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ETD Educação Temática Digital

On-line version ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.24 no.4 Campinas Oct./Dec 2022

https://doi.org/10.20396/etd.v24i4.8661570 

DOSSIÊ

GESTÃO PARA RESULTADOS E CONTROLE DO TRABALHO DOCENTE NA POLÍTICA EDUCACIONAL PAULISTA (2011-2014)1

RESULT MANAGEMENT AND CONTROL OF THE TEACHING WORK IN SÃO PAULO EDUCATIONAL POLICY (2011-2014)

GESTIÓN POR RESULTADOS Y CONTROL DEL TRABAJO DOCENTE EN LA POLÍTICA EDUCATIVA PAULISTA (2011-2014)

Márcia Aparecida Jacomini2 

Eliane da Costa Bruini3 

Caio Cabral da Silva4 

2Doutora em Educação - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP - Brasil. Professora do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP - Brasil. E-mail: jacominimarcia@gmail.com

3Mestranda em Educação - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP - Brasil. E-mail: liabruini@gmail.com

4Doutorando em Educação - Universidade Federal de São Paulo. (UNIFESP). São Paulo, SP - Brasil. E-mail: cabralcaio@gmail.com


RESUMO

Neste artigo investigamos a política educacional da rede estadual paulista na gestão 2011-2014, com foco no Programa Educação: Compromisso de São Paulo (PECSP), verificando se houve aprofundamento da visão gerencialista que orientou a gestão da educação no Estado desde meados dos anos de 1990. Para tal, foi realizado estudo documental e levantamento de bibliografia relativa ao tema. O conceito de Estado integral de Antonio Gramsci e a análise de políticas públicas orientaram o exame do processo de formulação e o conteúdo da política educacional. Constatamos que houve intensificação da implantação da gestão gerencial na educação paulista, expressada pela participação de instituições privadas vinculadas ao capital no delineamento de um conjunto de medidas. Estas foram configurando formas de gestão do sistema e da escola que exigem do diretor escolar um alinhamento cada vez maior às políticas oficiais e aos mecanismos de controle do trabalho docente e de gestão, que dificultam a efetivação da participação da comunidade e se distanciam do princípio constitucional da gestão democrática.

PALAVRAS-CHAVE Política educacional; Sistema de ensino do Estado de São Paulo; Programa Educação: Compromisso de São Paulo; Gestão educacional; Trabalho docente

ABSTRACT

In this paper we investigate the educational policy of the State of São Paulo in the 2011-2014 administration, focusing on the São Paulo Educational Commitment Program (PECSP), verifying if there was a deepening of the managerialist vision that has guided the management of São Paulo education since the mid-1990s. To this end, a documentary study and bibliography survey related to the theme were carried out. Antonio Gramsci’s concept of integral State and the analysis of public policies guided the examination of the formulation process and the content of educational policy. We note that there was an intensification of the implementation of management in São Paulo education, which is expressed in the participation of private institutions linked to capital in the design of a set of measures, which were configuring forms of system and school management that require the school principal to align increasing to official policies and mechanisms for controlling teaching and management work that hinder the effective participation of the Community and distance themselves from the constitutional principle of democratic management.

KEYWORDS Educational policy; São Paulo State education network; São Paulo Education Commitment Program; Educational management; Teaching work

RESUMEN

En este artículo investigamos la política educativa en la red pública de São Paulo en la gestión 2011-2014, con foco en el Programa Educación: Compromiso de São Paulo (PECSP), verificando si hubo una profundización de los principios gerencialistas que predominó en la gestión de la educación paulista desde el medio de los años 1990. Para ello se realizó estudio documental y bibliográfico relacionado con el tema. El concepto de Estado integral de Antonio Gramsci y el análisis de las políticas públicas guiaron el examen del proceso de formulación y el contenido de la política educativa. Observamos intensificación de la gestión gerencial en la educación , expresa en participación de instituciones privadas vinculadas al capital en el diseño del conjunto de medidas que fueron configurando nuevas formas de gestión del sistema y de la escuela, requiriendo del director de escuela un alineamiento mayor a las políticas gerenciales y a los mecanismos del control del trabajo docente que dificultan la participación efectiva de la comunidad y que se alejan del principio constitucional de la gestión democrática.

PALABRAS CLAVE Políticas educativas; Sistema educativo del Estado de São Paulo; Programa Educación Compromiso de São Paulo; Gestión educativa; Trabajo docente

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo analisamos a política educacional da rede estadual paulista na gestão 2011-2014, com foco no Programa Educação: Compromisso de São Paulo (PECSP). O governador na época era Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Para o cargo de secretário de Educação foi nomeado Herman Voorwald, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que permaneceu no cargo até dezembro de 2015, quando foi demitido devido à crise provocada pelas ocupações de escolas como forma de resistência dos estudantes à reorganização da rede, que previa o fechamento de quase uma centena de unidades5.

Nosso objetivo é analisar o PECSP e verificar se houve um aprofundamento da visão gerencialista que vinha orientando a gestão da educação paulista desde meados dos anos de 1990, com especial atenção à participação do setor empresarial na definição e na implantação das políticas educativas e à adoção de formas de controle do trabalho docente. O referencial teórico-metodológico utilizado é a análise de políticas públicas, por meio do estudo de fontes documentais e bibliográficas (LAKATOS; MARCONI, 2001). A política educacional foi analisada sob dois aspectos: o processo de construção da agenda e de formulação do PECSP, considerando os sujeitos implicados no processo e o conteúdo da política, com base nos cinco pilares do PECSP.

No marco da Reforma dos anos de 1990, o conceito gerencial foi incorporado à administração pública redefinindo as funções do Estado. Na conjunção paulista, tais mudanças significaram o estreitamento da relação público-privada e a introdução de práticas empresariais de gestão na prestação de serviços, a exemplo da educação.

Segundo o novo modelo de gestão, a rede do Estado de São Paulo foi incumbida de buscar recursos na sociedade civil por meio dos projetos promovidos pelos governos estaduais na modalidade de parceria escola-empresa, tais como os projetos Escola em Parceria (Covas – PSDB, 1995-1998; Alckmin – PSDB, desde 2001) e Empresa Educadora (Alckmin – PSDB, desde 2005), estimulando o interesse do setor privado pela educação pública.

Na oportunidade do projeto Empresa Educadora, um grupo de empresários se organizou nos termos jurídicos de uma associação e fixou presença na rede paulista. Esse grupo é composto por pessoas físicas e jurídicas articuladas pela Associação Parceiros da Educação (APE)6. As principais ações do grupo, entre os anos de 2006 e 2010, referem-se ao custeio de atividades educacionais e de melhorias no âmbito da gestão escolar no projeto Empresa Educadora. Em 2011, a APE se tornou apoio especializado da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP)7 e assumiu os processos do PECSP, viabilizando a contração do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE)8 para a concepção da gestão pedagógica do programa. Desse modo, o setor privado calçou as bases da política, introduzindo modelos e formatos gerenciais, numa lógica de resultados que incide diretamente sobre a organização do tempo e do espaço escolar e do controle do trabalho docente.

Para uma melhor compreensão da política educacional paulista no período de 2011- 2014 é importante verificar, em linhas gerais, o que vinha sendo desenvolvido no período anterior, tomando como referência o ano de 1995, quando teve início o primeiro de uma sequência de sete mandatos consecutivos do PSDB no governo do Estado de São Paulo.

Em certa medida, resguardadas as especificidades das diferentes gestões da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pode-se dizer que os governos vinham desenvolvendo o projeto de política educacional do PSDB, que tem como orientação geral os pressupostos da Nova Gestão Pública. Entre as principais medidas implantadas no período entre 1995 e 2010 estão: a reorganização da rede de ensino e a municipalização, especialmente dos anos iniciais do Ensino Fundamental; a organização do Ensino Fundamental em ciclos e a progressão continuada; o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp); o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp); o Currículo Oficial do Estado de São Paulo, por meio do Programa São Paulo faz Escola; a reformulação do bônus salarial ao magistério, com base nos resultados dos estudantes no Saresp e no Idesp das escolas; além de programas de abrangência restrita, a exemplo do Programa Escola da Família, e outros projetos e programas com menor impacto na organização e no funcionamento da rede de ensino.

Nesse contexto, apesar de reconhecer méritos na política educacional anterior e com a pretensão de colocar a educação paulista entre as melhores do mundo, a gestão 2011-2014 considerou fundamental realizar uma reestruturação da SEE-SP e implantar um conjunto de medidas que trouxesse maior eficiência e eficácia à gestão educacional, através do estabelecimento de parcerias público-privadas. Esperava-se que, com essas medidas, o desempenho dos estudantes nas avaliações externas, nacional e estadual, alcançasse os índices projetados pelo Idesp e pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Na avaliação da equipe que assumiu a Secretaria em 2011, isso não estava ocorrendo a contento e o desempenho dos estudantes nas avaliações externas continuava aquém do projetado e desejado9, embora houvesse, desde meados dos anos 2000, uma gestão do sistema e da escola com foco em resultados – feita por meio da adoção de formas de controle do trabalho docente, do bônus salarial e do currículo centralizado.

Segundo palavras de Herman Voorwald (2017), é nesse cenário que surge o programa Educação: Compromisso de São Paulo, resultado do esforço integrado entre governo, sociedade civil e associações/ONGs, parceiras na busca por qualidade na educação básica” (p. 49). Delineava-se, assim, o caminho que a SEE-SP escolheria para enfrentar o desafio de melhorar a qualidade da educação, mais precisamente o desempenho dos estudantes nas avaliações externas, principal parâmetro de verificação da qualidade da educação escolar adotado por ela. No final do primeiro ano de mandato, em dezembro de 2011, o governo do Estado de São Paulo implantou o PECSP pelo Decreto n° 57.571/2011 (SÃO PAULO, 2011). De acordo com a SEE-SP, o Programa contribuiria para elevar o ensino paulista ao nível dos melhores sistemas educacionais do mundo e valorizaria a carreira docente, de forma a torná- la uma das mais atrativas do país.

Nessa direção, as estratégias do PECSP assentavam-se em cinco pilares, assim enunciados: 1) valorização do capital humano; 2) gestão pedagógica com foco no aluno; 3) Educação Integral; 4) gestão organizacional e financeira; e 5) mobilização e engajamento da rede e da sociedade em torno do processo ensino-aprendizagem. A classificação do programa em pilares ou subprogramas é de ordem teórica, as áreas relacionam-se entre si e não se separam na prática. Sendo assim, neste artigo, as referências aos pilares seguem o processo analítico e não a ordem estabelecida numericamente nos documentos oficiais.

São as medidas adotadas neste período e suas influências na gestão da rede estadual de ensino que serão analisadas neste artigo que está organizado em dois tópicos, além desta introdução e das considerações finais. Apresentamos brevemente o referencial teórico que orientou nossa investigação no que se refere à elaboração e ao conteúdo do PECSP, seguido de uma análise da política educacional com base nos cinco pilares do programa.

2 ESTADO E ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A análise de políticas públicas, considerando a construção da agenda e a formulação e implantação de projetos e programas, requer entendimento sobre a ação estatal. Considerando que as relações entre Estado, em sentido restrito, e sociedade civil são fundamentais para a compreensão das políticas públicas para a educação, buscou-se no conceito de Estado Integral, de Antonio Gramsci (2012), um referencial teórico para investigar como diferentes instituições da sociedade civil, especialmente aquelas vinculadas ao capital, têm influenciado as políticas educacionais na rede estadual paulista.

Nos termos apresentados por Di Giovanni (2009), as políticas públicas resultam das relações entre o Estado e a sociedade num sentido amplo, que envolve também as lutas no campo econômico. Ou seja, numa sociedade dividida em classes, organizada em distintas frações (POULANTZAS, 2000), a compreensão das políticas públicas não pode prescindir do entendimento dos conflitos entre capital e trabalho, que se manifestam no nível de antagonismos que permeiam a sociedade na disputa pelo conteúdo dessas políticas. Nesse sentido, a racionalidade dos processos decisórios é mais resultado de equilíbrios conjunturais, que se formam quando a correlação de forças se torna favorável a uma das tendências políticas e ideológicas em disputa, do que propriamente a expressão de um entendimento comum sobre determinadas necessidades sociais que merecem a intervenção do Estado por meio das políticas públicas.

Dessa forma, a análise das políticas públicas deve considerar o atual momento de desenvolvimento e crise do capitalismo, no qual o capital financeiro tem papel importante nos arranjos da estrutura e da superestrutura da sociedade, sem perder de vista a forte articulação entre os distintos capitais na conformação das grandes corporações (DOWBOR, 2018) e do neoliberalismo como sistema normativo, que tem colonizado todas as esferas da vida (DARDOT; LAVAL, 2016) e imposto uma ruptura com a sociabilidade respaldada nos pressupostos do Estado de bem estar social, seja na versão clássica europeia ou na versão brasileira inscrita na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

O conceito de Estado Integral implica a articulação entre os elementos coercitivos, característicos da sociedade política e a persuasão – convencimento – que é predominante na sociedade civil, e é sintetizado na fórmula Estado = sociedade política + sociedade civil (GRAMSCI, 2014a, Q. 6, § 88). Com isso, Gramsci indica que há uma relação de unidade e distinção entre sociedade política e sociedade civil, visto que a distinção entre elas é metódica e não orgânica (LIGUORI, 2017).

O Estado, tido como instrumento de dominação de classe e como lugar de luta hegemônica, permite que na análise das políticas públicas sejam consideradas não apenas as ideologias, as políticas e as ações da sociedade política, mais especificamente do governo, mas, também, as das organizações da sociedade civil, o que favorece verificar quais setores são privilegiados, assim como o nível de participação e democracia dos processos.

Nesse contexto, faz-se importante investigar a participação dos intelectuais orgânicos (GRAMSCI, 2014b, Q. 12, § 1) e coletivos das distintas classes e frações de classes na disputa por concepções de educação e de processos de escolarização da população, tendo em vista o papel que eles cumprem na manutenção e no questionamento das ideologias dominantes (GRAMSCI, 2014a, Q. 11, § 12). Para as análises da política educacional paulista, objeto de estudo da pesquisa, interessa a compreensão de que:

O Estado constitui também o terreno do conflito de classe, é, ao mesmo tempo, instrumento (de uma classe), mas também lugar (de luta hegemônica) e processo (de unificação das classes dirigentes). Isto é, não deve ser esquecido que, sendo Estado integral atravessado pela luta de hegemonia, a classe subalterna luta para manter a própria autonomia e, às vezes, para construir uma própria hegemonia, alternativa àquela dominante, disputando com a classe no poder as “trincheiras” e “casamatas” pelas quais se propagam ideologia e senso comum.

(LIGUORI, 2017, p. 263)

Dessa forma, para compreender os caminhos da ação estatal na implantação de políticas públicas, tem-se buscado cada vez mais a identificação das agências e sujeitos participantes do processo, os mecanismos e os critérios por eles utilizados, as inter-relações existentes e a identificação de quais variáveis interferem no processo de tomada de decisão relativa às políticas públicas.

3 POLÍTICA EDUCACIONAL NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE SÃO PAULO NO PERÍODO DE 2011-2014

A construção da agenda educacional na gestão 2011-2014 combinou inicialmente um processo de consulta aos profissionais de educação da rede estadual de ensino com o estabelecimento de parcerias da SEE-SP com instituições privadas organizadas e financiadas por representantes do capital, a exemplo da APE e do ICE, tanto no processo de elaboração do PECSP, quanto de sua implantação, conforme expresso no Processo Administrativo SEE n. 2.737/000/201410, correspondente ao convênio pactuado entre a SEE-SP e a APE em 2014.

Embora a formalização do convênio supracitado forje uma dinâmica recente estabelecida entre a SEE-SP e a APE, a parceria é mais antiga e remete à Resolução SE n. 24/200511, que dispõe sobre a participação de organizações da sociedade civil nas escolas por meio das Associações de Pais e Mestres (APM). O elo é representado pela figura do Sr. Jair Ribeiro, fundador da APE (2004), sócio e diretor da empresa Sertrading S/A (2005) e do Banco Indusval & Partners (2011) e membro do Conselho Estadual de Educação (2013), que já realizava, no ano de 2005, ações diretas na rede. Designada no Processo Administrativo como um tipo de apoio especializado e vinculado às macroestratégias do PECSP, a APE opera desde 2011 nos esforços de execução do Programa e conduz a atuação do ICE – principalmente na implantação do Programa Ensino Integral (PEI) – a partir de 2012, modificando significativamente as práticas pedagógicas e o regime de trabalho do quadro de magistério no direcionamento de uma gestão para resultados.

Uma análise do quinto pilar do PECSP – Mobilização e Engajamento da Rede e da Sociedade em Torno do Processo de Ensino e Aprendizagem – permite compreender a atuação da SEE-SP no que se refere à mobilização da rede de ensino e da sociedade nos processos de elaboração e implantação do Programa. Com a intenção declarada de não apenas comunicar, mas corresponsabilizar a sociedade civil na melhoria do ensino da rede paulista por meio do PECSP, a SEE-SP informou em seu site oficial a criação de canais em redes sociais (Twitter, Facebook e Youtube):

O programa Educação Compromisso de São Paulo tem como foco a mobilização de famílias, associações, sindicatos, empresas e da sociedade em geral não só no acompanhamento dessa iniciativa, mas também na conscientização de que a melhoria do ensino não é responsabilidade exclusiva do Poder Público, pois ela depende de todos12.

Em relação à mobilização de associações e sindicatos vinculados aos profissionais da educação, não foram encontrados indícios de atividades que configurassem a participação dessas entidades na discussão e elaboração do PECSP.

No que diz respeito à mobilização das famílias, quando da assinatura do Decreto n° 57.571/2011 (SÃO PAULO, 2011), o governo realizou um grande evento para lançar o Programa no Teatro Sérgio Cardoso em São Paulo13. De acordo com informação disponível no site do PSDB, no dia 06/11/2011 houve uma “ação preliminar [com] a participação de 185 mil pais de alunos em 1.934 escolas de todo o estado [...]. Os familiares contribuíram com 95 mil sugestões que já estão sendo utilizadas como subsídio para o programa”. Texto idêntico foi encontrado no site da Secretaria de Educação, denotando que o PSDB tinha a prática de informar ações da SEE-SP em seu site. Com o título “Pais empenhados em acompanhar a rotina dos filhos são essenciais para a qualidade de ensino”, a SEE-SP divulgou uma série de notícias sobre o envolvimento de pais e responsáveis pelos estudantes no PECSP.

Contudo, uma análise mais detida das informações divulgadas pela SEE-SP corrobora a suposição de que a participação das escolas a qual o governo se refere, concentra-se essencialmente naquelas que desenvolviam o Programa Escola da Família, sem necessariamente ter mobilizado efetivamente o conjunto da rede de ensino por meio de reflexões, discussões e proposições sobre a educação paulista.

A premissa do quinto e último pilar é o engajamento de toda a sociedade para a promoção de uma educação de qualidade. Com essa finalidade, o programa Escola da Família, presente em 2,3 mil escolas estaduais14, foi uma das ferramentas utilizadas para receber pais e comunidade dentro das unidades de ensino15.

Mais do que uma participação propositiva da comunidade escolar, o que se observou foram atividades que serviram, principalmente, para a SEE-SP apresentar o PECSP. Nesse sentido, o protagonismo da sociedade civil na elaboração da proposta foi essencialmente das instituições privadas.

Um exemplo disso é a participação dessas organizações no Conselho Consultivo do Programa e na Câmara Técnica de Acompanhamento, que integram o PECSP16, cujos membros da sociedade civil são empresários e representantes do setor empresarial, a saber: Jair Ribeiro (Sertrading/Banco Indusval & Partner/Parceiros da Educação); Ana Maria Diniz (Instituto Península/Parceiros da Educação); Fábio Barbosa (Abril Educação/Todos pela Educação); Antonio Matias (Fundação Itaú Social); Bernardo Grandin (Inspirare); Carlos Jereissati (Iguatemi Empresas de Shopping Centers/Parceiros da Educação); Wanda Engel (então superintendente-executiva do Instituto Unibanco); Fernão Bracher (Itaú BBA/Parceiros da Educação); Guilherme Leal (Instituto Natura); e Denise Aguiar (Fundação Bradesco/Parceiros da Educação).

Registram-se, ainda, iniciativas de mobilização de empresas, sob o título “Estado e Sociedade Firmam Compromisso Pela Educação”, para a elaboração do PECSP, divulgadas no site oficial do PSDB em parceria com diversas organizações, tais como: Instituto Natura, Fundação Victor Civita, Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Comunidade Educativa Cedac, Instituto Hedging-Griffo, Fundação Itaú Social, Tellus, Parceiros da Educação, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Instituto Península, Fundação Arymax e McKinsey & Company. A Associação Parceiros da Educação17 divulgou em seu site a seguinte informação:

Em 2011, esse envolvimento da Parceiros com a política pública nos levou, em conjunto com outras 15 organizações da sociedade civil, a apoiar a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo no desenvolvimento e implementação de um Plano de Estado para promovermos um salto de qualidade na educação pública do Estado: o Programa Educação Compromisso de São Paulo.

Portanto, as ações relativas ao quinto pilar do PECSP, que afirmam o engajamento da sociedade para a promoção de uma educação de qualidade, tiveram foco principal nas parcerias com o setor privado, em um processo no qual distintas instituições influenciaram a elaboração da política educacional. Em que pese a participação das famílias, não houve de fato uma mobilização da comunidade educacional em torno da proposta. Isso fica claro na ausência de diálogo com as entidades sindicais que representam o conjunto dos profissionais da educação da rede estadual de ensino.

A participação dessas instituições da sociedade civil na formulação da política educacional impulsionou a necessidade de uma reestruturação da SEE-SP, apresentada no quarto pilar – Gestão Organizacional e Financeira –, considerado pela Secretaria como ponto central do PECSP. Tendo em vista que a reforma marcava o esforço centralizador da SEE-SP, foram criadas distintas coordenadorias e o Comitê de Políticas Educacionais (CPE), do qual participam organizações da sociedade civil (SÃO PAULO, 2011).

Embora a reforma da SEE-SP tenha sido realizada de forma paulatina na gestão 2011-2014, o estudo, realizado pela extinta Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), que referenciou a reestruturação, teve início na gestão anterior, a pedido da ex-secretária de educação Maria Helena Guimarães de Castro, que considerava a estrutura organizacional da Secretaria “antiquada para que pudesse dar conta de suas obrigações” (SÃO PAULO, 2013, p. 49).

Todavia, a autoria do desenho do PECSP não deve ser atribuída à Fundap. No tocante à visão estratégica, conforme revelou Dantônio (2014), a organização do PECSP em pilares, incluindo a reestruturação da SEE-SP em 2011, se deu com apoio da consultoria empresarial norte-americana McKinsey & Company, a partir de uma série de encontros do ex-secretário Herman Voorwald com a rede de ensino paulista, sustentada pela participação de setores da sociedade civil vinculados ao capital e atuantes no CPE, com papel central na formulação da política educacional paulista.

Numa proposta de reestruturação que buscava a centralização na definição das políticas e metas educacionais, a descentralização na execução do processo educativo, a articulação na definição de prioridades, na gestão dos recursos e na realização das políticas e a responsabilidade comum na realização de metas, avaliação e monitoramento dos resultados (SÃO PAULO, 2013), o organograma da SEE-SP foi assim definido.

Fonte: São Paulo (2013, p. 16).

Figura 1 Organograma da Secretaria Estadual de São Paulo – 2013. 

Em linhas gerais, pode-se observar no novo organograma (Figura 1) a lógica de entregas de demandas, citada pelo secretário. Nesse sentido, as Diretorias de Ensino (DE) são incumbidas de estabelecer uma relação de correspondência técnica com cada um dos órgãos centrais, em interlocução com as escolas. Na camada que conecta os órgãos centrais à escola, as DEs desempenham uma espécie de disseminação das decisões no que diz respeito à atuação regional; e, na base, à atuação local das escolas na operacionalização do PECSP (SANTOS, 2019).

A análise das políticas educacionais na chave do conceito gramsciano de Estado Integral permitiu verificar como se deu a participação da sociedade civil sob a coordenação da sociedade política na formulação do PECSP e quais instituições/organizações da sociedade civil o governo privilegiou para dialogar. A opção da SEE-SP de ouvir os setores empresariais levou à formulação de uma política que incorporou concepções de educação e formas de gestão do mundo corporativo, que se expressou, principalmente, na forma de gestão das escolas do Programa de Ensino Integral (PEI), o Método de Melhoria de Resultados (MMR)18, que, a partir de 2016, começou a ser estendido a todas as escolas da rede estadual.

Embora os pressupostos do MMR estivessem presentes no PEI, o foco do segundo pilar do PECSP – Gestão Pedagógica com Foco no Aluno –, em termos de planejamento e gestão da escola e do processo educativo, estava no Plano de Ação Participativo (PAP), implantado em 2012, numa parceria da SEE-SP com a Secretaria de Gestão Pública, com o objetivo de potencializar os resultados das escolas nas avaliações externas, por meio da introdução de mecanismos de gestão.

O PAP foi implantado inicialmente nas escolas consideradas prioritárias, aquelas com nível abaixo do básico nos testes de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática no Saresp em 2010. Na análise de Palm, Porta e Salvador (2013), o Plano constituiu-se como instrumento e método de planejamento e acompanhamento de ações para solução de problemas sob a governabilidade da escola. O PAP foi apresentado pela SEE-SP como fundamental para a elevação do desempenho dos alunos, atribuindo aos gestores e professores a responsabilização pelos resultados da escola. O Plano colocou em prática uma reconfiguração da gestão escolar induzida e monitorada pelo Estado, tanto in loco, como a distância, por meio da implantação de um sistema online de apoio às escolas, sob o discurso de aperfeiçoamento da metodologia do planejamento estratégico (PAULA, 2017).

Tendo em vista a transposição dos conceitos gerenciais para as práticas escolares, a SEE-SP ofertou 10 cursos de formação continuada para supervisores de ensino e diretores de escola com a temática da gestão para resultados, no período de 2011 a 2014, por meio de parcerias com instituições privadas em grande maioria.

Sem estender-se ao conjunto de escolas da rede de ensino, em 2014, seguindo a tendência de mudanças rápidas, próprias dos setores empresariais, o PAP ficou obsoleto. Com a ampliação, impulsionada pelo PECSP, da participação das organizações da sociedade civil vinculadas ao capital, o foco da gestão foi redirecionado para a padronização e o controle dos processos e a implementação de novos instrumentos gerenciais em detrimento de uma gestão democrática da escola.

Ainda como parte do segundo pilar e com vistas a melhorar a aprendizagem, a SEE-SP instituiu, em 2011, as Avaliações de Aprendizagem em Processo (AAP). Estas são elaboradas de forma centralizada pela SEE-SP, cujo caráter diagnóstico busca um rápido redirecionamento do ensino, com base nas deficiências de aprendizagem apresentados pelos estudantes nas provas.

A AAP, ainda presente na rede em 2020, passou por aperfeiçoamentos no que se refere aos métodos de aplicação, correção e entrega de resultados, sendo disseminada para toda a rede, numa clara ampliação de controle do trabalho docente em detrimento da autonomia pedagógica das escolas, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. (BRASIL, 1996)

As ações do pilar Gestão Pedagógica com Foco no Aluno se organizaram em torno da ideia de padronizar e controlar a gestão da escola e o trabalho pedagógico por meio de tecnologias da informação, produzindo inúmeras demandas de registros, os quais concorreram com o tempo que deveria ser dedicado à construção de processos educativos democráticos e impulsionadores de aprendizagens significativas. Nesse sentido, o foco da gestão pedagógica não foi exatamente o estudante, como anunciado, mas o controle do trabalho dos professores e gestores, que viram sua autonomia didático-pedagógica sendo limitada por um currículo e uma forma de gestão determinados externamente e praticamente sem diálogo com as escolas.

O Programa de Escola Integral, como parte do terceiro pilar do PECSP, instituído pela Lei Complementar nº 1.164/2012 (SÃO PAULO, 2012a) e alterado pela Lei Complementar nº 1.191/2012 (SÃO PAULO, 2012b), operacionalizou o conjunto de políticas educacionais que integram o PECSP.

A intensa participação das organizações da sociedade civil vinculadas ao capital nos processos de decisão e implantação do PEI é registrada no convênio entre a SEE-SP e a APE, na contratação do ICE para apoiar as principais ações, da elaboração da proposta à sua execução, além da atuação da Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV) nos estudos relacionados ao ensino integral e na realização de reuniões e workshops para as equipes da SEE-SP.

Implantado em 2012 nas 16 escolas chamadas “pioneiras” e expandido para 182 até o ano de 201419, o PEI realizou mudanças importantes na regulamentação do exercício do quadro do magistério e na organização das escolas que aderiram ao Programa. Com o Regime de Dedicação Plena Integral (RDPI) e a Gratificação de Dedicação Plena Integral (GDPI), o quadro do magistério teve a sua jornada de trabalho ampliada para 40 horas semanais e aumento de 75% correspondente ao vencimento base, pago na forma de gratificação.

Nesse sentido, as condições de trabalho nas escolas vinculadas ao Programa poderiam ser consideradas mais adequadas que as da maioria das escolas da rede estadual de ensino no que se refere à jornada de trabalho e à remuneração. Mas quando se analisa a autonomia didático-pedagógica docente e o clima escolar, especialmente no que se refere à produção de resultados, estudo de Girotto e Jacomini (2019) indica que o trabalho nas escolas PEI tem sido permeado por alto grau de estresse, produzido por permanente tensão em torno das avaliações de desempenho semestrais que verificam o cumprimento de metas, condição para permanecer no programa, e por insatisfação com a pouca autonomia na realização do trabalho pedagógico.

Sob a ótica da Nova Gestão Pública (VERGER; NORMAND, 2015), o organograma da unidade escolar que aderiu ao PEI também foi modificado por uma expansão de níveis hierárquicos. No topo do organograma está a figura do diretor de escola, agindo como um gerente para garantir a implantação do PEI e a produção de melhores índices no Idesp, com poder de decisão sobre a permanência de docentes no Programa, com base nas avaliações de desempenho semestrais.

O desenho do organograma do PEI se encaixa perfeitamente no modelo de gestão patenteado pelo ICE, denominado Tecnologia de Gestão Educacional (TGE), que consiste na elaboração do plano de ação da escola e de indicadores e instrumentos de gestão, correspondendo a uma adaptação do Ciclo de Deming, mais conhecido pela sigla PDCA (Plan, Do, Check e Act), comumente utilizado em setores industriais e no gerenciamento de processos.

Com valores, princípios e premissas que reafirmam a necessidade de preparar o jovem para o século XXI, segundo as recomendações do Relatório para a Unesco (DELLORS, 2004), o PEI reorganiza o currículo a partir de dois eixos pedagógicos estruturantes denominados Projeto de Vida e Protagonismo Juvenil. Este processo resulta em acréscimo de disciplinas eletivas, que compõem uma parte diversificada do currículo do PEI, somada às disciplinas da base comum, o que implica na ampliação da permanência dos estudantes na escola.

A organização curricular do PEI, que em princípio poderia indicar uma escola mais envolvente e integrada aos interesses dos estudantes, tem mostrado seus limites do ponto de vista prático. Estudo de Quirino et al. (2018, p. 88) constatou que as palavras “controle”, “competição” e “cansaço” foram as mais usadas por estudantes e docentes para descrever suas experiências e percepções sobre o Programa.

Assim, apesar da importância da ampliação do tempo escolar, o modelo implantado na rede estadual paulista não está indicando uma democratização das oportunidades escolares, especialmente aos estudantes das classes sociais menos favorecidas. Soma-se a isso uma organização do trabalho pedagógico e uma gestão escolar totalmente voltadas à produção de resultados nas avaliações externas, o que contradiz uma formação integral.

Complementando a análise do PECSP, temos o primeiro pilar – Valorização do Capital Humano20 –, que abarca ações relacionadas à gestão de pessoal da SEE-SP com o mote de tornar a profissão docente uma das mais desejadas.

No período de 2011 a 2014, o governo paulista realizou concursos públicos para efetivar professores e funcionários de escolas, reestruturou a carreira do magistério, instituiu um plano de carreira ao Quadro de Apoio Escolar e concedeu aumentos salariais. A despeito destas medidas, certamente importantes para a valorização dos profissionais da educação, em 2018, 36,18% dos professores não eram efetivos21.

Apesar dos aumentos nos salários, dada a baixa remuneração dos profissionais da educação, o salário dos docentes sequer alcançou o Salário Mínimo Necessário (SMN), conforme o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Um professor de educação básica dos anos finais do Ensino Fundamental e Médio (PEB II), com jornada de 40 horas semanais de trabalho, ganhava, em 2010, o equivalente a 74% do SMN e o correspondente a 81% do SMN em 2014.

De maneira complementar à remuneração, de acordo com a SEE-SP, a Bonificação por Resultados (BR), instituída pela Lei nº 1.078/2008 (SÃO PAULO, 2008), era uma das medidas mais importantes relacionadas ao primeiro pilar do PECSP, cujo pagamento anual depende do desempenho dos estudantes nas provas do Saresp e do cumprimento de requisitos estabelecidos em resoluções específicas que tratam do assunto. A despeito de estudos, como os de Ravitch (2009) e Vieira e Vidal (2011), indicarem que a bonificação atrelada ao desempenho não produz melhoria na qualidade do ensino e da aprendizagem, dada a possibilidade de utilização de mecanismos para elevar os resultados nas avaliações sem que reflitam melhor aprendizagem, o governo paulista considera o bônus como política fundamental para a melhoria da qualidade do ensino.

A análise aqui empreendida indica que a política de pessoal da SEE-SP é ávida por resultados e aferições de desempenho que nem sempre condizem com as necessidades dos servidores do magistério e do Quadro de Apoio Escolar. Como o título do primeiro pilar indica, trata-se de uma política para valorizar o “capital humano da SEE-SP” e não para valorizar os servidores vinculados à Secretaria como trabalhadores que têm direito a um conjunto de condições objetivas, insumos relacionados à infraestrutura e à carreira e remuneração; e de condições subjetivas, ambiente de trabalho pautado na cooperação, no respeito às diferenças e diversidades, na solidariedade e na democracia como forma de convivência entre os diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar, para que possam realizar um processo educativo de boa qualidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos cinco pilares do PECSP indica que, em 2011, o governo deu um passo importante no que se refere à implantação de uma gestão gerencial na educação paulista. As medidas vinculadas a cada um dos pilares têm como principal finalidade criar um conjunto de mecanismos de controle do trabalho do magistério, principalmente por meio de sistema de informação no qual a escola deve registrar as atividades desenvolvidas, como no PAP, na AAP ou via controle do trabalho dos profissionais, conforme ocorre no PEI.

Com importante participação de instituições privadas vinculadas ao capital, a SEE-SP, por meio do Comitê de Políticas Educacionais, delineou um conjunto de medidas, adaptadas da gestão empresarial, que foram configurando formas de gestão do sistema e da escola que pouco dialoga com o princípio constitucional da gestão democrática. O alto nível de centralização e controle da política educacional deixou pouco espaço para que as comunidades escolares definissem, num processo participativo, seus projetos pedagógicos com base em pressupostos políticos e educacionais eventualmente diversos daqueles da SEE-SP.

Nessa nova configuração de gestão, é exigido do diretor escolar um alinhamento cada vez maior às políticas oficiais, sendo o principal responsável por sua materialização na escola. Assim, a capacidade de liderança desse profissional, que em uma gestão democrática cumpriria o papel de coordenar a participação da comunidade escolar nas diferentes instâncias de discussão e deliberação das políticas educacionais, consideradas a realidade local e as demandas de formação formuladas pelos profissionais da escola, estudantes, mães/pais e responsáveis pelos alunos, conforme a autonomia prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), passa a ser direcionada para uma atividade constante de convencimento da comunidade escolar de que as políticas educacionais oficiais são as mais adequadas àquela comunidade, a despeito de muitas vezes a realidade cotidiana contrariar essa pretensão.

Destaca-se, ainda, uma forma de gestão que prima pela implantação de programas de abrangência limitada, a exemplo do PAP e do PEI, não obstante alguns princípios presentes no PAP, especialmente a máxima de que só podem ser pautados no planejamento da gestão do processo educativo problemas que sejam de governabilidade da escola, permanecerem no Método de Melhoria de Resultados (MMR).

Esse método foi implantado numa experiência piloto, no ano de 2016, em 77 escolas da região leste de São Paulo, além das escolas PEIs, e, a partir de 2018, em todas as escolas da rede, assim como a organização curricular das escolas PEIs, no que se refere ao Projeto de Vida e às disciplinas eletivas e de tecnologia, está sendo implantada em todas as escolas que atendem estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio a partir de 2020, por meio do Programa Inova Educação. Isso denota que, não raro, a SEE-SP tem tido a prática de verificar a viabilidade de alguns programas de seu interesse antes de estendê-los ao conjunto das escolas estaduais, o que em tese pode ser desejável. Contudo, é questionável se tais programas têm garantido a educação escolar de qualidade, que é um direito inalienável da sociedade paulista.

5Para saber mais ver Campos, Medeiros e Ribeiro (2016).

6A Parceiros da Educação é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, que desenvolve projetos educativos em parceria com secretarias de educação e escolas. A APE é apoiada por um conjunto de empresas e empresários, entre os quais destacamos: Comgás, Grupo Iguatemi, Instituto Carlyle Brasil, Instituto GOL, Itaú BBA, Jair Ribeiro – Sertrading/Banco Indusval, Mauá Capital, Nitro Química, Roberto Klabin. Entre os parceiros institucionais estão: Alumni, Comunitas, Fundação Lemann, Instituto Votorantim, Microsoft, Todos pela Educação etc. Informações disponíveis em: https://parceirosdaeducacao.org.br/as-parcerias/ Acesso em: 24 mar. 2020.

7De acordo com a Resolução SE n. 18/2019, a sigla da Secretaria da Educação passou a ser Seduc-SP. Neste artigo manteremos SEE-SP por ser a sigla utilizada nos documentos e legislações consultados.

8O Instituto de Corresponsabilidade pela Educação é uma entidade sem fins econômicos, criada em 2003 por um grupo de empresários motivados a resgatar a qualidade do antigo Ginásio Pernambucano em Recife. Seus investidores são: Instituto Natura, Instituto Sonho Grande, Espírito Santo em Ação, Itaú BBA, Fiat Chrysler, Jeep, Trevo e EMS. Informações disponíveis em: http://icebrasil.org.br/parceiros-estrategicos/> Acesso em: 24 mar. 2020.

9Matéria divulgada no jornal O Estado de S. Paulo de 19 de março de 2011 informava que havia triplicado o número de escolas que não alcançaram a meta estabelecida pelo governo no Saresp e, consequentemente, não receberiam o bônus de 2,4 salários aos profissionais da educação naquele ano. De acordo com os dados da Secretaria da Educação, 1.474 escolas, 29,1% da rede, não atingiram as metas. Disponível em: https://www.estadao.com.br/noticias/geral,triplica-n-de-escolas-do-estado-que-nao-batem-meta-do-governo-no-saresp-imp-,694032. Acesso em: 30 out. 2019.

10A identificação do Processo Administrativo foi modificada para SEE n. 899.787/2018, com a alusão de um novo início de convênio em 2018.

11Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/24_05.htm?Time=10/03/2017%2008:54:42. Publicado em: 05 abr. 2005. Acesso em: 02 abr. 2020.

12Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/secretaria-celebra-o-compromisso-de-sao-paulo-pela-educacao/. Publicado em: 01 dez. 2011. Acesso em: 13 mai. 2019.

13Conforme texto publicado no site do PSDB, disponível em: https://tucano.org.br/estado-e-sociedade-firmam-compromisso-de-sao-paulo-pela-educacao/. Acesso em: 15 mai. 2019.

14De acordo com informação disponível no site da SEE-SP, em 2018, 2.200 escolas participam do Programa Escola da Família. Disponível em: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/escola-da-familia-ganha-59-novas-unidades-no-estado/. Acesso em: 12 jul. 2019.

16A informação sobre os representantes da sociedade civil foi dada pela SEE-SP por solicitação do Observatório da Educação, que é uma iniciativa da Ação Educativa. Disponível em: www.observatoriodaeducacao.org.br. Acesso em: 16 jan. 2020.

17Disponível em: https://parceirosdaeducacao.org.br/politicas-publicas/ Acesso em: 05 nov. 19.

18O MMR é um método de planejamento estratégico utilizado no meio corporativo que prevê as seguintes etapas: identificar os desafios, planejar formas de superá-los e implantar as soluções elaboradas. Na educação paulista, os problemas ou desafios a serem identificados devem ser de governabilidade da escola.

19Em 2018, último ano do período estudado na pesquisa (1995-2018) que subsidiou a escrita deste artigo, 368 das 5.100 escolas da rede estadual paulista participavam do PEI.

20O conceito de Capital Humano data dos anos de 1940-1950 e foi amplamente difundido no Brasil nos anos de 1960, principalmente com base no livro “O valor econômico da educação” de Theodore Schultz (1962). O conceito diz respeito ao reconhecimento de um “terceiro fator” responsável pelo crescimento econômico e que não se explica pelo capital fixo empregado. Com base na teoria do Capital Humano, “a educação passou a ser vista, simultaneamente, como o motor das ‘etapas do crescimento econômico’ e do atendimento aos planos de desenvolvimento socialista”. (PAIVA, 2001)

21Dados da Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos (CGRH/SEE-SP), de 1999 a 2018.

Revisão gramatical realizada por: Mayara da Silveira Alves Maia.

E-mail: mayara.alves.maia@gmail.com

1A pesquisa que subsidiou a escrita deste artigo foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo 2018/09983-0.

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Recebido: 11 de Novembro de 2020; Aceito: 19 de Abril de 2021

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