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ETD Educação Temática Digital

versão On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.2 Campinas maio 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i2.8660121 

Artigos

MOTIVAÇÕES PARA A ESCOLHA DA HABILITAÇÃO PROFISSIONAL EM UM CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS EXATAS

REASONS FOR CHOOSING A PROFESSIONAL QUALIFICATION IN A LICENSING COURSE IN EXACT SCIENCES

RAZONES PARA ELEGIR UNA TITULACIÓN PROFESIONAL EN UNA CURSO DE LICENCIA DE CIENCIAS PRECISAS

Samuel Willian Schwertner Costiche1 

Paulo Wichnoski2 

Danilene Gullich Donin Berticelli3 

1Graduando no curso de Licenciatura em Ciências Exatas - Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR - Brasil. Atualmente, atua na área de divulgação científica por meio do projeto de extensão Show das Ciências. Integra o grupo de pesquisa em Equações Diferenciais Parciais. E-mail: samuelcostiche1@gmail.com

2Doutorando em Educação em Ciências e Educação Matemática - Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Curitiba, PR - Brasil. Mestre em Ensino - Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Curitiba, PR - Brasil. E-mail: wichnoski@gmail.com

3Doutora em Educação - Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Curitiba, PR - Brasil. Docente - Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR - Brasil. E-mail: danilene@ufpr.br


RESUMO

Neste artigo visamos conhecer as motivações que influenciaram e/ou determinaram a escolha da habilitação profissional em um curso de Licenciatura em Ciências Exatas de uma Universidade Pública do Paraná. Da perspectiva qualitativa de pesquisa, procedemos à construção, categorização e interpretação dos dados sob os pressupostos do método fenomenológico. A interpretação realizada nos permite inferir que a escolha da habilitação profissional é motivada por fatores individuais, institucionais e sociais, e amparada majoritariamente em aspectos relativos ao passado acadêmico dos participantes da pesquisa. A figura do professor e a sua respectiva prática pedagógica revelaram-se influenciadoras dessa escolha, sendo capaz de reforçar, pôr em dúvida ou modificar as pré-disposições dos participantes.

PALAVRAS-CHAVE Pesquisa qualitativa; Fenomenologia; Formação de professores; Ciências exatas

ABSTRACT

In this article we aim to know the motivations that influenced and/or determined the choice of the professional qualification in the Degree in Exact Sciences at a Public University of Paraná. From the qualitative research perspective, we proceeded to the construction, categorization and interpretation of the data under the assumptions of the phenomenological method. The interpretation made allows us to infer that the choice of professional qualification is motivated by individual, institutional and social factors, and supported mainly in aspects related to the academic past of the research participants. The figure of the teacher and his respective pedagogical practice proved to influence this choice, being able to reinforce question or modify the participant’s pre-dispositions.

KEYWORDS Qualitative research; Phenomenology; Teacher formation; Exact sciences

RESUMEN

En este artículo pretendemos conocer las motivaciones que llevaron y / o determinaron la elección de la titulación profesional en una Licenciatura en Ciencias Exactas en una Universidad Pública de Paraná. Desde la perspectiva de la investigación cualitativa, se procedió a la construcción, categorización e interpretación de los datos bajo los supuestos del método fenomenológico. La interpretación realizada permite inferir que la elección de la calificación profesional está motivada por factores individuales, institucionales y sociales, y sustentada principalmente en relación al pasado académico de los participantes de la investigación. La figura del docente y su práctica pedagógica resultó influir en esta elección, pudiendo reforzar, cuestionar o modificar las predisposiciones de los participantes.

PALAVRAS-CLAVE Investigación cualitativa; Fenomenología; Formación docente; Ciencias exactas

1 INTRODUÇÃO

Ainda que o discurso sobre questões relacionadas a formação de professores não seja recente, ele tem subsistido à ação do tempo e se atualizado no âmbito das pesquisas em Educação. Nessa ceara, situam-se as pesquisas que enfocam a formação de professores em nível inicial, caracterizada burocraticamente pelos cursos de Licenciatura. Ainda que a formação de professores, em sentido lato, se estenda para além deste momento inicial, em nosso entendimento ele é crucial para o constituir-se professor, uma vez que, teoricamente, apresenta ao futuro professor a sua área de atuação científica e pedagógica, bem como delineia os primeiros traços do perfil profissional. Contudo, tanto na escolha da profissão como no início do processo formativo, comumente, ocorrem conflitos subjetivos e em um momento prematuro da vida do sujeito, de modo que o não atendimento às suas expectativas tende a maximizar os conflitos com relação ao futuro profissional e pode culminar na evasão do curso ou em uma formação sem sentido (BEGO; FERRARI, 2018). Por outro lado, há a possibilidade de suscitar, no período inicial da formação, a identificação do sujeito com a futura profissão (SÁ; SANTOS, 2010) e, por isso, voltar-se para a formação inicial de professores e tomá-la como foco de pesquisa é necessário.

A formação inicial de professores tem ganhado novas configurações com o advento dos cursos que integram mais de uma área do conhecimento, a exemplo dos cursos de Licenciatura em Ciências Exatas, os quais diferem em termos de estruturação dos cursos de Licenciatura em uma área específica. Por abrangerem uma grande área do conhecimento, podem oferecer uma formação interdisciplinar, de modo que os acadêmicos adquirem visão global das Ciências Exatas para “articular, religar, contextualizar, situar-se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos adquiridos” (MORIN, 2002, p. 29). Todavia, mesmo que, em tese, a interdisciplinaridade esteja presente nesses cursos, há a necessidade de escolha por uma das áreas das Ciências Exatas. Partimos do pressuposto que essa escolha é carregada de significados e sentidos trazidos pelos acadêmicos e que, por vezes, podem ser (des)construídos no período inicial do curso. Esses fatores podem ser históricos, sociais, culturais, entre outros, e, em face disso, nos perguntamos: quais fatores influenciam a escolha da habilitação profissional no curso de Licenciatura em Ciências Exatas de uma Universidade pública do paraná?

Considerando a interrogação norteadora, nos interessamos, enquanto foco da pesquisa, pelos motivos que podem implicar na escolha da habilitação na área específica em sentido lato, isto é, não partimos de hipóteses a priori buscando confirmá-las ou refutá-las, mas partimos tão somente da hipótese de que esta escolha acontece mediada por alguns fatores, resta-nos saber quais. Procedemos com o cuidado de deixar estes fatores aparecerem livremente no contexto da nossa interrogação de pesquisa, sem nos limitarmos à hipóteses prévias e aconselhados por Andrade e Holanda (2010) que pontuam: “a tentação do pesquisador em dirigir suas análises com bases em hipóteses rígidas pode levá-lo ao grande perigo de a pesquisa não produzir nenhum conhecimento significativo” (p. 264).

Ao utilizar o termo ‘motivação’, nos fundamentamos na perspectiva de Santos e Antunes (2007), como sendo um processo orientado para uma meta, enxertado de princípios subjetivos e intersubjetivos. Ao ser compreendida como um processo, a motivação revela-se mutável e capaz de despertar o participante para novas metas, atitudes, concepções e valores. Segundo Bego e Ferrari (2018) a motivação não parte apenas de princípios intrapessoais, mas também é influenciada por fatores interpessoais, ou como nos referimos anteriormente, por princípios subjetivos e intersubjetivos. Em consonância, a motivação ou “os processos motivacionais devem ser entendidos na sua integralidade, mas percebidos desde a sua singularidade” (SANTOS; ANTUNES, 2007, p. 163).

Nesse sentido, identificar os fatores que motivaram a escolha da habilitação profissional dos participantes, no âmbito de um curso de Licenciatura em Ciências Exatas, é significativo para a compreensão das circunstâncias e dos contextos em que ela se fundamenta, bem como para promover ações de intervenção curricular e prática, no tocante a organização dos cursos que se estruturam sob o viés da Interdisciplinaridade. Estes argumentos justificam a pertinência da pesquisa ora apresentada.

Destacamos que, em razão de uma busca no portal da Scientific Electronic Library Online (SciELO), por meio dos indicadores ‘Licenciatura em Ciências Exatas’ e ‘escolha da habilitação profissional em Ciências Exatas’, e considerando o período temporal ilimitado, constatamos a ausência de pesquisas que enfocam os cursos de Licenciatura em Ciências Exatas e se interessam pelos fatores relacionados à escolha da habilitação específica. Por um lado, tal ausência pode indicar que a temática ‘motivação’ é um foco de pesquisa não relevante no âmbito das Licenciaturas em Ciências Exatas. Por outro, pode indicar que é uma temática carente de pesquisas, revelando-se um foco fértil para investigações.

Acreditamos na segunda possibilidade, uma vez que no âmbito das Licenciaturas, este foco é perseguido em pesquisa como a de Afonso (2019) e a de Bego e Ferrari (2018). Afonso (2019) buscou pelos fatores que motivaram os licenciandos a ingressarem no curso de Química de uma universidade pública do estado de Minas Gerais; Bego e Ferrari (2018) se interessam pelas motivações dos ingressantes em diferentes cursos de Licenciatura em Química de uma universidade pública do estado de São Paulo. Embora sob diferentes perspectivas, métodos e técnicas de pesquisa, e realizadas em diferentes regiões, essas pesquisas compartilham do mesmo enfoque e congregam a percepção de que a escolha por uma área profissional pode ser influenciada por diversos fatores, tais como, a oportunidade de estudar em uma universidade pública (AFONSO, 2019); a identificação com a profissão, o interesse na área do conhecimento, a reputação da universidade e as pretensões profissionais (BEGO; FERRARI, 2018). Desse prelúdio, que situa e justifica o trabalho, expomos a nossa compreensão teórica acerca da pesquisa qualitativa-fenomenológica.

2 PESQUISA QUALITATIVA-FENOMENOLÓGICA

As pesquisas qualitativas são capazes de explicar fenômenos não-métricos, tais como fatos sociais e antropológicos (DENZIN; LINCOLN, 2006). O pesquisador não tem por objetivo submeter sua pesquisa a provar fatos, mas sim descrever o objeto ou fenômeno de estudo de forma a explicar o porquê das coisas (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Deste modo, como a pesquisa qualitativa se propõe a explicar fatos não quantificáveis, sua metodologia deve consistir em um conjunto de ações interpretativas dos dados que culminam em resultados descritivos acerca do fenômeno estudado. Os autores Gerhardt e Silveira (2009) listam estas ações características da pesquisa qualitativa, a saber:

As características da pesquisa qualitativa são: objetivação do fenômeno; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos; busca de resultados os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências

(GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 32).

Em vista disso, a pesquisa é efetuada segundo a ‘atitude natural’, a qual pressupõe uma relação imutável entre o pesquisador e a realidade, isto é, o pesquisador não modifica a realidade, mas apenas a descreve em termos qualitativos. Contudo, é possível voltar-se à realidade de uma atitude intencional, a ‘atitude fenomenológica’, compreendida como expansão para o mundo, como uma atitude que se abre para as coisas do mundo como objetos intencionais e não como simplesmente existentes (BICUDO, 2004). No âmbito da pesquisa qualitativa-fenomenológica, lida-se com pelo menos dois momentos cruciais de planejamento, sob os quais o método empregado se divide em uma análise empírica e/ou interpretativa. Van Manen (1990), divide estes dois momentos sob os conceitos de experiência-vivida e descrição intermediada, pelos quais a abstração da realidade, enquanto objeto, é interpretada hermeneuticamente por meio da linguagem e traduzida em uma expressão simbólica, afirmando:

Fenomenologia é, por um lado, descrição do vivido na qualidade da experiência vivida e, por outro, descrição do significado das expressões da experiência vivida. Os dois tipos de expressão parecem um tanto diferentes, no sentido de que a primeira é uma descrição imediata do mundo-vida enquanto vivido, enquanto o segundo é uma descrição intermediada (ou mediada) do mundo-vida enquanto expressado em forma simbólica

(VAN MANEN, 1990, p. 25).

Com efeito, se é de desejo que se conheçam os aspectos universais intimamente ligados aos fatos subjetivos de um objeto de estudo, como pretende-se com a fenomenologia, que segundo Husserl (2006) “quer ser uma doutrina eidética descritiva dos vividos transcendentais puros em orientação fenomenológica” (p. 161), então cabe ao pesquisador, à primeira vista, despir-se dos preconceitos, julgamentos e de prévias teorias sobre as origens causais do fenômeno ao qual se pretende conhecer (BICUDO, 1994).

Nas pesquisas que assumem uma visão fenomenológica visa-se, segundo Kluth (2011, p. 76-77) “as características globais, universais e primordiais da vivência humana e a elucidação do a priori pré-lógico que nos é dado no ato da percepção ao toparmos com o mundo, com os outros seres, com a nossa existência e conosco mesmos”. Em outras palavras, a pesquisa possui como finalidade última a obtenção da descrição essencial do fenômeno interrogado, ao qual designa-se o termo ‘intuição da essência’, que Dartigues (2003) define como “a visão do sentido ideal que atribuímos ao fato materialmente percebido e que nos permite identificá-lo” (p. 15). Em termos práticos, a busca é pelas intersecções entre as diferentes asserções articuladas, efetuando convergências quando expressam uma mesma ideia ou quando externam um encadeamento de raciocínio (BICUDO, 2011). O método fenomenológico deve conduzir a pesquisa em um movimento de retorno às origens do fenômeno analisado, explicitando as relações intersubjetivas de significado que revelem as essências por trás das asserções articuladas analisadas, de modo a retornar à coisa mesma, enquanto se apresentam no mundo anterior a consciência (MERLEAU-PONTY, 1999).

Estas conclusões, por mais que se apresentem como um processo difuso e guiado pela intuição direta, não constituem uma redução no rigor científico da análise; pelo contrário, possibilitam uma visão ampla acerca das estruturas intersubjetivas que cada participante atribui a partir de sua consciência de mundo, de sua experiência vivida, constituindo uma ciência de rigor que, como destaca Husserl (1965), “sem todos os métodos indiretamente simbolizantes e matematizantes, sem o aparelho das conclusões e provas, não deixa de chegar a amplas intelecções das mais rigorosas e decisivas para toda a filosofia ulterior” (p. 73). Dito sobre a metodologia e o método deste trabalho, a próxima seção coloca o leitor a par dos procedimentos efetuados em busca daquilo que interrogamos.

3 PROCEDIMENTOS

Os dados foram construídos em face de 33 depoimentos, concedidos por acadêmicos que já haviam realizado a escolha da habilitação profissional e por egressos do curso lócus da pesquisa. Consideramo-los participantes significativos porque vivenciaram o fenômeno interrogado, a saber, a escolha da habilitação profissional e, sob a via do método fenomenológico, não se constituem somente fontes de dados, mas uma entre as muitas influências que constituem as estruturas representativas da universalidade, a partir da análise das experiências individuais (AMATUZZI, 2003). A eles fizemos a seguinte pergunta: quais fatores influenciaram a escolha da sua habilitação profissional, no curso de Licenciatura em Ciências Exatas? Também buscamos conhecer a opção desejada antes do ingresso na universidade e a opção escolhida. Ressaltamos a não obrigatoriedade da participação na pesquisa, bem como a liberdade de expressão para respondê-la.

Andrade e Holanda (2010), argumentam sobre a necessidade de se preservar a pureza dos dados, em face de uma atitude de pesquisa não manipuladora da realidade e que suspenda todos os conceitos prévios do pesquisador. Atentando-nos a isso, chamamos a atenção do leitor para a abertura da pergunta. Este modo de estruturá-la, permite ao participante interrogado expor suas respostas sem a influência do entrevistador e livre da limitação imposta por alternativas hipotéticas, previamente estabelecidas, sendo, as informações concedidas, tão somente dependentes da percepção do respondente. Para além disso, conforme mencionamos em seção específica, o método fenomenológico busca compreender o fenômeno tal como ele se mostra, o que justifica deixá-lo aparecer livremente.

De posse do dito pelos entrevistados, efetuamos o destacamento das unidades de sentidos, sublinhadas nos dizeres dos participantes, as quais podem ser entendidas como fragmentos que expressam alguma relação daquilo que é dito no texto com pergunta estabelecida. Em face das unidades de sentido, foram construídas as asserções articuladas, escritas na linguagem do pesquisador e articuladas com o dito pelo depoente e a interrogação da pesquisa, na intenção de transformá-las em uma linguagem compatível com a região de inquérito do estudo (BICUDO, 2011). Reunindo os sentidos evidenciados nas unidades de sentidos, construímos as unidades de significados, compreendidas como sentenças que “Transformam expressões da linguagem cotidiana do participante, ou ingênuas, em uma linguagem condizente com aquela do campo de inquérito do pesquisador” (BICUDO, 2011, p. 58). Ressaltamos que trabalhamos com as unidades de significados e não com os dizeres dos participantes tais como estão escritos (ipsis litteris). O Quadro 1 exemplifica este momento da pesquisa.

Quadro 1 Exemplo de construção das Unidades de Significado 

Resposta na linguagem dos participantes Asserções articuladas na linguagem dos pesquisadores Unidades de significados
Quando eu estava no 9º ano, eu tive um professor que lidava com a matemática de um jeito muito mágico e me fez ter as primeiras ideias em querer ser docente em matemática. No cursinho para vestibular tive outro professor que me encantava muito sua metodologia. Eu sempre gostei de números, e quando entrei na faculdade, queria física e matemática, porém alguns professores da área de física me desanimaram, e acabei optando só por matemática. E após alguns projetos, como o IC e PIBID, hoje tenho em mente seguir a área em educação matemática. O participante afirma que seu professor da Educação Básica o influenciou por lidar com a matemática de um jeito mágico.
O participante afirma que seu professor do cursinho pré-vestibular o encantava com sua metodologia.
O participante afirma que sempre gostou de números.
O participante afirma que alguns professores o desanimaram.
O participante afirma que projetos desenvolvidos na universidade o influenciaram na escolha da subárea, dentro da habilitação específica.
A prática do professor influenciou a escolha da habilitação profissional. (S.1.14)
Os projetos na universidade influenciaram a escolha da habilitação profissional. (S. 1.2)
O interesse subjetivo pelos números influenciou a escolha da habilitação profissional. (S.1.3)

Fonte: Elaborado pelos autores

Mediante o agrupamento das unidades de significados que, sob algum aspecto, convergiram para um significado comum, construímos três categorias que expressam os invariantes, aquilo que, embora manifestado de diferentes maneiras, não se alterou no discurso dos participantes da pesquisa e, por isso, revelam a estrutura do fenômeno interrogado. Neste momento, o movimento foi de saída do individualizado em cada unidade de significado para chegar às convergências ou à constituição das categorias, as quais expressam a rede de significados, mostrando como cada unidade se articula. Desse modo, ao invés de explicitar a motivação deste ou daquele participante, é possível explicitar os aspectos que motivaram a escolha da habilitação profissional, de forma global, em virtude da articulação dos sentidos e dos significados expressos por cada participante.

Nomeadamente, as três categorias construídas são: C.1 – fatores subjetivos, C.2 – fatores institucionais e C.3 – fatores sociais, as quais são não excludentes porque o participante, uma vez que teve liberdade de expressão para responder ao perguntado, pode ter relatado diferentes origens para a sua motivação, articulando-se em mais de uma categoria. Além disso, os participantes podem ter relatado motivações originariamente iguais, o que justifica o aparecimento de unidades de significado idênticas, como por exemplo, no Quadro 3, as unidades S.2.2, S.4.1, S.7.1, S.12.2, S.17.5, S.18.1 e S.20.2 que, embora articulam-se ao discurso de diferentes participantes, são reveladoras de um mesmo sentido: a influência da figura do professor na escolha da habilitação profissional. Nestes casos, agrupamo-las em uma unidade síntese, associada aos códigos das unidades primárias. Na próxima seção, expomos os invariantes que permaneceram nos diferentes dizeres dos participantes, e que a nós se mostraram dotados de sentido e iluminam o fenômeno interrogado, a saber, a escolha da habilitação profissional em um curso de Licenciatura em Ciências Exatas.

4 DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS CATEGORIAS

A categoria C.1 revela que a escolha da habilitação profissional foi influenciada por motivações subjetivas dos participantes, tais como a afinidade com a área de estudo, facilidade operacional com os conceitos teóricos da área, possibilidade de relacionar os conceitos teóricos da área com seu cotidiano e afinidade com a Licenciatura. O Quadro 2 apresenta as unidades de significado que a compõem.

Quadro 2 Unidades de Significado da Categoria C.1 

Unidades de Significado Código
O interesse subjetivo pelos números influenciou a escolha da habilitação profissional. S.1.3
O gosto pela matemática influenciou a escolha da habilitação profissional. S.2.1
O desejo de compreender a área de preferência influenciou a escolha da habilitação profissional. S.4.2
A facilidade com os conteúdos da habilitação escolhida influenciou a escolha da habilitação profissional. S.6.1
O desejo subjetivo pela área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.7.3
O apreço subjetivo pela área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.9.1
A inspiração promovida pelos professores influenciou a escolha da habilitação profissional. S.9.2
A facilidade com os conteúdos da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.11.1
O sentimento de paixão pela disciplina e suas aplicações influenciou a escolha da habilitação profissional. S.11.2
O sonho/vontade de ser docente na área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.13.1
O sentimento de apreço pela matéria da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.13.2
O desejo de escolher a área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.14.2
A intuição trazida desde o Ensino Médio pelo participante influenciou a escolha da habilitação profissional. S.15.2
O sentimento de amor e a percepção subjetiva da aplicabilidade da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.16.1
O desejo de mostrar a beleza da matemática para outras pessoas influenciou a escolha da habilitação profissional. S.16.2
O apreço por ajudar os colegas com o conteúdo da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.17.3
O desejo emergente de dar aulas de matemática influenciou a escolha da habilitação profissional. S.17.4
A inspiração nos professores influenciou a escolha da habilitação profissional. S.17.6
O sentimento de identificação com a matéria influenciou a escolha da habilitação profissional. S.22.1
O sentimento de afinidade pelas áreas de pesquisa influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.2
A facilidade para transpor o conteúdo da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.3
A aplicabilidade da disciplina no cotidiano do participante influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.4
O desejo de ser professor na área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.24.1
A facilidade em entender e explicar matemática influenciou a escolha da habilitação profissional. S.24.3
O sentimento de afinidade e facilidade com a área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.25.1
O sentimento comparativo de superioridade da matemática com relação ao critério: ser legal, influenciou a escolha da habilitação profissional. S.26.1
O desejo de aprender mais acerca da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.26.3
A relação comparativa entre a Universidade Federal do Paraná e outras no cenário acadêmico influenciou a escolha da habilitação profissional. S.28.1
O desejo de cursar um curso de exatas influenciou a escolha da habilitação profissional. S.28.2
A preferência pela área desde o início do curso influenciou a escolha da habilitação profissional. S.29.1
A abrangência teórica da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.29.2
A impossibilidade de o participante pensar seu futuro baseado em outra escolha influenciou a escolha da habilitação profissional. S.29.3
A preferência prévia pela área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.30.1
O sentimento de apreço pela área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.30.2
O sentimento de admiração pela figura do professor influenciou a escolha da habilitação profissional. S.30.3
A dificuldade e resistência em aprender alguns conteúdos da área inicialmente preferida influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.30.5
A experiência prática com o laboratório e a aplicação prática dos conteúdos influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.30.6
O desânimo em relação as disciplinas inicialmente preferidas, influenciou a escolha da habilitação profissional. S.31.1
O destaque na área em relação as outras disciplinas influenciou a escolha da habilitação profissional. S.31.5
A facilidade com os conteúdos da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.33.2
A sentimento de encanto pela maneira como os professores ministram as disciplinas influenciou a escolha da habilitação profissional. S.33.3
O sentimento de afinidade com as disciplinas ligadas à área influenciou a escolha da habilitação profissional. S. 12.1
S.21.1
O sentimento emergente de amor pela área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.17.2 S.24.2
S.31.4

Fonte: Elaborado pelos autores

A categoria C.2 revela que a escolha da habilitação profissional está diretamente ligada às instituições de ensino pelas quais o participante passou ou pretende ingressar e é influenciada por fatores como: prática pedagógica dos professores da Educação Básica, da Educação Superior ou da Educação em espaços não formais5, projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos na universidade, natureza pública da universidade, possibilidade de aproveitamento de conhecimento em outros cursos de graduação e bom desempenho nas disciplinas da área escolhida. O Quadro 3 apresenta as unidades de significado que a compõem.

Quadro 3 Unidades de Significado da Categoria C.2 

Unidades de Significado Código
A prática dos professores influenciou a escolha da habilitação profissional. S.1.1
Os projetos na universidade influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.1.2
A oportunidade de eliminar disciplinas em outros cursos influenciou a escolha da habilitação profissional. S.5.1
O conteúdo das disciplinas da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.7.2
Os projetos de extensão e pesquisa influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.8.2
A inspiração promovida pelos professores influenciou a escolha da habilitação profissional. S.9.2
O sonho/vontade de ser docente na área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.13.1
O apreço por ajudar os colegas com o conteúdo da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.17.3
O desejo emergente de dar aulas de matemática influenciou a escolha da habilitação profissional. S.17.4
O desempenho acadêmico na área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.19.1
A oferta de vagas pelo Setor no ano de vestibular do participante influenciou a escolha da habilitação profissional. S.21.3
A facilidade para transpor os conteúdos da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.3
O desejo de ser professor na área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.24.1
A facilidade em entender e explicar matemática influenciou a escolha da habilitação profissional. S.24.3
A relação comparativa entre a Universidade Federal do Paraná e outras no cenário acadêmico influenciou a escolha da habilitação profissional. S.28.1
O sentimento de admiração pela figura do professor influenciou a escolha da habilitação profissional. S.30.3
A falta de infraestrutura para atender aos anseios do participante na área que preferia inicialmente influenciou a escolha da habilitação profissional. S.30.4
O desânimo em relação ao ambiente de estudo na área inicialmente preferida influenciou a escolha da habilitação profissional. S.31.2
A prática e os colegas influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.31.6
Os professores responsáveis pela formação básica do participante influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.32.1
O incentivo dos professores influenciou a escolha da habilitação profissional. S.33.1
A facilidade com os conteúdos da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.33.2
A sentimento de encanto pela maneira como os professores ministram as disciplinas influenciou a escolha da habilitação profissional. S.33.3
A figura do professor influenciou a escolha da habilitação profissional. S.2.2
S.7.1
S.12.2
S.17.5
S.18.1
S.20.2
S.4.1

Fonte: Elaborado pelos autores

A categoria C.3 revela que a escolha da habilitação profissional foi influenciada por fatores como: carreira profissional e mercado de trabalho, abrangência da área para o desenvolvimento de pesquisas e moradia próxima ao local onde o curso é ofertado. O Quadro 4 apresenta as unidades de significado que a compõem.

Quadro 4 Unidades de Significado da Categoria C.3 

Unidades de Significado Código
A carreira profissional influenciou a escolha da habilitação profissional. S.3.1
A relação entre a disciplina e a atuação profissional influenciou a escolha da habilitação profissional. S.3.2
A abrangência da área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.6.2
A necessidade de aumentar a pontuação no PSS influenciou a escolha da habilitação profissional. S.10.1
A aplicabilidade da área escolhida influenciou a escolha da habilitação profissional. S.20.1
A carência de profissionais na região oeste influenciou a escolha da habilitação profissional. S.21.2
O amplo campo de trabalho na área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.1
O sentimento de afinidade pelas áreas de pesquisa influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.2
A aplicabilidade da disciplina no cotidiano do participante influenciou a escolha da habilitação profissional. S.23.4
A extensão profissional proporcionada pela área influenciou a escolha da habilitação profissional. S.26.2
A demanda por profissionais da área no mercado de trabalho influenciou a escolha da habilitação profissional. S.27.1
A extensão das oportunidades profissionais influenciou a escolha da habilitação profissional. S.28.3
A proximidade de sua moradia com o campus influenciou a escolha da habilitação profissional. S.28.4
A experiência prática com o laboratório e a aplicação prática dos conteúdos influenciaram a escolha da habilitação profissional. S.30.6

Fonte: Elaborado pelos autores

Ao efetuar as interpretações percebemos a presença do espaço-temporal nas afirmações dos participantes, em particular, o ambiente e o momento em que a decisão foi tomada. Em consonância, a unidade de significado S.17.1 faz referência a um fator institucional e está vinculada ao excerto: “Quando eu era pequena eu não gostava de matemática, não ia bem na matéria até conhecer uma professora que me ensinou e fez mudar minha visão para a matéria...”. Vemos que o discurso do participante remete a sua decisão à um lugar (a escola) e a um momento (o passado). Estes dois fatores definem uma espécie de movimento intelectivo no qual o participante, ao pensar sobre sua própria escolha, remete o seu pensar à situações do passado, presente ou futuro, e nisto definimos a flexão verbal temporal, isto é, o ato de utilizar termos que indiquem lugares e momentos específicos que se mostraram importantes para a tomada de decisão.

O segundo aspecto percebido diz respeito aos modos como as motivações dos participantes são apresentadas cumulativamente, ou sob uma relação de grau de importância. Por exemplo, nas unidades de significado S.2.1 e S.2.2 associadas ao discurso: “No colégio eu sempre gostei de matemática, admirava os professores de matemática e queria ser um deles. Por isso escolhi este curso” apresentam motivações cumulativas, isto é, que convergem para uma mesma decisão do participante, e não é possível afirmar se S.2.1 ou S.2.2 influenciaram a decisão de forma homogênea, ou se uma destas motivações foi mais importante em relação a outra, pois o participante significativo apresenta ambas como motivações sem privilegiar qualquer uma delas.

Por outro lado, as unidades de significado S.32.1 e S.32.2 mantém uma relação desigual entre si com relação ao modo como influenciaram o participante em sua escolha, uma vez que o discurso do participante: “Até a 7ª Série do Ensino Fundamental II (modo como era nomeado anteriormente) eu tive professores excelentes de Matemática e, na 8ª Série as aulas passaram a ser ministradas por outro profissional. Este não tinha didática alguma para ministrar as aulas, não demonstrava gostar do que estava fazendo e se quer tinha domínio do conteúdo. Foi neste momento que decidi ser professora e me dedicar a Matemática”, expressa que a decisão foi tomada a partir de S.32.2, corroborada por S.32.1. Esta relação entre as unidades de significado é definida como o grau de influência que a motivação (especificamente, a unidade de significado que a representa) tem sobre a decisão do participante. Tendo isto em vista, percebemos que algumas unidades de significado aparecem de modo mais enfático, revelando o grau de influência entre as categorias e a flexão verbal temporal associada a estas unidades de significado. Segundo Bego e Ferrari (2018), esta natureza complexa e multifacetada da motivação do aluno é necessária para uma compreensão completa deste fenômeno, uma vez que “o singular de cada pessoa é despertado tanto pela diversidade de fatores subjetivos como também pela diversidade contextual em que a mesma se insere” (p. 457).

Nos discursos dos participantes, há a aparição comum e majoritária de verbos conjugados no passado. A reflexão do participante acerca de suas motivações constitui-se num movimento de pensamento, no qual o passado é a primeira fonte de motivações acessada, isto é, recordam-se eventos, experiências e pessoas que exerceram influência sobre suas motivações. Além disso, um olhar mais próximo, relacionado ao período dos dois primeiros anos do curso, aparece como momento decisivo. As novas experiências confirmam ou contrariam as motivações prévias apontadas no passado do participante, e constituem, junto com as motivações passadas, a majoritária fonte de unidades de significado, conforme ilustra a Figura 1. Este movimento de pensamento pode ser exemplificado pelas unidades de significado S.24.1, S.24.2 e S.24.3 que se referem ao discurso: “[...] Sempre quis ser professora e sempre gostei das exatas. Iniciei querendo química, mas ao longo do curso percebi que meu amor era e é maior por matemática, além de ter mais facilidade em entender e explicar matemática do que as demais áreas exatas”.

O verbo ‘gostar’, conjugado no pretérito, indica um passado distante, neste contexto, relacionado ao passado escolar do participante. A seguir, a percepção recente das experiências acadêmicas relacionadas ao curso exibe uma preferência da matemática sobre as demais disciplinas do curso, de modo que o grau de influência das experiências relacionadas a matemática constitui uma fonte de motivação que direciona o gosto pelas Ciências Exatas para uma determinada disciplina. Neste exemplo, a origem da motivação do participante é caracterizada por aspectos institucionais e individuais e, mais do que isso, estes aspectos são diretamente relacionados a experiências passadas do participante, possuindo diferentes graus de influência sobre sua escolha para a habilitação acadêmica. Outra percepção da flexão verbal-temporal dos discursos diz respeito a sua reflexão acerca do futuro. Neste caso, o pensamento do participante está associado a suas perspectivas com relação ao mercado de trabalho, pesquisa e realização profissional. Um exemplo claro deste tipo de reflexão é encontrado na unidade de significado S.27.1 associada ao discurso: “Eu sempre gostei de todas as áreas, e quando fui avaliar minha escolha pensei na demanda necessária no mercado de trabalho [...]”.

Motivações de natureza social, relacionadas ao mercado de trabalho, aparecem de modo independente nos discursos, com relação a suas motivações passadas, que aparecem de modo cumulativo. Isto é, de modo geral, o grau de influência das motivações dos participantes são muito bem marcados por flexões verbais temporais, de modo que se a motivação do participante tem origem a partir de experiências passadas, elas são caracterizadas por unidades de significado associadas a aspectos individuais e institucionais; ao passo que se a motivação do participante tem origem a partir de reflexões acerca de seu futuro, são geralmente caracterizadas por unidades de significado associadas a aspectos sociais e não aparecem de modo cumulativo com suas experiências passadas.

Interpretamos que há uma quantidade expressiva de unidades de significado associadas a aspectos institucionais e individuais e, portanto, inferimos que a motivação para a escolha da habilitação profissional tem origem, majoritariamente, no passado dos participantes e não estão associadas às perspectivas profissionais futuras. Isto, no entanto, contraria algumas perspectivas teóricas ligadas a natureza tecnicista do ensino superior brasileiro apresentadas, por exemplo, por Thiengo (2018, p. 68):

Sobretudo, atualmente, percebe-se o esvaziamento crítico da universidade, cada vez mais centrada em currículos estritamente técnicos, bem como a expansão dos cursos rápidos, técnicos e tecnológicos, a partir das orientações dos organismos multilaterais para a diferenciação (nominada pelos referidos e organizada como ‘diversificação’) do ensino superior e a centralidade da educação pragmática, utilitarista e com ênfase técnico-profissional como promotora da ‘empregabilidade’.

Afinal, se mesmo após cursar certo período do curso até a escolha da habilitação, a origem majoritária das motivações está em aspectos individuais e institucionais relacionados ao passado do participante, então o grau de influência de tais características se sobressai em relação a influência exercida pelo mercado de trabalho.

Outro invariante enfatizado pelas unidades de significado é a prática e a figura do professor. A categoria C.2, destaca o modo como a atuação do professor influencia na decisão do participante. Em diversas unidades de significado, tais como S.1.1, S.2.2, S.4.1, S.7.1, S.9.2, S.12.2, S.13.3, S.17.1, S.17.5, S.17.6, S.18.1, S.20.2, S.30.3, S.32.1 e S.33.1, a figura do professor ou sua prática pedagógica aparecem como fatores decisivos ou cumulativos com outros aspectos institucionais e individuais. Não raramente, esta influência ocorre a partir do sentimento de admiração do participante para com o professor e seu modo de ensinar, desde o Ensino Médio até os dois primeiros anos do Ensino Superior. Este fator concorda com uma pesquisa de natureza semelhante realizada por Santos, Tavares e Freitas (2013) em um curso de licenciatura em Ciências Naturais, que apontam o professor como uma idealização do cientista, de modo que há um desejo, por parte do participante, de desenvolver atividades profissionais relacionadas às ciências naturais em decorrência deste tipo de idealização, também promovido por ferramentas de divulgação científica.

Sá e Santos (2016), interessados em analisar o papel do docente como motivador da escolha da licenciatura em um Curso de Química, afirmam que poucas das justificativas apontadas para a motivação individual estavam ligadas à demanda no mercado de trabalho, bem como a aquisição de conteúdos específicos, o que faria sentido dentro de uma lógica tecno-instrumental do ensino. Na verdade, os resultados apresentados concordam com os aspectos relacionados a idealização do professor, enfatizando a importância da situação atual do ensino no Brasil e sua necessidade de mudança.

Em alguns casos, o grau de influência do professor sobre o participante pode ser tão persuasivo sobre suas próprias convicções individuais ao ponto de produzir dúvidas quanto a escolha da habilitação profissional, o que se verifica, por exemplo, em discursos como: “Ao ingressar no curso já sabia qual habilitação gostaria de escolher, porém devido a didática e aulas práticas de Química surgiu uma grande dúvida na escolha” e “Desde o Ensino Médio já pensava em cursar Matemática. As aulas de Química na Universidade me deixaram em dúvida, entre escolher Matemática ou Química. Isso (essa dúvida) ocorreu devido à maneira dos professores de Química ensinarem e as aulas de laboratório”.

Por outro lado, a influência do professor sobre o participante pode, por vezes, ser negativa com relação a suas pré-disposições individuais, promovendo a desmotivação do participante, o que se verifica em discursos como: “Ao ingressar no curso, estava determinada em ir para Matemática, pois sempre gostei e tinha uma maior facilidade em relação as outras, além do mais, no Ensino Médio, sempre tive uma admiração pelos professores desta área, em consequência, ganhando meu carinho e gosto pela mesma. Ao ingressar na universidade, conheci uma outra realidade, a qual não estava acostumada. A matemática do Ensino Médio que eu amava, já não estava mais ali. As aulas eram só em slides, um tanto desgastante”. O professor e suas práticas pedagógicas possuem, portanto, papel decisivo na escolha da habilitação profissional dos nossos participantes, influenciando positivamente ou negativamente, de forma tanto quanto, ou mais forte que as próprias motivações individuais do participante. Sá e Santos (2016), apresentam resultados que concordam com este papel decisivo do professor na formação do aluno, afirmando que, em alguns casos, mesmo que a maioria dos estudantes afirmassem ser parcialmente motivados pela carreira na licenciatura, havia uma percepção de que os docentes os estimulavam a seguir carreiras desvinculadas do magistério, o que denominaram de ‘desvio bacharelizante da formação’.

Como desdobramento do objetivo deste trabalho, buscamos conhecer a escolha profissional dos participantes antes do ingresso e a escolha profissional efetivada. O curso analisado oferece três diferentes habilitações dentro da área das Ciências Exatas, as quais são referenciadas por Habilitação A, Habilitação B e Habilitação C. A relação entre a opção desejada e a opção escolhida segue no Quadro 5.

Quadro 5 Relação entre a habilitação profissional desejada e escolhida 

Opção escolhida
Habilitação A Habilitação B Habilitação C
\
Opção desejada
Habilitação A 2 0 1
Habilitação B 3 18 4
Habilitação C 0 1 2
Nenhuma 1 1 0

Fonte: Elaborado pelos autores

Dos 33 participantes da pesquisa, 22 permaneceram com a opção desejada antes de ingressar no curso e 9 mudaram sua escolha no decorrer do curso. A partir dos discursos, é possível perceber que os motivos que levaram a estas mudanças estão diretamente ligados a aspectos institucionais. No entanto, também é perceptível que, em geral, os participantes mantêm a habilitação profissional previamente desejada. De fato, a existência de mudanças de decisões no período inicial do curso (período que antecede a escolha da habilitação específica) evidencia o modo como as influências institucionais atuam na prática, e podem eventualmente ter um grau de influência maior do que as disposições prévias do participante.

Deste modo, é possível afirmar que a estrutura curricular, que permite novas relações institucionais e o contato com figuras importantes na escolha da habilitação profissional, promovem experiências de motivação a partir das quais o aluno possui uma visão completa de sua atuação acadêmica, profissional e social dentro da habilitação escolhida. A figura do professor, neste caso, é vista como motivadora porque o aspecto que está sendo ponderado é a decisão final do aluno com relação a habilitação. Ele pode se desmotivar com relação a suas motivações prévias, mas isto também constitui uma motivação para sua escolha final, que será diferente da inicial. Portanto, com relação a habilitação que o aluno efetivamente escolheu, só podemos falar em termos de motivação.

Os resultados apontados coincidem, em parte, com a literatura apresentada por Afonso (2019), no que diz respeito a oportunidade de estudar em escola pública, por exemplo, ilustrado pela unidade de significado S.28.1. De semelhante modo, é possível encontrar comparativos entre os resultados apresentados por Bego e Ferrari (2018) no que diz respeito às motivações de natureza individual e profissional, em unidades de significado como S.22.1, S.30.2 e S.29.2. Por outro lado, os resultados aqui expostos se estendem para motivações que abrangem aspectos para além dos resultados encontrados na literatura, e expõem o fundamento para a decisão do aluno como um fenômeno multifacetado, o que se revela pelo tempo verbal característico dos discursos e das figuras significativamente participativas neste processo.

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao retomar a interrogação quais fatores influenciam a escolha da habilitação profissional num curso de Licenciatura em Ciências Exatas de uma Universidade Pública do Paraná? é possível afirmar que existem fatores anteriores, durante e posteriores ao período da graduação, que influenciam escolha da habilitação profissional, os quais se articulam em motivações individuais, institucionais e sociais. Para além disso, existe uma certa flexão temporal no modo como os participantes avaliam suas motivações, que constitui um movimento de pensamento do passado para o futuro, onde o participante avalia suas influências, experiências, interações interpessoais, entre outros aspectos. Neste movimento, os aspectos relacionados ao passado apresentam um grau de influência maior com relação as motivações relacionadas ao futuro professional.

A concluir, as motivações podem assumir diversas origens individuais e institucionais, estas últimas, destacadas pelo papel do professor sobre a escolha do participante, que é capaz de influenciar, pôr em dúvida ou alterar as pré-disposições prévias. Estas motivações, uma vez conhecidas, permitem compreender e moldar as ações institucionais de modo a fornecer o cenário mais assertivo e propício para o participante decidir seu futuro profissional e acadêmico.

4Este código, lido da esquerda para a direita, identifica o participante significativo 1 e a primeira unidade de significado destacada do seu depoimento e tem o objetivo de referenciá-la, no texto destinado à análise.

5Apesar da ambiguidade e da ausência de uma definição única para a ‘educação não formal’ (MARQUES; FREITAS, 2017), aqui, entende-se por não formal qualquer tipo de atividade acadêmica que está causalmente relacionada a instituição, mas não produz conteúdo curricular.

Revisão gramatical realizada por: Solange Aparecida Cecato.

E-mail: solangececato@hotmail.com

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Recebido: 19 de Junho de 2020; Aceito: 04 de Novembro de 2020

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