1 INTRODUÇÃO
É inegável, sobretudo no mundo contemporâneo, que todos estamos sujeitos ao sofrimento psíquico, afinal, a saúde mental é parte da condição humana. O medo, ansiedade, pânico, raiva, alegria, euforia, bem como o estresse, foco deste estudo, são emoções que nos acompanham diariamente e como tal, no âmbito da Educação Física, permeiam as práticas corporais (WACKS, 2008), mas também acompanham o estudante no decorrer de todo seu processo de formação acadêmica. Conforme Graner e Cerqueira (2019), o sofrimento psíquico em estudantes universitários tem sido objeto de estudo frequente na literatura situada no campo da saúde. Borine, Wanderley e Bassitt (2015) afirmam, inclusive, que o estresse, como fonte de sofrimento humano, é aquele que mais se relaciona às doenças psicossociais, especificamente em estudantes universitários. Ramos et. al. (2019), em estudo que buscou avaliar a ansiedade e o estresse em universitários, apontam altos índices de estresse na população investigada, inclusive, em maiores proporções que a ansiedade.
Se, há algumas décadas, os estudos acerca da relação do estresse em universitários eram escassos, tal como apontado por Calais, Andrade e Lipp (2003), além de Lemes et. al. (2003), nos últimos anos inúmeras pesquisas têm sido realizadas com a finalidade de estudar a influência do estresse na vida das pessoas, sobretudo quando submetidas às situações supostamente estressoras, tais quais as avaliações.
Tal preocupação apoia-se na compreensão de que, assim como apontado por Monteiro, Freitas & Ribeiro (2007, p.67), “os eventos estressores podem influenciar na vida social, pessoal, profissional e acadêmica dos sujeitos” e, como consequência das influências biopsicossociais, podem causar desequilíbrios na homeostase do indivíduo, podendo prejudicar o seu desempenho na tarefa em questão.
A teoria transacional do estresse desenvolvida por Lazarus e Folkman (1984) é “um dos modelos mais utilizados na literatura do estresse” (BRAZÃO et. al., 2019, p. 184), caracterizando-se por considerar o processo de estresse como consequência da interação entre o indivíduo e a forma como se percebe a situação, adotando como base deste processo as emoções, as avaliações cognitivas (primárias e secundárias) e as estratégias de coping (LAZARUS e FOLKMAN, 1984).
Desta forma, como estratégia de resposta para enfrentamento do estresse, o processo de coping, contemplado na teoria transacional do estresse de Lazarus e Folkman (1984), recebe destaque na literatura sobre o tema. De acordo com Folkman e Lazarus (1985), quem determina o tipo de resposta de coping e o quanto eficaz ela será no combate ao estresse, são as avaliações preliminares realizadas pelo sujeito, sendo que o sexo, ou gênero, como preferimos adotar, é variável de destaque em nosso estudo, tratando-se de um dos fatores que influencia, dentre outros, a avaliação cognitiva.
Ainda que haja na literatura muitas definições sobre o estresse, nos apropriamos neste estudo também da compreensão de Lipp (1996) ao entendermos o estresse como uma reação do organismo, desencadeada por eventos estressores, que envolve componentes físicos ou psicológicos, ocasionando alterações psicofisiológicas em decorrência da quebra da homeostase interna. Tais alterações podem, conforme Lipp e Tanganelli (2002), afetar a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar como um todo. E o que essas alterações, como o estresse, podem ocasionar, especificamente, em homens e mulheres que estão vivenciando situações típicas do ensino superior?
Neste estudo, nos detivemos a investigar estudantes universitários sob situações que supostamente se enquadram como estressoras, tais quais a semana de provas e a de apresentação do trabalho de conclusão de curso (TCC). Ou seja, buscamos responder se o estresse se manifesta, subjetiva e objetivamente, em estudantes universitários que estão sob situação de avaliação, e se há diferenças na manifestação e percepção do estresse entre estudantes do gênero masculino e feminino.
Neste caso, entendemos gênero como um “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” (SCOTT, 1995, p.86). Importante ainda destacar que “não há, contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre os corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas” (LOURO, 1997, p.22).
Assim, partimos do pressuposto de que as construções sociais podem ter fator preponderante na forma como homens e mulheres lidam com o estresse no cotidiano. No decorrer de um curso universitário, foco desta análise, os estudantes são submetidos a diversos estímulos estressores, desde o momento da escolha do curso a seguir, até a pressão por bons resultados, necessidade de inserir-se em um ou mais grupos, a incerteza sobre o conhecimento assimilado e a inserção no mercado de trabalho.
Além dessas questões, também consideramos as dificuldades no processo de adaptação do estudante ao ensino superior, seja por conta da integração acadêmica e social, seja pelo acolhimento realizado por parte da instituição, aspectos estes que contribuem com o processo de adesão e aderência dos jovens universitários (TEIXEIRA et. al., 2008; BARDAGI, 2007). Portanto, é fundamental que as instituições de ensino superior (IES) ofereçam aos estudantes, condições adequadas para que possam desfrutar de um satisfatório conforto acadêmico, condição essencial para a qualidade da aprendizagem (NICCO, 2000).
Dentre as variáveis mais frequentes encontradas por Graner e Cerqueira (2019) no âmbito acadêmico, e que atuam como fatores de risco ao sofrimento psíquico em estudantes universitários, está a percepção de que a realização do curso de graduação é uma fonte de estresse. Corroboramos Teixeira et. al. (2008) ao entendermos que o simples ingresso na faculdade/universidade, como uma situação típica da transição para a vida adulta, trata-se de uma experiência potencialmente estressora. Nesse sentido, Polydoro (2000) ressalta que tal transição é bastante significativa para o indivíduo, por estar frequentemente sincronizada às mudanças e adaptações peculiares da adolescência e vida adulta, tais quais, conforme Almeida, Soares e Ferreira (2000), a construção da identidade, o desenvolvimento da autonomia e o estabelecimento das relações interpessoais.
No que diz respeito à construção das identidades, especificamente as identidades de gênero, é preciso considerar as formas como estas são constituídas e vivenciadas socialmente, refletindo, sobretudo, os conceitos e os pré-conceitos da linguagem simbólica e do imaginário social que podem influenciar e direcionar esta construção, ou seja, é preciso discutir “a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres”(SCOTT, 1995, p.75).
Debruçarmo-nos sobre a problemática do estresse no âmbito acadêmico a partir do recorte de gênero, além de contribuir com a ampliação e qualificação do conhecimento científico produzido sobre esta temática no âmbito da Educação Física, é fundamental por permitir maior compreensão acerca deste estado emocional em universitários, dotando-lhes de recursos para mediar sua relação com os diversos eventos estressores presentes neste contexto, melhorando o rendimento acadêmico e, sobretudo, minimizando o sofrimento psíquico.
Ao refletimos sobre a percepção de estresse em estudantes universitários, apontando e discutindo as diferenças entre os gêneros, esperamos que as faculdades/universidades, bem como os docentes, se apropriem do conhecimento aqui apresentado a fim de qualificar, adequar e melhor organizar os ambientes e situações de aprendizagem às necessidades e expectativas de alunas e alunos do ensino superior, garantindo-lhes melhores condições para controlar o estresse que os acomete, na busca da ampliação da qualidade de vida, da otimização do rendimento acadêmico e redução do número de evasão estudantil.
Portanto, esta pesquisa teve por objetivo mensurar e analisar o nível de estresse em estudantes do curso de Educação Física em semana de avaliação e apresentação do TCC, constatando e discutindo sobre as diferenças percebidas entre os gêneros, e refletindo sobre sua relação com o desempenho acadêmico. Partimos da hipótese de que existia influência destas semanas de avaliação no nível de estresse dos participantes da pesquisa, porém, com diferenças para comparação entre estudantes universitários mulheres e homens.
2 MÉTODOS
Participantes
Participaram do estudo 24 estudantes universitários do último período do curso de bacharelado em Educação Física noturno de uma instituição de ensino superior privada, dentre os quais, 12 eram homens (idade, 27 ± 5 anos) e 12 mulheres (idade, 26 ± 6 anos). Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido antes do início do estudo. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição local (protocolo 14/19).
Desenho Experimental
O estudo de campo foi conduzido em um período de 3 semanas. Na 1ª semana (controle), os participantes foram instruídos dos procedimentos a serem realizados durante a pesquisa. O POMS, questionário de perfil do estado de humor (PRAPAVESSIS, 2000) e a EEP, escala de estresse percebido (LUFT et. al., 2007), foram aplicados 2 vezes, em dias distintos, separados por 48 horas. A primeira aplicação foi realizada para familiarização dos participantes e esclarecimentos de dúvidas sobre os itens dos questionários. Na segunda aplicação foram considerados os valores da semana controle. Na 2ª semana, ao final da realização de 4 provas, novamente foi aplicado o POMS e EEP.
Também foi elaborado pelos autores um questionário contendo duas perguntas fechadas (preparação e dificuldade da prova). As notas das provas também foram consideradas. Na semana 3, os mesmos participantes apresentaram o trabalho de conclusão de curso (TCC). A apresentação foi realizada oralmente com duração de 10 minutos e arguição da banca examinadora, com duração de 15 minutos. Passados 30 minutos da apresentação, os participantes responderam novamente ao POMS e EEP. As respostas dos questionários foram obtidas em sala separada, climatizada, silenciosa e foi mantido total sigilo das respostas entre os participantes. Durante as 3 semanas, os participantes foram orientados a manterem sua rotina diária normal.
Escala de preparação e dificuldade das provas
Com intuito de entender o nível de preparação e dificuldade encontrada nas provas, foi aplicada pelos pesquisadores uma escala de Likert de cinco pontos, com duas perguntas fechadas. Pergunta 1 (10 minutos antes da prova): Qual o seu nível de preparação para a prova? [5- Extremamente Preparado, 4- Muito Preparado, 3– Preparado, 2- Pouco Preparado, 1- Muito Pouco Preparado]. Pergunta 2 (logo após a realização da prova): Qual o grau de dificuldade desta prova? [5- Nenhuma Dificuldade, 4-Pouca Dificuldade, 3- Difícil, 2-Muito Difícil, 1-Extremamente Difícil]. Isto foi considerado para entender se o elemento estressor “prova” iria ser diferente na comparação entre estudantes homens e mulheres. Para todas estas variáveis, foi considerada a média das 4 provas.
Análise das provas
As notas das 4 provas realizadas pelos 24 estudantes foram acessadas pelo portal acadêmico da instituição de ensino superior particular na qual estudavam. As provas possuíam 15 questões objetivas, com 5 alternativas, e eram relacionadas ao conteúdo semestral das disciplinas do período que estava sendo cursado pelos participantes (último semestre do curso de bacharelado em Educação Física). O conceito final atribuído ao estudante era uma nota de 0 a 10 pontos (0,66 pontos por questão).
Questionário de perfil do estado de humor
O POMS avalia o perfil do estado de humor dos indivíduos. Os participantes foram instruídos a responderem “como se sentiam na última semana, incluindo hoje”. Para reduzir a possibilidade de falsas respostas, a confidencialidade dos dados foi assegurada aos sujeitos (TOMAZINI et al., 2015). Os sujeitos reportavam uma auto-avaliação sobre 65 itens por meio de uma escala de Likert de 5 pontos (0 a 4), sendo 0 – nada,1 – Um pouco, 2 – Moderadamente, 3 – Bastante e 4 - Muitíssimo. Os resultados geraram 6 itens relacionados ao estado do humor: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão. Uma medida geral da perturbação total do humor (PTHESCORE) foi calculada pela soma dos escores negativos nos itens tensão, depressão, raiva, fadiga e confusão, menos a pontuação da escala de vigor. Ao final, o resultado foi somado a uma constante de 100 para evitar um resultado global negativo.
Escala de estresse percebido
O estresse percebido é a avaliação que o indivíduo faz sobre determinados eventos da vida potencialmente ameaçadores. A EEP foi construída com 14 itens, com cinco opções de resposta (modelo Likert – 0 a 4) 0 – nunca, 1 – quase nunca, 2- às vezes, 3 – quase sempre e 4 – sempre. As questões com conotação positiva (4, 5, 6, 7, 9, 10 e 13) têm sua pontuação somada invertida, da seguinte maneira, 0=4, 1=3, 2=2, 3=1 e 4=0. As demais questões são negativas e devem ser somadas diretamente. O total da escala é a soma das pontuações destas 14 questões e os escores podem variar de zero a 56 (LUFT et. al., 2007).
Análise Estatística
A normalidade dos dados foi verificada pelo teste Shapiro-Wilk. Para as variáveis paramétricas, utilizou-se o teste t independente para comparação entre grupos (estudantes homens versus mulheres) e ANOVA de um caminho com medidas repetidas no fator momento (semana controle versus prova versus TCC). Paras as variáveis não paramétricas, utilizou-se o teste de Mann-Whitney para comparação entre grupos e teste de Friedman entre momentos. As suposições de esfericidade na ANOVA de medidas repetidas foram avaliadas utilizando o teste de Mauchly. Quando a esfericidade foi violada (P ≤ 0.05), o fator de correção de Greenhouse-Geisser foi aplicado. Quando necessário, aplicou-se o post hoc de Bonferroni, além de calcular o tamanho do efeito (TE) da ANOVA pelo eta quadrado parcial (η2p). Os valores de η2p< 0,06, 0,06 a 0,14 e > 0,15 foram considerados TE pequenos, médios e grandes, respectivamente. Também foi calculado o tamanho do efeito de Cohen entre grupos usando a fórmula: d = (média estudantes homens – média estudantes mulheres) / desvio padrão combinado. Os valores de d<0,2, 0,2-0,6, 0,6-1,2, 1,2-2,0, 2,0-4,0 e >4,0 foram considerados trivial, pequeno, moderado, grande, muito grande e extremamente grande, respectivamente (HOPKINS et al., 2009). O delta percentual entre as diferenças (∆%) foi calculado pela fórmula ∆% = [(valor estudantes homens - valor estudantes mulheres / valor estudantes mulheres)*100]. O nível de significância adotado para os testes inferenciais foi P < 0,05. As análises foram realizadas no software SPSS versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA).
3 RESULTADOS
Não foram encontradas diferenças significativas entre estudantes homens e mulheres quanto ao nível de preparação para as provas (2,9 ± 0,5 versus 3,2 ± 0,6; P = 0,135), grau de dificuldade das provas (4,0 ± 0,6 versus 4,1 ± 0,3; P = 0,493) e notas (7,1 ± 1,1 versus 6,8 ± 1,2; P = 0,481), respectivamente. A tabela 1 demonstra os resultados do POMS e EEP nos momentos controle, prova e TCC entre os grupos. Com exceção das variáveis depressão e confusão do POMS, todas as variáveis apresentaram diferença entre momentos para estudantes homens e mulheres (todos P <0,05), sobretudo da semana controle em comparação com a de provas e TCC.
Exclusivamente para a variável vigor, a semana de TCC também foi menor em comparação com a semana de provas, tanto para os homens como para as mulheres. Na comparação entre grupos, as estudantes apresentaram valores diferentes para as variáveis: tensão, raiva, vigor, fadiga, confusão, PTHESCORE e EEP, quando comparados aos estudantes (todos P < 0,05). Foi encontrado um tamanho do efeito grande na comparação entre grupos para a raiva na semana controle (d = -1,26), PTHESCORE na semana de provas (d = -1,57) e TCC (d = -1,31) e EEP na semana de provas (d = -1,21).
Na figura 1 pode ser verificado o delta da diferença absoluta da semana de prova versus controle (1A) e semana de TCC versus controle (1B). Não foram verificadas diferenças significativas no padrão de alteração da semana controle com a de prova no PTHESCORE (média = 15 versus 17, P= 0,560 d = -0,20[trivial]) e EEP (média = 5 versus 6, P = 0,455 d = - 0,11[trivial]), na comparação entre estudantes homens e mulheres, respectivamente. Também não foram encontradas diferenças significativas no padrão de alteração da semana controle com a de TCC no PTHESCORE (média = 17 versus 21, P= 0,647 d = -0,22[pequena]) e EEP (média = 7 versus 8, P = 0,333 d = -0,15 [trivial]).
Variáveis | Estudantes Homens (n=12) |
Estudantes Mulheres (n=12) |
Cohen (TE) |
Fator Grupo |
Fator Momento |
||
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∆% | d valor | P valor | P valor | ||||
Tensão | |||||||
Controle | 9,5 ± 3,9 | 11,0 ± 5,9 | 15,8 | -0,30 | 0,469 | 0,001 (H) 0,001 (M) |
|
Prova | 12,4 ± 5,2A | 16,6 ± 7,6A # | 33,6 | -0.64 | 0,003 | ||
TCC | 13,9 ± 5,4A | 18,9 ± 9,1A # | 35,9 | -0,67 | 0,001 | ||
Depressão | |||||||
Controle | 4,7 ± 4,2 | 6,2 ± 2,9 | 32,1 | -0,41 | 0,224 | 0,345 (H) 0,402 (M) |
|
Prova | 5,3 ± 3,7 | 6,8 ± 5,3 | 28,6 | -0,33 | 0,327 | ||
TCC | 4,2 ± 3,3 | 5,8 ± 4,0 | 40,0 | -0,45 | 0,208 | ||
Raiva | |||||||
Controle | 4,1 ± 2,4 | 7,4 ± 2,9# | 81,6 | -1,26* | 0,001 | 0,005 (H) 0,043 (M) |
|
Prova | 6,8 ± 4,1A | 10,4 ± 5,5A # | 54,3 | -0,76 | 0,013 | ||
TCC | 6,1 ± 4,7 | 10,8 ± 4,9A # | 78,1 | -0,99 | 0,009 | ||
Vigor | |||||||
Controle | 17,6 ± 5,4 | 15,0 ± 5,6# | -14,7 | 0,47 | 0,012 | 0,001 (H) 0,001 (M) |
|
Prova | 13,9 ± 5,9A | 9,8 ± 2,6A # | -29,9 | 0,91 | 0,001 | ||
TCC | 10,6 ± 6,0A,B | 7,9 ± 4,2A,B # | -25,2 | 0,51 | 0,008 | ||
Fadiga | |||||||
Controle | 5,7 ± 3,7 | 9,2 ± 3,6# | 61,8 | -0,96 | 0,009 | 0,004 (H) 0,001 (M) |
|
Prova | 9,5 ± 5,1A | 12,1 ± 5,4A # | 27,2 | -0,49 | 0,021 | ||
TCC | 10,0 ± 4,7A | 12,8 ± 4,4A # | 27,5 | -0,61 | 0,018 | ||
Confusão | |||||||
Controle | 4,4 ± 3,3 | 7,8 ± 4,7# | 77,4 | -0,83 | 0,003 | 0,364 (H) 0,523 (M) |
|
Prova | 5,3 ± 3,6 | 7,7 ± 6,2# | 46,0 | -0,48 | 0,023 | ||
TCC | 4,5 ± 2,6 | 6,8 ± 4,4# | 50,0 | -0,63 | 0,008 | ||
PTHESCORE | |||||||
Controle | 111 ± 14 | 127 ± 15# | 14,3 | -1,10 | 0,041 | 0,001 (H) 0,001 (M) |
|
Prova | 125 ± 13 | 149 ± 17A # | 19,0 | -1,57* | 0,013 | ||
TCC | 127 ± 15 | 147 ± 15A # | 14,9 | -1,31* | 0,022 | ||
EEP | |||||||
Controle | 26 ± 4 | 28 ± 5 | 7,5 | -0,41 | 0,324 | 0,028 (H) 0,012 (M) |
|
Prova | 31 ± 3A | 34 ± 3A # | 10,7 | -1,21* | 0,012 | ||
TCC | 32 ± 4A | 36 ± 4A # | 11,9 | -1,02 | 0,021 |
Legenda: PTHESCORE = Escore de perturbação total do humor; TCC = trabalho de conclusão de curso; H = Homens; M= Mulheres; d = Tamanho do Efeito.
ADiferença significativa da semana controle (P< 0,05).
BDiferença significativa da semana de provas (P< 0,05)
#Diferença significativa entre grupos (P< 0,05).
*tamanho do efeito grande.
4 DISCUSSÃO
O principal achado do presente estudo sugere que o perfil do estado de humor e estresse percebido são alterados com a semana de prova e apresentação do TCC em estudantes universitários homens e mulheres. Esses resultados confirmaram nossa hipótese inicial de que as situações de avaliação (provas e apresentação do TCC) eram importantes eventos estressores no contexto da formação universitária. Interessantemente, parte da literatura corrobora estes achados (GRANER e TEIXEIRA, 2019; PRONI & TRENTO, 2016).
Graner e Teixeira (2019) já haviam apontado, em revisão sistemática, que os estudantes que estão no primeiro e no último ano dos cursos de graduação - tal como os estudantes investigados neste estudo -, são aqueles que apresentam maior prevalência de sofrimento psíquico. Conforme Auerbach et. al. (2018), é durante os últimos anos de faculdade que alguns distúrbios e doenças mentais graves são mais evidentes.
As semanas avaliativas e as de apresentação de TCCs apresentaram-se, nos estudos avaliados por Graner e Teixeira (2019), como fontes de estresse em maior proporção para os estudantes que haviam pensando em abandonar o curso. E ainda que este não tenha sido nosso objetivo neste estudo, vale apontar que, conforme Borine, Wanderley e Bassitt (2015), dentre os cursos da área da saúde avaliados, os estudantes de educação física foram aqueles que apresentaram a segunda menor escala de estresse.
Ainda assim, em nosso estudo foi possível observar um maior estresse e mudança do estado de humor em semanas avaliativas, fato que reflete diretamente no comportamento da homeostase fisiológica dos estudantes do curso de educação física avaliado. De fato, já foi demonstrada a modificação na concentração de cortisol sérico, pressão arterial e frequência cardíaca em condições de maior estresse social, acompanhada de modificação no questionário POMS (PRAPAVESSIS, 2000). Também há relação da redução do PHTESCORE com o domínio cognitivo em condições de pressão por resultado em tarefas complexas (VIANA, DE ALMEIDA, & SANTOS, 2001). Além disto, situações que envolvam avaliação em grupo têm poder para modificar o nível de estresse, mesmo em indivíduos saudáveis (CHILDS; DE WIT, 2014) ou atletas (TANGUY et al., 2018). Assim, era esperado que a semana de provas do conteúdo semestral e apresentação do TCC provocassem alterações para todos os participantes, tanto no questionário POMS, como EEP, quando comparada à semana controle, independente do gênero do voluntário.
Quanto ao desempenho acadêmico (notas das provas), nossos resultados mostraram uma realidade distinta à apresentada pela literatura. Em estudo de Lipp et al. (2002) e Graner e Teixeira (2019), por exemplo, tais autores afirmam que o estresse interfere no desempenho escolar de estudantes, já que se relaciona com a capacidade de concentração e aprendizagem. Proni e Trento, (2016), assim como Tricolli (1997) e Lemes et. al., (2003), também em estudos com crianças que cursam o primeiro ciclo do Ensino Fundamental, chegaram às mesmas conclusões.
Neste caso, considerando o corte apenas da semana de provas, verificamos que, mesmo com maior EEP (Homens = 31 / Mulheres = 34), o gênero feminino apresentou o mesmo potencial para notas (Homens = 7,1 pontos / Mulheres = 6,8 pontos) do que o masculino, além de ambos apresentarem o mesmo nível de preparação e dificuldade nas avaliações. É importante perceber que o resultado em avaliações e a percepção de preparação para as mesmas dependem, sobretudo, da forma como os participantes do estudo lidaram com a situação de forma individualizada, principalmente quanto à capacidade para lidarem com estresse e suas percepções (LUFT et. al., 2007).
Um ponto importante na comparação entre gêneros é que este estudo buscou verificar de forma separada as semanas controle versus prova versus TCC (tabela 1), assim como delta de alteração da semana controle com as outras condições (figura 1). A maioria dos estudos faz comparações transversais com o POMS e EEP, ou seja, a aplicação do questionário ao final da intervenção adotada e comparação entre gêneros (HAMMERMEISTER & BURTON, 2004), ou ainda, mapeamento de um perfil pontual entre sujeitos (CHILDS & DE WIT, 2014). Nesta lógica, com exceção do item depressão e tensão do POMS e escore EEP, os valores das variáveis na semana controle, prova e TCC das estudantes são maiores, caracterizando maior estresse e modificação de humor, quando comparados aos homens.
Porém, é importante destacar que o fenômeno de alteração absoluta destas variáveis é semelhante entre gêneros, ou seja, a modificação controle versus condição de avaliação não apresentou alteração (figura 1). Esta é uma contribuição importante do presente estudo. Para o nosso conhecimento, é o primeiro trabalho que investiga esta relação partindo de uma semana controle de condições dos sujeitos e seu delta de alteração com condições de estresse.
Em estudo de Auerbach et. al. (2018), os autores constaram que, em um prazo de doze meses, as mulheres e, dentre elas, as mais velhas, apresentam maiores escores dos transtornos de depressão, mania/hipomania, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, transtorno por uso de álcool e transtorno por uso de substâncias, em comparação aos homens. Por sua vez, a análise transversal dos dados (valores semanais) realizada em nosso estudo, aponta que as mulheres apresentaram maiores valores nos itens raiva, fadiga e confusão, além de menor Vigor no POMS (tabela 1).
Isso nos conduziu a tangenciar este resultado com as construções e significados de gênero, ou seja, este resultado nos permitiu supor que as construções sociais podem influenciar a maneira com a qual as mulheres lidam com os eventos estressores. Diversos procedimentos repetidos no cotidiano, em práticas aparentemente triviais, vão constituindo as identidades de gênero. Assim, os significados de gênero, no que diz respeito às habilidades, identidades e modos de ser, são configurados socialmente e vivenciados de acordo com as expectativas de determinada sociedade (VIANNA & FINCO, 2009). Isto pode explicar as diferenças encontradas no mapeamento semanal das variáveis do POMS e percepção do estresse.
Neste sentido, Romero (1994, p.227) afirma que se levarmos em consideração os padrões propostos socialmente, podemos esperar que os homens sejam, diferentemente das mulheres, “fortes, independentes, agressivos, competentes, competitivos e dominantes. Para as mulheres, a expectativa é de que sejam mais dependentes, sensíveis, afetuosas e que suprimam impulsos agressivos e sexuais”. Ou seja, o masculino é educado para a superioridade: competitivo, ativo, destemido, independente, racional e intelectual; enquanto as mulheres são educadas para serem emocionais e sentimentais cabendo às próprias o papel de defensoras e reprodutoras desse modelo machista (PEREIRA et al., 2015). Essas características (leia-se modos de ser e estar no mundo) se relacionam com a forma com que homens e mulheres sentem, pensam e agem sobre as diversas situações do cotidiano e estão fortemente vinculadas às respostas encontradas nos questionários.
Nossos dados corroboram os estudos de Lipp e Tanganelli (2002) e Borine, Wanderley e Bassitt (2015), nos quais é afirmado que as mulheres possuem maior incidência de estresse do que os homens, chegando, conforme Lipp e Tanganelli (2002), ao dobro do escore. Ao avaliarem os sintomas graves do estresse, constataram sua incidência em 16% das mulheres investigadas, contra 8% dos homens (LIPP & TANGANELLI, 2002). Misra e Castillo (2004) também corroboram nossos dados na medida em que concluíram em sua pesquisa que tanto as estudantes universitárias norte-americanas, quanto aquelas de outras nacionalidades, apresentaram mais reações ao estresse do que os estudantes do sexo masculino, independentemente da idade ou área de atuação.
Calais et. al. (2007) e Calais, Andrade e Lipp (2003) também indicaram em suas pesquisas que as mulheres apresentaram maior estresse que os homens. Calais et. al. (2003) confirmam nossas ideias iniciais quando destacam que homens e mulheres se diferem não só em características biológicas, mas também na variedade de papéis que desempenham na sociedade e que, integrar todas estas demandas com os efeitos negativos da vida, pode gerar reações diferentes ao estresse.
As reações ao estresse e as diferenças de estratégias de enfrentamento deste estado emocional adotadas por homens e mulheres, podem ser relacionadas à perspectiva da Teoria Transacional do estresse de Lazarus e Folkman (1984). Goyen Anshel (1998), ao avaliarem o processo de coping, estratégias ou estilos de respostas utilizadas por cada sujeito diante de eventos estressores, constataram que homens e mulheres possuem estratégias diferentes de enfrentamento do estresse. Ou seja, para um mesmo elemento estressor, enquanto as mulheres preferem adotar métodos centrados nas emoções, os homens utilizam com mais frequência estratégias centradas no problema. Em outras palavras, enquanto os homens optam mais regularmente pelo apoio instrumental, as mulheres preferem o apoio emocional (ALVES, AUGUSTO & OLIVEIRA, 2008). Nesse sentido, Brazão et. al. (2019), bem como Crocker & Graham, (2016), encontraram, ainda, evidências que sugerem que mulheres optam com mais frequência que os homens pelo suporte social e aumento do esforço.
Por fim, cabe destacar que o presente estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, os achados encontrados correspondem a estudantes universitários do período noturno e não podem ser extrapolados para outros grupos de estudantes e períodos. Isto precisaria ser investigado. Segundo, não foi estabelecida, neste estudo, relação direta com parâmetros objetivos de estresse psicobiológico (ex. dosagem de catecolaminas ou cortisol), porém, os questionários subjetivos vêm sendo considerados sensíveis para identificar alterações de estresse em diferentes tipos de condições (TANGUY et. al., 2018), e o POMS é um dos mais utilizados para este fim (PRAPAVESSIS, 2000). Terceiro, a análise do estresse foi feita sob a perspectiva de informações de questionários, entretanto, também são necessárias pesquisas com outros métodos de análise (análise do discurso do sujeito ou história oral temática, por exemplo) para maior compreensão do processo do estresse em semanas de avaliação, assim como na comparação entre gêneros.
5 CONCLUSÃO
Conclui-se que a semana de provas e TCC influenciou o nível estresse dos participantes da pesquisa. Quando se compara os gêneros, as mulheres já partem de valores maiores na semana controle para a maioria das variáveis do POMS. Esses achados indicam que o fenômeno do estresse pode ocorrer independente do gênero, já que PTHescore e EEP não foram diferentes na comparação do delta da condição controle e semanas de prova e TCC. Como sugestão para futuros estudos, elencamos a realização de pesquisas com estudantes de outros períodos do curso de graduação ou estudantes do primeiro ciclo do ensino fundamental, bem como estudantes de cursos realizados no período matutino e/ou integral.
6 APLICAÇÕES PRÁTICAS
Este trabalho traz como perspectiva de aplicação prática, um modelo de monitoramento do estresse para estudantes universitários com a finalidade de contribuir com os próprios estudantes, professores e instituições, dotando-lhes de informações que poderão auxiliá-los na melhoria dos processos pedagógicos e desempenho acadêmico.