo dado em paralelo e eu me sentia muito responsável por isso aí, mas eu não dava conta de tudo (...). Agora na disciplina de Instrumentação, apesar da gente não fazer uma discussão teórica das TIC porque já temos uma disciplina apropriada para isso, é impossível você pensar em uma Instrumentação para o Ensino sem trabalhar com as TIC (P1).
Como podemos observar na fala de P1, havia a preocupação acerca da exploração do uso das TIC antes da “criação” da disciplina TICEQ, porém essa preocupação era dentro de uma disciplina que não dava conta de explorar o uso pedagógico das TIC em sua totalidade. Nesse sentido, vemos a importância de disciplinas que tenham o objetivo especificamente sobre o uso pedagógico das TIC para que os licenciandos, por exemplo, possam elaborar recursos didáticos digitais durante sua formação e que posteriormente possam aplicar em sua prática docente. Acreditamos que os cursos de Licenciatura em Química de algumas universidades que não possuem em seus currículos disciplinas com especificidade de uso das TIC fazem descaso em relação às estratégias de uso dessa TIC pelos futuros docentes e colocam professores de disciplinas pedagógicas para “dar conta” de todas as estratégias didáticas existentes: softwares, experimentos, estudos de caso, estudos dirigido, método de descoberta, método de solução de problemas, aprendizagem tecnológica ativa, método de projetos, entre outros. Além de não seguirem as recomendações do Parecer CNE/CES nº 1.303, de 06/11/2001 – Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química – e a Resolução CNE/CES nº 8 de 11/03/2002, em que se coloca a necessidade de os licenciandos fazerem uso das TIC na sua formação inicial e aprenderem metodologias diferenciadas de ensino, visando favorecer a aprendizagem de seus futuros alunos (BRASIL, 2001).
Durante as entrevistas, observamos a preocupação dos docentes em relação aos currículos sobre como o licenciando, futuro professor, irá se utilizar das TIC, se irá fazer um uso que traga real benefício no processo de ensino e aprendizagem. Reis, Leite e Leão (2017) realizaram uma revisão sistemática de literatura em artigos científicos, constatando que existe um número pequeno de publicações com a preocupação em torno de quem irá utilizar ou de como ocorrerá essa utilização das TIC. Assim, defendemos a criação de disciplinas que tragam a discussão especificamente sobre as TIC. É claro que a criação dessas não isenta professores de outras disciplinas a trabalharem de forma pedagógica, pois, como argumenta P1, “apesar da gente não fazer uma discussão teórica das TIC porque eu já tenho uma disciplina apropriada para isso, é impossível você pensar em uma Instrumentação para o Ensino sem trabalhar com as TIC”, ou seja, por mais que P1 e P2 não tenham em sua disciplina uma discussão teórica acerca das TIC, ambos as utilizam em sua sala de aula. Nesse sentido, temos para o objetivo central 2 que todas as respostas foram enquadradas na categoria C2.4, considerando que todos afirmaram se utilizar de recursos disponíveis na Internet. Porém, de todos, somente P3 disse que além de utilizar os já disponíveis também elabora materiais digitais próprios para a disciplina e os utiliza em sala de aula, enquadrando-se na categoria C2.3. P3 argumenta que “teve aula que eu dei várias vezes sobre WebQuest. Eu montei uma pensando como eu entenderia que seria aplicável ao ensino de Química. Sobre termoquímica, eu mostrava uma que eu tinha elaborado e ia explicando cada etapa (…)”. Em sua fala, P2 diz que já elaborou vídeos, mas não específicos para a disciplina, e sim vídeos que eram para outro objetivo e que foram utilizados também na disciplina: “utilizei nas aulas materiais preparados para a Olimpíada Brasileira de Química que eu preparei, que são vídeos...”. E P1 diz não ter essa competência de elaboração de materiais digitais: “Eu não posso dizer que eu elaborei, mas na verdade, a gente sai pegando ferramentas que já estão prontas e vai criando algo novo a partir da articulação e da junção, da associação delas”, fazendo uso de “um vídeo aqui, um texto ali, cria um PowerPoint mais animado e assim por diante”. E complementa “não passa disso (…) elaborar tecnologicamente não, porque eu não tenho essa competência” (P1). Essa fala de P1 também se encaixa na categoria C3.1, que considera que o docente faz uma junção dos recursos já disponíveis na Internet. Isso nos leva às respostas do objetivo central 3, que diz respeito às estratégias de uso das TIC e que discutiremos a seguir.
As perguntas/momentos 7, 8 e 9 questionavam os docentes acerca das estratégias por eles utilizadas quando estão usando as TIC e qual(is) eles consideram essencial(is) para uma aula que faz a utilização das TIC. Reforçando, P1 traz um comentário, que como já colocamos acima, que se enquadra na categoria C3.1.
Eu acho que não existe hoje aula e principalmente dentro de uma disciplina de Instrumentação ou de Prática Pedagógica sem esse tipo de associação de vários recursos. Eu acho que se a gente fizer diferente ou ela se teoriza demais e perde o objetivo formativo ou ela se esvazia naquilo a que se pretende (...) então eu acho que isso é essencial, eu acho que sem isso nós não podemos mais dar aula, (...), eu diria que em qualquer disciplina, hoje, é essencial que se utilize os recursos de imagem, de animação [...].
(P1).
Em sua fala, P2 diz que também faz uma junção de recursos já disponíveis na Internet, também se enquadrando na categoria C3.1.
As estratégias são variadas, por exemplo, eu posso apresentar num exemplo de isomeria, colocar um vídeo que eu utilizo sobre a relação mutualística entre uma abelha e uma orquídea, e eu coloco ao lado, projeto no PowerPoint, a composição química do feromônio produzido pela fêmea, no caso, na vespa, e a essência emitida pela flor, e ao lado eu coloco numa tela, dentro do mesmo slide, o processo de atração da vespa pela orquídea, então eles vêm isso e discutem. (...) utilizo o outro vídeo que é um vídeo de MacGyver tampando um tanque de ácido sulfúrico com chocolate, então eu uso dentro de contextos diferentes (...) um vídeo com filme de Sherlock Holmes, por exemplo, vídeos que mostram o conteúdo, vídeos que analisam a postura do professor, a didática do professor, a estratégia utilizada pelo professor; por exemplo, professores utilizando música; no caso, de simuladores, tem simuladores sobre enantiômeros, então os alunos vão lá e fazem também simulação (...), então varia bastante.
(P2).
Já P3, quando questionado, traz em sua fala que sua estratégia é a discussão sobre os recursos, é promover uma aula dialogada quando possível para seus alunos, se enquadrando na categoria C3.2. A estratégia de P3 é descrita a seguir:
Eu sempre tentava fazer uma aula mais dialógica possível, não era uma aula expositiva, embora em alguns casos eles não tinham elementos para debater, coisas que eles não conheciam, exemplo, Webquest, ninguém conhecia. Então eu pensava num início mais teórico, mas eu tentava sempre mostrar e permitir o diálogo entre eles. (...) E eu pensava sempre em avaliar se essa TIC que eu usei trouxe aprendizado pro meu aluno. (...) uma aula que a gente fazia muito, era uma aula sobre vídeo didático, então eles se dividiam em grupos, um grupo gravava um vídeo sobre o assunto e o outro grupo avaliava esse vídeo.
(P3).
Podemos perceber, na fala de P3, que o uso das TIC na sua sala de aula era constante, até porque a disciplina era especificamente sobre Tecnologias e, quanto a isso, ele aponta uma dificuldade, que podemos observar em sua fala:
Eu acho que o que talvez pudesse ser mais proveitoso é que eles tivessem uma sala equipada com wi-fi, que eles tivessem seu próprio notebook, que eles pudessem fazer isso em tempo real, porque muitas vezes eu mostrava o recurso, eles tinham que ir embora para casa e fazer em casa, porque não tinha wi-fi, não tinha computador disponível. Tentei algumas vezes uma aula no laboratório deinformática, mas não consegui. Eu penso que talvez essa tenha sido uma limitação.
(P3).
Consideramos que seria adequado que todas as salas de aula tivessem um espaço apropriado para uso de tecnologias, porém temos que concordar com Sancho (2006), que diz que uma infra-estrutura adequada significa importante investimento econômico, especialmente difícil para países em desenvolvimento, que têm muitas outras necessidades. Ademais, questionamos se os docentes acreditam que suas disciplinas favorecem a capacidade do aluno de discernir na escolha consciente sobre as TIC; como a disciplina contribui caso o licenciado, futuro docente, tenha que usar as TIC em sua atividade profissional. Nesse sentido, P1 se enquadra na categoria C3.3, afirmando que quando os alunos terminam sua disciplina saem, ao menos, sensibilizados do uso das TIC: “Eu acho que eles são sensibilizados, agora, o quanto que eles incorporam ou vão incorporar isso na prática, isso realmente a gente não tem como avaliar” (P1). Já P2 e P3 trazem uma discussão de conscientização do momento e ambiente apropriado para o uso da tecnologia, se enquadrando na categoria C3.4. Observemos a fala de P2:
O que a gente discute sempre na estratégia não é essa capacidade de discernir, a gente trabalha muito nas possibilidades didáticas, então essas possibilidades didáticas se aplicam a diversos contextos, nas características das turmas (...) as estratégias vão depender do conceito que ele está trabalhando, do tipo de turma que ele está vivenciando.
(P2).
Para P3,
A gente sempre focava nessa questão, de pensar no lado positivo, o lado negativo, também falava muito da questão de entender o que a minha escola tem de recurso. Então eu não posso dar uma aula com WebQuest se a minha escola não tem um data show, não tem internet, os alunos não sabem usar o computador.
(P3).
É pujante destacar a pirâmide de interpretação de nível de importância do uso das TIC na educação proposta por Reis, Leite e Leão (2017), na qual consideram que as estratégias didáticas se encontram no topo da pirâmide por apresentarem o nível de maior importância quanto ao uso consciente das TIC na educação. A análise de contribuições e limitações dos recursos se encontra em segundo lugar, no meio da pirâmide, tendo em vista que o docente deve considerar essa análise em sua estratégia, visando as dificuldades que os alunos terão ao utilizar o recurso disponibilizado. E, por último, na base da pirâmide, o mero uso das TIC, com um fim em si mesmo, sem a preocupação quanto à estratégia utilizada. Portanto, observamos que os docentes (P1, P2 e P3) estão caminhando para o “topo da pirâmide” em sua prática pedagógica, pois estão abordando com os alunos as contribuições e limitações dos recursos tecnológicos. Assim, os alunos (futuros docentes) são conscientizados em relação ao momento e ambiente para se utilizar as tecnologias na educação. Destarte, poderão pensar nas diferentes estratégias de uso das tecnologias digitais.
Quando questionados sobre os recursos que mais utilizam (perguntas/momentos 7, 8 e 9), P1 respondeu que “não saberia te dizer qual é o recurso mais frequente. (...) pra não dizer assim: uso mais Internet ou uso mais o vídeo. Eu acho que as duas coisas vão se casando, (...), eu diria que hoje a Internet permeia tudo” (P1). Já P2 respondeu que
A TIC, no meu caso, não tá dentro de um contexto de vincular o conteúdo, ela está como estratégia pra ensino. (...) então a simulação é mais usada quando eu tô trabalhando com representação estrutural, a questão de vídeos é mais quando eu tô trabalhando com função ou representação ou com a própria isomeria. (...) Na questão de jogos também (...) tem alguns jogos eletrônicos que são usados.
(P2).
Já P3 diz:
tenho utilizado muito (...) a realidade aumentada, que é um trabalho fácil de fazer, não dá muito trabalho em termos de preparação, em termos do recurso utilizado, basta um smartphone, uma rede wi-fi; os alunos têm muito interesse, acham a aula bem dinâmica; (...) isso eu conheci num congresso (...) e trouxe pra minha prática e tenho usado com frequência. Também tenho usado recursos audiovisuais, data show, trabalhos pela internet.
(P3).
Das respostas obtidas pelos docentes, podemos perceber que todos fazem uso da Internet em suas aulas, seja para buscar um vídeo, uma simulação ou um jogo eletrônico. Isso corrobora com Leão (2011), que diz que é importante percebermos a necessidade da escola em se apropriar das TIC, em especial a Internet, integrando-as ao processo de ensino e aprendizagem através de seus protagonistas, alunos e docentes, com Leite (2015), ao reforçar o compromisso da escola na formação de cidadãos conscientes do seu papel transformador numa sociedade mais justa e igualitária, e com Oliveira et al (2016), que diz que o docente deve saber se apropriar das ferramentas que a Internet oferece com o objetivo de potencializar o seu trabalho, para que o ensino seja relevante para os estudantes.
Em relação à pergunta/momento 10, questionamos que atividades e recursos o docente mais utiliza em seu dia a dia, em nível pessoal. As respostas não foram diferentes das observadas anteriormente, com acréscimo de P3, que inseriu o smartphone como sendo seu principal recurso para uso.
Por fim, a pergunta/momento 11, em que deixamos o docente livre para comentar o que quisesse sobre as TIC na educação. P1 fez uma crítica ao próprio trabalho como docente:
O que eu acho que talvez, por exemplo, eu ainda não tenha introduzido e que talvez seja uma lacuna, fazendo até uma crítica minha ao meu próprio uso das TIC, são as ferramentas de comunicação. Eu já tentei, por exemplo, criar grupo de Facebook para que a gente faça discussão, mas eu acho que isso dispende muito tempo e é preciso uma organização forte do grupo com esse tipo de coisa.
(P1).
E acrescentou, em relação ao uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA):
Eu acho que, por exemplo, o uso do AVA, a gente tem disponível há tanto tempo e a gente usa muito pouco (...) Eu não uso por pura falta de tempo de programar e organizar esse ambiente, mas acho que ele deveria ser muito usado. (...) O AVA é criado, mas não existem os meios para que a gente use. Quem sabe, né, se um dia a gente tenha um departamento onde haja produção de material e que o professor tenha esse suporte. Porque o professor se acumula muito de atividades, então imagina que o professor teria que produzir o material, usar o material e depois dar conta de todo o resultado desse uso do material. Se fosse só dar aula era bom, mas quando você junta ensino, pesquisa, orientação de aluno, reunião, parte administrativa.
(P1).
A fala de P2 traz uma consideração em relação à utilização de vídeos de maneira inadequada por alguns docentes devido ao despreparo na formação inicial:
Os cursos, em seus currículos, não trabalham os aspectos teóricos em torno das mídias, então as TIC às vezes são exploradas mais como ferramentas do que, na verdade, dentro de um conteúdo de conjunto de estratégias que o professor precisa se apropriar também de modo teórico, então ele precisa ter uma leitura sobre potencialidades, sobre limitações, sobre deficiências, alguns tratam particularmente o vídeo como, até o professor Moran usa essa frase, como “tapa-buraco”. (...) muitos professores só tem contato com vídeos ou, pelo menos com a parte teórica, quando estão no exercício profissional. Na formação inicial deles, eles não foram preparados para isso, isso é desconsiderado.
(P2).
Ao apresentar uma citação de Moran (1995) sobre a questão do uso de vídeos, P2 evoca os cuidados descritos pelo autor em relação ao uso do vídeo em sala de aula. Para Moran (1995), o vídeo tapa-buraco é aquele quando o professor usa o vídeo de modo inadequado na sala de aula, colocando-o quando há um problema inesperado, como, por exemplo, ausência do professor, podendo ser entendido pelo estudante que seu uso só ocorre quando o professor falta à aula. Ademais, é importante destacar que desde que se iniciou a inserção do vídeo no ambiente escolar, até os dias atuais, muito pouco se investiu em programas de formação que capacitassem os docentes para uma melhor utilização do vídeo e/ou visassem um real aproveitamento do potencial didático educativo desse recurso. A fala de P2 também reforça ainda mais a discussão do nosso trabalho, que visa justamente alertar sobre a importância de se falar sobre as estratégias que são utilizadas em torno das TIC. Concordamos com a fala de P2 quando ele coloca que “então ele (o docente) precisa ter uma leitura sobre potencialidades, sobre limitações, sobre deficiências”, pois entendemos que se o professor, formador de professores, for dependente do que tiver atingido na sua formação inicial e seu alunado fizer o mesmo, dificilmente veremos uma mudança efetiva na educação – é certo que existem outras nuances que contribuem para essa mudança. Quanto à fala de P3, o docente relata
Uma dificuldade que eu notei na minha prática enquanto professor da cadeira de TIC na licenciatura, é que ela era apresentada no segundo período do curso. Então era difícil discutir, exemplo: Vamos montar um vídeo didático sobre química orgânica; eles não conheciam o conteúdo ainda, então se ela fosse colocada mais pra frente do curso, ela seria mais proveitosa (...) Talvez fosse mais apropriado colocar da metade do curso para o final, até porque daí eles já foram em escola, já fizeram estágio, já tem uma noção de realidade, já iriam pensar “será que eu posso usar isso em todas as aulas”, “será que eu posso usar isso aqui nessa escola”.
(P3).
A fala de P3 é pertinente, pois inclusive em concordância com o que descrevemos no início do nosso trabalho, que ao bom professor é necessário mais do que o conhecimento do conteúdo específico, é também necessário o conhecimento pedagógico e tecnológico (KOEHLER; MISHRA, 2005). Assim, a formação do docente para o uso das TIC compreenderia a aquisição de conhecimentos de conteúdo específico nos semestres iniciais do curso e a aplicação desses conhecimentos em semestres posteriores, no interior de disciplinas que veiculam conhecimentos pedagógicos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista nosso objetivo, que era analisar através de entrevistas as estratégias didáticas envolvidas no uso das TIC por três docentes de disciplinas que fazem menção às TIC em sua ementa no curso de Licenciatura em Química da UFRPE, as entrevistas realizadas permitiram apontar que todos os docentes entrevistados utilizam as TIC com estratégias diversas. P1 elabora sua aula fazendo uso de diferentes recursos disponíveis na Internet, usando-os em momentos específicos da aula. P2 também faz uma junção dos recursos existentes e discute a partir deles em sala de aula. P3 tem um diferencial, que é ter o foco da disciplina para o ensino das TIC. Assim, dos três professores entrevistados, observamos que P3 apresenta um destaque no uso das estratégias, pois além de utilizar as tecnologias em sua prática docente ele solicita que os alunos elaborem materiais e planejem suas aulas com os recursos disponíveis na Internet.
Por fim, acreditamos que este trabalho contribuiu para a reflexão da importância da formação continuada de professores no que diz respeito ao uso das TIC e na reflexão da prática docente, no sentido que investigou as estratégias em torno do uso das TIC e fez uma abordagem da importância do uso pedagógico delas. Os resultados obtidos com este trabalho serão importantes para considerarem, nos cursos de licenciatura, uma vez que chama a atenção para a importância de disciplinas específicas que tratem sobre as TIC e sobre o papel de professores específicos para essas disciplinas.