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ETD Educação Temática Digital

versão On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.23 no.3 Campinas jul./set 2021

https://doi.org/10.20396/etd.v23i3.8666355 

APRESENTAÇÃO

INTERCULTURALIDADE E IMIGRAÇÃO: IMPACTOS E DESAFIOS À EDUCAÇÃO

INTERCULTURALITY AND IMMIGRATION: IMPACTS AND CHALLENGES TO EDUCATION

INTERCULTURALIDAD E INMIGRACIÓN: IMPACTOS Y RETOS PARA LA EDUCACIÓN

Adecir Pozzer1 

Elcio Cecchetti2 

José María Hernández Díaz3 

1Doutor e mestre em Educação - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Assessor da Diretoria de Ensino da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. Membro dos Grupos de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento (FURB) e Hermenêuticas da Cultura, Mundo e Educação (UFSC). E-mail: pozzeradecir@hotmail.com

2Doutor e mestre em Educação - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Membro do Grupo de Pesquisa SULEAR (Educação Intercultural e Pedagogias Decoloniais na América Latina). E-mail: elcio.educ@gmail.com

3Catedrático de Teoria e História da Educação - Universidade de Salamanca, Espanha. Coordenador do Grupo de Investigação Helmantica Paideia. Diretor de História da Educação. - Revista Interuniversitária e da Revista AULA, da Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca, Espanha. E-mail: jmhd@usal.es


O presente dossiê resulta de experiências, estudos e reflexões compartilhadas no II Colóquio Internacional Educación y Interculturalidad, promovido pela Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca (USAL/Espanha), em de abril de 2019, com o tema Interculturalidad e Inmigración: impactos y desafíos en la educación. O evento ocorreu em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/Brasil), a Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó/Brasil), a Universidade Regional de Blumenau (FURB/Brasil), a Associação de Alunos Brasileiros da Universidade de Salamanca, e obteve o apoio de outras universidades brasileiras e latino-americanas.

O dossiê Interculturalidade e Imigração: impactos e desafios à educação conta com a participação de autores com atuação e intercâmbios em diferentes países, com incidência acadêmica nos temas da educação, imigração e interculturalidade, a partir de uma abordagem interdisciplinar.

A interculturalidade, perspectiva que permeia os artigos do dossiê, preconiza a ampliação dos diálogos e inter-relações entre povos e culturas. É um paradigma que fomenta o compartilhamento de saberes, conhecimentos e experiências, gerando aprendizagens e mútuo reconhecimento sociocultural. É sabido que as relações interculturais ocorrem em meio a tensões, conflitos e jogos de interesse, justamente porque se opõem às lógicas padronizantes do mundo contemporâneo, sustentadas pela modernidade capitalista que, em geral, oprime e nega a pluralidade e o diverso, afetando sobremaneira a subsistência digna das pessoas e grupos, além de expropriar o meio ambiente. E um notável exemplo dessa complexidade está relacionado aos fluxos migratórios contemporâneos.

Embora os deslocamentos humanos remontem a um passado longínquo, a intensidade com que têm ocorrido nos últimos anos, bem como as crescentes restrições contra imigrantes, tornaram-se elementos de grande preocupação. Em grande parte, são provocados por desigualdades sociais, conflitos étnicos, políticos ou religiosos, resultado de processos coloniais e de expansão desenfreada do capitalismo neoliberal. Associado às migrações, especialmente quando se trata de refugiados, estão os altos índices de casos de racismo e xenofobia, o que indica a necessidade de políticas públicas que de fato assegurem os direitos humanos. Diretamente afetadas pelos fluxos migratórios, escolas e universidades são desafiadas a criarem mecanismos de acolhida, inclusão e reconhecimento, com a finalidade de promoverem os direitos de aprendizagem e desenvolvimento.

No intuito de contribuir com o debate acerca dos desafios que os processos migratórios contemporâneos apresentam ao campo educacional, é objetivo deste dossiê problematizar, refletir e sinalizar aportes para o pensamento filosófico-educacional contemporâneo, de modo a ampliar a capacidade de análise da realidade socioeducacional, reconhecendo a complexidade dos desafios e, ao mesmo tempo, as possibilidades formativas e de reaprendizagem cultural que as migrações e a diversidade cultural proporcionam.

Isso requer das instituições educacionais uma resposta minimamente condizente com os ideais das sociedades democráticas. As atitudes exigidas estão relacionadas a políticas de acolhimento e reconhecimento por parte dos sistemas de ensino. Não se trata, portanto, de meros formalismos, mas de mudança de postura por parte dos agentes públicos que atuam no campo educacional, a fim de que fomentem a acolhida e exerçam qualificada mediação pedagógica essencial para o processo de aprendizagem, especialmente em um contexto ainda mais desigual e excludente gerado pelos efeitos da pandemia do COVID-19.

Nesse sentido, o presente dossiê é relevante ao campo educacional por conta da diversificação de abordagens, reflexões e experiências de perspectiva intercultural. São estudos e relatos que ampliam o conjunto de referenciais para a realização de leituras e análises contextuais, especificamente em territórios demarcados pela diversidade cultural e pelos fluxos migratórios atuais. Para isso, apresenta estudos e reflexões que entrecruzam diferentes áreas, tais como a filosofia, história, sociologia, pedagogia, direito, antropologia, dentre outras.

Além de se constituir em uma fonte de estudos para pesquisas futuras, o presente Dossiê intenta contribuir com processos de formação docente (inicial e continuada), em distintas áreas do conhecimento. Ademais, apresenta argumentos críticos capazes de mobilizar e transformar imaginários, especialmente os que reduzem o fenômeno da migração e do diálogo intercultural a questões instrumentais e burocráticas, abrindo espaço para a reprodução de práticas descomprometidas com os direitos humanos em contextos educacionais.

O dossiê apresenta estudos a partir dos quais os sistemas e redes de ensino podem debater, refletir e traçar paralelos, no intuito de criar políticas e estratégias de enfrentamento de problemáticas e situações contextuais. Pode, ainda, contribuir na identificação de lacunas quanto ao atendimento de imigrantes e refugiados nas escolas e universidades, a partir do ponto de vista linguístico, cultural, social e educacional.

Partindo do contexto delineado, temos a satisfação de apresentar brevemente o que cada um dos artigos oferece:

O primeiro texto, de autoria de Raúl Fornet-Betancourt, intitulado Interculturalidad, migración y educación en el mundo contemporáneo, apresenta algumas reflexões sobre a interculturalidade e as migrações contemporâneas, seus impactos e desafios para a educação, a partir da perspectiva da filosofia intercultural. Esse autor entende “interculturalidade e migrações contemporâneas” como elementos de um contexto maior o qual denomina de “nosso mundo de hoje”. É a partir desse contexto que o autor reflete e situa os impactos e desafios para a educação.

Na sequência, Rosana Silva de Moura e Adecir Pozzer, por meio do texto Sentidos de espacialidade como dimensão formativa: uma incursão filosófica no fenômeno das migrações, refletem sobre sentidos de espacialidade como uma dimensão formativa, seja na academia, seja em relação ao fenômeno das migrações. Partem da compreensão de que os sujeitos estão sempre situados hermeneuticamente e que isso tem como base fundamental a espacialidade. Na ótica da fenomenologia hermenêutica, a espacialidade conjuga espaço e tempo de modo próprio, porquanto se orienta pelo sentido de ser-no-mundo. O propósito do ensaio é o de pensar alguns aspectos desse fenômeno considerando o exercício de pensamento de caráter formativo, orientado por uma perspectiva filosófico-conceitual e por aquilo de daí emerge ou se desvela.

José María Hernández Díaz, com o texto Emigrantes, refugiados y educación en España en la fiesta de la ciencia de la universidad, faz uma seleção representativa de discursos proferidos em diferentes universidades espanholas em um momento especial, que é o dia de abertura do ano letivo, denominado Festival da Ciência, nos últimos 80 anos. Os oradores estudados são catedráticos de sua especialidade no âmbito das ciências sociais, o que demonstra um forte simbolismo de poder e autoridade intelectual. A reflexão principal extraída dos discursos inaugurais conduz à aposta por uma educação intercultural e de acolhida de imigrantes e refugiados, e pelo compromisso que sugerem às universidades em contribuir na mitigação ou resolução dos conflitos derivados da imigração em massa e seu estabelecimento em determinadas áreas geográficas espanholas.

Pedro Garrido, em seu texto intitulado Desafíos y oportunidades del sistema educativo ante la inmigración y la diversidad cultural, aborda três questões-chave do sistema educacional atual. As primeiras são as variáveis que intervêm no processo de migração no que diz respeito à educação dos alunos imigrantes. Em segundo lugar, analisa a situação atual dos alunos imigrantes, marcada por uma baixa escolaridade nas fases pós-obrigatórias, uma taxa de repetência do ensino médio e baixas expectativas socioeconômicas. Uma terceira questão diz respeito à resposta que os sistemas educacionais devem oferecer aos alunos imigrantes. Argumenta que isso deve passar sempre pela promoção de um modelo intercultural na educação e na sociedade, capaz de possibilitar a igualdade de oportunidades e que garanta uma educação equitativa, inclusiva e de qualidade, gerando interação e enriquecimento mútuo através de metodologias ativas e aprendizagem cooperativa.

Em seguida, Santiago Esteban Frades e Carmen Romero Ureña, com o artigo intitulado El proceso de la migración en relación con la educación del alumnado inmigrante en España: integrantes a tener en cuenta, tratam das migrações como sendo um problema não resolvido de ordem mundial. Para os autores, uma visão unicamente educativa do assunto seria insuficiente, pois é necessário levar em consideração outras questões como a permanência legal, o trabalho, a moradia, a saúde, o idioma, o exercício cultural e religioso, a participação social. Analisam a situação da escolarização dos estudantes imigrantes desde o ponto de vista jurídico, pedagógico e documental. Afirmam que existe o direito à educação para o estudante imigrante, mas que se produzem dificuldades para a sua integração escolar. Para eles, a escolarização na Espanha não apresenta graves problemas e se oferece em condições dignas, mas há aspectos a melhorar. Por isso, é necessário aprofundar a perspectiva intercultural e inclusiva.

No intento de contribuir para a transformação intercultural da gestão escolar, Zenaide Borre Kunrat e Elcio Cecchetti, em Educação intercultural crítica e suas potencialidades para outra gestão escolar, analisam como gestores escolares de três escolas públicas situadas no município de Chapecó/SC concebem, narram e se posicionam em face de problemáticas decorrentes da relação entre os(as) diferentes no cotidiano escolar. Os resultados indicaram que a educação intercultural crítica se apresenta como uma possibilidade para a gestão da diversidade em instituições complexas e diversas como a escola pública. Apontam a necessidade de uma política pública que estimule o reconhecimento dos diferentes, problematize relações desiguais de poder e criem condições efetivas para o exercício do diálogo. Conclui que existem muitas ações e intenções positivas em curso nas escolas estudadas, porém insuficientes para superar uma cultura escolar assentada nos paradigmas da exclusão, padronização e monoculturalidade.

Com o artigo A oralidade na construção de um ethos educativo Kaingang, Leonel Piovezana, Fernanda Machado Dill, Cláudia Battestin e Anderson Luiz Tedesco refletem e analisam as relações constituintes do ethos histórico, as quais estão marcadas por intensas e violentas interações e contínuos projetos de dominação dos povos originários. Orientam o pensar a partir desse ethos histórico, cultural e comunitário, articulando-o com os conhecimentos construídos a partir da tradição oral nas comunidades Kaingang, o que justifica a adoção de uma metodologia da história oral. Objetivam compreender como o ethos dos povos originários pode ser um lugar de aconchego, de memórias, de princípios educativos que regem a vida dos povos Kaingang. Consideram que a constituição de um ethos educativo Kaingang consiste em assegurar seu protagonismo, autonomia e sentido comunitário na construção do diálogo, respeito e reconhecimento em relação a um ethos da pluralidade.

Desejamos que o conjunto de reflexões, pesquisas e experiências reunidas neste dossiê sensibilizem e fomentem a continuidade de estudos e ações que contribuam para com a ampliação da compreensão dos problemas atuais, especialmente os derivados da inter-relação entre imigração, educação e interculturalidade, em suas dimensões e interfaces epistemológicas, pedagógicas, éticas e sociopolíticas.

Agradecemos a todos os autores e autoras pela participação nesta edição e desejamos a todos uma boa leitura!

Revisão gramatical realizada por: Jakeline Mendes

E-mail: jakeline@unochapeco.edu.br

REFERÊNCIAS

LEURI, Reinaldo M. (Org.). Intercultura e movimentos sociais. Florianópolis: MOVER / NUP, 1998. [ Links ]

TEIXEIRA, Paulo Eduardo; BRAGA, Antonio Mendes da Costa; BAENINGUER, Rosana Apresentação. In: TEIXEIRA, Paulo Eduardo; BRAGA, Antonio Mendes da Costa; BAENINGUER, Rosana (Org.). Migrações: implicações passadas, presentes e futuras. Marília: Oficina Universitária, São Paulo: Cultura acadêmica, 2012. p. 7-21. [ Links ]

WALSH, Catherine. Construir Interculturalidad. Consideraciones críticas desde la política, la colonialidad y los movimientos indígenas en Ecuador In: FULLER, N. (Ed.) (2002) Interculturalidad y política, desafíos y posibilidades. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú - Universidad del Pacifico-Instituto de Estudios Peruanos, 2002, p. 115-142. [ Links ]

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