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ETD Educação Temática Digital

On-line version ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.4 Campinas Oct./Dec 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i4.8671673 

APRESENTAÇÃO

EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS: RETROSPECTIVAS, PRÁTICAS E PERSPECTIVAS

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado1 

Regina Maria de Souza2 

José Raimundo Rodrigues1 

1UFES

2UNICAMP


Em tempos de discussão acerca da educação bilíngue de surdos como modalidade, no presente dossiê nossas lentes foram dirigidas a experiências realizadas por países distintos, com o cuidado de elegermos pesquisadores de referência no campo da História da Educação, subárea História da Educação de Surdos. Tal iniciativa se vinculou à disciplina de pós-graduação FE 190 C Seminário Internacional em História da Educação: memórias da Educação de Surdos compartilhada com a Universidade Federal do Espírito Santo (cujo código da disciplina é: PPGE-5303), sob coordenação da professora Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado e o apoio inestimável do doutorando José Raimundo Rodrigues, também da UFES e orientando de Lucyenne.

Ao elaborarmos a proposta do curso, consideramos, em parte, os autores internacionais que participaram da disciplina (embora com siglas distintas de suas universidades). Feito os convites, consideramos as possibilidades de escrita desses colegas. Da mesma forma, incluímos pesquisadores surdos. O número de artigos era limitado: então, tentamos equilibrar a presença de surdos e ouvintes. Portanto, o presente dossiê articula ensino de pós-graduação e pesquisa, participando do necessário processo de internacionalização dos conhecimentos, pois promove o diálogo e o compartilhamento de soluções frente aos enormes desafios que, ainda se tem, de escutar as demandas de uma população de surdos que têm a língua de sinais de seu país como lastro estrutural da construção de sua subjetividade e do desenvolvimento do rico sentimento de que não estão sozinhos.

Foram cinco países em que demos escuta a colegas estrangeiros: boa parte participaram desse dossiê, todavia, a playlist da disciplina, com todos os convidados encontra- se em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLq0Y1lq_9Aj-9N_PNC18bSmZf9Y6JUg6T.

Por isso, este dossiê é potente e nos faz perguntar se este movimento de diálogos produz um ritornelo de escuta das práticas e desafios, encontrados em outros países, ou se abre, como tivemos certeza desde o início, para novas perspectivas e quais poderiam ser para o futuro, no momento histórico em que vivemos em nossos países e, porque não dizer, no mundo, onde se consolida cada vez mais a meritocracia, o individualismo, a polarização e a difícil acolhida às singularidades, como tais; acolhida essa negada por discriminação e racismo sutis (em geral, apelando-se para falta de verbas para a contemplação de acessibilidade).

Tendo em vista as questões abordadas, objetivamos com este dossiê problematizar os saberes e as discursividades que nos possibilitem a partir de retrospectivas, oferecer elementos para práticas de resistência que não sejam reformas, mas, de fato, que rompam com as variações de práticas já organizadas no passado. A proposta é que os artigos criem espaços de problematizações que abram possibilidades de exploração para que se efetive a educação bilíngue de surdos não como um bilinguismo de transição, de caráter meramente instrumental. Para isso, esse dossiê nos convida a analisar as perspectivas de avanços no campo da educação de surdos e das políticas atuais locais e globais, considerando também, além das práticas escolares, aspectos afetivos, culturais sem perder de vista a constituição do sujeito singular.

Há exatos vinte anos, no Brasil, a partir da Lei 10.436/2002, os surdos vêem a Libras sendo reconhecida como meio de comunicação legal, o que consideramos um marco importantíssimo nas políticas públicas bilíngues voltadas para os surdos brasileiros. E com o decreto 5.626/2005 vimos avançar as conquistas surdas para que um saber especializado focado nas línguas surdas e um saber dos próprios surdos tomasse espaço na academia. Assim, este dossiê reúne artigos de diferentes pesquisas, não apenas nas universidades brasileiras, mas também de diferentes grupos de pesquisas em diferentes países, tanto de surdos quanto de ouvintes.

Podemos afirmar que hoje temos um campo de estudo consolidado de pesquisas desenvolvidas em diferentes grupos cadastrados acerca da Libras e dos saberes surdos. E é exatamente por isso que hoje conseguimos a participação e colaboração de diferentes pesquisadores, nacionais e estrangeiros, interessados em contribuir com um texto divulgando a sua pesquisa ou suas reflexões teóricas.

Os artigos aqui articulados partem da premissa de que a surdez é uma materialidade onde saberes de diferentes naturezas se inscrevem. Os saberes produzidos perfilam realidades onde podemos entender a surdez como diferença e potência. Por isso, cada artigo com seu objetivo específico compõe esse mosaico de discussões riquíssimas acerca da surdez. Cada autora, cada autor apresenta sua perspectiva dentro dessa premissa.

Iniciamos com texto intitulado “Reflexões sobre educação dos surdos em nossa contemporaneidade: a Libras como língua da escola” em que Lucyenne Matos da Costa Vieira- Machado juntamente com José Raimundo Rodrigues e Daniel Junqueira Carvalho discutem a educação bilíngue desde a perspectiva de um “desejo de realidade” que nos indaga sobre a Libras como uma língua emancipadora ou alienante. O que podemos pensar sobre a Libras como língua da escola?

Flaviane Reis e Marisa Dias Lima refletem sobre “Educação bilíngue de surdos na LDB: uma nova conquista do movimento surdo”. Um olhar retrospectivo nos insere no contexto de toda a luta encampada pela comunidade surda para se pensar uma proposta de educação bilíngue que culmina na proposição da Lei 14.191/2021 que demandará uma série de mudanças nas práticas educacionais tendo em vista assegurar uma educação de qualidade para os surdos.

A questão da educação bilíngue, talvez recente para nós, é uma temática que deita suas raízes na história da educação de surdos. Andrea Benvenuto e Fabrice Bertin, com suas pesquisas na França, consideraram documentos históricos retomando um personagem pouco conhecido que pode contribuir na problematização do que ainda nos desafia: o primeiro professor bilíngue ouvinte da história conhecida, chamado Auguste Bébian. O artigo, escrito por Andrea e Fabrice, “ Língua de sinais e ensino bilíngue: Simples escolha linguística e

pedagógica? A lição de Auguste Bébian é um mergulho no passado da história da educação de surdos, despertando-nos para colocar em suspenso algumas verdades muito repetidas.

Regina Maria de Souza, Fábio Bezerra de Brito e Cristina Gil nos apresentam o “Projeto de colônia agrícola de surdos: uma surdotopia no século XIX francês?”. O desejo dos surdos de constituírem uma comunidade em que se sentissem plenamente acolhidos e em profunda vivência igualitária parece delinear-se há muitos anos, tendo em Joseph Theobald, um dos quatro surdos que esteve em Milão (1880), uma proposta incipiente que aponta para uma surdotopia, conceito criado recentemente por Cristina Gil, pesquisadora portuguesa. A surdotopia é uma ferramenta conceitual importante para entendermos as raízes afetivas, culturais e políticas de grupos de surdos de viverem em uma comunidade apenas para eles. Este desejo também se estende a outras comunidades atualmente, como a de grupos de idosos, aposentados ou desiludidos com as tensões das sociedades. Entretanto, a ideia de criação de comunidades utópicas é resgatada pelo professor Fábio Bezerra, que nos mostra que já circulava entre os séculos XVIII e XIX.

Ao se pensar Educação Bilíngue para surdos, muito facilmente, recordamo-nos da Libras, mas existem outras línguas de sinais coexistindo em nosso território brasileiro. João Carlos Gomes e Shirley Vilhalva debatem sobre “Epistemologia Azuis das línguas de sinais indígenas”, proporcionando-nos compreender a complexidade do que são línguas minoritárias em constante processo de transformação.

Alejandro Oviedo, venezuelano de nascimento e - atualmente - pesquisador de universidade alemã, em seu artigo “A implementação do modelo bilíngue nas escolas venezuelanas para surdos (1985 - 1996) com um processo de planejamento linguístico” oferece-nos uma reflexão sobre o desenvolvimento e aplicação de uma proposta de educação bilíngue. Oviedo explicita o resultado de sua pesquisa com diferentes entrevistados, compondo um cenário que pode nos ser provocador ao considerarmos que também ainda tateamos formas de bilinguismos.

A partir de outro ponto da América do Sul, encontramos nas “Considerações sobre a educação bilíngue para a comunidade surda no Uruguai” de Leonardo Peluso, pesquisador uruguaio, um desafio a romper com a tradicional estrutura escriturocêntrica e abrirmo-nos a uma proposta pluriletrada e intercultural na educação de surdos. O autor parte do pressuposto de que a comunidade surda, como todas existentes, está inserida no mundo globalizado, estabelecendo contato com línguas nacionais, regionais e globais, tanto de sinais quanto orais. Além disso, aposta que há várias formas de escrita para além da alfabética: pode ser por vídeos, fotos e pouca escrita, dentre outras decorrentes dos avanços tecnológicos.

Por fim, Maria Tagarelli De Monte, da Itália, discute sobre “Life after school: d/deaf education and lifelong learning in Italy”. A autora faz breve retrospecto da educação de surdos em seu país para nos apresentar as diferenças na formação de surdos de diversas gerações e como isso impacta diretamente na vivência atual. Toca-se, pois, na questão do ensino-aprendizagem destinado a surdos e sua relação com a sociedade.

Nossos agradecimentos aos autores desse dossiê por suas contribuições num campo ainda novo em nosso país. Aos leitores confiamos um material cujo ineditismo e densidade teórica nos convocam a refletir mais e mais sobre o que queremos quando falamos em “educação bilíngue” para surdos.

Referência

BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 10 fev. [ Links ]

LARROSA, Jorge. Desejo de realidade-experiência e alteridade na investigação educativa. In: BORBA, Siomara; KOHAN, Walter (Org.). Filosofia, aprendizagem, experiência. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2008. [ Links ]

MASSCHELEIN, Jan; SIMON, Maarten. A língua da escola: alienante ou emancipadora? In: LARROSA, Jorge. Elogio da escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. [ Links ]

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