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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.2 Campinas mayo 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i2.8660111 

Relato de Experiência

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ANIMALIDADE: PRODUZINDO CIÊNCIA COM PROJETOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

ENVIRONMENTAL EDUCATION AND ANIMALITY: PRODUCING SCIENCE WITH PROJECTS IN ELEMENTARY SCHOOL

EDUCACIÓN AMBIENTAL Y ANIMALIDAD: PRODUCIENDO CIENCIA CON PROYECTOS EN ESCUELA PRIMARIA

Rodrigo Avila Colla1 

1Doutor em Educação - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Porto Alegre, RS - Brasil. Professor de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de Esteio. Esteio, RS - Brasil.E-mail: rodrigo.a.colla@gmail.com


RESUMO

O artigo discorre sobre um projeto desenvolvido com 22 alunos de 5º ano do Ensino Fundamental. A experiência pedagógica foi desenvolvida no ano de 2016 numa escola da rede estadual do Rio Grande do Sul, no município de Porto Alegre - RS. Justifica-se o tema do projeto com base em investigações precedentes do autor. Estas, concomitantemente, dão lastro para criar alternativas para abordar conteúdos de ciências do plano de estudos do 5º ano e para dar conta de inquietações dos alunos que foram evidenciadas em aulas anteriores. Parte-se do pressuposto de que há uma relativa lacuna no que diz respeito a muitos estudos em Educação Ambiental que se mantêm com olhares antropocêntricos, apesar de imensos esforços no sentido de se desviar desse viés, e relegam discussões sobre a animalidade humana a segundo plano. Apresenta-se as atividades realizadas com os alunos, arrolando-se também estratégias utilizadas e intervenções do professor. Por fim, o texto traz algumas considerações, expondo e refletindo resultados do projeto e articulando a experiência com a Pedagogia de Projetos.

PALAVRAS-CHAVE Educação Ambiental; Pedagogia de Projetos; Ensino de ciências; Animalidade

ABSTRACT

The text discusses a project developed with 22 students of 5th year of Elementary School. The pedagogical experience was developed in 2016 in a Rio Grande do Sul school of state, in Porto Alegre - RS. It justifies the theme of the project based on previous research by the author. These, at the same time, provided the basis for creating alternatives to approaches science content in the 5th year syllabus and to account for student concerns that were evidenced in previous classes. It is based on the assumption that there is a relative gap with respect to many studies in Environmental Education that remain with anthropocentric looks, despite immense efforts to deviate from this bias, and relegate discussions about human animality to the background. It presents the activities carried out with the students, also lists strategies used and the teacher's interventions. Finally, it brings considerations by exposing and reflecting some results of the project and articulating the experience with the Project Pedagogy.

KEYWORDS Environmental education; Project pedagogy; Science teaching; Animality

RESUMEN

El texto discute un proyecto desarrollado con 22 estudiantes del quinto año de la escuela primaria. La experiencia pedagógica se desarrolló en 2016 en una escuela de la red estatal de Rio Grande do Sul, en la ciudad de Porto Alegre - RS. Se justifica el tema del proyecto basado en las investigaciones previas del autor. Estas, concomitantemente, proporcionaron apoyo para crear alternativas para abordar el contenido de ciencias en el plan de estudio de quinto grado y para dar cuenta de las preocupaciones de los estudiantes que se evidenciaron en las clases anteriores. Se basa en la suposición de que existe una brecha relativa con respecto a muchos estudios en Educación Ambiental que permanecen con opiniones antropocéntricas, a pesar de los inmensos esfuerzos para desviarse de este sesgo, y relegan las discusiones sobre la animalidad humana a segundo plano. Presenta las actividades realizadas con los alumnos, enumerando las estrategias utilizadas y las intervenciones del profesor. Finalmente, trae consideraciones exponiendo y reflejando algunos resultados del proyecto y articulando la experiencia con la Pedagogía de Proyectos.

PALAVRAS-CLAVE Educación ambiental; Pedagogía de proyectos; Enseñanza de ciências; Animalidad

INÍCIO DE HISTÓRIA

O presente texto é um relato de experiência e tem o objetivo de apresentar resultados de um projeto realizado com 22 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual localizada em Porto Alegre – RS, em 2016. Trata-se de um projeto desenvolvido durante seis semanas e que abordou, principalmente, conteúdos de ciências.

A imbricação temática que figura no título deste texto, educação ambiental e animalidade, deriva do enfoque do projeto realizado com os alunos. Este foi motivado por uma inquietação que surgiu no decorrer de uma aula. Tratava-se de uma atividade corriqueira: leitura e interpretação de uma notícia com a temática ambiental. Em dado momento, discutindo sobre o texto, intervi: “Quais os outros seres vivos que vocês conhecem além dos animais e das plantas?”. Houve um instante de silêncio e um aluno, no afã de participar da aula, respondeu: “o ser humano”. Expliquei que o ser humano é um animal e refiz a pergunta. Passaram-se alguns segundos e a aluna mais compenetrada da turma rompeu o silêncio: “nós!”. Vi-me obrigado a fazer uma menção bastante simplista à teoria da evolução: “Vocês já ouviram falar que somos parentes dos macacos2?”. A turma respondeu em coro: “Siiiiiiiimm”. Fui ao fundo da sala e peguei o livro didático de Ciências. Lá pelo meio do livro, havia uma imagem que era a reconstituição de Lucy, nome dado ao fóssil de Australopithecus afarensis, encontrado em 1974, pelo antropólogo Donald Johanson, e considerado o mais antigo fóssil de hominídeo descoberto até hoje. O choque da turma, ao se deparar com nossa célebre ancestral, me causou grande surpresa. Olhares que transpareciam confusão. Expressões que revelavam um misto de vergonha e negação. Uma piada despropositada e isolada ali, uma risada forçada, e não menos isolada, acolá. De maneira geral, todos olhavam absortos para aquela imagem do livro. Alguns cochichos, mas nada que o desejo de onipresença e onisciência do professor pudesse apreender. Não obstante, algo era perfeitamente apreensível, sobretudo para quem conhecia aquela turma: nitidamente, uma atmosfera de desconforto tomou conta daquele bando de animais tão descolados e desordeiros, tão salientes e ansiosos. Era, diga-se de passagem, uma turma, para dizer o mínimo, “difícil”. Entre uma preleção e outra, eu separava brigas, acalmava ânimos, negociava soluções para dissolver resistências. Naquele momento, no entanto, houve uma espécie de hipnose coletiva da qual nem a piada frustrada conseguiu fazer o grupo despertar. Notei que eles precisavam de mais, queriam mais. Talvez fosse preciso falar mais de Lucy para vencer uma espécie de bloqueio que nega a animalidade humana.

2 JUSTIFICATIVA, ANTECEDENTES E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Em estudos precedentes, identifiquei a carência de uma abordagem transversal que contemple a Educação Ambiental em salas de aula no Ensino Fundamental. A maioria dos educadores que colaboraram com a pesquisa relatou que a contemplação do tema meio ambiente geralmente parte de projetos desenvolvidos pela escola e se resume a poucas atividades. Em nenhum desses casos, o tema é explorado de forma interdisciplinar (COLLA, 2011).

Durante a leitura de um texto em que havia a palavra “biodiversidade”, um aluno me perguntou: “Professor, o que é biodiversidade?”. Expliquei que se tratava do conjunto das diversas formas de seres vivos presentes em determinado local, ou mesmo no planeta como um todo. Ocorreu-me lançar a pergunta supramencionada e deu no que deu. Ademais, esse não havia sido um caso isolado. Em outro momento, durante uma aula de Ciências, discutíamos algumas diferenças entre a célula animal e vegetal. Ao fazer referência às nossas células e mencionar o fato de sermos animais, um aluno me interpelou atônito: “Nós somos animais?”. Naquele momento, não dei bola e apenas respondi: “claro que sim”.

Lucy, no entanto, foi um divisor de águas com aquela turma. Depois da hipnose inicial fui bombardeado: “Professor, como os ossos da Lucy não apodreceram?”; “Sor, o homem que vivia parecido com a Lucy já era inteligente?”; “Quem que achou os ossos da Lucy?”; “Por que a gente não tem pelos como ela?”. Essas perguntas davam mostras de que se tratava de um tema que despertava a curiosidade da turma. Elas serviram como motivação para desenvolver um projeto no sentido de oferecer mais daquilo que eles queriam e que, além disso, constitui um tema extremamente importante e passível de ser articulado com conteúdos curriculares. A inclusão do meio ambiente decorreu de uma demanda do plano de estudos do 5º ano e, evidentemente, de minha trajetória como pesquisador do tema. A tentativa de levar a cabo uma abordagem que articulasse todos esses aspectos também teve a finalidade de dar conta de um hiato que noto nas discussões sobre ética ambiental e educação ambiental, a saber: a animalidade daquele que pensa e desenvolve conhecimento sobre essas áreas.

Com o objetivo de discutir ética e uma educação ambiental para reorientar as ações humanas, Mauro Grün (2011) acaba enveredando para uma discussão epistemológica. Desse modo, ele também identifica uma lacuna, mas não situa a animalidade humana como aspecto que pode ajudar a preenchê-la. A produção de conhecimento, ação intrinsecamente humana, torna, inevitavelmente, a nossa perspectiva sobre a relação que estabelecemos com o meio viciada. Não é estranho, assim, que jovens de 10 a 13 anos se espantem com a referência ao fato de sermos animais. Reféns de um modo demasiado cultural de sermos, somos e talvez jamais deixaremos de ser, invariavelmente, antropocêntricos, mas há como amenizar esse vício. Problematizações epistemológicas ajudam, mas não consistem na única estratégia e, a meu ver, tampouco representam o tipo de abordagem mais apropriada para se trabalhar com crianças.

Eunice Kindel (2010) adverte sobre o pendor antropocêntrico no ensino de ciências naturais. A autora esclarece que, comumente, a natureza é abordada em termos da utilidade de seus entes para o ser humano. A cobra, por exemplo, é um animal “nocivo”, por representar, dependendo da espécie, algum perigo para o ser humano. Raras também são as culturas em que se come cobra, portanto ela é “inútil”. A vaca, por seu turno, por ser “aproveitável” em grande escala (prover o leite, o couro e a carne) e representar pouco ou nenhum risco, é considerada “útil”.

Seguindo essa perspectiva, a possibilidade de entendimento da interdependência dos seres vivos no ecossistema se esvai. Nesse tipo de discurso fica implícito (e se vai forjando um consciente humano antropocêntrico) que o dono da Terra é o humano e ele deve usar os demais seres e entes naturais como “objetos”, “recursos” a serem explorados, etc. Se a cobra é um animal nocivo por representar um risco relativo ao ser humano não será muito mais “nocivo” o próprio animal humano (inclusive para ele mesmo) que todos os dias mata milhares de seres de sua própria espécie e, de tempos em tempos, promove genocídios que animal não-humano algum seria capaz de promover? Há que se deixar bem claro desde sempre que somos animais com tanta animalidade quanto os outros. Somos um primata diferente, “um macaco nu”, como frisa Desmond Morris (c1967), mas isso não nos faz menos animais nem senhores da Terra. Nesse sentido, o enfoque nas temáticas do corpo, dos sentidos, da sexualidade e de aspectos diversos que dizem respeito a nossa animalidade (alimentação, territorialidade, inclinação para a caça, motricidade, etc.) afigura ser uma estratégia condizente com o “ensino da natureza”. Ademais, é um ponto de confluência interessante para a tão alardeada interdisciplinaridade, uma vez que pode aproximar e unir as ciências humanas e sociais. Cabe ressalvar que a célebre obra do etólogo e zoólogo Desmond Morris (c1967), intitulada O Macaco Nu, mesmo sendo procurada à exaustão no Google nas seções de etologia ou zoologia das livrarias, aparece sempre no gênero Ciências Humanas – Antropologia. Ora, Morris (c1967) se dedicava à zoologia e à etologia e sua obra faz jus às abordagens dessas áreas. Depreende-se disso que é custoso demais ao animal humano admitir a hipótese de que pode ser investigado tal como outro animal qualquer.

No projeto, tomei primordialmente a animalidade como objeto de estudo pelo fato de todas as outras temáticas passarem por ela e por ter a primazia pedagógica da materialidade. Ou seja, o corpo que habitamos enquanto animais é palpável, tem uma linguagem própria e dá lastro ao “ensino ostensivo”, no sentido empregado por Wittgenstein (2000). Não só isso, o corpo se mostra e é mostrado e é ele, afinal, que habita o ambiente. O corpo, arrisco-me a dizer, é a analogia viva dos jogos de linguagem a que se refere Wittgenstein (2000) que, por sua vez, nos lançam numa aventura cultural e de seres históricos. Não por acaso, hoje em dia muito se discute acerca da produção cultural do corpo. O Homo sapiens sapiens existe no tempo, como produto da evolução biológica e como construto das interações dialéticas, como criatura de uma cultura que ele produz e pela qual é produzido, mas existe, sempre, no (e por meio do) corpo que habita. Soma-se a isso o caráter demasiado corpóreo dos meus cúmplices no projeto empreendido: majoritariamente pré-adolescentes com os corpos em abrupta transformação.

A palavra “ética” contempla melhor aspectos da sensibilidade que podem estar a serviço da Educação Ambiental e está mais aberta à contingência que a noção de moral. A ética relega universais ao segundo plano em prol de particularidades e pluralidades que emergem nas ações. A razão corpórea, defendida por Nietzsche (2009), nos aproxima dessa pluralidade. O corpo é o lugar onde o plural emerge. Na perspectiva de uma razão corpórea, Nietzsche declara:

Corpo eu sou integralmente e nenhuma outra coisa; e alma é somente uma palavra para designar algo no corpo. O corpo é um grande raciocínio, uma pluralidade com um sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor. Instrumento de teu corpo é também tua pequena razão, meu irmão, a qual chamas espírito, um pequeno instrumento e engodo de teu grande raciocínio.

(NIETZSCHE, 2009, p. 32, tradução nossa)

A razão que quer negar o corpo se encerra numa espécie de assepsia contraproducente. Iludidos pelo espírito, nos consideramos donos da Terra e, por vezes, não levamos em conta o fato irrefutável de que, em última instância, somos mais um dentre tantos animais. A condição humana passa por essa premissa: somos, em primeiro lugar, corpóreos.

3 OBJETIVOS

Se há pouco mencionei o termo “ética” é porque um dos objetivos do projeto proposto foi trabalhar o meio ambiente numa perspectiva menos moralista. Penso que, com uma abordagem transversal da corporeidade, considerando o humano no que tange a sua animalidade, é possível sensibilizar acerca de princípios ambientais, a saber: certa consciência de pertença à Terra e ao ecossistema; percepção do corpo humano como o lugar da vida e do ambiente como lugar de seres vivos e inanimados que realizam trocas e dependem uns dos outros para a realização da vida; apreensão de uma noção alargada de vida, como um fluxo no qual se insere a evolução das espécies. Especificamente, as propostas objetivavam:

  • Desenvolver atividades contemplando e enfatizando a condição animal do ser humano;

  • Promover dinâmicas que propiciassem aos alunos conhecer o corpo humano e perceber as trocas que nós, seres humanos, estabelecemos com o ambiente, no sentido de permanecermos vivos e notar que isso em nada difere do que ocorre com outros animais;

  • Desenvolver atividades que dessem lastro à constituição de uma noção básica da cadeia de relações do ecossistema.

4 PROPOSTAS DE DINÂMICAS PEDAGÓGICAS

Reservei as quartas-feiras e, sempre que possível, também as quintas-feiras, para realizar atividades que contemplavam o projeto. Como os assuntos trabalhados nesses dias envolveram o interesse dos educandos, eventualmente também se tornavam temas de suas intervenções em outras aulas.

Abaixo, elenco as dinâmicas pedagógicas que foram realizadas para dar conta do projeto. Elas estão dispostas em ordem de execução – com exceção do último item. O detalhamento de como foram levadas a cabo está presente na próxima seção.

  • Exibição do filme Os Croods3 e discussão sobre o ser humano em seu estado primitivo – com realização de duas atividades;

  • Passeio pela escola para identificar fauna e flora;

  • Exibição do filme Wall-E4 e discussão sobre corpo, tecnologia e meio ambiente – com realização de atividade;

  • Dinâmica da Teia (ou rede) da Vida;

  • Painel sobre Diversidade, Biodiversidade e Interdependência entre os seres vivos;

  • Seleção de textos para leitura e interpretação com as temáticas: o corpo humano, evolução do Homo sapiens sapiens e interdependência dos organismos vivos.

Antes de passar ao próximo tópico deste texto, cabe justificar a escolha de trabalhar com filmes. De um lado, é uma escolha pessoal, de outro, se sustenta em estudos que realizei. Escolha pessoal porque gosto de cinema e sustentada em estudos porque venho estudando cinema e ambientalismo há alguns anos e penso que, valendo-me de obras cinematográficas, é possível tornar as aulas mais interessantes. Nesse caso, os filmes também me permitiam trabalhar temas relevantes do ponto de vista ambiental e que condiziam com o plano de estudos do 5º ano.

Além disso, ao estudar ética ambiental e, não raro, deparar-me com discussões epistemológicas, princípios e práticas que se aproximam de uma perspectiva prescritiva ou moralista (e que, apesar disso, considero em muitos casos pertinentes) e críticas à racionalidade, minhas investigações acabaram enveredando para um viés que preza pela experiência estética e pelos sentimentos e emoções que as obras cinematográficas geram. Interessei-me, nesse sentido, pela sensibilização ambiental por meio de obras cinematográficas. A inclusão de filmes em um projeto didático, no entanto, para mim era uma novidade, mas acreditava que pudesse ser um recurso pedagógico interessante, sobretudo pelo fato de ajudar na contextualização e problematização de temas pelos quais os alunos já se mostravam interessados. Penso que o cinema, muitas vezes, ajuda a contextualizar certos temas de modo menos prescritivo e, dessa forma, serve como um excelente disparador para introduzir discussões de fundo ético.

5 SOBRE AS ATIVIDADES DAS DINÂMICAS PEDAGÓGICAS PROPOSTAS

Nesta seção, descrevo as atividades com que trabalhei.

5.1 Exibição do filme Os Croods

O objetivo era exibir um dos poucos filmes acessíveis (isto é, com a classificação indicativa adequada – livre) para todos os alunos da turma que apresenta o ser humano em seu estado primitivo.

O instinto de “animal territorial” (MORRIS, c1967) está presente na animação de modo bastante irreverente. Trata-se de uma família liderada por Grug, um pai que morre de medo do ambiente exterior à caverna. Sua filha adolescente, Eep, acaba conhecendo o jovem Guy que, para o desespero de Grug, lhe apresenta um deslumbrante mundo até então por ela desconhecido – inclusive o fogo.

Atividade 1

A atividade foi realizada no mesmo dia da exibição do filme, na segunda metade da tarde. Iniciamos um debate sobre a história com a finalidade de destacar o que os educandos acharam mais interessante.

No quadro, transcrevi, ora em forma de esquema, ora de maneira descritiva, aspectos e dilemas que o filme aborda. A transcrição foi realizada com a participação dos alunos e buscando aproveitar ao máximo suas falas. Alguns quesitos destacados foram:

  • O dilema de Grug – ele tem medo do mundo exterior ou é um pai superprotetor que quer proteger seus filhos das ameaças do ambiente?

  • Caracterização dos personagens: seus corpos, suas vestimentas, características de sua personalidade, como é a relação entre eles;

  • Esboço da sequência da narrativa e listagem dos personagens e suas principais ações;

  • A moral da história: Vale a pena explorar o mundo? Nossos medos às vezes obstaculizam nosso desenvolvimento? Grug estava certo ao proteger a família do mundo exterior?

Uma vez que tínhamos abordado a moral da história, sugeri que simulássemos um julgamento. Para tanto, dividimos a turma em cinco grupos. Escolhemos um deles para defender Grug e outro para acusá-lo. Os integrantes dos demais grupos constituíram o júri e deveriam votar se o “acusado” estava certo ou errado ao temer o mundo exterior. Anotei os argumentos da defesa e da acusação no quadro e cada equipe teve 5min para apresentar suas alegações (respectivamente acusando e defendendo Grug). Após esse momento, escrevi no quadro: “Grug tinha razão ao temer o mundo exterior?”. Entreguei cédulas para os membros dos três grupos restantes – que não participaram nem da acusação nem da defesa – e eles votaram. A maioria da turma, embora compreendesse a preocupação de Grug, considerou que ele não tinha razão, pois os benefícios do mundo exterior faziam com que valesse a pena correr riscos.

Propus aos alunos que se imaginassem em um mundo em que ainda não existia civilização e escrevessem uma história deles e de sua família vivendo nesse ambiente primitivo. Sugeri ainda que, aqueles que desejassem, poderiam complementar seus textos com desenhos, charges ou quadrinhos. O enunciado, proposto em tópicos, foi transcrito no quadro:

  1. Imagine-se num mundo como o da família Croods;

  2. Você está lá apenas com sua família, não há outros humanos vivendo em sociedade, não existe civilização, não existe escola, apenas outros animais, plantas, rios, cachoeiras, etc.;

  3. As principais preocupações de sua família são: alimentar-se, abrigar-se do frio e proteger-se dos predadores.

    Descreva como seriam seus corpos e como se comportariam;

  4. Como seria o seu dia a dia com sua família num ambiente assim? Imagine e conte como se passaria a rotina de um dia inteiro.

Apresentei curiosidades sobre a alimentação e os hábitos dos primeiros humanos, bem como os nomes de algumas espécies que foram nossos antepassados. Li para eles a parte do livro de Ciências que abordava a evolução da vida na Terra. Posteriormente, lemos, mais uma vez, o mesmo trecho com a participação dos alunos. Mencionei que, assim como a Terra se modificou, o ser humano foi originado por uma série de transformações que ocorreram ao longo de milhares de anos. Na parte lida do livro, havia a reconstituição de Lucy. Naquele dia também levei informações adicionais sobre Lucy, a fim de fornecer parâmetros variados para inspirá-los em suas produções textuais. Durante a atividade, circulei pela sala dando ideias e fazendo intervenções com o intuito de motivá-los a se imaginarem como humanos primitivos num ambiente natural. Mencionei que fazer desenhos antes mesmo de escrever o texto quiçá pudesse instigar a sua imaginação. No debate sobre o filme, chamei a atenção para o instinto territorial do ser humano e para aspectos relativos à evolução de nossa espécie. Para a realização da atividade, utilizei: notebook, datashow, lápis, folhas de papel e lápis de cor.

Atividade 2

Tratou-se da elaboração de um fanzine sobre Lucy. Solicitei de tema de casa, no dia anterior, que os alunos levassem revistas e jornais e, com ajuda dos pais, pesquisassem informações sobre Lucy. Antes de iniciarmos a confecção dos fanzines, li com eles um texto editado e adaptado por mim e elaborado com excertos de um capítulo do caderno 8 do PNAIC, intitulado Somos Todos Iguais? E o que isso tem a ver com Ciências? – o capítulo é da autoria de Eduardo Pontes Vieira (2015). Subsequentemente, eles colaram o texto no caderno e sugeri que o consultassem para produzir seus fanzines. Eis a versão editada do texto:

Somos Todos Iguais? E o que isso tem a ver com Ciências?

O movimento para definir se um organismo é pertencente à determinada categoria ou não, por exemplo, remete às mudanças nas formas de se produzir conhecimento científico. O ato de classificar ou agrupar objetos, algo considerado importante na compreensão da produção de conhecimento científico, particularmente em relação aos seres vivos, é comumente resgatado nas Ciências naturais, a partir da construção do Sistema Natural, proposto por Carlos Lineu em 1735. Lineu organizou o mundo natural em três reinos: Animal, Vegetal e Mineral. Mais tarde, em 1758, Lineu estabeleceu regras para dar nome aos seres vivos. Muitas destas regras são utilizadas até hoje. Você sabia, por exemplo, que diversas palavras utilizadas em nosso cotidiano, tais como animais, vegetais, minerais e especificamente outros termos, como insetos, vertebrados, invertebrados ou mesmo flores foram mais popularizados no meio científico na segunda metade do século XVIII? E isso aconteceu, sobretudo, em função das obras de Lineu. Mas as formas de classificar seres vivos são anteriores e estão presentes em diversos locais. Desde os primeiros naturalistas gregos, há cerca de 2500 anos atrás, há grandes esforços para classificar os seres vivos e esses critérios vêm sendo modificados ao longo dos tempos.

Pensar nos critérios utilizados para considerar nossa condição humana na biologia é um bom exemplo para vermos mudanças na ciência, por exemplo: os seres humanos pertencem à espécie Homo sapiens e em outras definições biológicas, nós, seres humanos, somos animais, mamíferos, primatas, da família hominídea e do gênero Homo. Para cada classificação são considerados critérios específicos, por exemplo, por termos glândulas mamárias somos mamíferos; primatas são caracterizados por ter um cérebro relativamente grande, face achatada, privilegiando a visão ao invés do olfato, unhas nas mãos e pés... Além de outras características. A família hominídea abriga os maiores primatas e o gênero Homo os que possuem os maiores tamanhos de cérebro, além do bipedismo (capacidade de caminhar de forma permanente sobre os membros posteriores). Nessa perspectiva, podemos dizer todos os seres humanos são biologicamente iguais.

Eduardo Pontes Vieira

Após a leitura, debatemos o texto e busquei refletir com eles a evolução humana e a evolução da ciência. O foco era introduzir a noção de que, assim como os seres evoluem, a ciência também vai modificando sua maneira de ver/pensar os entes que se dispõe a investigar.

Expliquei para a turma o que é um fanzine. Levei exemplos de fanzines e um conjunto de textos e livros nos quais podiam pesquisar sobre Lucy (inclusive, é claro, textos que podiam ser recortados e que continham imagens) e os disponibilizei para os alunos. Fiz referência à origem dos fanzines e à liberdade de criação que eles proporcionam. Dei ideias à turma, dizendo que, embora eles devessem trabalhar com informações verídicas sobre Lucy, também podiam usar a criatividade e imaginar que Lucy é uma celebridade ou um membro de sua família e apenas os seus vestígios tivessem restado para reconstruir a vida que viveram (em consonância com o que havia sido proposto na produção textual – Atividade 1). Ademais, lhes aconselhei a descrever as características físicas de Lucy. Nesta atividade, mencionei que eles poderiam explorar/criar diferentes modalidades de ilustrações para incluir em seus fanzines, por exemplo: desenhos livres, histórias em quadrinhos, mangás e charges.

Ao longo da atividade, trabalhei os seguintes conteúdos: Lucy, antropologia, achados fósseis e evolução dos hominídeos. Para tanto, utilizamos alguns recursos como: revistas, jornais, textos impressos da internet, livros, canetas, tesoura, cola e folhas de ofício.

5.2 Exibição do filme Wall-E

O filme possui aproximadamente 98 minutos e foi dirigido por Andrew Stanton. A animação conta a história de Wall-E, um robô coletor-compactador de lixo no planeta Terra já inabitável, pois impróprio para a vida. Os humanos vivem há mais de 700 anos em uma nave no espaço. Obesos e com a ossatura atrofiada em virtude do sedentarismo, os humanos não são mais capazes de caminhar (camas mecânicas e reclináveis os carregam em trilhos magnéticos), não têm autonomia para se alimentar ou fazer sua própria higiene, tudo é mecanizado, os robôs são servos obedientes que os ajudam em todos esses afazeres. A humanidade sequer se relaciona face a face. Toda relação, todo aprendizado, se dá pelo intermédio de uma tela presa à cama mecânica e disposta a poucos centímetros dos olhos das pessoas e pelos alto-falantes da nave, por meio dos quais, além de se difundir a propaganda que dita a moda que todo mundo segue (a roupa-campo-magnético azul ou vermelha), o comandante dá os avisos diários. Incapazes até de menear a cabeça, muitas vezes lado a lado, os humanos sequer notam uns aos outros passando em suas esteiras. Um dia, em sua labuta diária de captura do lixo, Wall-E encontra uma planta e isso mudará o destino da humanidade. O protagonista, então, conhece Eve. Ela é um robô (aparentemente do gênero feminino, ou fêmea, se é que um robô pode ter sexo) bem mais sofisticado que ele e vai à Terra com a missão de levar a planta para a nave em que vivem os humanos que, com isso, iniciariam a expedição de volta a seu planeta de origem, agora, em tese, novamente habitável. De posse da planta, Eve entra em “modo de segurança”, em estado de “vida” latente, tendo já cumprido sua função. Quando a espaçonave que a trouxe vem buscá-la, Wall-E, entregue ao encantamento que Eve exerce sobre ele, lança-se num compartimento da espaçonave e é carregado junto para a nave-mãe. Ironicamente, é esse pequeno robô apaixonado que será responsável pela redenção dos humanos e possibilitará sua volta ao habitat natal, uma vez que um conluio arquitetado pelo computador pessoal do comandante da nave impede que a planta chegue até ele.

Atividade 3

Iniciamos com um debate sobre o filme e destacamos aquilo que nos parecia mais interessante. Nesse momento, para fomentar a discussão e contextualizarmos a problemática do filme, levei um trecho do livro Muda o Mundo, Raimundo (RODRIGUES, 2002) e li com a turma. Trata-se de um excerto situado nas páginas 78 e 79 que aborda os alertas ambientais que vêm sendo feitos desde os anos 60 por ambientalistas e cientistas. No momento do debate, pedi que os alunos dessem sua opinião sobre a temática do filme. Perguntei se eles achavam que no futuro aquele contexto era possível e se já existe no nosso tempo situações parecidas àquelas que integram o enredo do filme. Elenquei algumas dessas situações: “máquinas/robôs que pifam e parecem loucas/os”; “pessoas que já não se olham umas para as outras, mas apenas acompanham as novidades em uma tela”; “pessoas que já não conseguem se mover, pois ficaram atrofiadas ou pesadas demais”; “máquinas/robôs que ajudam na lida com o lixo”; “máquinas inteligentes que se rebelam contra os humanos”; “ambientes poluídos e despovoados”. Os alunos que intervinham e tinham histórias, as narravam e eu anotava no quadro os exemplos que vinham à tona. A partir desse diálogo, busquei dar a entender que: apesar do filme se tratar de uma história de ficção, como tantas outras histórias que conhecemos pela literatura e pelo cinema, a invenção de um autor tem diversas semelhanças com algumas coisas que podemos ver no nosso dia a dia. Perguntei se eles pensavam que aquela semelhança era ocasional e qual a sua opinião em relação à presença desses aspectos no filme. Propus, após a exploração oral com a turma sobre questões referentes ao filme e ao texto, que os educandos fizessem uma produção escrita de cinco linhas sobre a relação entre o texto que lemos e o filme que assistimos. Novamente, propus a realização de um desenho e de uma produção textual (ou história em quadrinhos) com o tema: “Vivendo em equilíbrio com o planeta”.

Já havia trabalhado com eles em aulas anteriores o corpo humano e certos paralelismos entre a constituição do nosso corpo e do planeta (o fato de trocas serem necessárias para a manutenção da vida, de ambos terem percentagens de água semelhantes e de serem constituídos a partir de sistemas). Salientei que o texto deles sobre viver em equilíbrio poderia também contemplar cuidados com o corpo, com a alimentação, etc. Sugeri que pesquisassem na unidade 6 do seu livro de Ciências para encontrar ideias. Tratava-se do livro Ligados.com Ciências, de Maíra Rosa Carnevalle (2014), e o título da unidade 6 é exatamente o tema proposto.

Ao falar de alimentação, levei dados e curiosidades. Por exemplo: a quantidade máxima de açúcar recomendada pela OMS5 para se ingerir por dia e o equivalente dessa quantidade em certos alimentos; algumas substâncias tóxicas que ingerimos em produtos industrializados; alimentos que podem e que não podem ser comidos crus, etc. Interpelei os alunos sobre os alimentos que eles conheciam e que tinham o hábito de comer. Fizemos no quadro uma lista desses alimentos. Referi também o problema dos agrotóxicos. Salientei, nesse sentido, que o consumo de alimentos também tem implicações sobre o meio ambiente. Abordei o assunto “reciclagem”, uma vez que o filme tem como protagonista um robô responsável pelo lixo. Perguntei o que eles sabiam sobre reciclagem: “O que é reciclar? Como separamos o lixo? O que entendemos por lixo? Será que o nosso lixo pode ser reaproveitado?”. Indaguei se alguém conhecia uma pessoa que trabalhasse com lixo ou reciclagem e os estimulei a relatar o que essa pessoa fazia. Sistematizei no quadro algumas dessas informações e eles anotaram no caderno.

No debate sobre o filme, chamei a atenção para questões pertinentes à corporeidade e para a importância de uma alimentação saudável e da prática de exercício físico – bem como da prática da reciclagem. Os recursos utilizados foram: notebook, datashow, lápis, folhas de papel e lápis de cor.

5.3 Passeio de reconhecimento da fauna e flora do entorno da escola

Por se tratar de uma turma “difícil”, essa atividade foi feita em duas etapas. Isto é, uma parte da turma (três grupos previamente organizados) fez o passeio na escola e a outra (outros três grupos) ficou na sala de aula realizando uma tarefa – e, depois, vice-versa. Para tanto, contei com a ajuda da supervisora pedagógica.

Atividade 4

A atividade consistiu numa saída de campo que envolveu, em primeiro lugar, observar e elencar plantas e animais encontrados e desenhá-los. Depois, em grupos, a proposta era que pesquisassem (em livros didáticos que levei no dia) sobre seus hábitos e características e traçassem um breve perfil desses seres na mesma folha em que haviam realizado os desenhos. Antes da saída de campo, elaborarei, com a participação dos alunos, um esboço de roteiro. Uma vez que eles não deram sugestões, fiz provocações: “Além da escrita dos relatores, como nós podemos fazer um registro daquilo que vimos? Podemos, quem sabe, tirar fotos? (havia solicitado que levassem câmeras e celulares no dia e também levei). Se encontrarmos um inseto morto, podemos trazê-lo para sala para observá-lo melhor, não é (também levei uma lupa no dia)? O mesmo podemos fazer com folhas das plantas”.

Anteriormente, havia pedido que, nesse dia, eles levassem potes – posteriormente, sugeri que os materiais coletados fossem usados num painel sobre essa expedição de pesquisa, confeccionado pela turma. Propus que, primeiramente, passássemos pelos locais onde possivelmente havia menos seres vivos – o saguão da escola e o pátio de trás – e, depois, nos dirigíssemos ao pátio da frente, onde havia o acesso a uma pequena área verde que ficava dentro das dependências do colégio.

Cada grupo nomeou dois relatores para anotar todas as formas vivas que enxergassem (inclusive o ser humano) e descrevê-las da melhor maneira possível. De volta à sala de aula, discutimos o que vimos e anotei no quadro questões que surgiam na discussão. Buscamos responder essas perguntas por meio de pesquisa nos livros didáticos que levei. Durante a pesquisa, aproveitei para destacar alguns aspectos referentes à taxonomia e à provisoriedade do conhecimento científico e retomei o texto utilizado na segunda atividade (VIEIRA, 2015) – inspirada no filme Os Croods.

Num segundo momento, propus que cada grupo desenhasse os seres vivos que observou. Orientei que, em cada folha, eles fizessem um desenho e deixassem um espaço para as descrições das espécies. As descrições finais deveriam ser obtidas a partir das anotações dos relatores de cada grupo e da pesquisa realizada nos livros de biologia que levei para a sala de aula ou os que a biblioteca da escola disponibilizava, uma vez que, nesta atividade, também era permitido aos grupos realizar consultas na biblioteca. Terminados os trabalhos, os afixamos na parede da sala e cada grupo escolheu dois animais descritos para apresentar brevemente para toda a turma. Nesta atividade, trabalhei os conteúdos fauna e flora e taxonomia dos seres vivos. Os recursos utilizados foram: lápis, folhas de papel, lápis de cor, smartphones, canetas hidrocor e livros.

5.4 A teia (ou rede) da vida

O objetivo da dinâmica era trabalhar conceitos básicos de ecologia e demonstrar a interdependência entre os diversos entes do ecossistema.

A atividade consiste numa dinâmica bastante simples e é bastante utilizada em contextos em que se quer trabalhar educação ambiental. Escreve-se em cada cartão o nome de entes do ecossistema como ar, água, solo, plantas diversas, animais diversos, incluindo o ser humano, rio, etc. Pede-se que os participantes, de pé, formem um círculo e se distribui os cartões entre eles. Sugere-se que os cartões sejam colados no peito. Conta-se, então, uma história que inclui os entes escritos nos cartões e, a cada ente mencionado, passa-se o rolo de barbante para o participante e se pede que ele o segure. A cada nome proferido, o rolo, consequentemente, vai se desenrolando. Após o término da primeira parte da narrativa, todos os participantes estarão segurando o barbante e interligados de modo que o interior da roda consistirá numa teia ou rede. Na história, convém que esteja presente a dinâmica da cadeia alimentar e da interdependência dos seres e entes naturais. Na segunda parte da história, o narrador/professor inclui fenômenos e desastres (muitos causados pelo homem, por exemplo) que acarretam extinção de um animal (logo, seu predador poderá ficar sem alimento) ou a poluição de um rio, o desmatamento de uma floresta, etc. Há de se lembrar que, sempre que o fenômeno for mencionado, o participante que possuir um cartão que sofreu influência do fenômeno deverá se abaixar, puxando o barbante consigo e, consequentemente, estabelecendo tensão num fio que o liga com outros entes.

Após a dinâmica propriamente dita, discutimos brevemente sobre o que eles acharam, sobre o que puderam notar na medida em que cada um era afetado pelo movimento da rede. Mencionei que, na natureza, também é assim que acontece. Indaguei se eles tinham algum exemplo de relações desse tipo: “Alguém tem gato? E desde que tens gato não notaste nenhuma mudança na tua casa? Que bichos teu gato persegue e come? Alguém sabe de algum outro exemplo assim?”.

No momento seguinte, a turma foi dividida em grupos. Cada grupo escolheu entre produzir um texto, painel, fanzine ou história em quadrinhos que versasse sobre o tema da dinâmica (a interdependência ou relação entre os seres vivos e entes naturais). O objetivo da proposta foi dar margem para que eles usassem a criatividade e suas produções pudessem ter conexão com as demais atividades com temáticas relacionadas que haviam sido trabalhadas. Os recursos utilizados na realização da atividade foram: barbante, giz de cera, lápis, canetas hidrocor, lápis de cor, papel pardo, folhas de papel e fita adesiva.

5.5 Painel sobre diversidade, biodiversidade e interdependência entre os seres vivos

Propus que fizéssemos um painel cujo tema era “diversidade e biodiversidade”. Preliminarmente, conversamos sobre a noção aprendida na dinâmica da teia (ou rede) da vida, a saber: a interdependência entre os seres. Solicitei aos alunos que levassem, no decorrer daquela semana, como tema de casa, recortes de jornais e revistas, bem como desenhos, que retratassem diferentes etnias humanas, animais, plantas e paisagens naturais. Sugeri também que levassem fotos deles para serem incluídas no painel.

Antes de colar as imagens, exploramos a relação entre os seres e entes das gravuras. Levei um texto, adaptado do site Infoescola. Este foi lido com a participação dos educandos, lendo em voz alta. A partir da leitura, trabalhei as noções de diversidade, biodiversidade e ecossistema. Mencionei que, assim como existe uma imensa diversidade de seres vivos, há uma grande quantidade de etnias humanas com culturas e costumes bastante distintos. Indaguei os alunos sobre as etnias e culturas que eles conheciam. Recordei também o texto que havíamos lido (VIEIRA, 2015) e retomei o fato de “sermos relativamente semelhantes” biologicamente, mas bastante diversos no nosso modo de ser, nas nossas características físicas e no que diz respeito às nossas culturas, credos, etc. O termo “ecossistema” aparecia no texto e também foi abordado.

Durante a confecção do painel, fiz algumas indagações que visavam conduzir a algumas reflexões como, por exemplo: “Os humanos devem ficar perto uns dos outros? Quais os animais mais próximos dos humanos? Os macacos não vivem próximos de nós, não é? E os cachorros, vivem? De que nós precisamos para viver? Geralmente, tendemos a construir nossas cidades em locais onde há água, não é? Será que não podemos colar um rio perto dos seres humanos? Há muitas cidades bem grandes que foram construídas perto do mar também, não é? Mas, nesses casos, há outros motivos para isso, pois vocês sabem que não podemos beber água do mar, não é? Que motivos são esses? E um leão ou leopardo, por exemplo, eles vivem perto das cidades? Será que também não existem plantas que estão mais próximas de nós que outras? Há muitas plantas que se tornaram convenientes para nós e, por isso, as cultivamos, não é mesmo?”.

Em meio as provocações com participação ativa da turma, os alunos colaram as gravuras numa folha de papel pardo e afixamos o painel na sala de aula. Recordei que uns dias atrás havíamos feito a saída de campo para reconhecer a fauna e flora da escola e dei a ideia de afixarmos os desenhos ao redor do nosso painel e interligá-los. Ao fim, provoquei os alunos, indagando: “Todos esses seres e entes da natureza que colamos no painel existem assim de modo isolado? Lembram da dinâmica da teia da vida que fizemos?”. Sugeri, então, que traçássemos linhas, ligando os seres e entes do nosso painel.

Discutimos sobre a biodiversidade e os diversos tipos humanos existentes no planeta. Mencionei que, assim como a diversidade de formas de vida é essencial para a manutenção da “saúde” do ecossistema, a diversidade de tipos humanos é essencial para a “saúde” da humanidade. Os conteúdos trabalhados foram: diversidade, biodiversidade, ecossistema e interdependência. Já os recursos necessários para a realização da atividade foram: lápis, folhas de papel, papel pardo, imagens e fotografias de jornais e revistas, lápis de cor, canetas hidrocor.

6 TECENDO CONSIDERAÇÕES

Após expor em pormenores as atividades realizadas com a turma, cabe apresentar alguns resultados. Primeiramente, é preciso reconhecer que as atividades em grupo, envolvendo temáticas que os motivavam, serviram para, paulatinamente, melhorar a maneira como se relacionavam. Tratava-se, como enfatizei, de uma turma “difícil”. Ademais, a maneira como eu intervinha nas aulas reforçava o caráter interdependente de qualquer forma de vida e da condição humana no que tange a sua animalidade. Isso, ao que me parece, gerou certa consciência de pertença a algo e uma relativa humildade que, ao menos em parte, rompeu com afãs de afirmação a qualquer custo e com pendores de domínio do meio. Concomitantemente, ao tratarmos a categoria territorialidade como um aspecto da animalidade humana, alguns pareceram ter se dado conta que grande parte de seus enfrentamentos na escola ocorriam em função de certo desejo de se assenhorar, obtendo algum ganho material ou simbólico. Desmistificar isso, surpreendentemente, fez com que eles lidassem melhor com esses pendores. “Xingavam-se”, por vezes, uns aos outros de “animais” depois da realização do projeto, mas aquilo deixara de ser uma ofensa para adquirir outro sentido: o de pertença. E, no fundo, eles, àquela altura, pareciam saber: aquele território (escola pública) era de todos.

Um segundo elemento que merece ressalva se refere aos ganhos em termos de aprendizado. Por ser uma turma “difícil”, era também bastante desafiador envolvê-los em qualquer atividade e ganhar a sua atenção. Entretanto, ao se sentirem parte do projeto e, por assim dizer, se darem conta de que nele havia estímulos para o autoconhecimento – da animalidade e da vida em relação –, os alunos se entregaram à proposta de maneira bastante contundente. Isso pode ser notado desde o comprometimento em levar os materiais solicitados ao envolvimento nas atividades. O resultado disso foi a adoção de uma postura proativa dos educandos em sala de aula e uma mudança do olhar de cada um em relação ao que era estudado, afinal, a produção do conhecimento se tornara palpável, tinha a ver com seus corpos, com os animais que eram, com seus ancestrais hominídeos e, mais do que isso, havia um esforço de estabelecer conexões que permitissem notar que aquilo tudo existia em relação. Logo, as atividades tinham significado para eles e ganhavam mais sentido à medida que as relações vinham à tona.

Assim, a experiência realizada reforça, a partir da prática, aquilo que sustentam Hernández e Ventura (1998, p. 78) sobre o trabalho com projetos: ele é capaz de gerar “um alto grau de autoconsciência e significatividade nos alunos, com respeito à sua própria aprendizagem”. Por outro lado, a “indagação crítica” e a “educação para a compreensão”, dois elementos essenciais na consecução do projeto (HERNÁNDEZ, 1998), estiveram presentes todo o tempo nas aulas e ajudaram a manter o envolvimento dos alunos, bem como a atribuir sentido àquilo que era pesquisado.

Entretanto, não me parece ser apenas o uso da pedagogia de projetos que mobilizou os alunos. Acredito que ela, por si só, pode ajudar, mas não é uma panaceia. A abordagem deve vir acompanhada de estratégias que estejam atentas às particularidades do grupo. No que se refere aos temas estudados no projeto que levamos a cabo e às características da turma, por exemplo, a utilização de outros espaços, diferentes da sala de aula, e a abertura à possibilidade de haver outros modos de expressão (desenhos, quadrinhos, painéis, fanzine, etc.) foram iniciativas que pareceram contribuir para mobilizar o grupo. Assim, tecer uma teia (ou rede) em que o caráter relacional fique evidente requer uma visão dimensional e o estímulo de potências que os alunos apresentam, utilizando-as a serviço daquilo que, por medo ou por ignorância, eles querem negar, e tentando propiciar momentos que os levem a se dar conta de que, mesmo suas negações, carregam relações com potências formativas riquíssimas – territorialidade, corporeidade, desejos, resistências, etc. De qualquer modo, em abordagens pedagógicas a fim de discutir o meio ambiente, seja criticando o paradigma da ciência moderna (GRÜN, 2011), seja problematizando o antropocentrismo e a visão do meio como recurso (KINDEL, 2010), pode ser conveniente colocar em jogo os aspectos elencados, enfocando a animalidade humana como matriz formativa e conjunto de potências que podem estar a serviço da educação (COLLA, 2014; COLLA, 2018). O uso da pedagogia de projetos, conforme indicado, pode ajudar a projetar visões relacionais mais amplas e articular esses elementos.

2Num momento subsequente, expliquei que esse parentesco consiste no fato de o homem e os macacos possuírem um ancestral comum que originou tanto os hominídeos quanto algumas espécies de macacos.

3Produção estadunidense lançada em 2013 e dirigida por Kirk DeMicco e Chris Sanders.

4Produção estadunidense lançada em 2008 e dirigida por Andrew Stanton. O filme, além de concorrer em cinco categorias, ganhou o Oscar de melhor animação na edição de 2009 da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Apresento a sinopse do filme logo a seguir, no corpo do texto.

5Organização Mundial de Saúde.

Revisão gramatical realizada por: Monia Franciele Wazlawoski

E-mail: monia.revisao@gmail.com

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Recebido: 18 de Junho de 2020; Aceito: 06 de Janeiro de 2021

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