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ETD Educação Temática Digital

versión On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.3 Campinas jul./set 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i3.8667174 

RESENHA

CELEBRAÇÃO DE UM PERCURSO NO CAMPO DA PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO

CELEBRATION OF A JOURNEY IN THE FIELD OF PSYCHOANALYSIS AND EDUCATION

CELEBRACIÓN DE UNA TRAYECTORIA EN EL CAMPO DEL PSICOANÁLISIS Y LA EDUCACIÓN

Mônica Rahme1 

Marcelo Ricardo Pereira2 

1Doutora em Educação - Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo, SP - Brasil. Professora - Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG - Brasil. E-mail: monicarahme@hotmail.com

2Doutorado em Educação - pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP - Brasil. Brasil. Professor Titular - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG - Brasil. E-mail: marcelorip@hotmail.com

ROSADO, Janaina; PESSOA, Marcos. As abelhas não fazem fofoca:, estudos psicanalíticos no campo da educação. São Paulo: Instituto Langage, 2021. 320p.p.


RESUMO

Este texto apresenta uma análise crítica do livro “As abelhas não fazem fofoca: estudos psicanalíticos no campo da educação”.

PALAVRAS-CHAVE Educação; Psicanálise; Infância

ABSTRACT

This text presents a critical analysis of the book “Bees do not gossip: psychoanalylic studies in the field of education”.

KEYWORDS Education; Psychoanalysis; Childhood

RESUMEN

Este texto presenta un análisis crítico del libro “Las abejas no chismean: estudios psicoanalíticos en el campo de la educación”.

PALAVRAS-CLAVE Educación; Psicoanálisis; Infancia

A comemoração de uma trajetória de ensino e pesquisa dedicada à interface Psicanálise e Educação é o mote da publicação “As abelhas não fazem fofoca: estudos psicanalíticos no campo da educação”, que reúne trabalhos de quinze orientandos e coorientandos do professor Leandro de Lajonquière, escritos especialmente para a celebração do seu sexagésimo aniversário. Um texto apresenta a obra nas primeiras páginas da coletânea, seguido de um capítulo escrito pelo próprio homenageado, que aborda momentos decisivos de seu percurso na Argentina, no Brasil e na França, bem como contextos de referência de sua produção autoral.

Lajonquière, que atua na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e na Universidade de Paris 8 Vincennes St. Dennis, lecionou na Universidade Estadual de Campinas, na Universidade de Caen e conta com uma ampla circulação acadêmica em diferentes regiões argentinas, brasileiras e francesas, onde ocupa a posição de um incansável interlocutor, sempre disposto ao enfrentamento de ideias e ao franco debate. O conteúdo de sua obra marca a particularidade de um olhar arguto e inquietante frente à constituição de discursos (psico)pedagógicos direcionados à infância, que evidenciam a sua apropriação pela emergência de saberes especializados em torno do desenvolvimento infantil e seus supostos desvios, afetando de modo radical a posição da criança na família, na relação com os dispositivos psi e no percurso escolar. Diante das nomeações e vicissitudes atribuídas à infância neste contexto, a obra de Lajonquière interroga a ilusão (psico)pedagógica, o infantil, a docência, o sujeito na filiação simbólica, a partilha civilizatória, aportando vivacidade e sagacidade ao pensar. Além disso, suas publicações e intervenções no Brasil fizeram circular o trabalho da psicanalista francesa, Maud Mannoni, em especial no que diz respeito à Escola Experimental de Bonneuil-sur-Marne, tema de artigos, dossiês e orientações de trabalhos da Pós-Graduação (VOLTOLINI, 2018). Ao lado de Maria Cristina Machado Kupfer, fundou, em 1998, o Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância – LEPSI –, vinculado ao Instituto de Psicologia e à Faculdade de Educação da USP. O LEPSI constitui-se como um dos mais proeminentes Laboratórios de Psicanálise e Educação da América Latina, reunindo pesquisadores de diferentes universidades e regiões brasileiras, e estabelecendo parceria com a RED INTERUNIVERSITARIA INTERNACIONAL INFEIES: Estudios e investigaciones Psicoanalíticas e interdisciplinares en infancia e instituciones.

Nos aportes que marcam, como em uma teia, a produção intelectual do autor, encontramos ideias que inspiram os textos da coletânea e reverberam diferentes maneiras de lidar com o mal-entendido que atravessa as relações humanas. O contraponto à precisão comunicativa das abelhas, presente no título do livro, busca anunciar, assim, o mal-entendido estrutural, celebrado nas obras de Sigmund Freud e Jacques Lacan, a partir da introdução do inconsciente como dimensão que destitui o eu como senhor de sua própria casa (FREUD, 1976[1917]) e da concepção do inconsciente estruturado como uma linguagem (LACAN, 1988 [1953]).

A coletânea se divide em três eixos. O primeiro tem foco na questão da docência; o segundo discute a temática da inclusão escolar e o terceiro tem como tônica a linguagem. Os textos abordam diferentes dimensões da educação, estabelecem relações explícitas com formulações presentes na produção do homenageado, e fazem um cotejamento com observações próprias do contexto de pandemia e da cena política brasileira, marcada por frequentes instabilidades na República. Para o desenvolvimento destes aspectos, além da Psicanálise, os textos evidenciam uma articulação com noções do campo da Psicologia, da Filosofia, da Sociologia e da Sociolinguística.

O primeiro eixo, designado ‘Da docência’, é composto por sete capítulos. Neles, uma primeira questão que se apresenta é o modo como as reformas educacionais processadas em diferentes momentos da história do Brasil se mostram inoperantes para lidar com desafios estruturais vivenciados pelo País em termos políticos, sociais e econômicos. Neste cenário, a centralidade atribuída à tecnocracia ofusca os saberes e as práticas dos professores, além de marcar uma identidade docente expropriada de sua vitalidade e valor simbólico. Do mesmo modo, a priorização dos saberes dos especialistas em detrimento dos saberes docentes e a premência de uma lógica de atualização parecem deslocar para um plano secundário a valorização da posição do professor naquilo que a profissão tende a incorporar como marcas da tradição (ARENDT, 1972). Neste âmbito, o esvaziamento da palavra e a ausência do saber diante de situações que escapam ao controle do sujeito professor também são abordados como conjecturas que muito facilmente desorientam a prática docente e o ato educativo. Experiências docentes que rompem com lógicas autoritárias e hierarquizadas são analisadas como forma de favorecer a enunciação dos sujeitos, potencializando e ressignificando o exercício da profissão

Em relação ao acesso ao Ensino Superior, o eixo ‘Da docência’ apresenta uma análise sobre o acesso a esse nível de ensino no Brasil nas últimas décadas até a emergência de programas, como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), de 2001, e Universidade para Todos (PROUNI), de 2005. Compartilhando análises que indicam a ampliação do acesso ao Ensino Superior por diferentes extratos sociais, somos ainda convidados a refletir sobre um processo de mercantilização do Ensino Superior privado, sobretudo no que diz respeito às camadas populares, o que produz uma promessa não cumprida de ascensão social.

Por fim, o vínculo da escola com a Res Publica foi sublinhado, nesse eixo, em seu contraponto à educação familiar, possibilitando o encontro com semelhantes que, operando como pequenos outros, contribuem para o processo de constituição do sujeito.

A segunda parte, dedicada à temática ‘Da inclusão’, é composta por cinco capítulos que, de diferentes ângulos, significam e problematizam os diferentes sentidos que as políticas inclusivas aportam para o contexto educacional brasileiro. Sua relevância evidencia a priorização do sujeito em detrimento da padronização das nomeações e a busca de formulações que nos permitam identificar as demandas inclusivas considerando os significantes-mestre, que agenciam o laço social nos dias atuais.

Um primeiro conjunto de questões que referenciam os capítulos em torno ‘Da inclusão’ afirmam um posicionamento ético, já presentes no eixo anterior, de que os conhecimentos técnicos relativos à docência não devem estar acima do ato educativo assumido por um sujeito professor que se coloca na posição desejante. Desse modo, preceitos relacionados à homogeneização e à adaptação da criança considerada desviante frente a padrões previamente instituídos são questionados na medida em que se discute como, em um contexto declaradamente inclusivo, preceitos de uma ilusão (psico)pedagógica (LAJONQUIÈRE, 1999) são atualizados. Assim, perspectivas como a da adaptação curricular acabam referenciando a educação das crianças que apresentam alguma particularidade, enquadrando-as na lógica adaptativa, o que dificulta o seu reconhecimento como sujeitos de desejo. Tal movimento tende a empobrecer a experiência educativa pois, além de padronizar as possibilidades de aprendizagem do sujeito, esvazia o ato educativo do desejo de educar.

O enrijecimento dos currículos dos cursos de Licenciatura e a constante postergação da abordagem da temática da educação inclusiva na formação inicial de professores é uma dimensão analisada nesse tópico, do mesmo modo como se focalizou a necessidade de singularizar as experiências educativas e não nomear de modo anônimo os sujeitos, designando-os como materialização das categorias nosográficas. A presença maciça dos saberes especializados na formação de professores em relação aos alunos que apresentam necessidades especiais tende a esvaziar o ato educativo, como se os saberes dos professores não tivessem pertinência na educação desses sujeitos, ou mesmo no sentido de criar anteparos entre os estudantes e seus professores. A experiência da Escola Experimental de Bonneuil-sur-Marne é aqui retomada para expressar a relevância da implicação subjetiva do professor no ato educativo e a importância de que as instituições educativas se pensem como lugares de vida.

Por fim, o eixo ‘Da inclusão’ elenca contribuições da Psicanálise para a discussão do acompanhamento escolar de crianças autistas. Considerando a perspectiva psicanalítica de abordagem do autismo, para a qual é preciso partir dos focos de interesse do sujeito para construir proposições educativas, são analisados dados do percurso de escolarização de uma criança autista em momento de alfabetização. A partir da apresentação do caso, somos convidados a pensar na presença do acompanhante escolar como alguém que se encontra em uma posição estratégica para mediar a relação pedagógica, fazendo articulações entre os focos de interesse do sujeito, a intervenção pedagógica e o saber escolar.

A terceira parte da coletânea se intitula ‘Da Linguagem’ e é composta por três capítulos. Os textos abordam diferentes dimensões da linguagem, para discutir questões que afetam diretamente o campo da Psicanálise, como, dentre outros, o entrelaçamento inconsciente, o grande Outro, o circuito pulsional e a constituição do sujeito. Nesse sentido, a referência à história de Santo Ambrósio rememora o poder da palavra que banha o infans no tesouro dos significantes, lançando-o a inúmeras significações que podem constituir um caminho de vida.

O mal-entendido estrutural e o indizível que o real do corpo materializa marcam contribuições da Psicanálise para se pensar a experiência humana da linguagem e seus efeitos discursivos.

Por último, a abordagem da interface lalangue (LACAN, 1973) e língua materna confere a esse tópico uma contribuição de destaque, na medida em que permite refletir sobre a condição de estrangeiro que afeta os humanos frente à marca do inconsciente e diante dos (im)passes que a filiação e as territorialidades provocam no ‘ex-sistir’. Permite, assim, uma interlocução pungente acerca do ensino de línguas (maternas e estrangeiras) na escola, bem como sobre a função da instituição em contextos nos quais se evidenciam tensões em torno de movimentos migratórios e das línguas ditas minoritárias.

As abelhas, reconhecidas por suas formas de organização e sua capacidade comunicativa, são convocadas para nos fazer recordar da distância que guardam em relação aos humanos, estrangeiros de si mesmos e demandantes de acolhimento (KRISTEVA, 1988), nos diferentes espaços que perfazem a cena pública.

Revisão gramatical realizada por: Elizete Munhoz Ribeiro.

E-mail:elizetemunhoz@yahoo.com.br

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A crise na educação: entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 221-247. [ Links ]

FREUD, Sigmund. Introdução. In: FREUD, Sigmund. Conferências introdutórias sobre psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1976 [1917]. p. 27-37. [ Links ]

KRISTEVA, Julia. Étrangers à nous-mêmes. Paris: Gallimard, 1988. [ Links ]

LACAN, Jacques. Função de campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: LACAN, Jacques. Escritos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1988 [1953]. p. 101-187. [ Links ]

LACAN, Jacques. L’etourdit. Scilicet. 4, p. 5-52, 1973. [ Links ]

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Infância e ilusão (psico) pedagógica. escritos de psicanálise e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. [ Links ]

VOLTOLINI, Rinaldo. Psicanálise e Formação docente. In: VOLTOLINI, Rinaldo. Psicanálise e formação de professores. antiformação docente. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 19-108. [ Links ]

Recebido: 11 de Outubro de 2021; Aceito: 22 de Maio de 2022

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