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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.3 Campinas jul./set 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i3.8661108 

ARTIGO

UMA ANÁLISE DE TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE O PROGRAMA ESPECIAL DE FORMAÇÃO DOCENTE

AN ANALYSIS OF THESIS AND DISSERTATIONS ABOUT THE PEDAGOGICAL TRAINING SPECIAL PROGRAM

UMA ANÁLISE DE TESIS Y DISERTACIONES SOBRE EL PROGRAMA ESPECIAL DE CAPACITACIÓN PEDAGÓGICA

Ivan Fortunato1 

Osmar Hélio Alves Araújo2 

Liliana Soares Ferreira3 

1Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias e Doutor em Geografia - Universidade Estadual Paulista (UNESP). Rio Claro, SP - Brasil. Docente - Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Itapetininga, SP - Brasil. E-mail: ivanfrt@yahopo.com.br

2Doutor em Educação - Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB - Brasil. Docente - Universidade Federal da Paraíba (UFPB) - Campus IV. Mamanguape, PB. Brasil. E-mail: osmarhelio@hotmail.com

3Doutora em Educação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS - Brasil. Docente - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, RS - Brasil. E-mail: anaililferreira@yahoo.com.br


RESUMO

Este artigo apresenta um estado do conhecimento das teses e dissertações defendidas a respeito do Programa Especial de Formação Pedagógica. Apresenta-se um inventário como resultado de um mapeamento realizado no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, no qual foram localizadas oito dissertações a respeito do curso entre 2013 e 2018. De modo geral, as dissertações apresentam os pontos de vistas de estudantes de cursos de Formação Pedagógica, além de docentes e coordenadores de cursos e até mesmo de diretores e supervisores escolares. Como resultado, vimos que a percepção das pessoas envolvidas contraria as críticas produzidas pela academia de que este tipo de formação docente é aligeirada e, portanto, sem qualidade. Ao final, espera-se que os aspectos positivos ressaltados pelo inventário ajudem no fortalecimento dos Programas Especiais de Formação Pedagógica ao se consolidarem como um meio efetivo de formação docente, inicial e/ou continuada.

PALAVRAS-CHAVE Formação de professores; Formação pedagógica; Estado do conhecimento

ABSTRACT

This paper presents a state of knowledge of theses and dissertations regarding the Special Pedagogical Training Program. An inventory is presented as a result of a mapping carried out in the CAPES Thesis and Dissertations Catalog, in which eight dissertations about the course were founded between 2013 and 2018. Overall, the dissertations present the points of view of students of Pedagogical Training courses, in addition to teachers and course coordinators and even school principals and supervisors. As a result, we saw that the perception of the people involved contradicts the criticisms produced by the academy that this type of teacher training is abridged, therefore without quality. In the end, it is expected that the positive aspects highlighted by the inventory will help to strengthen the Special Pedagogical Training Programs to be consolidated as an effective means of pre- service and/or on the job teacher education.

KEYWORDS Teacher education; Pedagogical training; State of knowledge

RESUMEN

Este artículo presenta un estado de conocimiento de las tesis y disertaciones defendidas sobre el Programa Especial de Capacitación Pedagógica. Se presenta un inventario como resultado de un mapeo realizado en el Catálogo de Tesis y Disertaciones de CAPES, en el que se ubicaron ocho disertaciones sobre el curso entre 2013 y 2018. Como resultados En general, las disertaciones presentan los puntos de vista de los estudiantes de cursos de Formación Pedagógica, además de los maestros y coordinadores de cursos e incluso directores y supervisores escolares. Como resultado, vimos que la percepción de las personas involucradas contradice las críticas producidas por la academia de que este tipo de formación docente se aligera, por lo tanto, sin calidad. Al final, se espera que los aspectos positivos resaltados por el inventario ayuden a fortalecer los Programas Especiales de Capacitación Pedagógica para consolidarse como un medio efectivo de capacitación docente, inicial y/o continua.

PALAVRAS-CLAVE Formación de professores; Capacitación pedagógica; Estado del conocimiento

1 INTRODUÇÃO

Este artigo trata do Programa Especial de Formação Pedagógica, ora referido apenas como Programa Especial ou Formação Pedagógica, curso de formação docente criado pela Resolução CNE 2/97, do Conselho Nacional de Educação, no ano de 1997. As instruções para oferta desse curso foram revistas pelo Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE 2/2015, a qual foi posteriormente revogada pela Resolução CNE 2/2019, nomeada como Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), estabelecendo novas normativas para a oferta dessa modalidade.

Se a Formação de Professores sempre foi um campo de disputas, pode-se dizer que tais contendas foram ampliadas e intensificadas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Vimos isso, por exemplo, no trabalho de Dias (2012), que identifica várias vozes que se articulam (e desarticulam) em torno da produção de textos legais a respeito das políticas curriculares para formação de professores. Segundo a autora, as demandas dos diversos setores que se envolvem com a área tendem a produzir documentos híbridos e, às vezes, até paradoxais; além disso, as constantes discussões oriundas de interesses e/ou de pesquisas tendem a exigir uma constante reescrita das políticas, o que leva a frequentes mudanças nos cursos de formação docente. Os conflitos são vistos e vivenciados não apenas nas políticas mais amplas de formação, mas nos cursos específicos, como Biologia e História (ANDRADE et al, 2004), Ciências (BAROLLI; VIANA, 2015), Pedagogia (AGUIAR et al, 2006) etc. Além disso, essa referida disputa é histórica e contraditória, como apontam Borges, Aquino e Puentes (2011), e até mesmo ferem a autonomia universitária, mesmo em um contexto democrático, como bem argumenta Zan (2019).

Neste contexto, surge o Programa Especial de Formação Pedagógica, regulamentado pela Resolução no. 2 de 26 de junho de 1997, do Conselho Nacional de Educação (CNE). Essa Resolução revogava a Portaria no. 432, do ano de 1971, a qual, por sua vez, revogava portarias anteriores, desde 1968 – tais documentos também tratavam de formação de professores de modo especial, ou seja, de maneiras mais curtas que a formação completa por meio da licenciatura. Embora seja interessante observar as transformações legais ao longo das décadas, centramos nossas análises na Resolução de 1997, pois diz respeito ao contexto ainda vivido em 2020, regido pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Assim, com a Resolução no. 2/1997, com um curso de carga horária mínima de 540h (sendo 300h destinadas ao estágio supervisionado), o CNE esperava, conforme artigo 1º, “suprir a falta nas escolas de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial”.

Essa Resolução foi revisitada (e revogada) somente no ano de 2015, por meio de nova Resolução do CNE, a também de no. 2, publicada em julho do referido ano. O caráter especial de 1997 foi substituído por “caráter emergencial e provisório” e sua carga horária ampliada para algo entre 1000h e 1400h, mantendo as 300h para estágio supervisionado. O mesmo CNE revoga essa proposta em 2019, praticamente não dando tempo para as Instituições ofertantes reorganizarem seus cursos. A nova Resolução, curiosamente também de no. 2, nada menciona a respeito das qualidades emergencial ou provisória para o curso de Formação Pedagógica (como especificava a Resolução de 1997), mas altera a carga horária da Formação para 760h – destas, nada específico a respeito de estágio supervisionado, contudo exigindo 400h de “prática pedagógica”, as quais podem incluir estágio.

Os 22 anos que separam a Resolução de caráter especial de 1997 e a Resolução de 2019, incluindo a revogação da Resolução de caráter emergencial e provisório de 2015, deixam sem resposta a seguinte pergunta: quais seriam os efetivos reflexos desse tipo de formação docente para a educação formal? Para respondê-la, nos debruçamos, então, sobre pesquisas realizadas a respeito da Formação Pedagógica. Elegemos os produtos da pós- graduação nacional como recorte, oferecendo, dessa forma, uma revisão sistemática específica, nomeada por Romanowski e Ens (2006) como um Estado do Conhecimento. Trata- se de metodologia que organiza a literatura a respeito de um tema específico em um lócus também específico. Assim, como nosso trabalho se ocupa de inventariar os resultados a respeito da Formação Pedagógica obtidos pela pós-graduação nacional, o lócus de busca foi o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES.

Para que este artigo alcance seus propósitos, o trabalho foi organizado em três seções. Primeiro, detalhamos os procedimentos metodológicos desenvolvidos para produção do inventário a partir do Catálogo da CAPES. Na sequência, todas as produções inventariadas foram submetidas a um exame analítico, observando seus objetivos, seu método de pesquisa, seus principais referenciais sobre formação de professores, além dos aspectos positivos e negativos possivelmente identificados nos cursos de Formação Pedagógica estudados pelos pós-graduandos. Por último, os dados analíticos do inventário foram cotejados com outros referenciais, principalmente por haver certa aversão à Formação Pedagógica, tida como aligeirada e superficial.

Ao final, espera-se que os aspectos identificados nesse inventário, ressaltados como resultados das dissertações localizadas, ajudem no fortalecimento dos Programas Especiais de Formação Pedagógica e a se consolidarem como um meio efetivo de formação docente, inicial e/ou continuada. Espera-se, ainda, que as lacunas deixadas pelas pesquisas mapeadas se tornem motivadoras para novas e mais densas investigações a respeito dessa modalidade de formação docente.

2 DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Seguindo o mesmo rito de pesquisas anteriores (REFERÊNCIAS OMITIDAS), o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES4 foi mapeado a partir de palavras-chaves. Para tanto, os mais diversos nomes dado ao Programa Especial de Formação de Professores foram utilizados no campo de busca do site. Eis então as três pesquisas realizadas e seus resultados:

  • Critério de busca A: “Programa Especial de Formação Pedagógica”. Resultados obtidos: 17.

  • Critério de busca B: “Programa Especial de Formação Docente”. Resultados obtidos: 10.

  • Critério de busca C: “Programa Especial de Formação de Professores”. Resultados obtidos: 16.

    • Soma dos resultados obtidos com os critérios de busca A, B e C: 43 teses ou dissertações localizadas.

Na sequência, foram utilizados os seguintes critérios de refinamento: (a) metadados disponíveis, ou seja, foram excluídos todos os trabalhos sem informações detalhadas, listados como “anterior à Plataforma Sucupira5”, assim como foram excluídos trabalhos com a informação de que “não possui divulgação autorizada”, impedindo acesso ao texto como produto final da tese ou dissertação; (b) leitura dos resumos, buscando verificar se os cursos analisados em cada tese ou dissertação estavam lastreados pelas resoluções do Conselho Nacional de Educação número 2 de 1997 ou número 2 de 2015; (c.) comparação entre os resultados dos critérios de busca A, B e C, eliminando possíveis duplicidades.

Assim, depois de aplicados os critérios de refinamento, do total de 43 produções inicialmente localizadas, foram efetivamente mapeadas oito dissertações, cujo inventário está organizado no quadro 01 a seguir:

QUADRO 1 Inventário de dissertações sobre o Programa Especial de Formação Pedagógica 

Título6 Ano de defesa Autor(a) Orientador(a) Instituição Programa Região Área de Avaliação
Políticas para educação profissional 2013 Juliana de Souza Soares Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira PUC/MG Educação SE Educação
Representaçõe s sociais dos alunos do Programa Especial de Formação Pedagógica 2013 Neuza Maria de Souza Feitoza Marília Claret Geraes Duran UMESP Educação SE Educação
Políticas públicas para a educação profissional 2014 Vanessa Piedade Gontijo Faria Stela Maria Fernandes Marques PUC/MG Educação SE Educação
O ensino de didática no Programa Especial de Formação Pedagógica da UTFPR – Medianeira-PR 2015 Angela Rosina Alexius Matté Rosane Michelli de Castro UNESP/ Marília Educação SE Educação
Formação e profissionalizaç ão docente 2015 Clóvis Ricardo Remor Júlio Cesar Torres UNESP/ Marília Educação SE Educação
Do bacharelado à docência 2017 Cristiane Berenice Caraveta dos Santos Claudemir de Quadros UFSM Educação Profissional e Tecnológica (mestrado profissional) Sul Interdis- ciplinar
A dimensão étnico-racial na formação de professores 2017 Valdete dos Reis Barbosa Silvani dos Santos Valentim CEFET/ MG Educação Tecnológica (mestrado profissional) SE Educação
A educação profissional de nível técnico 2018 José Ferrari Jr. Juliana Rink UFSCAR Educação SE Educação

Fonte: [dados da pesquisa]

Ao olhar para o panorama do inventário mapeado, percebemos que o interesse neste curso é algo praticamente exclusivo da Educação como área de avaliação, tendo praticamente todas as dissertações sido defendidas em programas de Educação (embora haja uma exceção, o programa avaliado pela área Interdisciplinar tem a Educação como foco), das quais seis em programas acadêmicos e duas em programas profissionais. Outro dado que chama atenção é o domínio da região Sudeste na produção de pesquisas de pós-graduação sobre os Programas Especiais, tendo três dissertações sido produzidas no Estado de Minas Gerais (duas na PUC) e quatro no Estado de São Paulo. No entanto, as duas produções defendidas na UNESP, campus Marília, dizem respeito ao Programa Especial da Universidade Tecnológica do Paraná, provavelmente em decorrência do fato de serem dissertações produzidas a partir de um Programa de Mestrado Interinstitucional (MINTER) entre a Universidade do Paraná e a UNESP. Outra observação relevante a partir do Quadro 01 é a repetição de Programas (UNESP/Marília e PUC/MG), contudo, as dissertações foram orientadas por distintos docentes. Chama atenção, ainda, o fato de que todos os trabalhos localizados são dissertações de mestrado, ou seja, nenhuma tese de doutorado sobre o Programa Especial de Formação Pedagógica foi produzida e/ou defendida no país, tornando-se uma lacuna a ser preenchida pela pesquisa em Educação.

Outro dado importante identificado é a quantidade de dissertações voltadas à formação docente para a educação profissional (modalidade de ensino profissionalizante de nível médio), sendo isso expresso no título de metade das dissertações localizadas (FARIA, 2014 7; SANTOS, 2017; SOARES, 2013; FERRARI JR., 2018). Isso porque a Formação Pedagógica, amiúde, é compreendida como a habilitação necessária para ministrar aulas nessa modalidade – ou, ainda, como certificação necessária para manutenção do emprego, caso seja professor da educação profissional. Essa relação pode ser explicada pela seguinte afirmação de Urbanetz (2012, p. 864): “[...] essa é a forma mais conhecida ofertada aos professores que assumem a educação profissional de nível médio, em razão dos diversos decretos, portarias e pareceres que, desde 1909, procuram atender à demanda dessa modalidade de ensino”. Contudo, o Programa Especial de Formação Pedagógica, conforme expresso no artigo 10 da Resolução no. 2/97, não é exclusivo da modalidade profissional, pois: “O concluinte do programa especial receberá certificado e registro profissional equivalentes à licenciatura plena”.

Assim, tendo sido realizado o mencionado, ocupamo-nos a seguir com o trabalho de analisar essas produções, com o intuito de identificar as possibilidades, as potencialidades e possíveis hiatos nessa modalidade de formação docente reconhecida como Programa Especial de Formação Pedagógica.

3 DA PERSPECTIVA ANALÍTICA DO INVENTÁRIO

Tendo estabelecido um mapa das dissertações produzidas a respeito dos Programas Especiais de Formação de Professores para a Educação Básica, ocupamo-nos em investigar cada uma dessas pesquisas, buscando identificar os reflexos da Formação Pedagógica para a Educação Básica. Assim, fizemos a leitura de cada uma, organizando uma síntese global no Quadro 02, a seguir, explicitando os “objetivos” de cada pesquisa, a “metodologia” empregada e, principalmente, os “resultados” obtidos.

QUADRO 2 Perspectiva analítica das dissertações mapeadas [continua na página seguinte] 

Dissertação Objetivos Metodologia Resultados
Políticas para educação profissional (SOARES, 2013) Analisar o papel do Programa Especial, ofertado por uma instituição não identificada de Belo Horizonte, na formação docente para a Educação Profissional. Nomeada pela autora de “estudo de caso”, contou com análise documental e questionário aplicado a alunos, professores e coordenação do referido Programa, seguidos de entrevistas com 17 pessoas, incluindo alunos, docentes, coordenadora e secretária. Foi identificado que a maioria dos estudantes já eram professores, exercendo a profissão sem habilitação, que o alunado é bastante heterogêneo em termos de idade, formação e experiência profissional. Sobre o curso, ficou reconhecida a qualidade da formação pedagógica ofertada, embora os entrevistados indicassem falta de disciplinas voltadas ao conteúdo específico a ser ensinado por eles como egressos, como Química, Física, Biologia e Matemática.
Representações sociais dos alunos do Programa Especial de Formação Pedagógica (FEITOZA, 2013) Analisar um Programa Especial de Formação Pedagógica, ofertado na modalidade EaD por uma instituição não identificada, por meio de representações sociais de seus estudantes já docentes. Para analisar as representações sociais de estudantes, a autora utilizou um questionário como forma de identificar a população a ser entrevistada. Foram entrevistados nove estudantes que exerciam a docência por pelo menos um ano letivo. Também foram entrevistados diretores e supervisores de ensino. A análise documental também foi usada como forma de esclarecimentos a respeito da Formação. Dentro do recorte específico da população estudada, foram reconhecidas três representações sociais a respeito da Formação: (i.) ser professor é ter a formação pedagógica para a docência; (ii.) o bacharelado (ou tecnólogo) complementa-se com a docência; (iii.) ser professor é ter formação acadêmica legítima para a docência. A autora ainda desmistificou várias críticas a respeito da Formação, demonstrou por meio de entrevistas com diretores e supervisores que os egressos da Formação são professores capacitados. Ressaltou, ainda, o preconceito sofrido por egressos da Formação, por não serem reconhecidos por acadêmicos ou por redes de ensino como docentes legitimamente habilitados – o que é um equívoco.
Políticas públicas para a educação profissional (FARIA, 2014) Investigar a formação, o trabalho e as condições salariais de professores de um Programa Especial não identificado da cidade de Belo Horizonte. Nomeada pela autora de “estudo de caso”, além de análise documental, foram feitas observações de aula, entrevistas e também elementos foram colhidos por meio de questionário e entrevistas com sete docentes do Programa Especial. Tendo pesquisado os docentes de um curso de Formação Pedagógica, a autora ressaltou a qualificação dos docentes, todos com pós-graduação stricto senso e suas práticas pedagógicas: engajada, comprometidas com a pesquisa e o ensino, voltadas principalmente para a “pedagogia de projetos”. Os docentes apresentaram duas ressalvas: a oferta apenas no período noturno, pois os estudantes chegam cansados de sua jornada completa de trabalho, e a carga- horária reduzida do curso. Destacam, como aspectos positivos, a heterogeneidade dos alunos, oriundos das mais diversas graduações, e o caráter humanizado da formação para a docência, pois a Formação Pedagógica tende a promover ótimas relações entre professores e estudantes.
O ensino de didática no Programa Especial de Formação Pedagógica da UTFPR – Medianeira-PR (MATTÉ, 2015) Recuperar, reunir, selecionar, sistematizar, analisar e interpretar aspectos do corpo de saberes da Didática, presentes no Programa Especial da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, pelo cotejamento entre a estrutura curricular da primeira com a segunda versão do curso. Foi uma pesquisa fundamentalmente documental, analisando projetos pedagógicos e ementas do curso, complementada com o relato oral de uma docente que lecionou Didática na Formação Pedagógica. Em linhas gerais, a autora verificou, no recorte específico de sua dissertação – a concepção de Didática nas versões original e atualizada do curso estudado – uma evolução da concepção de Didática menos arraigada no tecnicismo e mais voltada à complexidade da educação escolar.
Formação e profissionalização docente (REMOR, 2015) Identificar o perfil, a motivação, os interesses dos alunos do curso de Formação Pedagógica da UTFPR, campus Medianeira. Foram aplicados questionários a 58 estudantes de duas turmas distintas do curso. A análise documental também foi usada como forma de esclarecimentos a respeito da Formação. O autor mapeou o perfil dos estudantes do curso, identificando que cerca de 75% dos matriculados no curso já atuam na docência. Desse total, 74% declarou como maior interesse no curso o aprimoramento da prática docente – incluindo uma boa parcela que busca somente a certificação como licenciado para manter-se no seu emprego de professor. A pesquisa revelou, ainda, pouco mais de 10% dos matriculados vislumbram a docência como uma nova possibilidade de trabalho.
Do bacharelado à docência (SANTOS, 2017) Retratar a percepção dos egressos do Programa Especial de Graduação de Formação de Professores para Educação Profissional (PEG) da UFSM quanto a sua atuação profissional como professores. A partir do que chamou de “estudo de caso”, aplicou questionários e realizou entrevistas semi- estruturadas online com egressos da Formação Pedagógica do período de 2010 a 2015. Foram analisados 114 questionários e realizadas quatro entrevistas. Ao inventariar a percepção de egressos da Formação Pedagógica, a autora obteve dados relevantes para se pensar o próprio curso. Pouco mais da metade desses egressos não atuava na docência quando ingressaram no curso, buscando a docência como atuação profissional; uma parcela de 5% afirmou buscar o curso pela exigência da certificação. Dos egressos, 14% afirmaram ter tido sucesso no ingresso à carreira. Em síntese, os dados expressam uma percepção positiva a respeito da Formação Pedagógica como curso de preparação para a docência, indicando alguns aspectos para sua melhoria, tais como: mais ênfase à pratica docente (sentiram o curso teórico demais), as metodologias de ensino deveriam ser mais vivenciadas e menos informadas e poderia haver uma aproximação maior com a realidade escolar.
A dimensão étnico-racial na formação de professores (BARBOSA, 2017) Investigar as contribuições da Formação Pedagógica CEFET/MG para a perspectiva da educação das relações étnico-raciais Nomeada pela autora de estudo de caso, utilizou-se de análise documental, incluindo currículo do curso anterior e posterior à Resolução CNE 2/2015, além da legislação referente à educação das relações étnico-raciais e à formação docente. Também fez uso de questionário com 22 estudantes da Formação Pedagógica e entrevista com quatro docentes do curso. A autora identificou, nos alunos, a informação de que embora não tenham tido discussões substanciais a respeito e a maioria desconhecesse os documentos nacionais a respeito da educação das relações étnico-raciais, todos afirmaram ser importante ou extremamente importante sua inserção curricular. Com relação aos docentes, identificou críticas à carga-horária do curso orientado pela resolução de 1997, e a expectativa de que a reformulação do curso pela resolução de 2015 traga benefícios à formação dos egressos, inclusive, pois a resolução não apenas amplia a carga-horária, mas coloca como obrigatoriedade conteúdos da educação das relações étnico-raciais no currículo.
A educação profissional de nível técnico (FERRARI JR. 2018) Verificar potencialidades e fragilidades da Formação Pedagógica ofertada, a distância, pelo Centro Paula Souza (CPS) como formação continuada a seus docentes, pela percepção de docentes egressos Questionário aplicado a 13 docentes do CPS atuantes na Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Embora tenha destinado boa parte do questionário para verificar a percepção sobre a modalidade a distância, incluindo o ambiente virtual de aprendizagem, a tutoria e os meios de avaliação, o autor obteve resultados positivos a respeito da Formação Pedagógica como formação continuada, especificamente no enriquecimento dos saberes pedagógicos e no repertório de métodos didáticos.

Fonte: [dados da pesquisa]

Ao olhar para o quadro 02, identificamos que os objetivos, embora variados, apresentam algum grau de convergência, principalmente no que diz respeito à percepção dos estudantes em curso – interesse das dissertações de Soares (2013), Feitoza (2013), Remor (2015) e Barbosa (2017) – e a percepção dos egressos, como investigado em Santos (2017) e Ferrari Jr. (2018). Nesses, vimos a preocupação de investigar a contribuição do curso como formação continuada para docentes em exercício (FEITOZA, 2013; FERRARI JR., 2018), ou os motivos para buscar a matrícula no curso (SOARES, 2013; REMOR, 2015). Além disso, verificamos objetivos adjacentes em alguns trabalhos, como o interesse pela educação para relações étnico-raciais em um curso específico (BARBOSA, 2017), e os aspectos positivos e negativos da Educação a Distância, em outro curso específico (FERRARI JR., 2018). Como objetivos diversos, podemos citar a visão dos professores formadores sobre aspectos da Formação Pedagógica (FARIA, 2014), e a investigação sobre os conteúdos de Didática em um curso específico (MATTE, 2015).

Essa amplitude de objetivos envolvendo a Formação Pedagógica ajudam a criar motivadores para futuras pesquisas. Pode-se pensar, por exemplo, no cotejamento de percepções a respeito da educação, do ensino, da escola, das políticas educacionais etc. entre docentes egressos da Formação Pedagógica, docentes egressos da licenciatura e docentes em exercício não-licenciados. Já os estudos que mapeiam os motivadores para a matrícula no curso abrem caminho para estudos a respeito de evasão, investigando os aspectos responsáveis pelo abandono e/ou trancamento em cursos de Formação Pedagógica. Ainda, as dissertações que tratam de conteúdos específicos (Didática e educação das relações étnico-raciais) criam a possibilidade de se investigar todos os demais conteúdos que são (ou deveriam ser) abordados em cursos de Formação Pedagógica, desde os fundamentos da educação, passando pela sua história e políticas, tecnologias etc. etc.

Com relação às metodologias de pesquisa, praticamente todos os trabalhos usaram questionários, com exceção da dissertação de Matte (2015), cujo interesse era analisar as ementas de Didática do curso. Metade das dissertações inventariadas fez uso de entrevista. Todos os trabalhos tiveram a pesquisa documental como suporte, buscando explicar, pelas fontes legais, o funcionamento dos Programas Especiais de Formação Pedagógica – novamente com exceção de Matte (2015), tendo usado análise documental como principal meio de pesquisa. Embora alguns autores tenham usado o termo “estudo de caso”, importante registrar que as oito dissertações trabalharam com um lócus específico, investigando um curso de cada vez, tendo, dessa forma, uma visão mais aprofundada de determinada realidade – isso, por sua vez, pode se tornar restritivo. Dessa forma, o mapeamento abre espaço para pesquisas futuras realizadas de forma a investigar mais de um curso, ofertados em locações distintas, por exemplo. Outra possibilidade identificada é a ampliação dos questionários e/ou entrevistas para além dos professores formadores e estudantes da Formação Pedagógica, a exemplo do trabalho de Soares (2013), colhendo percepções de outros envolvidos, como colegas, estudantes da educação básica, familiares, gestores escolares etc.

Os resultados obtidos variam bastante, principalmente pelo foco qualitativo dos métodos utilizados e pela maioria ter optado por dar voz aos sujeitos participantes, seja por meio de entrevistas, depoimentos e/ou questionários com perguntas abertas. Dessa forma, os oitos objetivos foram desdobrados em inúmeros resultados, cujo balanço entre seus aspectos positivos (qualidade pedagógica, enriquecimento de práticas e saberes, egressos capacitados etc.) e seus aspectos negativos (carga-horária reduzida, preconceito etc.) é realizado na seção seguinte, voltada para relação entre esses achados e os argumentos mais constantes da literatura a respeito dos Programas Especiais de Formação Pedagógica.

4 DO COTEJAMENTO COM A LITERATURA

A procura na literatura (SCHEIBE, 2006; FREITAS, 2007; 2002; PASSOS; OLIVEIRA, 2008; VIEIRA; VIEIRA; PASQUALLI, 2014) a respeito dos Programas Especiais de Formação Pedagógica nos possibilitou duas críticas principais: (1) a carga-horária baixa, conforme exigida pela Resolução CNE 2/1997 e (2) a baixa qualificação docente promovida por um curso rápido.

Começamos, então, pela questão da carga-horária. Scheibe (2006) foi categórica ao registrar suas críticas:

Está em curso, portanto, um processo que continua a desqualificar e descaracterizar o magistério, reforçado também pela Resolução 02/97 do Conselho Nacional de Educação, que permite aos graduados de qualquer área transformarem-se em professores após realizar um Curso de “formação” pedagógica de 540 horas aulas, das quais, 300 horas em serviço podem ser contabilizadas como estágio.

(SCHEIBE, 2006, p. 203)

Além disso, eis o que foi expresso por Vieira, Vieira e Pasqualli (2014, p. 45) sobre a carga-horária mínima determinada pela Resolução CNE 2/1997: “Essa é uma das principais críticas dos estudiosos da formação de professores para a educação profissional, ou seja, o aligeiramento da formação do professor”. Efetivamente, Freitas (2007) produz um ensaio teórico de caráter crítico às políticas de formação docente, afirmando que a flexibilização e o aligeiramento promovidos por Programas Especiais servem apenas para aprofundar um cenário histórico de “desprofissionalização” da docência no país. Anteriormente, Freitas (2002) já havia usado predicados como “precário”, “aligeirado”, “fragmentação”, “não qualificação” e “desprofissionalização” para fazer referência à Formação Pedagógica regulamentada pela Resolução no. 2/1997.

Esses argumentos são corroborados por Passos e Oliveira (2008), pois consideram a Formação Pedagógica como coadjuvante de políticas de desvalorização do professorado que têm “como principal meta certificar o maior número de professores, em curto espaço de tempo e sem condições adequadas para tal” (p. 109). O artigo de Passos e Oliveira (2008) é fundamentado, dentre outros, em Freitas (2007) e na entrevista com 16 estudantes de um Programa Especial de uma instituição privada da capital paulista, com aulas aos sábados, comprovando seus argumentos de curso rápido, logo, sem a qualidade necessária.

A dissertação de Claudino (2010 apud REMOR, 2015) também tece críticas à carga- horária do Programa Especial, reiterando que o tempo de formação, principalmente relacionada à prática de ensino e ao estágio supervisionado é insuficiente para “para formar um docente para atuar nessa modalidade de ensino, quando não se tem o respaldo teórico que possibilite o entendimento da ação, sua importância e possibilidades de intervenção” (p. 127). Por outro lado, Vieira, Vieira e Pasqualli (2014), que viam esse tipo de formação de professores como “incipiente”, confrontaram as questões de carga-horária e de qualidade do curso com entrevistas realizadas com 19 egressos de uma instituição federal do Rio Grande do Sul, nada tendo sido apontado sobre a carga-horária.

Importante destacar que a questão da carga-horária dos Programas Especiais aparece de forma expressa três vezes nas dissertações inventariadas (FEITOZA, 2013; FARIA, 2014; BARBOSA, 2017). Feitoza (2013) recupera as críticas tecidas por Scheibe (2006), já delineadas nesta seção, a respeito da duração do curso tida como insuficiente; mas, ao entrevistar diretores de escolas e supervisores de ensino de locais onde egressos da Formação Pedagógica atuam como professores da educação básica regular, a autora notou que essa hipótese de insuficiência a respeito do curso não se confirmou; pelo contrário, o que ficou registrado nas entrevistas é a evidente competência dos docentes egressos do Programa Especial.

Em Faria (2014) e Barbosa (2017), o incômodo a respeito do que se entende como baixa carga-horária para o curso foi mencionado pelos professores formadores, mas não pelos estudantes da Formação Pedagógica. De acordo com os entrevistados de Faria (2014, p. 85), a “carga horária restrita” foi apenas mencionada como um dificultador para a Formação, junto com o fato de ser ofertado somente no período noturno para estudantes que chegam cansados depois de sua jornada de trabalho. Já Barbosa (2017, p. 99), ao final de suas entrevistas, percebeu o seguinte: “Pressupõe-se pelos depoimentos que as professoras [formadoras] não acham a carga horária do curso suficiente e acreditam que este fator fragiliza a formação dos estudantes egressos de outras áreas que buscam o programa”.

Nesse sentido, parece haver, então, uma percepção de que a carga horária do Programa Especial não é suficiente para formação docente apenas pela ótica de acadêmicos e/ou formadores. Os dados levantados pelas dissertações mapeadas confirmam as críticas a respeito de tempo insuficiente de formação apenas pela ótica de professores formadores, não encontrando respaldo nos estudantes dos Programas Especiais, tampouco nos gestores da educação básica. Contudo, essa é uma equação que ainda merece ser melhor examinada, investigando outros contextos, entrevistando outros gestores, outros egressos, inventariando percepções dos estudantes da Educação Básica que têm como docentes egressos de licenciaturas, segundas licenciaturas, Programas Especiais e graduados não-habilitados para docência. É preciso, ainda, considerar os reflexos de tudo isso à luz da BNC-Formação que, dentre outros, amplia a carga-horária da Formação Pedagógica em 120h de aulas teóricas e em 100h a prática.

Tendo examinado a carga-horária baixa – supostamente insuficiente – como uma das principais críticas tecidas aos Programas Especiais, ocupamo-nos, doravante, com a segunda (e mais crucial) crítica incisiva: a qualidade da Formação Pedagógica é posta em xeque. A esse respeito, Vieira, Vieira e Pasqualli (2014) qualificaram o curso como uma prática “incipiente” de formação docente. Essa informação foi respaldada em alguns egressos entrevistados que informaram que o curso não contemplou a expectativa de ensiná-los a “dar aulas” – contudo, há que se registrar que 70% desses entrevistados compreenderam o caráter reflexivo, epistemológico e didático da Formação Pedagógica, refutando a ideia de incipiente e/ou de baixa qualidade. Pequena parcela (não especificada pela autora) dos egressos entrevistados por Santos (2017) também assentiu com a ideia de “curso fraco”, mas a maioria reconheceu seus aspectos relacionados à reflexão sobre a profissão, seus métodos de ensino e confirmou ter percebido melhoras no próprio trabalho como docentes.

Como balanço geral de suas entrevistas, Santos (2017) indicou como aspecto mais positivo do curso sua qualidade teórica e, como contrapartida, a falta de maior contato com a realidade escolar de forma sistemática, ou seja, sem deixar apenas para o estágio supervisionado o momento de cotejamento das teorias educacionais com o cotidiano escolar. Esse mesmo balanço foi feito por Soares (2013), a partir dos dados coletados com estudantes, formadores e gestores da educação. Ressaltou, como elemento positivo, a alta qualidade pedagógica do Programa Especial. Como aspecto negativo, anotou que os estudantes sentiram falta de disciplinas de conteúdo específico da habilitação pretendida, como química, matemática etc., sendo que tais conteúdos, em absoluto, fazem parte do escopo da Formação Pedagógica – seja de acordo com a Resolução 2/97, com a Resolução revogada 2/2015, seja com a recém-aprovada BNC-Formação, Resolução 2/2019, em relação à qual as instituições que ofertam cursos de formação docente ainda estão em fase de adequação de seus cursos.

A respeito da presumida baixa qualidade, Passos e Oliveira (2008) são ainda mais contundentes nas críticas, afirmando o seguinte: “[...] esses cursos podem não garantir uma formação com a qualidade de que necessitamos. Essa formação “rápida”, associada à falta de experiência profissional desses novos professores, leva à menor qualificação na formação dos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio” (p. 109). Prosseguem as críticas identificando a Formação Pedagógica como “a descaracterização da profissão”, pois se trata apenas de treinamento profissional de leigos, capacitados por um curso rápido, semipresencial e de forma provisória. Essas apreciações são reforçadas pelos entrevistados: 16 estudantes de um curso privado de Formação Pedagógica, ofertado à distância com encontros presenciais aos finais de semanas. Teriam os resultados das dissertações mapeadas caminhados na mesma direção?

Essas críticas ficaram evidentes no trabalho de Feitoza (2013), pois a autora evidenciou casos de discriminação sofridos pelos egressos do Programa Especial, seja pela não possibilidade de assumir o cargo docente após aprovação em concurso público, seja pela matrícula recusada em curso de segunda licenciatura pelo candidato, egresso da Formação Pedagógica, não ser reconhecido como licenciado. Feitoza (2013) ainda identificou casos de preconceito vividos por professores dentro de escolas, pois foram menosprezados e tratados como inferiores pelos pares. Contudo, esses problemas foram desmistificados, seja na justiça, resolvendo os casos discriminatórios ao reconhecer os egressos como licenciados, seja na fala dos gestores educacionais, reconhecendo o engajamento e a qualidade pedagógica desses docentes, no seu trabalho cotidiano na escola, lecionando para os estudantes da educação básica.

A respeito da qualidade da Formação Pedagógica, na percepção de estudantes de um programa Especial de Belo Horizonte, Soares (2013) concluiu que “os alunos enumeraram inúmeros aspectos positivos em relação ao Programa, como: a qualidade do ensino ofertado; ampla e consistente formação acadêmica do corpo docente; a interação entre os saberes práticos e os teóricos, possibilitada, sobretudo, pelo Estágio Curricular” (p. 149). Nessa mesma direção, Ferrari Jr. (2018), tendo pesquisado um curso de Formação Pedagógica na modalidade a distância, identificou críticas ao sistema e ao modelo remoto. Contudo, o autor anotou, a respeito da qualidade educacional, enriquecimento dos saberes pedagógicos e no repertório de métodos didáticos - de acordo com os próprios entrevistados, todos professores em pleno exercício da docência. Nas conclusões, deixou registrado o seguinte:

Os professores relataram reflexos positivos proporcionados pelas atividades realizadas ao longo do curso em relação às práticas em sala de aula. Algumas delas envolveram o planejamento de suas ações, a busca por novas formas de avaliar os alunos, a intensificação da relação teoria-prática; por conseguinte, estimulou a reflexão sobre a atuação docente no contexto educacional da escola. Em geral, os participantes consideraram o curso de grande importância no que diz respeito às práticas, portanto, o que aprendem em um curso como o PEFP é significativo para promover mudanças em diversos aspectos na forma como ministram suas aulas.

(FERRARI JR., 2018, p. 97)

Não seria a crítica à qualidade também uma crítica ao currículo dos Programas Especiais e ao trabalho pedagógico8 de seus formadores? A respeito do currículo, vimos Matte (2015) investigando as reformulações da concepção de Didática dentro de um Programa, identificando um percurso de amadurecimento, preocupado em superar a visão tecnicista da profissão, afirmando que tal evolução: “[...] representou um ganho para a formação de seus professores, e que o mesmo pode ser orientador de novos percursos de outros programas e cursos de formação de professores no Brasil, em busca de soluções para a resolução de problemas desse ensino no presente” (p. 87). Já sobre o trabalho pedagógico dos professores formadores, Faria (2014) reconheceu o engajamento pleno com a formação docente, demonstrando uma preocupação além do ensino, com foco na formação para pesquisa, “abrindo um leque de possibilidades, entrosando-o com a prática da pesquisa; uma prática motivadora, preocupada em envolver os alunos ativamente nas atividades propostas em sala de aula” (p. 85).

Em síntese, de um lado, temos uma literatura sobre formação docente com severas críticas a respeito dos Programas Especiais de Formação Pedagógica, centradas em dois eixos principais: carga-horária insuficiente e qualidade formativa precária. Do outro, temos um inventário de dissertações, embora pequeno, que demonstram por meio de investigações sobre Programas Especiais específicos, no contato direto com seus envolvidos – estudantes, egressos, formadores, gestores escolares – o quanto tais críticas não encontram eco nas realidades pesquisadas. Isso, na verdade, apenas revela a necessidade de se continuar a produzir pesquisas sobre formação inicial e continuada de professores no Brasil, pois precariedade, baixa qualidade, engajamento e transformação são qualificadores possíveis para qualquer proposta formativa, não sendo exclusivos dos Programas Especiais de Formação de Professores, alvos de tantas maledicências.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, ocupamo-nos de produzir um mapeamento de teses e dissertações sobre os Programas Especiais de Formação de Professores, sendo os cursos de formação inicial e/ou continuada docente a partir da Resolução CNE no. 2/1997. Esses Programas foram criados para suprir a falta de professores na educação básica e/ou a falta de professores em exercício com diploma de nível superior. No entanto, como vimos com Freitas (2007), não há nada de especial – ou emergencial – na falta de professores para a Educação Básica, pois isso é um problema histórico, crônico e estrutural; isto é, faltam professores há muito tempo.

Nosso mapeamento identificou oito dissertações, todas com a seguinte característica: a Formação Pedagógica não foi pensada de forma geral, mas Programas Especiais específicos foram pesquisados, dando voz aos seus envolvidos, na qualidade de estudantes, egressos, formadores e até gestores – uma única dissertação (MATTE, 2015) desenvolveu um estudo documental, e, mesmo assim, foi complementado pela voz de uma professora considerada responsável pela implementação do referido curso. Todas as dissertações ofereceram elementos para refutar as severas críticas feitas na literatura sobre esse tipo de formação docente. As dissertações revelaram que a Formação Pedagógica é potencialmente um espaço de qualidade de formação de professores.

Vimos Remor (2015, p. 107), descreve o Programa Especial como “curso de formação inicial, área pedagógica, e de formação continuada, exatamente por contextualizar e atualizar o conhecimento específico para a docência”. Santos (2017) complementa essa descrição ao definir a Formação Pedagógica como “[...] uma introdução ao universo docente, uma vez que a formação do professor, de modo algum, se constitui estanque, muito pelo contrário, segue ao longo de toda a jornada profissional” (p. 69). Assim, longe de ter resolvido esse aparente conflito na área de formação de professores, percebemos o mapeamento das dissertações indicando algumas possibilidades, contrariando as críticas específicas – e ácidas – sobre a Formação Pedagógica.

Ao final, só nos resta destacar expectativas a respeito da Formação de Professores, um campo histórico de disputas, e os futuros reflexos advindos de uma BNC-Formação, aprovada e publicada no final de 2019, estando suas normativas ainda em análise pelas instituições formadoras para serem incorporadas em seus cursos de formação docente. Especificamente sobre a Formação Pedagógica, de caráter especial, segundo a Resolução no. 2/1997, depois de caráter emergencial e provisório pela revogada Resolução no. 2/2015, passa a ser qualificada como Formação Pedagógica para graduados não licenciados. Essa nomenclatura, sem qualquer referência à provisória, emergencial, transitória etc. parece indicar um reconhecimento a essa modalidade como lócus de formação docente, tal qual o mapeamento aqui produzido indica. Se isso vai efetivamente se configurar, somente pesquisas futuras poderão dizer.

4A busca foi realizada no site: https://catalogodeteses.capes.gov.br/, tendo sido realizados três acessos em maio de 2020.

5Trabalhos anteriores a 2012 não têm seus metadados disponíveis no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, portanto, nenhuma pesquisa defendida anteriormente aparece no mapeamento.

6Subtítulos foram omitidos para melhor formatação do quadro.

7A dissertação de Faria (2014) não tem a expressão educação profissional no título, porém menciona PEG/UFSM, a qual é a sigla para o Programa Especial de Graduação de Formação de Professores para a Educação Profissional – informação colhida em https://www.ufsm.br/cursos/graduacao/santa-maria/programa-especial-de-graduacao/, acesso em maio de 2020.

8“[...] propõe-se que o trabalho dos professores, ao selecionar, organizar, planejar, realizar, avaliar continuamente, acompanhar, produzir conhecimento e estabelecer interações, só possa ser entendido como trabalho pedagógico, imerso em um contexto capitalista, no qual a força de trabalho dos professores é organizada pelas relações de emprego e no qual os sujeitos agem em condições sociais, políticas. Entretanto, ainda que esteja imerso nas relações capitalistas, o trabalho pedagógico, por suas características, apresenta possibilidades de o sujeito trabalhador ir além, projetar-se no seu trabalho de modo a confundir-se e movimentar-se humanamente com ele, uma vez que uma matéria-prima é a linguagem” (FERREIRA, 2018, p. 605).

Revisão gramatical realizada por: Estela Carvalho.

E-mail:cantodaestela@yahoo.com.br

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Recebido: 01 de Setembro de 2020; Aceito: 03 de Abril de 2021

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