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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.1 Campinas ene./apr 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i1.8665777 

Relato de Experiência

OS DESAFIOS DO USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

THE CHALLENGES OF THE USE OF DIGITAL TECHNOLOGIES IN EDUCATION IN PANDEMIC TIMES

LOS RETOS DEL USO DE LAS TECNOLOGÍAS DIGITALES EN LA EDUCACIÓN EN TIEMPOS DE PANDEMIA

Ana Carolina Reis Pereira1 

1Doutora em Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Campinas, SP -Brasil. Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) -Amargosa, BA -Brasil. E-mail: anacarolinareis@ufrb.edu.br


RESUMO

Com as medidas de prevenção adotadas em decorrência da Covid-19, os sistemas educativos viram-se frente a uma reestruturação que envolveu a incorporação súbita das tecnologias digitais para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem realizado exclusivamente de forma virtual. Assim, o artigo teve por objetivo relatar as experiências pedagógicas de uma professora, adaptadas para o ensino remoto, síncrono e assíncrono, no período de julho de 2020 a maio de 2021, em duas instituições de ensino superior, localizadas no estado da Bahia. Trata-se de um estudo exploratório, qualitativo, do tipo Relato de Experiência, elaborado através da observação participante, cujas análises assumiram a forma de um balanço das atividades realizadas por meio das tecnologias digitais, tais como Blackboard, Google Meet, Google Classroom, Socrative, Kahoot, Mentimeter e Padlet. Autores como Lévy (2005), Virilio (1996), Ortiz (2007), e Trindade e Moreira (2017), ajudaram-nos a problematizar a situação relativa ao acesso às tecnologias da informação e da comunicação e ao ensino remoto entre nós. Foi possível identificar potencialidades e desafios no uso dessas ferramentas tecnológicas, tais como o desenvolvimento da autonomia, do protagonismo e do engajamento dos estudantes; a necessidade de formação dos(as) professores(as) para o uso pedagógico das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), e de políticas públicas que transformem a aquisição de equipamentos e o acesso à internet em direito, para que milhares não sejam excluídos do processo educativo, colaborando para aprofundar ainda mais as desigualdades educacionais e sociais no Brasil contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE Educação superior; Tecnologia Digital; Exclusão digital

ABSTRACT

With the preventive measures adopted as a result of Covid-19, educational systems faced a restructuring that involved the sudden incorporation of digital technologies for the development of the teaching-learning process carried out exclusively in a virtual way. Thus, the article aimed to report the pedagogical experiences of a teacher, adapted for remote, synchronous and asynchronous teaching, from July 2020 to May 2021, in two higher education institutions, located in the state of Bahia. This is an exploratory, qualitative study, of the Experience Report type, elaborated through participant observation, whose analyzes took the form of a balance of activities carried out through digital technologies, such as Blackboard, Google Meet, Google Classroom, Socrative, Kahoot, Mentimeter and Padlet. Authors such as Lévy (2005), Virilio (1996), Ortiz (2007), and Trindade and Moreira (2017), helped us to problematize the situation regarding access to information and communication technologies and remote teaching among us. It was possible to identify potentialities and challenges in the use of these technological tools, such as the development of students' autonomy, protagonism and engagement; the need for teacher training for the pedagogical use of Digital Information and Communication Technologies (TDIC), and public policies that make the acquisition of equipment and access to the Internet a right, so that thousands are not excluded from the educational process, collaborating to further deepen educational and social inequalities in contemporary Brazil.

KEY WORDS Higher education; Digital technology; Digital exclusion

RESUMEN

Con las medidas preventivas adoptadas como resultado de Covid-19, los sistemas educativos enfrentan una reestructuración que implicó la incorporación repentina de las tecnologías digitales para el desarrollo del proceso de enseñanza-aprendizaje llevado a cabo exclusivamente en forma virtual. Así, el artículo tuvo como objetivo presentar las experiencias pedagógicas de una maestra, adaptadas para la enseñanza remota, sincrónica y asincrónica, de julio de 2020 a mayo de 2021, en dos instituciones de educación superior, ubicadas en el estado de Bahía. Se trata de un estudio exploratorio, cualitativo, del tipo Informe de Experiencia, elaborado a través de la observación participante, cuyos análisis tomaron la forma de un balance de actividades realizadas a través de las tecnologías digitales, como Blackboard, Google Meet, Google Classroom, Socrative, Kahoot, Mentimeter y Padlet. Autores como Lévy (2005), Virilio (1996), Ortiz (2007) y Trindade y Moreira (2017), nos ayudaron a problematizar la situación del acceso a las tecnologías de la información y la comunicación y de la enseñanza remota entre nosotros. Se logró identificar potencialidades y desafíos en el uso de estas herramientas tecnológicas, como el desarrollo de la autonomía, el protagonismo y el compromiso de los estudiantes; la necesidad de formación docente para el uso pedagógico de las Tecnologías de la Información y la Comunicación Digitales (TDIC), y políticas públicas que hagan de la adquisición de equipos y acceso a Internet un derecho, para que miles no queden excluidos del proceso educativo, colaborando para profundizar aún más las desigualdades educativas y sociales en el Brasil contemporáneo.

PALABRAS CLAVES Educación universitaria; Tecnología digital; Exclusión digital

1 INTRODUÇÃO

Segundo Ortiz (2007), o sentido que hoje possuímos acerca da tecnologia é decorrente da revolução industrial, representada pela passagem de uma era mecânica para uma outra, elétrica/eletrônica, que passa a integrar o cotidiano das pessoas, de modo que a expressão “era do conhecimento e da informação” revela a onipresença dos meios digitais em todas as instâncias da vida: no trabalho, nos espaços sociais, na vida pessoal, ou enfim, em toda a experiência humana. Associada à globalização, promove uma dinâmica mundial de circulação de mercadorias, informações, e também de alguns comportamentos (vestimentas, músicas, comidas, hábitos, etc.), que esse autor denominou de mundialização da cultura.

Donde se conclui que o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), associado ao surgimento da internet e do ambiente virtual, ou ciberespaço, não só modificou a organização dos sistemas sociais, políticos, econômicos e culturais em âmbito global, mas também ensejou a constituição de uma nova cultura, a cibercultura, que na definição de Pierre Lévy (2005, p. 17), expressa "[...] o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”.

Destacamos que o campo da educação vem sendo amplamente afetado pela utilização das TICs há já algum tempo, entretanto, ainda estávamos imersos em um debate entre os defensores das novas tecnologias no contexto educacional e aqueles refratários aos seus usos neste lócus. Porém, tudo isso muda com a obrigatoriedade do distanciamento social como forma de evitar a disseminação e o contágio provocados pelo Sars-CoV-2 (também denominado de Covid-19).

Com a pandemia da Covid-19, espaços que tinham como atividade e objetivo principal a educação formal presencial viram-se frente à incorporação súbita e irrestrita das TICs para o desenvolvimento de suas práticas, a partir dali realizadas exclusivamente de forma virtual. E enquanto o uso de novas tecnologias se configura nesse contexto como um processo irreversível, questões sobre como professores(as) e alunos(as) deveriam usar a tecnologia e sobre o que é necessário compreender a seu respeito estão sendo adiadas, quando este deveria ser o cerne da questão, ao menos enquanto não se vislumbra a vacinação de um percentual significativo da população, condição que permitiria pensar em um retorno seguro às aulas presenciais, para todos.

Entretanto, no que concerne ao uso das tecnologias digitais, há inúmeras discrepâncias entre os(as) professores(as), observadas em uma mesma instituição de ensino. Eles(as) estão despreparados(as) para utilizar a tecnologia digital em suas aulas, e se interrogam sobre seu uso conformar-se a sua prática pedagógica, e sobre como devem utilizá- la para empreender o processo de ensino-aprendizagem (SILVA et al., 2021). Na grande maioria dos casos, os(as) professores(as), sem necessariamente passar por formações que subsidiassem a incorporação das tecnologias digitais em suas práticas pedagógicas, viram-se frente à necessidade de inseri-las nos processos de ensino-aprendizagem.

A obrigatoriedade do ensino remoto tem desafiado o(a) professor(a) a buscar novas metodologias, pois a necessária inserção das ferramentas tecnológicas nas suas práticas pedagógicas altera de modo muito significativo as formas de ensinar e de aprender. Assim, o presente texto é resultado de um relato de experiência sobre o uso de ferramentas tecnológicas nas atividades pedagógicas, realizadas de modo remoto, no contexto da educação superior, no estado da Bahia.

O trabalho pedagógico desenvolvido buscou promover um processo de ensino-aprendizagem que articulasse de modo consequente as tecnologias digitais à educação, identificando estratégias que poderiam mobilizar o interesse dos(as) alunos(as) através do uso de diferentes aplicativos que facilitariam a abordagem e a consolidação dos conhecimentos abordados nas disciplinas. De modo que a pergunta que este texto busca responder é: o que fazer para possibilitar os processos de ensino e de aprendizagem com o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) no contexto do ensino remoto?

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Assim, é possível concluir que a implementação do ensino remoto no Brasil tem sido profundamente influenciada pela capacidade de cada professor(a) para utilizar as ferramentas digitais, pela falta de infraestrutura, pela negligência por parte do poder público para solucionar esta questão e pela ausência de políticas de formação continuada para professores(as).

Segundo o relatório da Fundação Getúlio Vargas (BARBERIA; CANTARELLI; SCHMALZ, 2020, p. 15), realizado entre março e outubro de 2020, o estado da Bahia, responsável pelo ensino médio, ficou em último lugar no ranking brasileiro de educação pública a distância durante a pandemia. Ainda de acordo com esse mesmo estudo, essa posição resulta da ausência de respostas quanto à adaptação e implementação dos sistemas digitais para a oferta do ensino médio remoto, o que só ocorreu em março de 2021. Já a capital, Salvador, responsável pela educação infantil e pelo ensino fundamental, adequou-se mais rapidamente, tendo ficado em primeiro lugar entre as capitais brasileiras. No contexto da educação superior, embora não tenhamos dados estatísticos que indiquem como está sendo realizado o ensino remoto neste momento, no estado da Bahia, todas as instituições públicas de ensino superior já iniciaram o semestre letivo nesse formato. O estudo afirma ainda que

[...] identificamos evidências que sugerem que desigualdades preexistentes foram amplificadas durante a pandemia. Especificamente, nós enfatizamos três achados principais nessa seção. Primeiro, houve atrasos significativos na introdução de programas de educação à “(sic)” distância em ambos os níveis estadual e municipal. Segundo, os planos foram desenhados com importantes deficiências. Por fim, os tipos de programas introduzidos exacerbaram desigualdades educacionais preexistentes.

(BARBERIA; CANTARELLI; SCHMALZ, 2020, p. 16)

Nesse sentido, o conceito de dromocracia, concebido por Paul Virilio em seu livro Velocidade e Política (VIRILIO, 1996), se apresenta como uma possibilidade para o entendimento destas questões. Dromos é um prefixo grego que significa rapidez, e também estratégia e tática. Com a concepção de dromocracia, esse autor vincula a velocidade à guerra, que definirá como expressões de um mesmo processo, para criticar a estrutura sociotécnica, cujo sistema de organização do trabalho industrial, na passagem do século XIX para o XX, volta-se para o aumento da produtividade que resultará na aceleração da vida humana como um todo.

Segundo Virilio (1996), na primeira metade do século XX, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação eletrônica introduziu a aceleração do lazer, antes restrita à produção industrial, na esfera do tempo livre. Deste modo, os meios de comunicação de massa incorporaram na vida social o processo de dromocratização da existência, cuja expressão mais sofisticada é, no seu entendimento, a cibercultura.

Com efeito, a popularização do uso dos computadores e da internet, originalmente através da informatização do mundo do trabalho, e depois através do uso doméstico e cotidiano dos computadores, notebooks, tablets, smartphones, etc., inseriu a velocidade tecnológica em todas as dimensões da vida na contemporaneidade, ocasionando a “dromocratização generalizada da existência” (TRIVINHO, 2005).

Também Lévy (2005) advertiu que a velocidade do surgimento de novas tecnologias da informação e da comunicação e a constante atualização daquelas já existentes, impactariam de modo muito significativo o mundo do trabalho, haja vista que trabalhar, no contexto da cibercultura, implica aprender e construir e trocar saberes e experiências. Isso porque as tecnologias intelectuais, segundo a expressão do autor, são dinâmicas e fazem com que o trabalhador tenha que se adaptar às constantes transformações e necessidades das empresas; assim, na era digital, as funções humanas variam tanto que dificilmente uma pessoa concluirá seu percurso profissional na mesma área ou função em que iniciou sua carreira, pois muitas mudanças ocorrerão no decorrer dessa trajetória.

Na sociedade dromocrática, afirma Virilio (1996), a velocidade atende os interesses do capital, destruindo as unidades sensíveis de tempo e incorrendo em uma violência que é objetivada na própria dinâmica da cibercultura ao promover uma dupla exclusão: separa os que não conseguem acompanhar os avanços tecnológicos dos excluidores, aqueles que impedem o acesso dos excluídos às inovações porque o mercado de trabalho não absorverá a todos, o que torna imprescindível a aquisição do conhecimento relativo ao uso destas tecnologias. É precisamente este o fenômeno que Virilio define como “dromoaptidão”.

No contexto educacional brasileiro, a violência da infotécnica é evidenciada pelas desigualdades e assimetrias quanto ao seu uso nesse lócus, pois, além da falta de equipamentos para o uso pedagógico das TICs e da internet, há inúmeros professores(as) que não conseguiram acompanhar as constantes mudanças tecnológicas em curso na atualidade. Embora à época em que escreveu sobre a “cibercultura”, em fins dos anos 90, o próprio Pierre Lévy (2005) apostasse no aumento do número de pessoas conectadas à internet, face ao gradual barateamento dos serviços e otimização do acesso, ele não ignorava os riscos da exclusão virtual.

Nesse sentido, a democratização no acesso às TICs ainda não é uma realidade no Brasil, pois há profundas desigualdades no que concerne ao acesso às tecnologias para muitas crianças, jovens e adultos na atualidade, e há milhares de estudantes que sequer possuem os aparatos tecnológicos que lhes permitiriam acompanhar as aulas de forma remota.

É o que revelou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD TIC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018: embora tenha havido um crescimento no percentual de domicílios que utilizam a internet, que, de 2016 para 2017 subiu de 69,3% para 74,9, uma em cada 4 pessoas no Brasil ainda não tem acesso à internet. Em números totais, isso representa cerca de 46 milhões de brasileiros que não acessam a rede. Estes dados evidenciam que houve um avanço significativo no acesso à internet, mas que ainda possuímos grandes contrastes sociais. Em áreas rurais, por exemplo, o índice de pessoas sem acesso à internet é ainda maior do que nas cidades, chegando a 53,5%. Em áreas urbanas, esse percentual é de 20,6%.

Ainda de acordo com essa pesquisa, 41,6% das pessoas que não têm acesso à internet afirmam que não sabem usar a rede; já 34,6%, admitem não ter interesse. Por outro lado, 11,8% destas pessoas consideram dispendioso o acesso à internet, e 5,7% acham caro o equipamento necessário para acessá-la − como telefone celular, notebook e tablet. De acordo com 4,5%, não há cobertura de internet no local em que vivem, percentual que é mais acentuado na região Norte, onde 13,8% das pessoas não acessam a internet pela indisponibilidade do serviço; já na região Sudeste esse percentual é de apenas 1,9%.

Os dados revelam que, no Brasil, a exclusão digital é resultado e expressão de outras exclusões: sociais, econômicas, políticas e culturais, haja vista que quem possui mais recursos financeiros, ou vive em regiões mais desenvolvidas, tem maior acesso à tecnologia. Deste modo, é possível afirmar que, entre os brasileiros, a exclusão digital perpetua as desigualdades sociais.

Assim, a implementação do ensino remoto no Brasil tem sido influenciada não apenas pelo nível de familiaridade que os(as) professores(as) possuem com as ferramentas digitais, mas também tem sido profundamente afetada pela ausência de políticas públicas que assegurem investimentos em infraestrutura, equipamentos tecnológicos e formação continuada para que os(as) professores(as) tenham condições de empreendê-la de modo adequado.

Essas carências são também identificadas no âmbito da educação superior. Além da ausência de investimentos e de formação adequada, no contexto da pandemia o que se tem observado é uma espécie de transposição das práticas pedagógicas presenciais para o mundo virtual. Entretanto, para usar adequadamente os recursos tecnológicos em benefício da aprendizagem seria necessária a implementação de um novo modelo pedagógico; para tanto, o professor(a) precisaria, primeiro, reconhecer-se na condição de aprendente digital e, segundo, romper com a ideia de ser detentor(a) do saber, tendo em vista a criação de aulas que mobilizassem toda a potencialidade pedagógica das ferramentas tecnológicas, capazes de estimular o estudante a buscar uma aprendizagem significativa. Para isso, o(a) professor(a), no contexto do ensino remoto, deveria passar a ser o(a) mediador(a) do conhecimento, “[...] um professor que atue como coordenador do processo de aprendizagem de seus alunos e que faça mais perguntas do que dê respostas prontas” (SCHNEIDER, 2011, p.57).

Lévy (2005), ao refletir sobre o papel da educação no contexto da cibercultura, afirmou que a democratização do acesso à informação engendrou novas formas de elaboração e difusão do conhecimento que destoam dos métodos tradicionais de ensino. Assim, propõe que o(a) professor(a), para incorporar de modo mais significativo as tecnologias da informação e da comunicação em sua prática pedagógica, abandone a transmissão vertical dos conteúdos e atue como um(a) mediador(a) no processo de construção do conhecimento dos(as) alunos(as).

Neste sentido, há inúmeras ferramentas digitais disponíveis para uso pedagógico. É o caso do fórum, do chat, do WIKI, do blog, do site, do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), além dos aplicativos já citados. No entanto, embora seja possível encontrar na literatura uma profusão de designações para caracterizar a presença das tecnologias da informação e da comunicação na vida cotidiana de toda uma geração de crianças, jovens e adultos, tais como Nativos Digitais (PRENSKY, 2001), Geração Digital (MONTGOMERY, 2009) ou iGeneration (ROSEN, 2010), o que se tem observado é que o uso destas tecnologias pelos estudantes restringe-se à conexão social, como evidenciado por Trindade e Moreira (2017):

[...] não raras vezes os professores que procuram usar equipamentos tecnológicos variados, e mesmo recorrer a estratégias mais ‘fora-da-caixa’, deparam-se com a incapacidade dos estudantes de converter aquilo que é o seu dia-a-dia naquilo que poderá ser a sua formação científica.

(TRINDADE; MOREIRA, 2017, p. 42-43)

Uma vez que a presença física do professor(a) não é possível neste momento de pandemia e que todo e qualquer processo pedagógico entre alunos(as) e professores(as) será mediado pelo uso das tecnologias digitais, torna-se necessário superar o praticismo diante do uso desses aparatos tecnológicos e refletir detidamente sobre a utilização dessas novas ferramentas no ambiente educacional, para que que possam ser incorporadas de modo significativo no processo remoto de ensino-aprendizagem.

Enfatizamos que há, na atualidade, inúmeros aplicativos, muitos deles com versões gratuitas, disponíveis para uso dos(as) professores(as) e alunos(as) no contexto do ensino remoto. Face aos objetivos pedagógicos definidos nas disciplinas, utilizamos as seguintes ferramentas: o Google Classroom - para envio e publicação das atividades, o Blackboard - plataforma online que possibilita tanto a postagem das atividades como a realização de videoconferências e a exibição de slides e vídeos, e o Google meet - que também permite a conferência por vídeos online, assim como a exibição de slides e vídeos, e ainda os seguintes aplicativos online: Kahoot, Socrative, Mentimeter e Padlet, eleitos por serem gratuitos e de fácil manuseio.

Os aplicativos Kahoot, Socrative e Mentimeter foram utilizados para identificar os conhecimentos prévios dos estudantes e consolidar os conhecimentos estudados; já o Padlet, para estimular a pesquisa em grupos, recurso que se revelou um ganho em termos de aprendizagem, segundo os próprios estudantes. De uma maneira geral, foi possível concluir que a utilização desses recursos estimulou a participação dos(as) alunos(as), cabendo à professora o papel de mediadora das aprendizagens.

Salientamos que este relato de experiência não tem a pretensão de defender a substituição do ensino presencial pela forma remota, mas quer evidenciar a necessidade de refletir sobre os modos de sua execução para oferecer aos professores(as) subsídios que colaborem para a construção da sua proposta, alinhada com o contexto no qual se encontram imersos.

3 MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório, qualitativo, do tipo Relato de Experiência, escolhido porque, dentre os vários métodos utilizados para elaboração de pesquisas, é considerado o mais indicado quando se trata de investigar uma experiência didática, por ser um tipo de narrativa na qual o autor narra através da escrita, expressando um acontecimento vivido. Destacamos que desde a perspectiva metodológica, o Relato de Experiência é um conhecimento produzido na 1ª pessoa e transmitido, de modo detalhado e subjetivo, com aporte científico, como afirmam Grollmus e Tarrés (2015):

Compreender a narrativa como uma forma de pesquisa que é ao mesmo tempo uma práxis, é trabalhar a partir do pressuposto de que temos acesso a um mundo previamente construído, mas ao mesmo tempo que falamos ou escrevemos sobre ele, também contribuímos à sua constante transformação.

(GROLLMUS; TARRÉS, 2015, p. 6, tradução nossa)

É através da narrativa escrita que é realizada a comunicação das experiências executadas no Relato de Experiência, incorporando tanto as observações de caráter subjetivo, tais como impressões e sentimentos, como aquelas de natureza objetiva, que aqui consistiu na observação participante (RICHARDSON, 1985; LAVILLE; DIONE, 1999; GIL, 2002). Como professora dos grupos observados, a observação participante me permitiu partir das próprias percepções dos estudantes, coletadas no decorrer das atividades propostas na sala de aula virtual, e também nas anotações realizadas após a sua realização, através das aulas virtuais gravadas. A identificação da recepção e uso dos aplicativos, sua possível generalização, as intervenções que foram realizadas e os resultados alcançados em termos de aprendizagem constituíram os índices que nortearam a elaboração deste Relato de Experiência.

Ressaltamos que a observação participante 1 teve início em julho de 2020, no contexto de uma instituição privada de ensino superior, e foi finalizada em dezembro desse mesmo ano, pois fui convocada, através de concurso público, a assumir vaga como professora efetiva em uma instituição pública de ensino superior, lócus no qual se desenvolveu a observação participante 2, de fevereiro a maio de 2021. Em ambas as observações, as turmas já haviam realizado pelo menos um semestre na condição de ensino remoto, de modo que o formato virtual já não constituía uma novidade para os estudantes.

Não obstante tenham sido disciplinas distintas, procuramos adequar as ferramentas tecnológicas utilizadas aos objetivos pedagógicos previamente definidos nos planos de ensino, de modo que foram utilizadas as seguintes ferramentas: o Blackboard, para realização dos encontros síncronos na observação participante 1 e para postar os materiais de estudos assíncronos, tais como os podcasts, screencasts e os textos; e o Kahoot e o Socrative, para identificação dos conhecimentos prévios dos estudantes e para consolidação dos assuntos abordados, através de jogos e quizzes individuais e também em grupo.

Já na observação participante 2, foram utilizados o Google meet, para realização das aulas online; alguns recursos do Mentimeter, como a nuvem de ideias e a grade fluida, para verificação dos conhecimentos prévios e fixação dos conteúdos estudados; e o Google Classroom, para envio e publicação dos textos e exercícios propostos. Em ambas as observações, o Padlet foi utilizado para socialização das pesquisas em grupo. De todo modo, com exceção das plataformas de aulas online (Blackboard e Google meet), estabelecidas pelas próprias instituições, todos os demais aplicativos foram por mim escolhidos por terem versões gratuitas, por serem de fácil manuseio e por permitirem a realização de atividades sintonizadas com os objetivos pedagógicos das disciplinas lecionadas.

4 RESULTADOS

O desafio com o qual nos defrontamos não consistia apenas em refletir sobre como integrar as ferramentas digitais ao plano de ensino, mas também em como proceder para que o uso dessas tecnologias pudesse colaborar para o desenvolvimento das competências emancipadoras e gerar o engajamento necessário para uma participação ativa dos estudantes. Com este intuito, recorremos às metodologias ativas de aprendizagem, que não são propriamente uma novidade, haja vista que sua concepção remonta ao início do século XX, com o aporte de autores como Ausubel, Dewey, Piaget e Rogers, que àquela época já defendiam que para que a educação fosse significativa ela deveria ser capaz de estimular a autonomia e o protagonismo dos estudantes, cabendo ao(à) professor(a) o papel de orientador(a) desse processo (LARROYO, 1970).

Para tanto, foi necessário repensar o processo educativo como um todo, pois, desde a perspectiva das metodologias ativas, não mais se tratava apenas de ensinar, mas sim, de fazer aprender. Contrapondo-se à pedagogia tradicional, na qual predominam a exposição dos conteúdos e a “decoreba”, nas estratégias ativas os estudantes precisam interagir e praticar o que desejamos lhes ensinar, assumindo, deste modo, um papel proativo sobre a sua formação; e é precisamente porque na atual conjuntura estamos exclusivamente em ambientes virtuais, que é importante que as ferramentas digitais possam ser utilizadas para criar estratégias dinâmicas e ativas para a compreensão de conceitos, fatos, processos, etc.

Com este intuito, utilizamos a metodologia ativa denominada sala de aula invertida, que propõe a disponibilização prévia dos textos e materiais para os discentes, o que foi feito no próprio Blackboard, no caso da experiência 1, e no Google Classroom, no caso da experiência 2, de modo que eles pudessem chegar nas aulas remotas já tendo tido contato com os conteúdos que seriam abordados no encontro síncrono. Os encontros síncronos foram divididos em blocos: 1) sondagem dos conteúdos prévios dos discentes, 2) abordagem teórica dos conteúdos, 3) realização de atividade para aprofundamento e consolidação do conteúdo estudado, através dos aplicativos utilizados como recursos pedagógicos, 4) debate no coletivo virtual e 5) síntese e encerramento da aula.

Dentre as estratégias educacionais adotadas no “bloco 1) sondagem dos conteúdos prévios dos discentes”, os jogos elaborados através dos aplicativos Kahoot, Socrative e Mentimeter foram bem recebidos, tanto pelos estudantes da observação participante 1, como pelos da observação participante 2. Utilizadas no início das aulas, através dessas ferramentas foi possível criar espaços de aprendizagem intermediados pelo desafio. Ademais, essas atividades não valiam nota, para não prejudicar os(as) alunos(as) que apresentassem problemas de conectividade, e isso permitiu aos(às) mais tímidos(as) tirar suas dúvidas, o que talvez não fizessem oralmente à professora, como expresso na fala da estudante J.2, da observação participante 1 (INFORMAÇÃO VERBAL, 2020): “à medida em que vou fazendo as atividades, eu posso tirar dúvidas com meus colegas de grupo, e também com a professora na aula, não deixo acumular para estudar para a prova”. Isso leva a crer que são ferramentas úteis para tornar os(as) alunos(as) mais participativos(as) e engajados(as) nos estudos.

Como deveriam estudar previamente os conteúdos disponibilizados no Google Classroom, dúvidas e dificuldades eram identificadas e constituíam objeto de debate e revisão do conteúdo a cada questão formulada. Destacamos que a utilização dos jogos, assim como da metodologia da sala de aula invertida, demanda um tempo de preparo dos envolvidos para o seu uso, o que tornou imprescindível a realização do “bloco 2) abordagem teórica dos conteúdos”.

O “bloco 2) abordagem teórica dos conteúdos” consistia em uma breve apresentação dos principais conceitos / autores relacionados, assim, esse era um momento reservado para tirar dúvidas, mas também servia de preparação para o “bloco 3) realização de atividade para aprofundamento e consolidação do conteúdo estudado através dos aplicativos utilizados como recursos pedagógicos”. Esse momento era constituído pelo estudo de caso, atividade que envolvia a pesquisa em grupo, cujo resultado deveria ser socializado no Padlet, conduzindo ao “4) debate no coletivo virtual”, momento no qual os estudantes explicitavam as investigações realizadas e podiam confrontar seus achados e aprofundar suas compreensões acerca do tema, o que era muito rico, pois como afirmou I., da observação participante 2 (INFORMAÇÃO VERBAL, 2021), “a pesquisa do meu grupo complementa a pesquisa realizada pelo grupo que acabou de apresentar”; o que nos encaminhava para a “5) síntese dos principais conceitos estudados e encerramento da aula”.

Segundo os próprios estudantes, as metodologias ativas adotadas e os aplicativos digitais mencionados produziram um ganho em termos de aprendizagem, pois estimularam sua participação e o aprofundamento nos estudos, cabendo a mim o papel de mediadora das aprendizagens, a partir de situações-problema, o que deixava “a aula muito mais dinâmica, consigo aprender melhor assim”, nos dizeres de A., aluna da observação participante 2 (INFORMAÇÃO VERBAL, 2021).

Tendo em vista explicitar a dinâmica geral dos encontros acima apresentados, segue relato em detalhe de duas aulas realizadas no contexto do ensino remoto, com duração de 100 minutos cada:

Título da aula: A cidadania e os direitos humanos

Todos os encontros assíncronos das aulas eram divididos em dois momentos: o primeiro momento foi denominado de “antecipação do conhecimento”, ou “pré-aula”, no qual os conteúdos produzidos pela professora eram disponibilizados para estudo e consulta dos estudantes na plataforma Blackboard com, pelo menos, uma semana de antecedência. O material em questão era composto de um screencast, definido como um formato de vídeo que captura, simultaneamente, tanto as imagens da tela do computador como a sonoplastia (FREIRE, 2013) – no caso desta experiência, o screencast exibiu as imagens projetadas dos slides, assim como a imagem da professora, explicando e aprofundando o conteúdo exibido nos slides –, um podcast, caracterizado pela elaboração de um arquivo de áudio, ou seja, como uma ferramenta tecnológica que reproduz exclusivamente a oralidade (FREIRE, 2013), e um texto escrito. O segundo momento assíncrono consistia no processo de “consolidação do conhecimento”, ou “pós-aula”, no qual eram indicadas leituras de capítulos de livros e eram recomendados filmes, vídeos e leituras complementares.

Na pré-aula desse encontro foi disponibilizado um screencast no qual foi apresentada uma breve história da cidadania e dos direitos humanos, tendo em vista a contextualização do tema da aula para os estudantes. No podcast foi feita a abordagem conceitual da cidadania e dos direitos humanos. Também foi elaborado e disponibilizado um texto, cujo título era “Cidadania e direitos humanos: uma categoria estratégica para uma sociedade melhor”, no qual buscou-se evidenciar a importância dos conceitos abordados, na medida em que seu entendimento colabora para estimular sua defesa e afastar obstáculos à sua efetivação.

Introduzimos o encontro síncrono com o uso da nuvem de ideias do Mentimeter, interrogando os estudantes sobre sua percepção acerca dos conteúdos estudados e, a partir deste mapeamento, iniciamos a abordagem e o aprofundamento dos conceitos estudados, por meio de dados apresentados por Venturi (2010) e dos estudos realizados por Pereira (2020), oportunizando o espaço da aula virtual para também tirar as dúvidas dos estudantes. Durante esta aula, propusemos a realização de uma atividade de pesquisa, com pausa de 15 a 20 minutos para que o(a)s aluno(a)s a fizessem. Nesse momento, eu ficava online, atendendo as dúvidas provenientes da consecução da pesquisa proposta. Mencionamos aqui que apesar do caráter não obrigatório das atividades de pesquisa, reflexão e exercícios propostos nas aulas virtuais, sempre verificamos uma excelente adesão dos estudantes presentes.

No caso desta aula, para a atividade de pesquisa foi elaborada uma WebQuest3, que continha as seguintes instruções para sua elaboração: em grupos, os estudantes deveriam ler as sete matérias de jornais indicadas, todas envolvendo distintas situações de violações de direitos humanos, e escolher pelo menos três dentre elas, para identificar quais os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) tinham sido violados.

Ao final do tempo proposto para a realização da atividade, a professora abriu o debate para correção com os estudantes, solicitando a cada um dos grupos que indicasse quais as matérias de jornal tinham sido escolhidas e, a partir da DUDH, por quais violações de direitos humanos os sujeitos e as populações retratados nos artigos de jornal analisados tinham passado. Esse exercício lhes permitiu compreender a importância de conhecer e defender os direitos humanos em nossa sociedade, para fortalecer e orientar o exercício da cidadania.

Tendo em vista a consolidação dos conteúdos estudados, realizamos um quiz pelo Kahoot, no qual algumas questões de natureza teórica foram elaboradas, e na medida em que eram corrigidas, o percentual de erros e acertos apresentados em cada uma delas permitiu identificar, no momento da interação online, o que ainda constituía objeto de dúvida com relação aos conteúdos estudados, permitindo retornar aos mesmos no contexto da aula. Metodologicamente, o desenvolvimento de formas de participação dos estudantes por meio do uso de jogos tem sido denominado de gamificação, que, segundo Fardo (2013),

[...] é um fenômeno emergente, que deriva diretamente da popularização e popularidade dos games, e de suas capacidades intrínsecas de motivar a ação, resolver problemas e potencializar aprendizagens nas mais diversas áreas do conhecimento e da vida dos indivíduos. [...] Porém, a gamificação não implica em criar um game que aborde o problema, recriando a situação dentro de um mundo virtual, mas sim em usar as mesmas estratégias, métodos e pensamentos utilizados para resolver aqueles problemas nos mundos virtuais em situações do mundo real.

(FARDO, 2013, p. 2)

Assim, o uso da gamificação no processo educacional se propõe a utilizar dinâmicas e estratégias de jogos, tais como a competição, a cooperação em torno das habilidades e competências coletivas e individuais do sujeito, e a sensação de recompensa, como meio para resolução de problemas e para engajar os sujeitos na aprendizagem.

No pós-aula, foi sugerida a leitura do capítulo “A atualidade de Declaração Universal dos Direitos Humanos: Educação para os Direitos Humanos no Estado Democrático”, do livro intitulado “Direitos humanos: emancipação e ruptura” (OLIVEIRA; AUGUSTIN, 2013), disponível na biblioteca virtual contratada pela instituição, bem como o filme “O julgamento de Nuremberg”, disponível gratuitamente em versão dublada no Youtube. Geralmente, o objeto de estudo nestes recursos constituía alguma questão introdutória na aula seguinte, sempre tentando articular ao próximo conteúdo a ser trabalhado.

Título da aula: A cidadania e os movimentos sociais

No screencast, disponibilizado no contexto da pré-aula deste encontro, foi feita a abordagem sobre as conquistas e os desafios dos movimentos sociais. Já no podcast, buscou-se problematizar o que são os movimentos sociais e quais as suas características estruturais. Também foi postado um texto intitulado “Movimentos sociais contemporâneos e cidadania”, no qual procurou-se identificar o papel que os movimentos sociais desempenharam na articulação entre o Estado e a sociedade civil, e qual a sua contribuição para a elaboração das políticas públicas.

A aula foi iniciada com o uso da grade fluida do Mentimeter, por meio da qual solicitamos aos estudantes que elaborassem um pequeno texto contendo a sua definição de movimentos sociais, a partir do material estudado, e de que modo eles interferem na sociedade. Partindo destas concepções, introduzimos a abordagem conceitual do tema, utilizando como referência Maria da Glória Marcondes Gohn (2008), e os estudos realizados por Pereira (2015). Durante a aula, convidamos os estudantes, organizados em grupos, a escolher um movimento social e pesquisar sobre ele; deveriam ser identificados o contexto histórico de seu surgimento, as principais reivindicações e os ganhos obtidos a partir das suas lutas (leis, políticas públicas, entre outros), com pausa de 15 a 20 minutos para sua realização. Os resultados das suas pesquisas deveriam ser postados no Padlet e apresentados oralmente na sala de aula virtual. Deste modo, além do exercício da pesquisa, foi possível à turma conhecer vários movimentos sociais e as suas contribuições ao exercício da cidadania.

Ao final da aula, realizamos um quiz pelo Socrative: ainda em grupos, foi selecionada a opção “corrida espacial”, e a cada grupo foi atribuído, em modo aleatório, um foguete colorido. A cada pergunta formulada, os grupos deveriam deliberar sobre a resposta, e, após a avaliação, os acertos determinavam a velocidade com a qual o foguete de cada grupo avançava ou se ele estagnava. Essa atividade deixou a turma muito animada, pois eles visualizavam o avanço do foguete e desejavam acertar a resposta correta para ver seus grupos avançarem. O grupo que marcou o maior número de respostas corretas consagrou-se como vencedor. Salientamos que a cada avaliação era realizada uma breve retomada da questão proposta, como forma de consolidar o conhecimento estudado. No pós-aula, recomendamos a leitura do primeiro capítulo do livro Teoria dos movimentos sociais (MÜLLER 2013), bem como a visualização do curta-metragem “Teto de lona”, disponível gratuitamente no site do CurtaDoc.

Os dois relatos de experiência aqui apresentados evidenciam que o uso das ferramentas digitais para o desenvolvimento de atividades educativas, síncronas e assíncronas, pode ser considerado proveitoso, e elas podem ser apontadas como o elemento de inovação do trabalho pedagógico desenvolvido no contexto do ensino remoto. Como limitações, identificamos a dificuldade de participação ativa de todos os estudantes nas atividades propostas, em função de questões relativas à conectividade, e percebemos algumas resistências, vencidas na medida em que foram se envolvendo nas atividades propostas. Também houve ruídos de comunicação, que demandaram a criação de tutoriais e vídeos explicativos para não comprometer o andamento dos trabalhos propostos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio das experiências aqui relatadas, buscamos identificar questões importantes para a utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), evidenciando que seus usos servem para criar ambientes ativos de aprendizagem e colaboram para o desenvolvimento de competências fundamentais para a formação dos sujeitos no contexto da pandemia do Covid-19.

Para tanto, defendemos a necessidade de municiar professores (as) e estudantes com as competências necessárias à "fluência digital", o que lhes permitiria usufruir plenamente de todo o seu potencial, pois, não obstante sejam considerados "nativos digitais", verificamos que muitos estudantes ainda não sabem utilizar as tecnologias digitais em prol da sua formação acadêmica, e muitos(as) professores(as) ainda não se sentem confortáveis em ambientes digitais. Como não sabemos quanto tempo mais durará o isolamento social aqui no Brasil, consideramos oportuna a capitalização das tecnologias digitais na educação, o que pode favorecer o desenvolvimento de aprendizagens ativas, nas quais o "aprender" e o "aprender fazendo" se complementem, permitindo ao estudante aprender a partir de situações-problema e mobilizar os conhecimentos adquiridos para produzir ainda mais conhecimento.

Assim, as tecnologias digitais poderão colaborar com a constituição de ambientes de aprendizagem motivadores, não apenas enquanto um recurso, mas como uma estratégia completamente integrada às práticas pedagógicas. As estratégias de ensino-aprendizagem com os aplicativos e plataformas no contexto do ensino remoto aqui relatadas mostraram-se muito pertinentes, tanto para a identificação das dificuldades dos(as) alunos(as), como para a consolidação dos conteúdos lecionados. Também incentivou o engajamento e a autonomia do(a) aluno(a) em seu processo formativo e o desenvolvimento de métodos de investigação em grupo. Deste modo, é possível concluir que o uso dos aplicativos obrigou a reconsideração do processo pedagógico, reconfigurando o processo de ensino-aprendizagem e os papéis de todos os atores envolvidos nesse processo.

Levando em consideração o que até aqui foi dito, o uso das TICs deveria ser pensado em estreito diálogo com o perfil do professor (a) e do público-alvo estudantil, com seu ambiente de aprendizado, suas necessidades e seu contexto social, para colocá-las em sintonia com as necessidades e especificidades do campo educacional, e não com especulações ingênuas e/ou generalizantes. Mas para que isso ocorra, faz-se necessário lutar para que os recursos digitais, assim como o uso da internet no Brasil contemporâneo, sejam democratizados, reivindicações essas que precisam estar inclusas na agenda das políticas públicas educacionais, sob o risco de perpetuarmos a exclusão do processo educativo de milhares de crianças, jovens e adultos pela via digital, praticamente a única que tem sido apresentada pelas secretarias estaduais e municipais de educação para realização do ensino em tempos de pandemia. Defendemos que só assim será possível usufruir qualitativamente das tecnologias digitais no campo educacional.

2Por questões éticas, as identidades dos estudantes foram preservadas neste Relato de Experiência.

3Trata-se de um recurso online que permite ao professor elaborar o desenvolvimento de uma atividade de pesquisa com os estudantes, toda ela virtual. As WebQuests apresentam a seguinte organização: introdução, tarefa, processo e recursos, avaliação e conclusão (AZEVEDO; PUGGIAN; FRIEDMAN, 2012).

Revisão gramatical realizada por: Andréa Freitas Ianni.

E-mail: andreaianni1@gmail.com

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Recebido: 26 de Maio de 2021; Aceito: 16 de Setembro de 2021

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