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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.2 Campinas mayo 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i2.8659798 

Artigos

REALIDADE VIRTUAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONTRIBUIÇÕES, DESAFIOS E LIMITES

VIRTUAL REALITY AND TEACHER TRAINING: CONTRIBUTIONS, CHALLENGES AND LIMITS

REALIDAD VIRTUAL Y FORMACIÓN DE PROFESORES: CONTRIBUCIONES, RETOS Y LÍMITES

Ingrid Felkel1 

Ivo Dickmann2 

1Mestra em Educação - Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Chapecó, SC - Brasil.E-mail: ingridf@unochapeco.edu.br

2Doutor em Educação - Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR - Brasil. Pós-doutorando em Educação - Universidade Nove de Julho (Uninove). São Paulo, SP - Brasil. Professor Titular - Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Chapecó, SC - Brasil. E-mail: educador.ivo@unochapeco.edu.br


RESUMO

A Realidade Virtual é uma mídia constituída por simulações computacionais interativas. Devido às suas características e a possibilidade de simular vários contextos e situações, a Realidade Virtual pode contribuir de modo significativo para a formação de professores. A revisão da literatura evidenciou poucos estudos relacionados ao tema. Dessa forma, objetivou-se analisar a compreensão de discentes e docentes da licenciatura em Pedagogia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) sobre a Realidade Virtual e sua a aplicação na formação de professores. Utilizou-se uma abordagem metodológica de cunho qualitativo e exploratório e, para isso, dados foram coletados a partir de entrevistas despadronizadas, contemplando dezesseis participantes, sendo doze discentes e quatro docentes e a análise de dados desenvolveu-se por meio da análise de conteúdo. Concluiu-se que os estudos sobre a Realidade Virtual e a formação de professores estão em estágio inicial, no entanto, a tecnologia contribui para preparar os futuros professores para a inserção no mercado de trabalho, possibilitando a experiência de situações que não são possíveis na realidade física.

PALAVRAS-CHAVE Formação de professores; Pedagogia; Realidade virtual; Tecnologia

ABSTRACT

Virtual Reality is a medium made up of interactive computer simulations. Due to the characteristics of VR and simulations of numerous contexts and situations, it contributes significantly to Teacher Education. The literature review shows a dearth of studies related to the subject. Thereby, the research objective is to analyze the professors and students understanding of Virtual Reality and its application to Teacher Education at Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Therefore, the research design is qualitative and exploratory. There was conducted sixteen semi-structured interviews with professors (n = 4) and students (n = 16) and there was used the content analysis to examine the data. Overall, the research regarding Virtual Reality and Teacher Education are incipient at the international and national levels, however, Virtual Reality contributes to prepare the future professors to the job market as it allows the student to experience situations that are not possible in physical reality.

KEYWORDS Pedagogy; Teacher education; Teacher training; Technology; Virtual reality

RESUMEN

La realidad virtual es un medio que consiste en simulaciones interactivas por computadora. Debido a sus características y la posibilidad de simular diversos contextos y situaciones, la realidad virtual puede hacer una contribución significativa a la formación del profesorado. La revisión de la literatura mostró pocos estudios relacionados con el tema. El objetivo fue analizar la comprensión de los estudiantes y profesores de Pedagogía de la Universidad Comunitaria de la Región de Chapecó (Unochapecó) sobre la realidad virtual y su aplicación en la formación docente. Se utilizó un enfoque metodológico cualitativo y exploratorio. Los datos se obtuvieron de entrevistas estandarizadas con dieciséis participantes, doce estudiantes y cuatro maestros. El análisis de datos se realizó a través del análisis de contenido. Se concluyó que los estudios sobre realidad virtual y capacitación docente se encuentran en una etapa inicial. Sin embargo, la tecnología contribuye a preparar a los futuros docentes para su inserción en el mercado laboral, ya que les permite experimentar situaciones que no son posibles en la realidad física.

PALABRAS CLAVE Formación docente; Pedagogía; Realidad virtual; Tecnología

1 INTRODUÇÃO

A Realidade Virtual (RV) tem sido aplicada com sucesso em áreas como arquitetura, engenharia, aviação, design review, exploração de gás e óleo, parques de entretenimento temáticos, terapia, treinamento de militares e visualização científica. Nesses casos, o uso da Realidade Virtual contribui para identificar erros no design de produtos antes da fabricação, reduz o tempo de comercialização ao acelerar os processos iterativos, oportuniza ambientes seguros para aprendizagem de habilidades que envolvem riscos, reduz o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) de pacientes, expondo-os gradualmente às situações de estresse e auxilia a visualizar um extenso conjunto de dados (JERALD, 2016).

Atualmente, a Realidade Virtual está difundida nas universidades e nas grandes corporações, no entanto, poucos têm acesso a esses locais. Tal estimativa está mudando com a disponibilidade de experiência e dispositivos de RV para o consumidor e, nesse sentido, Jerald (2016) entende que a indústria de entretenimento será a primeira a chamar atenção do público para a Realidade Virtual, na qual educação, telepresença e o treinamento de profissionais, serão as próximas áreas a beneficiarem-se com as vantagens e contribuições da RV.

No campo da educação, a formação de professores é uma área constantemente desafiada a formar docentes com conhecimentos amplos e profundos sobre inúmeros aspectos da formação humana (PASSIG, 2011). Há algum tempo, esta área tem demarcado forte consistência e firmeza em relação as responsabilidades relacionadas ao trabalho docente. Isso ocorre num contexto cultural, educacional e social permeado pela desigualdade, diversidade e insegurança, exigindo que as práticas pedagógicas assumam um caráter prático-didático e, consequentemente, contribuam efetivamente para o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dos estudantes, chamando a atenção para a formação de professores e levantando questões relacionadas ao preparo profissional (CRUZ, 2017).

Nesse sentido, a possibilidade de imergir em ambientes virtuais, que podem (ou não) simular a realidade objetiva, é um recurso valioso para a formação de professores. A Realidade Virtual contribui para a formação do docente, permitindo que o educando vivencie várias situações que envolvem o cotidiano de uma sala de aula. Contudo, as simulações de RV não estão à disposição dos programas de formação docente, o que restringe sua aplicação nesse âmbito (BILLINGSLEY; SCHEUERMANN, 2014).

De acordo com Billingsley, Smith, Smith e Merrit (2019), o conhecimento científico sobre o uso dos ambientes virtuais presentes no campo da formação de professores ainda é muito incipiente. E, para evidenciar essa lacuna e suscitar o diálogo, o objetivo do trabalho está em analisar a compreensão de discentes e docentes do curso de graduação em Pedagogia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) a respeito da Realidade Virtual, bem como na aplicabilidade na formação de professores.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Realidade Virtual

A Realidade Virtual é uma mídia constituída por simulações computacionais interativas. Tais simulações rastreiam as ações e posições do usuário, sobrepondo-se ou aumentando o envio de estímulos para um ou mais sentidos, proporcionando a sensação de imersão ou presença na simulação ou ambiente virtual (SHERMAN; CRAIG, 2003).

O indício do entendemos por RV remonta ao momento em que os seres humanos começaram a comunicarem-se por palavras e desenhos – o que poderíamos chamar de realidade virtual analógica. No decorrer da história, vários povos utilizaram ilusões para o controle e o entretenimento da população, no entanto, a RV como conhecemos hoje, avançou somente no século XX, quando novos conceitos e dispositivos foram criados (JERALD, 2016).

Como a Realidade Virtual é uma mídia com recursos diferenciados, logicamente ela possui algumas características que lhe são particulares. Durante uma experiência em RV, por exemplo, a imersão e a presença são fundamentais. A imersão é uma característica quantificável e objetiva, a qual diz respeito ao nível que o sistema RV engana os sentidos do usuário. Já a presença é a percepção subjetiva do usuário sobre a imersão (JERALD, 2016). Dessa maneira, usuários com alto grau de presença devem vivenciar o ambiente virtual de modo mais envolvente do que a realidade física (SLATER; WILBUR, 1997).

Apesar de ser diferenciada, não significa que a Realidade Virtual sempre deva ser utilizada em detrimento de outras. Na área da educação, é preciso considerar que nem toda mídia impacta positivamente na aprendizagem, tendo em vista que cada mídia possui funções específicas, as quais podem ou não adequarem-se aos objetivos da metodologia escolhida. Nesse sentido, o docente precisa saber escolher a mídia mais adequada e coerente com o método aplicado. Outro ponto importante, além da adequação metodológica, está na relação custo-benefício, momento em que concerne ao docente verificar os requisitos necessários e identificar as mídias que contribuirão com o aprendizado dos seus discentes (TORI; QUEIROZ; CORRÊA; NETTO, 2018).

A RV apresenta significativa contribuição em relação aos contextos dos conceitos abstratos. A apreensão do conhecimento por meio da fala, escrita e visualização de imagens estáticas (desenhos, fotografias, gráficos etc.) é importante para o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, exige uma capacidade de abstração e generalização que varia de acordo com o desenvolvimento de cada educando. Nesse sentido, a simulação beneficia o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando que o aluno visualize e contextualize os conteúdos abstratos. Além disso, também é possível imergir em ambientes impossíveis de conhecer na realidade física, como dentro do corpo humano ou de um furacão. A sensação de estar presente nessas realidades, interagindo com o ambiente e visualizando detalhes, aumenta o interesse e o engajamento do estudante com o conteúdo (TORI et al., 2018).

À vista disso, destaca-se que nenhuma mídia é pedagogicamente perfeita. Assim como há vantagens, há desafios e limitações. No início, os educandos são movidos pela curiosidade e novidade que a Realidade Virtual proporciona. Contudo, independente do objetivo da atividade e, visando a eficácia na aplicabilidade da mídia, é necessário que a RV esteja contextualizada e interligada com o método pedagógico. Experienciar uma montanha-russa por meio de um HMD (head-mounted display) pode ser uma boa experiência no início, mas logo perde o sentido. Por sua vez, inserir o estudante em alguma parte do oceano como dispositivo pedagógico do curso de Oceanografia ou visualizar o desenvolvimento embrionário humano nos cursos de Medicina são exemplos em que a Realidade Virtual está em consonância com os objetivos didáticos.

É importante destacar os cuidados relacionados ao conforto, segurança e saúde dos usuários, especialmente se forem crianças, além de que não são todos os adultos que podem utilizar o HMD. Nesse caso, considera-se a produção de conteúdos alternativos, que incluam aqueles que não podem usar o dispositivo. Deve-se ser cauteloso com o uso dos óculos, limitando o tempo de uso e a idade (TORI et al., 2018).

A Realidade Virtual engaja os estudantes por meio de métodos de aprendizagem inovadores e, para isso, utiliza-se de conteúdos importantes, enriquecidos por modelos digitais. Apesar disso, o uso ainda é um desafio, pois existe uma dificuldade de integrá-la com os métodos convencionais de aprendizagem (TORI et al., 2018).

2.2 Formação de professores

De acordo com Cruz (2017), a formação de professores tem sido chamada para responder com mais solidez às responsabilidades inerentes ao trabalho docente. Em diferentes contextos, professores atuantes e em formação são questionados sobre a responsabilidade em relação à formação humana, a qual habilita os educandos para a compreensão e problematização do mundo. Ações como esta acontecem em um contexto cultural, educacional e social baseado na diversidade, desigualdade e instabilidade, em um cenário que atrai os olhares para a formação de professores enquanto preparação profissional e convoca as universidades e as escolas para assumirem parcerias atuantes e presentes. Assim, é possível ajustar espaço e tempo para a aprendizagem da docência.

Por sua vez, Gatti (2017) fala sobre uma inquietação em relação à formação docente para a Educação Básica. Segundo a autora, tais iniciativas têm se manifestado em associações, estudos acadêmicos, gestores educacionais, nas mídias, entre outros espaços e atuações. Imbuídos de diferentes compreensões e olhares, atores e instituições apontam para mudanças na formação de professores diante das responsabilidades da docência na contemporaneidade.

Gatti (2017) ainda sinaliza que há um contraste no conjunto das formações docentes. De um lado, há cursos que objetivam uma formação fundamentada na coerência e no aprofundamento. De outro, há formações que focam no âmbito generalista da docência, o que resulta em professoras/es sem condições de trabalhar com a diversidade de educandos e níveis de ensino, demonstrando que há um conjunto de temas que ainda são limitados na formação inicial das pedagogas (FOLGIARINI; DICKMANN, 2019). E, diante disso, Gatti (2017) expõe sobre a necessidade de uma nova perspectiva em relação a quem forma e como formam os docentes da Educação Básica.

A partir do trabalho docente, o educando apreende uma série de atitudes, conhecimentos e habilidades sobre si e o mundo. Dessa forma, é necessária uma formação que atente-se à comunicação, estando diretamente interligada à escuta ativa e efetiva entre professores e alunos, tendo em vista que o diálogo é indispensável para a constituição e consolidação dos processos de aprendizagens (GATTI, 2017). Nesse processo, um conjunto de conhecimentos e práticas que exigem aprendizagens novas é formado, seja pelas trocas entre profissionais e pesquisadores de diferentes áreas, mudanças nas estruturas curriculares e, principalmente, expansão e/ou mudanças na base epistemológica dos formadores docentes.

Desse modo, entende-se que a tecnologia é uma aliada no processo de ensino e aprendizagem da docência, contribuindo com o desenvolvimento da formação de professores. Em primeiro lugar, coloca a questão do diferente, do novo, fazendo com que muitos repensem as zonas de conforto teórico-metodológicas em que estão inseridos, o que torna-se fundamental para o desenvolvimento do conhecimento e para a formação humana.

Em segundo lugar porque é por meio da tecnologia que um universo de possibilidades se abre. Cruz (2017) afirma que a inserção assistida do professor ainda é rara e, à vista disso, a Realidade Virtual pode trazer contribuições relevantes. Brown (1999) explica que, de maneira geral, se pensa em simulações para circunstâncias que expõem o educando a algum tipo de risco. No entanto, ela pode ser empregada em outras situações.

Por meio da tecnologia é possível inserir professores (iniciantes ou não) em salas de aulas virtuais. Nestes espaços, os docentes podem interagir com estudantes, aprimorar as habilidades e testar novas práticas didáticas e pedagógicas sem afetar negativamente alunos da realidade física. Além disso, os docentes podem experienciar uma variedade ampla de contextos escolares (inclusive as menos frequentes) e receber feedback em tempo real sobre as próprias ações e comportamentos (BROWN, 1999; BILLINGSLEY, SCHEUERMANN, 2014; DIEKER, HYNES, HUGHES, HARDIN, BECHT, 2015; BILLINGSLEY et al., 2019; MOUW, FOKKENS-BRUINSMA, VERHEIJ, 2020).

Nessa perspectiva, tais ações influenciam no desenvolvimento da competência e da confiança dos estudantes antes mesmo de inserirem-se no mercado de trabalho. Há também a questão dos locais de estágio e vivências semestrais, em que a identificação de locais para uma inserção estudantil com qualidade não tende a diminuir e, assim sendo, a realidade virtual pode ser uma alternativa (BILLINGSLEY; SCHEUERMANN, 2014; BILLINGSLEY et al., 2019).

A Realidade Virtual também contribui para este campo quando possibilita que docentes vivenciem as experiências de mundo (emoções, desejos, percepções etc.) dos estudantes, a exemplo do estudo de Katz (1999) e Passig (2011). Tal iniciativa auxilia na compreensão do docente sobre quem é este sujeito e como a atuação e metodologia que desempenha pode influenciar, positiva ou negativamente, o desenvolvimento dos educandos. Não obstante, os fenômenos explicitados nos estudos de Katz (1999) e Passig (2011) podem ser difíceis de serem explicados ou experienciados por meio de relatos, contudo, a capacidade de empatia e de colocar-se no lugar do outro é fundamental para o professor, sendo este o profissional que ocupa o papel central e diretivo na formação humana (FREIRE, 1996).

A RV não substitui os métodos tradicionais de ensino, os estágios e as vivências semestrais. É preciso avaliar com rigorosidade os ganhos do uso da realidade virtual para a formação antes de se cogitar uma substituição dos métodos tradicionais (BROWN, 1999; BILLINGSLEY et al., 2019). Entretanto, educadores formadores devem considerar o uso da Realidade Virtual, pois a formação de professores é uma área continuamente desafiada a formar profissionais com conhecimentos extensos e profundos (PASSIG, 2011). A Realidade Virtual oferece possibilidades únicas ao campo, tendo em vista que o uso da RV pode auxiliar no desenvolvimento de teorias e técnicas pedagógicas, as quais eram até então inviáveis, contribuindo para a formação dos futuros docentes frente os desafios das salas de aulas contemporâneas (BILLINGSLEY et al., 2019).

Contudo, as pesquisas na fronteira entre a Realidade Virtual e a formação de professores são incipientes. Além do baixo número de estudos, há aspectos metodológicos que devem ser melhores elucidados nas publicações (BILLINGSLEY; SCHEUERMANN, 2014; BILLINGSLEY et al., 2019). É essencial que os pesquisadores apontem de forma clara e rigorosa quais as questões e o problema de pesquisa, além da forma em que o ambiente virtual foi desenvolvido, como afeta o usuário e também de como este indivíduo sente-se ao utilizar determinado espaço. Não obstante, deve-se conduzir estudos longitudinais, os quais examinem o impacto da Realidade Virtual na formação dos professores (MOUW, FOKKENS-BRUINSMA, VERHEIJ, 2020). Ainda, pesquisadores da área da educação e da realidade virtual precisam aprimorarem-se para criar e problematizar juntos (BILLINGSLEY et al., 2019).

3. METODOLOGIA

Para a pesquisa, adotou-se um design qualitativo e exploratório (YIN, 2016; GIL, 2018), sendo esta aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unochapecó (parecer de nº 03965018.1.0000.0116). Os participantes da pesquisa foram docentes e discentes do curso de Pedagogia da Unochapecó. A definição por estudantes e professoras dessa licenciatura deu-se pelo fato de que as pedagogas são formadas para atuarem na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio (na modalidade normal), na Educação de Jovens e Adultos e na Educação Profissional, na parte de serviços e apoio educacional. No Ensino Superior, elas são responsáveis pela formação de novas docentes.

Para coleta de dados, foram realizadas entrevistas com dezesseis participantes, sendo doze estudantes e quatro professoras do curso de graduação presencial de Pedagogia da Uno-chapecó. Três docentes eram do sexo feminino (duas doutoras e uma mestra) e um do sexo masculino (doutor). Entre os discentes, onze eram do sexo feminino e um do sexo masculino, com idade de 17 a 37 anos.

Entrevistou-se três estudantes por período. No período em que ocorreram as entrevistas (março e abril de 2019), havia quatro turmas em andamento: primeiro, terceiro, quinto e sétimo período. As estudantes voluntariamente participaram da pesquisa, por meio de uma seleção não intencional. Os critérios para inclusão das estudantes foram: (1) ser estudante do curso de graduação em Pedagogia; (2) estar regularmente matriculado no curso. Para os docentes, considerou-se: (1) ser formada em Pedagogia; (2) ser professora contratada da Uno-chapecó.

Os dados da pesquisa foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com perguntas abertas. Foram elaborados, em diálogo com orientador, dois roteiros, os quais se adequaram aos participantes da pesquisa e consideraram os objetivos e o referencial teórico. Para os discentes, foram realizadas sete perguntas e, para os docentes, quatro questões. Para a análise de dados, utilizou-se a Análise de Conteúdo de Bardin (2016), considerando as seguintes etapas: (1) Pré-Análise; (2) Fase de exploração dos dados e (3) Análise dos resultados. No processo emergiram quatro categorias e sete subcategorias de análise, conforme apresentado no Quadro 1:

Quadro 1 Categorias e subcategorias 

Tema Categorias Subcategorias
Concepções da Realidade virtual Discentes
1. As concepções da Realidade virtual.
1. Desconhecimento sobre a RV.
1. Conhecimento incipiente sobre a RV.
Docentes
2. As concepções da Realidade virtual.
2. Noções sobre a Realidade virtual.
Aplicação da Realidade virtual Discentes
3. Percepções sobre o uso da Realidade virtual na Pedagogia.
3. Desconhecimento de formas de uso da RV.
3. Conhecimento incipiente sobre o uso da Realidade virtual
Docentes
4. Percepções docentes sobre o uso da Realidade virtual.
4. Noção básica sobre o uso da Realidade virtual. 4. Conhecimento incipiente sobre o uso da Realidade virtual

Fonte: Elaborado pelos autores. (2020).

4. DISCUSSÕES E RESULTADO

4.1 Discentes

4.1.1 Concepções da Realidade Virtual

As concepções da Realidade Virtual foram analisadas com base na definição de Sherman e Craig (2003) 3. Dividiram-se as falas em duas subcategorias: desconhecimento sobre a Realidade Virtual e conhecimento incipiente sobre a RV. Para levantar esses dados, realizou-se a pergunta: “Você sabe o que é Realidade Virtual? ”

4.1.1.1 Desconhecimento sobre a Realidade Virtual

Para E2, a “Realidade virtual é a partir do momento que você participa de um certo tempo do teu dia nas redes sociais, principalmente”. A discente relacionou a RV com as “redes sociais”. Recuero (2009) afirma que as redes sociais são definidas como a soma de atores (pessoas, grupos ou instituições) e as formas de conexão (interações sociais). Elas são metáforas, por meio das quais se observa as interações de um conjunto de pessoas. Portanto, apesar de ser uma mídia, a Realidade Virtual não é uma rede social.

E11: “Sei falar, tipo assim... computador, internet, tipo umas coisas assim. Seria isso?”

E10: “Realidade virtual é você viver, vamos dizer, na internet. Você juntar a sua vida com a internet, fazer uma ligação. O que você está vivendo aqui, você está vivendo lá e, tipo, uma coisa beneficiando a outra, uma coisa vai ligando a outra e traz muitos benefícios. Acho que seria isso”.

A E11 não expressa com exatidão um conceito sobre RV. No entanto, associa a tecnologia com computadores e internet, os quais são dispositivos e redes que integram as experiências com a Realidade Virtual. E10 também traz a questão da internet, mas de um modo distinto. Para a entrevistada, a RV é conectar a realidade física com a internet. Contudo, de acordo com a definição adotada neste estudo, a realidade virtual não tem relação com a concepção exposta por E10. Por outro lado, entende-se que a participante conectou a realidade física com uma tecnologia digital – entendida como internet. Desse modo, observou-se que a concepção se aproxima mais de uma ideia de rede social do que da Realidade Virtual.

Há elementos implícitos nas falas das participantes, os quais denotam características e elementos que compõem a Realidade Virtual. Contudo, não há a expressão de uma concepção clara, coesa ou próxima à definição adotada nesta pesquisa. As participantes expressaram sobre “computadores”, “internet”, “redes sociais”, entretanto, não os definiram ou caracterizaram profundamente.

4.1.1.2 Conhecimento incipiente sobre a Realidade Virtual

E1: “Nunca pensei a respeito, mas eu acredito que seja uma ferramenta que a gente pode utilizar como uma forma de trazer uma outra realidade, além daquela nossa realidade, digamos assim, palpável que a gente vivencia. Eu acho que ela vem como uma ferramenta para a gente poder explorar talvez outros espaços né. Vamos pensar: ah, que a gente não esteja presente e que a gente possa acessar através da realidade virtual, que fosse dentro de uma sala de aula, alguma prática com os alunos”.

Em comparação com outras participantes, E1 demonstra mais claramente a compreensão de que é possível explorar e vivenciar novos e/ou diferentes espaços e situações por meio da Realidade Virtual, o que remete à interatividade, característica apontada por Jerald (2016) e Sherman e Craig (2003).

E4: “É uma forma de você perceber, digamos assim, outras realidades. É uma tecnologia que pode ser usada para diversos fins né. Por exemplo, eu usei sempre mais para essa questão de games. [...]. Então, tipo assim, é uma ferramenta que te possibilita novas vivências e novos conhecimentos”.

E4 foi a participante que mostrou mais aproximação com a tecnologia. Ela manifesta clareza de que a Realidade Virtual pode ser usada em vários âmbitos e com vários propósitos. Tomando “ferramenta” como mediação, entende-se que a participante aproxima-se do conceito de Sherman e Craig (2003). É a única participante que explicita a conexão da RV com o conhecimento. Como evidenciado nos estudos de Brown (1999), Katz (1999), Cote et al., (2008), Passig (2011), Dieker et al., (2015), Billingsley e Scheuermann (2014), Minocha, Tudor e Tiling (2017), Tori et al., (2018) e Billingsley et al., (2019), podemos acessar conhecimentos e experiências novas e/ou de forma diferenciada por meio da RV.

E8: “Realidade virtual seria... como que posso te explicar... eu pensar nisso me vem em mente aqueles óculos de realidade aumentada”.

E9: “Aqueles negócios que tipo tu... que agora está saindo lá, que tu coloca uma mascarazinha e tu vê tipo... vamos dizer, que nem eles fazem um jogo e tu tá descendo uma montanha russa, alguma coisa assim”.

E8 e E9 relacionaram a RV diretamente com o uso dos óculos. Além disso, E8 relaciona a Realidade Virtual com a Realidade Aumentada, ambas distintas. A Realidade Aumentada inclui elementos virtuais na realidade física e, idealmente, o usuário não conseguiria distinguir entre as realidades (JERALD, 2016).

Neste grupo de análise, também foi possível perceber elementos subjacentes, relacionados com características ou dispositivos da RV (telepresença, interatividade e o HMD). Também não houve a expressão de um conceito próximo à literatura científica, apesar de algumas participantes apresentarem familiaridade com o assunto. Entende-se que isso aponta para a incipiência do diálogo entre a realidade virtual e a formação de professores, como explica Billingsley et al., (2019).

4.1.2 Percepções discentes sobre o uso da Realidade Virtual

A percepção em relação ao uso da Realidade Virtual foi dividida em duas subcategorias: conhecimento incipiente sobre o uso da Realidade Virtual e desconhecimento sobre o uso da Realidade Virtual. Perguntou-se às estudantes “O que você acha do uso da Realidade Virtual para a formação de professores? ” e “Se você tivesse essa experiência a sua disposição, como você acha que deveria ser utilizada? ”.

4.1.2.1 Conhecimento incipiente sobre o uso da Realidade Virtual

E1: “É uma pergunta bem difícil para quem nunca leu nada a respeito da aplicação dela na Pedagogia. Primeiro vou te responder de uma forma mais ampla. Eu acho que qualquer ferramenta tecnológica ela vem a contribuir, desde que ela seja utilizada com objetivo, tenha uma finalidade específica, tenha um acompanhamento. Acho que só ela por si só, não. Mas acho que pode contribuir sim, como a gente vê várias coisas na Educação que a gente vem utilizando”.

A E1 trouxe um aspecto geral sobre o uso de tecnologias, o que considera o que foi exposto por Tori et al., (2018). Os autores explicam que a Realidade Virtual precisa ter um propósito pedagógico para compor o processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, é importante que o docente tenha conhecimento das mídias digitais disponíveis, bem como as finalidades e possibilidades, de modo a inseri-las da forma mais adequada possível.

E3: “Acho que sim. Através desse experimento novo ali, a gente estaria criando novas experiências e sabendo o que dá certo e o que não dá certo né. Dá para fazer uma prática pedagógica né, na qual a gente iria descobrir se isso dá certo ou não dá certo. Acho que a gente estaria preparado melhor para as salas de aulas”.

A participante fala sobre o preparo para a inserção em sala de aula. Em seus estudos, Brown (1999), Katz (1999), Passig (2011), Dieker et al., (2015), Billingsley e Scheuermann (2014) e Billingsley et al., (2019), enfatizam e demonstram essa contribuição. Por outro lado, E3 expressa que, a partir da experiência em Realidade Virtual, não seria necessário testar as possibilidades de práticas de sala de aula. Essa é uma ideia equivocada. Billingsley et al., (2019) expressam que, como o ensino é um fenômeno variável, não é possível desenvolver todos os cenários existentes de sala de aula, portanto, é necessário avaliar constantemente as práticas docentes e os métodos didático-pedagógicos adotados.

E4: “Acho que ela deveria ser usada, principalmente, para a gente tentar compreender alguns espaços de sala de aula. Às vezes, pegar algum conteúdo que a gente não tenha tanta segurança e talvez tentar colocar em prática. Alguma simulação nesse sentido”.

E9: “Vamos se dizer, certas situações têm gente que tem medo, que a gente não está preparado. Seria legal se tivesse nesse coiso virtual alguma coisa que fizesse com que a gente tivesse que fazer uma coisa que a gente não estaria pronto para fazer, entendeu? Alguma situação que tem vezes que a gente não pensa que pode acontecer. Acho que seria interessante, que seria um modo diferente”.

E4 e E9 expressam a insegurança relacionada com a prática e entendem que a Realidade Virtual pode ser contribuição para a formação docente. Experiências de gerenciamento da sala, comportamentos, compreensão das vivências de mundo dos estudantes, formas diferenciadas de transmitir os conteúdos curriculares e a gestão administrativa da escola são algumas das experiências em que a RV pode ser aplicada.

As pesquisas de Katz (1999), Passig (2011), Dieker et al., (2015) e algumas das pesquisas revisadas sistematicamente por Billingsley e Scheuermann (2014) e Billingsley et al., (2019) expõem como essas experiências imersivas impactam docentes atuantes e em formação. Brown (1999) compreende que a simulação pode ser importante para o aprendizado da docência, pois proporciona um ambiente seguro para que as professoras em formação possam testar várias possibilidades, sem impactar negativamente um estudante da realidade física.

4.1.2.2 Desconhecimento sobre o uso da Realidade Virtual

Segundo a E2, a Realidade Virtual poderia ser usada no ensino: “A parte do ensinar, além do professor estar explicando, talvez chame mais atenção essa realidade virtual do que um professor falando em sala de aula. ” A participante compreende que a RV pode ser uma forma de chamar atenção dos estudantes para as aulas.

De acordo com Tori et al., (2018), quando em diálogo com a educação, quaisquer formas e usos de tecnologias devem ter um propósito pedagógico. Do contrário, entende-se que educação e tecnologia se esvaziam nesse encontro. O campo da tecnologia pode ser fascinante, entretanto, vê-la apenas pelo ângulo da curiosidade é reduzi-la e esvaziá-la de sua contribuição para o contexto educacional.

E11: “Eu acho meio superficial. [...]. Porque você não tem o contato direto. [...]. Porque não é tipo uma coisa real. Enquanto você usa os óculos é, mas depois não é. Então, é uma coisa que você faz, mas tirando os óculos, você sai desse mundo. [...]. Mais assim acho que para... como que eu vou dizer... para mostrar o dia a dia das escolas, nesse sentido, porque é o que mais a gente trabalha, de como funciona. Para ser uma coisa mais, tipo, mais exata. Tipo, ah, um envolvimento com as crianças eu acho que não seria o certo”.

A participante E11 compreende que é possível utilizar a RV na formação. Entretanto, considera “superficial” (grifos dos autores) pela falta de contato direto com o estudante. Brown (1999) explica que as formas tradicionais de estágio estão tão enrijecidas na formação de professores que, por vezes, docentes e discentes não captam a importância de alternativas.

A entrevistada também expressa que ao tirar o HMD, o usuário desconecta-se da vivência. Como declaram Katz (1999) e Billingsley et al., (2019), o objetivo de um ambiente virtual é impactar na realidade física e o que se aprende na vivência imersiva deve ser levado para o mundo físico. Por isso, Billingsley et al., (2019) enfatizam a importância de investigar como as experiências e os treinamentos são utilizados nas salas de aulas com estudantes reais, bem como o tempo que o professor mantém a conduta ou habilidade adquirida com a mediação do ambiente virtual. Além disso, os conhecimentos e as habilidades adquiridas no ambiente virtual devem ser problematizados, a fim de fomentar o diálogo crítico entre os sujeitos da formação de professores.

De modo geral, as estudantes entendem que há possibilidade da inserção da RV no contexto da formação docente. Por outro lado, as compreensões de como utilizá-la variaram. Algumas participantes demonstraram um desconhecimento e limitações nesse aspecto, enquanto outras conseguiram expressar um pouco mais as possibilidades de uso da tecnologia. Entende-se que os resultados aproximam-se de Billingsley et al., (2019) quando indicam que a Realidade Virtual ainda está incipiente no campo da formação de professores.

4.2 Docentes

4.2.1 As concepções da Realidade Virtual

As concepções da Realidade Virtual das professoras também foram delimitadas de acordo com a definição de Sherman e Craig (2003) Perguntou-se a elas: “Você sabe o que é Realidade Virtual? e “Qual a sua concepção de Realidade Virtual?”.

4.2.1.1 Noções sobre a Realidade Virtual

A participante P1 fez a seguinte afirmativa: “Ler não [...] Depende o que tu vai denominar aí [como realidade virtual]”. [...]. “Hm. E é dessa”, compreendeu sobre a RV a qual estava sendo questionada, somente após a menção do HMD. A participante tem ideia do que é, mas o termo não a remeteu imediatamente a este campo da tecnologia. Dessa forma, entende-se que a docente demonstrou ter pouca noção sobre o que é a Realidade Virtual.

Por sua vez, a P2 fala: “Mais ou menos. Devo saber, mas não sei se o termo é tão familiar para mim. Mas acho que são esses jogos, que você entra no jogo, que você participa, que você, enfim, se envolve e entra, mais ou menos isso. A participante expressa implicitamente as duas características definidas por Jerald (2016): a imersão e a presença. Quando a participante fala sobre “entra[r] no jogo”, ela refere-se ao caráter imersivo da tecnologia. Já quando menciona o envolvimento, refere-se à presença.

P3 afirma que sabe o que é RV e deseja se aprimorar mais em relação à área: “Sim. [...] Gostaria de me aprimorar mais. Sonho com o dia em que eu vou, e não está muito longe, trabalhar bem menos e poder me dedicar mais a isso”. Nesse sentido, Costa e Oliveira (2017) salientam que, diante das múltiplas possibilidades de diálogo com a educação, cabe ao docente o interesse em apropriar-se de conhecimentos que o conectem com o estudante e com um desejo social relacionado ao uso de tecnologias digitais nas práticas pedagógicas.

Entre as docentes, a participante P4 foi a que mais se aproximou da definição adotada no estudo, quando afirmou: “Vamos ver se eu sei mesmo... realidade virtual é você simular a realidade em algo virtual, a partir da tecnologia, que é virtual, no caso”, tendo em vista que apresentou os conceitos de simulação e tecnologia digital. Apesar disso, ainda faltam elementos que compõem a concepção da tecnologia, como estímulo dos sentidos dos usuários, a interatividade e o rastreamento das posições e ações dos usuários.

Há um conhecimento muito incipiente sobre a realidade virtual. P2 e P4 expressaram alguns aspectos implícitos, relacionados ao conceito e as características. P1 e P3 não expressaram quaisquer conceitos ou características relacionadas à tecnologia. Essa incipiência está presente quando se pesquisa outras tecnologias. Segundo Silva et al., (2014), as professoras têm bom desempenho utilizando tecnologias no âmbito pessoal, mas o mesmo não acontece na prática pedagógica e, para isso, apontam para a necessidade de reorganizar as universidades, de modo a incluir as novas tecnologias.

4.2.3 Percepções docentes sobre o uso da Realidade Virtual

Esta categoria foi dividida em duas subcategorias, nomeadas de noção básica sobre o uso da RV e conhecimento incipiente sobre o uso da RV. Realizaram-se duas questões para as docentes, no intuito de compreender as percepções: “O que você acha sobre implantar a Realidade Virtual na universidade para preparar ainda melhor os futuros professores? ” e “Se você tivesse essa experiência a sua disposição, como você acha que deveria ser utilizada?”.

4.2.3.1 Noção básica sobre o uso da RV

P1: “Olha, o que que eu entendo... tudo que for de novo, tudo que for que agregue, eu sempre serei favorável. O que só disso tudo sempre me preocupa é o conteúdo. Então, assim, porque essa ferramenta, eu acho que seria interessante. Agora, que conteúdo que ela teria para pensar a realidade e não o virtual. Ou para pensar o virtual que produz um tipo de realidade, que não é a realidade. Ou que produz os modos de ser e viver”.

A fala de P1 remete ao que foi dito por E1, a qual expôs uma visão geral sobre o uso da tecnologia. Em ambas, há a compreensão de que as tecnologias que contribuem ou agregam para o processo de formação devem ser consideradas. P1 está em consonância com Tori et al., (2018), quando os autores indicam a importância do propósito pedagógico da tecnologia.

Ademais, P1 levantou uma questão bastante relevante para o campo da RV: os conteúdos, isto é, os ambientes virtuais. P1 diz: “Então, é como isso se constitui e que conteúdos que poderiam ser importantes nessa lógica e que eles não levassem para um processo, daqui a pouco, de homogeneização [...]”. O cuidado ético é um aspecto fundamental da Realidade Virtual. Não se pode produzir e aceitar ambientes virtuais que propaguem e reforcem estereótipos. Então, é preciso questionar quem produzirá tais ambientes, quais os propósitos, quais contextos essa pessoa (ou grupo) se insere, quais os interesses que as movem para a produção de conteúdo nesse campo.

P2: “Ah, não tenho muita ideia não. Eu certamente ia testar, porque sou bem curiosa para essas coisas”. [...]. Então, eu novamente vou dizer assim: a tecnologia tem que ter um equilíbrio no sentido do uso, da funcionalidade, do valor social e da repercussão, no sentido da emancipação das pessoas”.

Apesar de P2 ter mostrado um pouco mais de familiaridade com características da RV e já ter participado de uma experiência, a participante não levantou possibilidades de uso da Realidade Virtual. Independente disso, ela refere-se a algo significativo para o campo da tecnologia, tencionando para o compromisso de contribuir com a formação dos sujeitos.

4.2.2.2 Conhecimento incipiente sobre o uso da RV

P3: “Olha, primeiro, teria que inserir os estudantes nesse mundo. Então, a primeira coisa seria disponibilizar todos os equipamentos lá, que eles não têm muito recurso fora. Outra questão: eu penso que ela deveria ser utilizada em uma ou duas direções principais. A primeira: que possibilitasse acesso ao mundo dos saberes, que são esses conhecimentos que estão disponíveis já. A ideia de saberes como conteúdos já pesquisados – e não é que não possa ser tensionado, mas enquanto ninguém questionar é tido como conhecimento disponível. Então, acesso ao mundo dos saberes por diferentes linguagens, inclusive. A gente é muito acostumado ao texto, mas não precisa ser só desse jeito. A outra coisa é potencializar a comunicação e interação deles com o mundo, consigo próprio e com o outro. [...]. Você pode criar realidades por onde veicula-se mensagens, saberes e conceitos que são importantes para a pessoa, inclusive do ponto de vista ético e moral. Não só conceitual, por meio da realidade”.

Considerando a diminuição da carga horária do curso de Pedagogia e o propósito da vivência em RV, deve-se desenvolver conteúdos focados nas demandas do curso. Por exemplo, uma experiência imersiva e interativa para a aprendizagem dos conceitos, do raciocínio e da argumentação. O desenvolvimento de um ambiente desse tipo seria um passo importante e inovador para os dois campos. Como disse P3, por mais que os conhecimentos integrem um ambiente virtual imersivo, o exercício do tensionamento deve se manter.

P4: “Para o planejamento, acho que seria bem bacana, porque elas vão planejar, tentando já colocar em prática, simulando isso. Porque quando elas vão, eu trabalho agora com organização e estágio. Então, quando elas vão para a prática, na hora de planejar, elas colocam várias coisas, mas lá na prática, elas dizem que metade das coisas eu não fiz ou mudei. Então, a gente poderia simular também de uma forma assim né. E, ao mesmo tempo, tem coisas que a gente ensina nas aulas e que, lá na hora, elas fazem diferente. Então, se você vai vivenciando ali, elas conseguem, daqui a pouco, se experimentar e perceber que... desde como falar com a criança, como resolver conflitos né. Você não gritar. Lá na prática, acaba sendo diferente. Se você simula ali e elas vão colocando em prática, elas vão se dando conta que não é assim, que eu tenho que fazer diferente”.

P4 traz ideias de uso da Realidade Virtual, as quais aproximam-se das pesquisas de Katz (1999), Passig (2011) e um estudo citado por Billingsley et al., (2019). Além disso, também aborda a questão da simulação de experiências relacionadas às atitudes e práticas docentes, bem como aponta alguns caminhos em que RV e formação de professores poderiam se encontrar, como atitudes e comportamentos do docente, planejamento e resolução de conflitos. A professora expressa que a simulação pode auxiliar as estudantes a perceberem-se no contexto de sala de aula. Nesse sentido, Brown (1999) diz que a simulação ajuda na aprendizagem do papel de professor, fornecendo um ambiente seguro, em que os estudantes podem testar vários comportamentos e práticas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Realidade Virtual é uma mídia com recursos únicos para a educação e a formação de professores. Por meio dela, é possível que as futuras professoras se coloquem no lugar dos estudantes, sintam-se mais preparados e seguros para estar em sala de aula, treinem as práticas docentes sem afetar as alunas da realidade física e vivenciem inúmeros contextos educacionais, inclusive os menos frequentes. Em comparação com a literatura, docentes e discentes do curso possuem uma noção básica sobre o que é Realidade Virtual e as formas de aplicação no contexto da formação. À vista disso, também foi possível compreender que o diálogo entre a RV e a formação de professores ainda é muito recente no país, bem como internacionalmente. Dessa forma, percebe-se que o acesso e a produção de saberes na intersecção entre a Realidade Virtual e a formação de professores é restrita.

Diante disso, apresentam-se algumas considerações indicativas referentes à Realidade Virtual e a formação de professores. São elas: para ampliar a aquisição e produção de conhecimento nessa fronteira, a apreensão e fluência da língua inglesa é um recurso importante. Pesquisadores precisam apreender estudos realizados no âmbito internacional, os quais estão mais avançados que as pesquisas realizadas no país. Além disso, falar uma língua estrangeira, como o inglês, aumenta as possibilidades de publicações do estudo. Isso também é fundamental para o feedback crítico dos resultados encontrados e a difusão do conhecimento. No entanto, conforme os estudos aumentam na língua portuguesa, o acesso se amplia. Por isso, é importante a constituição de grupos interdisciplinares no âmbito das universidades.

Nesse sentido, as instituições de ensino superior devem investir em dispositivos, laboratórios, softwares e técnicos de laboratórios, bem como na formação de grupos de pesquisas e desenvolvimentos interdisciplinares. Estes grupos devem ser compostos por professores e estudantes de vários campos, vinculados aos centros ou áreas das universidades e focados na melhoria e solução de questões voltadas ao desenvolvimento regional. Além disso, os alunos e docentes devem ter uma carga horária específica para a produção de inovação tecnológica, não interferindo em outras demandas.

É preciso atentar-se criticamente para o conteúdo da tecnologia. Não se pode aceitar e elaborar qualquer tipo de conteúdo. Por exemplo, um ambiente virtual que reproduz estereótipos é profundamente danoso à formação docente, tendo em vista que a tecnologia é uma forma de problematizar e melhorar a realidade humana – e não o contrário. Dessa forma, a produção de ambientes virtuais deve ser muito bem pensada, de modo a considerar criticamente os diversos âmbitos que exercem alguma relevância sobre os seres humanos, bem como as problemáticas enfrentadas em cada região do país.

No ambiente virtual, o participante deve se comportar de forma similar à realidade física. Desse modo, pesquisas futuras devem realizar observações a campo, verificando os comportamentos e discursos de professores antes e depois de inseri-las nos ambientes virtuais. Isso contribui para o desenvolvimento do campo, permite uma triangulação de dados, auxilia na validação do ambiente virtual, bem como auxilia na compreensão de possíveis diferenças ou divergências entre o que apresenta-se no ambiente virtual e na sala.

Por meio da Realidade Virtual, o docente estará mais preparado para inserção no mercado de trabalho e para os desafios das salas de aulas contemporâneas. Para isso, a tecnologia deve ajudar no desenvolvimento crítico do docente, de modo a possibilitar que ele se coloque no lugar do estudante, melhore a própria comunicação, compreenda as deficiências de modo diferenciado e perceba-se durante a prática docente.

Por fim, para que a Realidade Virtual e a formação de professores se fortaleçam enquanto campos de pesquisas conjuntos é fundamental que novos estudos sejam produzidos e que ocorra um maior diálogo entre os tecnologistas e os educadores, o que certamente contribuirá para ampliar e difundir os conhecimentos acerca do tema. Sendo o professor um profissional crucial na formação dos sujeitos, a Realidade Virtual auxilia na expansão e inovação da própria formação.

3A realidade virtual é uma mídia constituída de simulações computacionais interativas, as quais identificam as ações e posições do usuário e substituem ou aumentam o feedback para um ou mais sentidos. Isso faz com que o usuário tenha a sensação de estar imerso na simulação (SHERMAN; CRAIG, 2003).

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento da pesquisa por meio do Edital 03/2017.

Revisão gramatical realizada por: Luciana Fatima Narcizo

E-mail: lucy_narcizoo12@unochapeco.edu.br

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Recebido: 26 de Maio de 2020; Aceito: 11 de Fevereiro de 2021

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