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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.2 São Paulo abr./jun 2019  Epub 08-Ago-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i2p673-698 

Artigos

A QUESTÃO AMBIENTAL A PARTIR DOS “SEM DIREITOS”: UMA LEITURA EM ENRIQUE DUSSEL

THE ENVIRONMENTAL QUESTION FROM THE "WITHOUT RIGHTS": A READING IN ENRIQUE DUSSEL

LA CUESTIÓN AMBIENTAL A PARTIR DE LOS "SIN DERECHOS": UNA LECTURA EN ENRIQUE DUSSEL

César Augusto COSTA1 

Carlos Frederico LOUREIRO2 

1 Sociólogo. Pós-Doutor em Direito e Justiça Social/FURG. Professor/Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Católica de Pelotas/UCPEL. Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americano (NEL/UCPEL). Pesquisador do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ). E-mail: csc193@hotmail.com

2 Doutor em Serviço Social/UFRJ. Professor Titular e Pesquisador dos Programas de Pós-Graduação em Educação e Ecologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ. Líder do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ). E-mail: sociologors@gmail.com


RESUMO

O ensaio aborda as contribuições do filósofo Enrique Dussel para a questão ambiental e o processo de lutas na América Latina na perspectiva dos “sem direitos” do ponto de vista epistêmico e político. Objetiva compreender a proposta política de Dussel acerca da realidade das lutas ambientais vinculadas ao processo de expropriação social em três momentos. No primeiro, refletiremos a origem do sistema-mundo moderno-colonial e as implicações deste processo histórico para a questão ambiental. No segundo, analisaremos a relação entre a questão ambiental, as lutas sociais e seu processo de expropriações na América Latina. Ao final, examinaremos como se insere a questão ambiental no debate político e ampliado das lutas sociais à luz da filosofia de Enrique Dussel, visualizando a historicidade das vítimas do sistema-mundo ou “sem direitos” expropriados pela matriz eurocêntrica e excludente.

PALAVRAS-CHAVE: América Latina; Enrique Dussel; Lutas sociais; Questão ambiental; Sem direitos

ABSTRACT

The essay discusses the contributions of the philosopher Enrique Dussel for the environmental issue and the process of struggle in Latin America from the perspective of "no rights" from the point of view epistemic and political. Aims to understand the political proposal of Dussel about the reality of environmental struggles linked to the process of expropriation on three occasions. At first, we will reflect the origin of the modern world-system and the implications of this historic process for the environmental issue. In the second, we will analyze the relationship between the environmental issue, the social struggles and their process of expropriation in Latin America. In the end, we will examine how the environmental issue in the political debate and expanded the social struggles in the light of the philosophy of Enrique Dussel, viewing the historicity of the victims of the world-system or "no rights" expropriated by the Eurocentric matrix and exclusionary.

KEYWORDS: Latin America; Enrique Dussel; Social struggles; Environmental issue; Without rights

RESUMEN

El ensayo analiza las aportaciones del filósofo Enrique Dussel a cuestiones ambientales y el proceso de luchas en América Latina en el contexto político y el punto de vista epistémico de "ningún derecho". Objetivo comprender la propuesta, la política de Sr. Dussel sobre la realidad de las luchas ambientales relacionados con el proceso de expropiación en tres momentos. En la primera, se reflejan el origen del sistema mundo moderno colonial y las implicaciones de este proceso histórico de la cuestión ambiental. En el segundo, vamos a analizar la relación entre el tema ambiental, las luchas sociales y su proceso de expropiación en América Latina. Finalmente, examinaremos cómo el tema ambiental en el debate político y las luchas sociales a la luz de la filosofía de Enrique Dussel, usted verá la historicidad de los sistemas mundiales de las víctimas o "sin derechos" expropiados por la matriz eurocéntrica y excluyentes.

PALABRAS CLAVE: Latinoamérica; Enrique Dussel; Luchas sociales; Tema ambiental; Sin derechos

1 INTRODUÇÃO

O “eu europeu” constituiu as outras culturas como suas colônias sob sua vontade de domínio e à natureza como explorável e mediação para a obtenção de maior quantidade de valor de troca” (DUSSEL, 2012b, p. 29).

Neste ensaio pretendemos, a partir da leitura do pensador argentino Enrique Dussel, refletir, do ponto de vista epistêmico e político, as contribuições de sua Ética da Libertação para a questão ambiental e seu histórico processo de lutas latino-americanas na perspectiva dos “sem direitos” (DUSSEL, 2015). Neste sentido, o trabalho objetiva compreender a proposta política existente na leitura de Dussel acerca da realidade das lutas ambientais forjadas no processo de expropriação material capitalista.

O filósofo mendocino é considerado por grande parte dos pesquisadores latino-americanos como um dos maiores expoentes da Filosofia da Libertação, nos quais destaca-se uma concepção de filosofia política e prática orientada pela finalidade da libertação. Particularmente, o vínculo entre a questão ambiental, seu processo de lutas sociais e os povos considerados “sem direitos” na América Latina (AL), são vistos assim:

Ao contrário do que estamos acostumados a imaginar, a América exerceu um papel decisivo no processo de formação do sistema-mundo moderno. É apenas a partir do surgimento da América que a Europa se afirma como centro geopolítico do mundo. Sem o ouro e a prata da América, sem a ocupação de suas terras para o plantio da cana-de-açúcar, do café, do tabaco e tantas outras especiarias, sem a exploração do trabalho indígena e escravo, a Europa não se faria nem moderna, nem centro do mundo (Porto-Gonçalves, 2003). Desta forma, é no violento processo de dominação e exploração da América que se localiza um dos principais fatores da profunda transformação que o cenário mundial sofre em finais do século XV e início do século XVI. O extermínio de populações inteiras, a escravidão, a servidão, a (des)possessão de terras, a exploração das riquezas naturais, encontram-se nos fundamentos das relações sociais e de poder que instituem América, Europa e o sistema-mundo moderno que se ergue (PORTO-GONÇALVES E QUENTAL, 2012, p. 5).

Consequentemente, a temática abordada neste ensaio parte do reconhecimento de Enrique Dussel enquanto referência do pensamento filosófico latino-americano e da aproximação teórica dusseliana junto aos movimentos e as lutas sociais. Tal esforço argumentativo possui relevância por duas razões essenciais: a) trazer de forma mais explícita a contribuição de Dussel para a questão ambiental latino-americana e; b) defender a posição dusseliana de que novas formas de relação com/na natureza passam necessariamente pela transformação social superando as relações do sistema-mundo moderno-colonial.

Entendemos a aproximação do pensamento político dusseliano com as lutas ambientais como necessária e determinante, uma vez que, temos uma ampla quantidade de pesquisas e estudos na questão ambiental que reconhecem a diversidade cultural latino-americana (comunidades tradicionais, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, seringueiros) promovendo questionamentos das relações sociais alienadas no capitalismo (COSTA e LOUREIRO, 2013), fundamento último da destruição intensiva da natureza (DUSSEL, 2011). Neste horizonte, situamos que:

Es la lógica del sistema capitalista la que está destrozando el planeta, es la ganancia, la obtención de más y más ganancia por sobre todas las cosas. Es la lógica de las empresas transnacionales a las que sólo les importa aumentar lãs utilidades y bajar los costos. Es la lógica del consumo sinfín, de la guerra como instrumento para adueñarse de mercados y recursos naturales, y no importa si para conseguir más mercados y más ganancia se tiene que destruir los bosques, explotar y despedir trabajadores y privatizar los servicios esenciales para la vida humana (...) Esto implica la contraposición de dos culturas, la cultura de la vida, del respeto entre todos los seres vivos, del equilibrio en contra de la cultura de la muerte, de la destrucción, de la avaricia, de la guerra, de la competencia sin fin. Nuestros ojos y corazones lo ven y sienten, nuestros hijos e hijas lo están viviendo: el capitalismo es el peor enemigo de la humanidad (AYMA, 2011, p. 9-10).

É a partir da Filosofia de Enrique Dussel e em diálogo com alguns pensadores latino-americanos (GROSFOGUEL, 2016; ASSIS, 2014; QUIJANO, 1992; 2005; FONTES, 2008; PORTO-GONÇALVES, 2015), que o presente ensaio buscará realizar o enfrentamento destas questões em três momentos, que se seguem após a introdução. Neste primeiro momento, pretendemos refletir a origem do sistema-mundo moderno-colonial (DUSSEL, 2000) e as implicações deste processo histórico para a questão ambiental na América Latina (AL). No segundo, analisaremos a relação entre a questão ambiental, as lutas sociais e seu processo de expropriações na AL. Ao final, indicaremos como se insere a questão ambiental no debate político e ampliado das lutas sociais à luz da Ética da libertação de Enrique Dussel, visualizando a historicidade das vítimas do sistema-mundo ou “sem direitos” expropriados pela matriz capitalista eurocêntrica da América Latina.

2 DO SISTEMA-MUNDO MODERNO-COLONIAL À QUESTÃO AMBIENTAL

Refletindo sobre a historicidade do processo econômico e político latino-americano, temos em vista que as Américas não foram incorporadas dentro de uma já existente economia mundial capitalista; pelo contrário, não haveria uma economia capitalista mundial sem a existência das Américas (QUIJANO, 1997). Quijano (2005) situa que tal processo iniciou com uma colonização interna de povos com identidades diferentes, mas que habitavam os mesmos territórios e foram convertidos em espaços de dominação interna. Esse fenômeno se desdobrou com a colonização imperial ou externa de povos que não só tinham identidades diferentes, como habitavam em territórios para além do espaço de dominação interna dos colonizadores.

A expansão colonial iniciada no século XVI, com as grandes navegações e o “descobrimento” das Américas - posteriormente incrementada com o neocolonialismo do final do século XIX, que promoveu a repartição da África e Ásia -, é vista, nessa abordagem, como condição sine qua non para a existência e a manutenção do capitalismo industrial. Por outro lado, a extinção do colonialismo histórico-político nas Américas, com a construção de nações independentes no século XIX, bem como na África e Ásia, por intermédio da descolonização em meados do século XX, não foi condição necessária e suficiente para a emancipação político-econômica e cultural dos países periféricos. Assim, a acumulação primitiva colonial, longe de ser uma pré-condição do desenvolvimento capitalista, foi um elemento indispensável da sua dinâmica interna e posterior continuidade (ASSIS, 2014, p. 613-14).

A posição de Dussel (2000) é sustentada pelo domínio da centralidade europeia, a partir da periferia, pois considera o processo da modernidade como gestão do sistema-mundo moderno-colonial. Tal posição busca recuperar o recuperável da modernidade, e negar a dominação e exclusão do sistema-mundo. Para o pensador argentino, é um projeto de libertação da periferia negada desde a origem da modernidade. Assim, “o problema que se descobre é o esgotamento de um sistema civilizatório que chega a seu fim” (DUSSEL, 2000, p. 65). Para ele, significa:

A superação da razão cínico-gerencial (administrativa mundial) do capitalismo (como sistema econômico), do liberalismo (como sistema político), do machismo (na erótica), do predomínio da raça branca (no racismo), da destruição da natureza (na ecologia), etc., supõe a libertação de diversos tipos de vítimas oprimidas e/ou excluídos. É neste sentido que a ética da libertação se define como transmoderna (já que os pós-modernos são ainda eurocêntricos) (DUSSEL, 2000, p. 65).

Para o filósofo argentino, o final do presente estágio civilizatório de 500 anos possui dois limites absolutos que são: a) a destruição ecológica da natureza, pois desde a origem a modernidade constituiu a natureza como objeto explorável com vistas ao lucro, à acumulação de capital, e; b) a destruição da própria humanidade pelo caráter das relações de exploração (DUSSEL, 2000).

Dussel (1980) em sua clássica obra Filosofia da Libertação na América Latina, apontava que é a partir do mundo, desde um mundo histórico, político, erótico ou simbolicamente determinado, que compreendemos a natureza. Se há uma história do mundo, há também a história da natureza. Ou seja, os gregos compreenderam a fysis como eterna, divina, nascente; os medievais compreenderam a natureza como criada (natura naturata), finita, sem princípio de corrupção; o moderno europeu compreendeu a nature ou Natur como sendo a matéria observável matematicamente (desde Galileu) ou explorável economicamente (desde a revolução industrial). A natureza, juntamente com o trabalho e o capital, é a origem do mítico progresso civilizador. A partir desta compreensão dusseliana, entendemos que a natureza é politicamente interpretada: é hermeneuticamente visualizada desde o centro ou a periferia, desde as diversas classes sociais, desde os sistemas políticos, principalmente, como matéria de um modo de produção numa formação social determinada. Com isso, Dussel indica que:

Sendo a natureza, para a modernidade, só um meio de produção, corre o risco de ser consumida, destruída e, além disso, acumulando geometricamente sobre a terra os dejetos, até por em perigo a reprodução ou desenvolvimento da própria vida. A vida é condição absoluta do capital; sua destruição destrói o capital. Chegamos a essa situação. O “sistema de 500 anos” (a modernidade ou o capitalismo) enfrente seu primeiro limite absoluto: a morte da vida em sua totalidade pelo uso indiscriminado de uma tecnologia antiecológica constituída progressivamente a partir do único critério da “gestão” quântica do sistema-mundo na modernidade: aumento da taxa de lucro. Mas o capital não pode autolimitar-se. Enquanto tal, torna-se perigo para a própria humanidade (DUSSEL, 2000, p. 66).

Para Dussel (2000), o segundo limite da modernidade é destruição da própria humanidade. O autor entende que o “trabalho vivo” é a outra mediação essencial do capital, onde o sujeito humano pode criar novo valor (mais-valia, lucro). Dessa maneira, o capital vence todas as barreiras, pondo mais tempo absoluto ao trabalho e quando não pode superar este limite, aumenta a produtividade pela tecnologia. Mas tal aumento diminui a proporção do trabalho humano, havendo uma humanidade sobrante (desprezada, desempregada e excluída), pois:

O desempregado não ganha salário, dinheiro; e o dinheiro é única mediação no mercado pela qual podem ser adquiridas mercadorias para satisfaze as necessidades. De todo modo, o trabalho não empregável pelo capital aumenta (aumenta a desocupação). Aumenta assim a proporção de sujeitos necessitados não solventes - tanto na periferia como no centro. É a pobreza, a pobreza como limite absoluto do capital. Hoje constatamos como a miséria cresce em todo o planeta. Trata-se da “lei da modernidade” (DUSSEL, 2000, p. 66).

Compreendemos a continuidade dos processos de expropriação de recursos naturais por subjugação dos “sem direitos” ou “vítimas” (DUSSEL, 2000; 2015) localizados em países da periferia do capitalismo, que, embora não sejam mais alvo do domínio social, político e econômico da Europa (DUSSEL, 1993), ainda funcionam como espaço de avanço das frentes de acumulação e reprodução ampliada do capital (FERNANDES, 2008; PORTO-GONÇALVES, 2004) na AL.

Sendo assim, existe uma colonialidade na apropriação da natureza, entendida tanto como resultado da construção no interior da modernidade de formas econômico-instrumentais de se pensar e explorar o ambiente, quanto como expressão de processos concretos de expropriação territorial que sustentam a lógica prevalecente da acumulação capitalista e mantém em funcionamento o sistema-mundo colonial-moderno.

A colonialidade na apropriação da natureza se refere à existência de formas hegemônicas de extração recursos naturais considerando-os como mercadorias, ao mesmo tempo em que representa o aniquilamento de modos subalternos de convívio com o meio ambiente, bem como a perpetuação e justificação de formas assimétricas de poder na apropriação dos territórios. Temos em vista que:

No cenário atual, prescindindo de uma dominação política de corte colonial que desconhece a soberania dos povos, as grandes corporações empresariais e os conglomerados financeiros têm se valido do poder econômico para expandir e incorporar novos espaços nos circuitos de acumulação do capital. Nesse sentido, o direcionamento de capitais para a produção brasileira de agrocombustíveis pode exemplificar a continuidade da incorporação de novos territórios na lógica de acumulação capitalista, além de evidenciar a vigência de uma colonialidade na apropriação da natureza, tendo em vista que os recursos naturais são vistos como vantagem comparativa capaz de garantir a integração à economia global (ASSIS, 2014, p. 616).

Passamos ao exame das relações envolvendo a questão ambiental e as expropriações no continente latino-americano.

3 QUESTÃO AMBIENTAL, LUTAS SOCIAIS E EXPROPRIAÇÕES NA AMÉRICA LATINA

A América Latina e muitos países africanos, sufocados por suas ditaduras, entregaram-se a um modelo de produção agressivo, indicando crescimento a qualquer custo, com ou sem degradação ambiental. O atual modelo agrário, operado pelo processo de reprodução ampliada do capital sustenta-se tanto pelo uso de um modo de produção de conhecimento do capital, que supervaloriza a ciência e as técnicas ocidentais, quanto pela expansão das áreas destinadas aos cultivos (PORTO-GONÇALVES, 2004).

Dentro desta configuração, está em curso um novo ciclo de expropriação em diversas ordens (FONTES, 2010) que compromete dramaticamente a vida das classes trabalhadoras urbanas e rurais e dos povos e comunidades tradicionais. É neste horizonte que as expropriações e os conflitos ambientais provocados pelo padrão de acumulação do capital, são redefinidos por um desenvolvimento desigual e combinado. Isso reitera que a forma de articulação e subordinação das frações burguesas hegemônicas, ao qual a força dinâmica do capital, impulsionado pelo setor financeiro e por megacorporações cuja intensificação se dá pelas expropriações e exploração do trabalho (LEHER, 2015). A nova reconfiguração do Brasil como produtor de commodities para atender as necessidades de potências mundiais como a China teve apogeu nos governos progressistas não hesitou em aprofundar a referida subordinação da economia brasileira as necessidades da nova potência.

A inserção nacional no mercado de agrocombustíveis elucida o funcionamento das novas relações centro-periferia e, nelas, o Brasil possui uma dupla função, ao mesmo tempo, neocolonial e imperialista; de um lado, representando o espaço de vazão dos capitais acumulados nas economias centrais (cujo capital é investido por meio da atuação de conglomerados internacionais que exploram os recursos naturais e humanos).

Tal processo periférico do território brasileiro em prol do abastecimento energético das centrais cumpre uma função neocolonial; e de outro lado, patrocinando o alargamento da atuação das megacorporações nacionais, ampliando o mercado global de agrocombustíveis e possibilitando a inserção de novos territórios nos circuitos de acumulação. Desse modo, os capitais e empresas brasileiras patrocinadas pela atuação do Estado se expandem na direção de oportunidades mais rentáveis de investimento (ASSIS, 2014). Para Leher (2015, p. 25):

é forçoso reconhecer que a exportação de commodities foi convertida em carro chefe da economia, visto que, além da exportação de produtos brutos, primários, muito dos produtos semimanufaturados e manufaturados são intensivos em recursos naturais e foram manufaturados por meio de tecnologias intermediárias (...) as conseqüências socioambientais são evidentes, pois esse verdadeiro saqueio de recursos naturais é indissociável das expropriações que, por sua vez, adensam os conflitos socioambientais no Brasil, América latina, África e em grande parte da Ásia. Em outros termos: as frações burguesas locais, seus sócios majoritários e os governos que manejam o Estado (como se depreende do BNDS, do novo Código florestal, do desmembramento do Ibama) aprofundam o capitalismo dependente, as expropriações e a exploração).

Desta forma, Gonçalves (2014, p. 92) reafirma esta conjuntura, pois:

Há o destaque para o conjunto de problemas que são próprios às commodities: baixa elasticidade-renda da demanda; elasticidade-preço da demanda desfavorável; pequena absorção dos benefícios do progresso técnico; reforço de estruturas de produção retrógradas baseadas nas grandes propriedades, que gera maior concentração do excedente e o poder econômico; concentração da riqueza e da renda; que causa vazamento da renda e pouco dinamismo do mercado interno; restrição externa, visto que as commodities se caracterizam por alta volatilidade de preços e instabilidade de preços e instabilidade da receita da exportação.

Tais elementos aprofundam o horizonte da trajetória das lutas sociais e ambientais, tornando evidente considerar que o controle dos recursos naturais é estratégico, pois significa a materialidade indispensável para assegurar o atual padrão de acumulação do capital (LEHER, 2007) bem como determina a esfera material da política (DUSSEL, 2007) e da natureza (COSTA E LOUREIRO, 2015).

Assim, impõem-se lógicas perversas de não reconhecimento dos direitos e da “remoção” territorial de povos indígenas e comunidades tradicionais, submetendo o Estado a um “balcão de negócios” gerenciados pelas classes hegemônicas, os quais flexibilizam leis e direitos trabalhistas; reduzem direitos sociais (previdência social); precarizam condições de trabalho; “achatam” Políticas Públicas e ambientais (LOUREIRO, 2009) em consonância com o capital internacionalizado (FERNANDES, 2008).

Assim, a globalização neoliberal está inscrita como parte das lutas sociais. Na realidade, nega em grande medida parte das demandas postas pelos diferentes movimentos sociais e suas lutas. Desse modo, a globalização e todo seu processo de transformações que vem passando desde os anos de 1970 parece ganhar de forma mais evidente quando se vê à luz dos conflitos sociais que desencadearam nas décadas posteriores (PORTO-GONÇALVES, 2015).

A crítica às rígidas hierarquias na família, na escola, nas fábricas, no Estado, nas relações internacionais; ao colonialismo; à desigualdade social; ao racismo; ao machismo; ao eurocentrismo e seu racismo, sua razão técnica, sua ciência reducionista, seu materialismo economicista; ao consumismo; ao produtivismo foram críticas que se teceram a partir de múltiplos movimentos de libertação nacional, de jovens, dos operários, das mulheres, dos negros, dos camponeses, dos indígenas, dos ambientalistas que, por todos os lados, bradavam Viva a Diferença e Abaixo as Fronteiras, por novas sensibilidades, pelo direito ao ócio, pelo trabalho livre, e libertariamente diziam “é proibido proibir” (PORTO-GONÇALVES, 2015, p. 19).

A superação do desafio ambiental se insere no bojo da globalização neoliberal que requer o entendimento das questões colocadas pelo movimento da contracultura dos anos 60 na medida em que a década de neoliberalismo se desenvolve e se faz contra tal movimento. Assistir o processo de globalização neoliberal neste viés é relevante para compreender o complexo e contraditório processo histórico em que instaura o desafio ambiental, procurando saídas alternativas para o mesmo. Para Porto-Gonçalves (2015, p. 20):

Estamos diante nestes últimos 30-40 anos de globalização neoliberal, de uma devastação do planeta sem precedentes em toda a história da humanidade, período em que, paradoxalmente, mais se falou de natureza e em que o próprio desafio ambiental se colocou como tal. Daí ser fundamental entendermos a natureza do processo de globalização e de que modo esse processo implica ou não a globalização da natureza.

Vemos, portanto, que o processo de globalização traz em si, a globalização da exploração da natureza com proveitos e rejeitos distribuídos de forma desigual. Também aliado a ele, a globalização promove ao mesmo tempo a dominação da natureza e a dominação de alguns homens sobre outros homens, da cultura europeia sobre outras culturas e povos, e dos homens sobre as mulheres (PORTO-GONÇALVES, 2015). Historicamente, não faltam argumentos que essa dominação se deu por razões naturais, na medida em que certas raças seriam inferiores. “A modernidade européia inventou a colonialidade e a racialidade (base da escravidão) e, assim, essa tríade - modernidade-colonialidade-racialidade - continua atravessando, até hoje, as práticas sociais e de poder” (PORTO-GONÇALVES, 2015, p. 25).

Compreendemos também que o território nesta perspectiva dos “sem direitos” na AL (DUSSEL, 2015), é uma categoria que nos remete a inscrição da sociedade e sua relação com a natureza, propondo a considerar as relações sociais e de poder que estão vinculadas neste vínculo. Pois a problemática ambiental ganha maior adensamento quando vista a partir do território, das territorialidades e dos processos de territorialização e expropriação material da vida. A vasta dívida externa da maior parte dos países reduzidos a condições semicoloniais tem sido objeto de uma chantagem política onde organismos financeiros internacionais impõem políticas de ajuste estrutural que agravam a pilhagem de recursos naturais e os problemas ambientais.

Desse modo, o esforço (energia, literalmente) desses países nessa direção significa, na prática, ampla utilização de recursos naturais, muitos não renováveis, como os minerais, com a sua depleção, o que está implicando o avanço de áreas ocupadas originariamente por populações de outras matrizes culturais (indígenas, afrodescendentes, camponeses de várias matizes ecoculturais), onde ricos acervos de biodiversidade estão dando lugar a monoculturas ou, ainda, para onde vem se dando a transferência de indústrias altamente poluentes do Primeiro Mundo para o Terceiro Mundo, com destaque paras as de papel e celulose e as de alumínio-bauxita. Alega-se, sempre com base no raciocínio crematístico-monetário, que se trata de commodities, ou seja, mercadorias cujos preços se determinam em dólares pelo mercado mundial (PORTO-GONÇALVES, 2015, p. 46).

Na AL e no Caribe a colonialidade sobreviveu ao colonialismo, através dos ideais desenvolvimentistas eurocêntricos, ocupando a mentalidade das elites crioullas, brancas e mestiças nascidas na América. A exportação de matérias-primas agrícolas e minerais com base na exploração das melhores terras, por intermédio de latifúndios produtivos, e das melhores jazidas. Neste caso, o recurso das empresas das antigas metrópoles continuou mantendo a servidão indígena e a escravidão negra, cujo processo sobreviveu ao colonialismo.

A crença de que a natureza é uma fonte inesgotável de recursos e que sua exploração não geraria efeitos nocivos é que proporcionou uma espécie de fuga para a frente nas lutas de caráter distributivo no interior, sobretudo, das sociedades desenvolvidas. Em outras palavras, as reivindicações dos trabalhadores, acreditou-se, ser satisfeitas aumentando-se a produtividade. O modelo fordista partia da premissa de que todos os trabalhadores dos países industrializados pudessem usufruir da riqueza material (PORTO-GONÇALVES, 2015, p. 48).

Ao questionarmos a desigualdade, o que se indica no horizonte é que ser quer ser igual e assim, permanecermos nos marcos do pensamento eurocêntrico (PORTO-GONÇALVES, 2015). Dessa maneira, todos querem ser desenvolvidos com a Europa e os Estados Unidos, cuja ideia prevalece marcada pela colonialidade do saber e do poder, visto que não se consegue pensar fora destes marcos do pensamento moderno-colonial (DUSSEL, 1993), enquanto um pensamento único.

Consequentemente, tanto pela oferta dos bens de consumo e demanda dos recursos naturais, assim como pela desigual distribuição da riqueza, o modelo fossilista do capitalismo em sua fase imperialista não consegue se sustentar. A poluição e o esgotamento dos recursos naturais passam a ser pautas dos interesses de grupos empresariais.

Assim, período atual, de globalização neoliberal, difere de outros períodos que lhe antecederam pela especificidade do desafio ambiental que lhe acompanha e que, também, o constitui. Afinal, até os anos 1960, a dominação da natureza não era uma questão, e sim uma solução - o desenvolvimento. É a partir desse período que se coloca explicitamente a questão ambiental (...). A globalização neoliberal é uma resposta de superação capitalista a essas questões par o que, sem dúvida, procura, à sua moda, se apropriar de reivindicações como direito à diferença e com ele justificar a desigualdade e, também, assimilar à lógica do mercado questão ambiental. Entretanto, o período histórico da globalização neoliberal que legitimou a questão ambiental é, paradoxalmente, aquele que levou mais longe a destruição da natureza. Jamais em um período de 30 anos, em toda a história da globalização que se iniciou em 1492, foi tamanha a devastação do planeta (PORTO-GONÇALVES, 2015, p. 51-52).

O extrativismo segue sendo um dos processos de exploração mais problemáticos não somente na AL, mas também no mundo. Na divisão internacional do trabalho, o extrativismo é o mecanismo que vincula a exploração de recursos naturais à vida dos trabalhadores, suas comunidades e o ambiente (GROSFOGUEL, 2016). O extrativismo econômico tem conseqüências que não remetem somente a pauperização econômica dos trabalhadores mineradores, mas também aos processos destrutivos da vida e ecologia planetárias. Este fator tem produzido uma especulação financeira através de indústrias extrativistas nas bolsas de valores do mundo com conseqüências nefastas em nível mundial.

Las consecuencias pasan no solamente por la destrucción ecológica, sino también por la violencia que usan para desplazar a seres humanos de sus territorios, cuya mayoría son sujetos racializados en las «zonas del no-ser» del sistema-mundo. Las víctimas de estos procesos en el mundo son los pueblos clasificados como no occidentales que en el caso de América Latina son fundamentalmente poblaciones indígenas y afros. Dicha violência ejercida por actores armados, tanto públicos como privados busca limpiar étnicamente los territorios para que las compañías mineras tomen posesión de la tierra y sus recursos, sobre todo cuando las comunidades no se venden por dinero y organizan resistencias a la destrucción extractivista. Esta explotación extractivista no es nueva. Tiene una larga historia, a partir de la expansión colonial europea en 1492 (GROSFOGUEL, 2016, p. 127).

Entendemos que o extrativismo significa remover volumes de recursos naturais que não são processados para a exportação, sendo muito mais que extração de minerais e petróleo. O extrativismo se estende à agricultura, pesca e aos bosques. O extrativismo é um saqueio que assistimos desenvolver desde a época colonial até o neocolonialismo neoliberal dos nossos dias. Trata-se de um saqueio, roubo e apropriação de recursos naturais do sul para o benefício de minorias demográficas de países que compõem o norte e que constituem as elites capitalistas do sistema-mundo (DUSSEL, 1993). Mais ainda, no extrativismo é central a destruição da vida em todas as formas, pois:

El extractivismo sigue al pie de la letra el concepto occidentalocéntrico de «naturaleza». El problema con el concepto de «naturaleza» es que sigue siendo un concepto colonial, porque la palabra está inscrita en el proyecto civilizatório de la modernidad. Por ejemplo, en otras cosmogonías la palabra «naturaleza» no aparece, no existe, porque la llamada «naturaleza» no es objeto sino sujeto y forma parte de la vida en todas sus formas (humanas y no-humanas). Entonces, la noción de naturaleza ya es de suyo euro-céntrica, occidentalo-céntrica, y antropocéntrica. Es un concepto muy problemático porque implica la división entre sujeto (humano) y objeto (naturaleza), donde el sujeto (humano) es el que tiene vida, y todo lo demás es «naturaleza» considerada como objetos inertes. Por consiguiente, sus formas de vida son inferiores a la humana y están inscritas en la lógica instrumental de medios-fines de la racionalidad occidental donde la «naturaleza» se convierte en un medio para un fin. En resumen, en la cosmovisión dualista cartesiana occidentalo-céntrica, lo humano es concebido como exterior a la naturaleza y la naturaleza como un medio para un fin. Cuando esa racionalidad es aplicada en la producción de tecnológica como ha sido el caso durante los últimos cinco siglos de modernidad, tienes la racionalidad de la destrucción de la vida porque cualquier tecnología que se construya a partir de la noción de «naturaleza» entendida de esta manera dualista occidental-céntrica va a tener inscrita dentro de sí-misma la racionalidad de la destrucción de la vida, ya que no tiene pensada la reproducción de la vida. Por tanto, es una noción problemática de la dominación ejercida por la colonialidad del poder, el saber y el ser (GROSFOGUEL, 2016, p. 129).

Se observarmos o que ocorre na geoeconomia capitalista da produção extrativista, esta se dá em espaços da periferia do sistema-mundo, sendo consideradas zonas de “não-ser planetário”, portanto, habitados por sujeitos postos como racialmente inferiores, pelos condenados da terra (FANON, 1966), vítimas do sistema-mundo moderno-colonial (DUSSEL, 1993; 2000) ou ainda, os “oprimidos” na visão de Paulo Freire (1987).

Em locais de extração de cobre, tais como o Chile, ou a extração do ouro, como a Colômbia, essas empresas extrativas destroem o equilíbrio ecológico destes territórios produzindo doenças para os moradores da área e praticando formas brutais de violência contra trabalhadores ou pessoas que se rebelam. Enquanto isso, nas áreas onde habitam aqueles que são considerados racialmente superiores, os afortunados da terra, se desfrutam dos objetos que produzem morte em locais de extração.

Os chips de cobre para os computadores ou iphones e os materiais de ouro para as joias e os condutores de informação, são todos objetos cujo desfrute não está ao alcance dos sujeitos que produzem em “zonas de não-ser” mineiras. Nas zonas “de ser” o sistema administra os conflitos com mecanismos de regulação e emancipação, enquanto que os conflitos em zonas de “não-ser” se decidem mediante mecanismos de violência e desapropriação. São formas de desfrute da vida de um lado como condição de possibilidade de destruição da vida em outro. Os afortunados da terra vivem nas costas dos condenados da terra (FANON, 1966). A morte num lado produz vida em outro. Este sistema de injustiça global está no centro da discussão acerca do extrativismo, pois:

La explotación, la destrucción y la violencia producidas por las transnacionales extractivistas reproducen las mismas prácticas sin importar el carácter del gobierno de turno. Y frente a sus víctimas, estos gobiernos también se comportan en algunos casos con iguales dosis de violencia. Forma parte de la lógica occidentalocéntrica de izquierda o de derecha la ideología del desarrollismo, y frente a este fin todos los medios quedan justificados, incluida la destrucción y la violencia contra todas las formas de vida (humanas y no-humanas) como resultado del extractivismo. (...) Con esto no niego la diferencia cualitativa que representan estos gobiernos de izquierda frente a las maquinarias neoliberales que existían en estos países en el pasado. El problema es que ser de izquierda no es garantía frente al tema de la destrucción de la vida producida por las lógicas desarrollistas occidentalocéntricas (GROSFOQUEL, 2016, p. 131).

Seguindo a trilha de nossa reflexão, finalizaremos apontando os vínculos entre questão ambiental, as lutas sociais e os sem direitos na perspectiva dusseliana.

4 REFLEXÕES FINAIS: AS LUTAS SOCIAIS E O RECONHECIMENTO DOS “SEM DIREITOS” EM DUSSEL

É inegável que a conquista e colonização a partir do século XV do território batizado como “América” condenou à servidão e ao extermínio seus povos originários e serviu para a apropriação de suas riquezas naturais, alimentando o nascimento do capitalismo emergente (SEOANE, 2010).

À luz do que já foi explicitado, há limites inerentes ao desenvolvimento contraditório do capital em sua relação metabólica com a natureza na produção material da existência. São fronteiras inquestionáveis ao seu padrão de acumulação. No capitalismo, a forma de produção dos meios de satisfação e existência da vida humana e social, se faz ampliando as desigualdades no processo de uso e apropriação do que é criado.

Isso se dá porque o capital é a própria negação do trabalho vivo, da possibilidade da livre criação das pessoas; é o trabalho objetivado que se realiza de modo alienado. Com isso, o capital só é o que é, pelo processo expropriador e dominador de acumulação e de distribuição assimétrica da riqueza produzida e da garantia de seus direitos na organização das nações. Esta relação social que é meio e fim é uma relação formal. É o fundamento do denominado problema ecológico. No entender de Dussel (2014, p. 7):

En efecto, la vida en el Planeta (y su culminación evolutiva: la vida humana), de la cual el ser humano es efecto (en cuanto a la existencia y dignidad cerebral auto-consciente, responsable, libre, y por ello la obra más espléndida de la evolución de la propia vida), es puesta a riesgo por el criterio formal del capital. Ese criterio se define como el del aumento de la tasa de ganancia, que se opone en definitiva a la existencia misma de la vida. Dicha contradicción se explica si se capta la lógica que impone la competencia en el mercado capitalista [tesis 8], que se encuentra oculta bajo una formulación fetichista, absolutizada como pretendido último criterio económico.

Numa passagem magistral o filósofo argentino, expõe de forma clara os fundamentos entre capitalismo, tecnologia e questão ecológica:

El argumento resumidamente es el siguiente: a) todo capital (singular, por ramos dentro o fuera de un Estado) compite con los otros capitales; b) se trata entonces de lograr producir mercancías con el menor valor-precio posible; c) la manera de aumentar la productividad o disminuir el precio de la mercancía en el mercado se logra gracias obtener mayor plusvalor relativo [tesis 6]. Por lo tanto el capital debe hacer crecer su composición orgánica, o, dicho de otra manera, por una mayor eficacia en el uso de la tecnología más desarrollada; d) el capital se encuentra entonces constreñido a subsumir materialmente dicha tecnología, la más desarrollada y en el corto plazo (porque en el largo plazo no podría resistir el embate de la competencia de otros capitales que en el corto plazo lo destruirían por ser menos desarrollado); e) la mejor tecnología desde el criterio de la permanencia de la vida humana exigiría mucho más tiempo para que su desarrollo; f) por ello se impuso un criterio no-ecológico de subsunción de la tecnología en el proceso productivo del capital; es decir, un criterio para elegir la mejor tecnología (no en cuanto a la afirmación de la vida) que permitiera triunfar en la lucha de la competencia en el corto plazo, para disminuir inmediatamente el valor de cambio del producto (DUSSEL, 2014, p. 7-8).

Dussel (2014) indica que o perigo antiecológico não constitui como fundamento a tecnologia enquanto perigo para afirmação da vida humana, mas sim o critério de sua eleição. E esse critério é o mesmo capital, enquanto inclui como momento de sua essência. Portanto, para ele:

Hay uma inmensa ingenuidad en los movimientos ecológicos (a veces aún en el caso que se defienda a la Pacha Mama) cuando se diagnostican la causa del suicidio humano-ecológico, ya que se enfrentan criticando a la tecnología inadecuada (que es el medio elegido), pero desconocen su causa radical (que es el capital como el criterio de su selección” (DUSSEL, 2014, p.8).

A construção da globalização latino-americana não implicou em um espaço econômico homogêneo em nível internacional. Entre outras questões, a construção simultânea de integrações no plano nacional se deu sob a hegemonia de algumas principais potências capitalistas, tendo nas áreas consideradas verdadeiros “quintais” para seu desenvolvimento econômico e para projeção e defesa de seus interesses globais. Podemos nos questionar o que isso significa para as lutas ambientais na AL? Assim, Seoane pontua que:

Este proyecto de recolonización orientado principalmente a la apropiación de los bienes comunes de la naturaleza supone, tal como lo habíamos mencionado antes, garantizar el proceso de desposesión de dichos bienes; vale decir, susustracción a los actuales usufructuarios y/o el desplazamiento y la “neutralización” de las comunidades y poblaciones que habitan en estos territorios, lo que muchas veces significa su condena al exterminio o extinción. Así, el uso de la fuerza, de la violencia, ya sea por parte del Estado, de grupos paraestatales o ilegales, o de la cooperación o coexistencia entre ambos, se torna un componente esencial de este proceso. Una historia de sangre que recorre las masacres sufridas por movimientos indígenas, campesinos, de pobladores y territoriales en lãs últimas décadas de Nuestra América y que se acentúa en los últimos años. Uma desde los pueblos historia de violencia sistémica que ha motivado su caracterización como uma “guerra” declarada a los pueblos pobres (SEOANE, 2010, p. 12).

Os questionamentos a esta depredação do ambiente que adotaram as formas de luta “contra a contaminação”, implicam uma experiência de devastação e luta local-nacional que deram sustentação a uma compreensão dos efeitos devastadores do capitalismo sobre o ambiente em nível global. Esses fatores reiteram sua importância na intervenção dos movimentos sociais latino-americanos na detenção do processo de contaminação, mudanças climáticas e catástrofes ecológicas em curso. Segundo Seaone,

Expresión de ello es la iniciativa asumida por el actual gobierno de Bolivia en la figura de su presidente Evo Morales, con la convocatoria a la Conferencia Mundial de los Pueblos sobre el Cambio Climático y los Derechos de la Madre Tierra tras el fracaso de la reciente Cumbre sobre el Cambio Climático de las Naciones Unidas, realizada en Copenhague (Dinamarca). Esta problemática, sumada a las consecuencias de la mundialización neoliberal capitalista en los terrenos energético, alimentario, social y económico, há hecho que la situación actual sea entendida además como una verdadera “crisis de civilización hegemónica” dando cuenta así de la amplitud, diversidad y complejidad de las alternativas que plantea (2010, p. 9).

Evidenciamos, com isso, que para a questão ambiental e suas lutas na AL, essa discussão é determinante e estruturante dos processos políticos. Nesse contexto, quais contribuições educativas e políticas estariam alicerçadas no seu pensamento para refletirmos tais questões? Para Dussel, a situação crítica que interessa à Ética da Libertação se apresenta quando os cidadãos são excluídos do exercício de seus direitos. Para o pensador argentino:

Estes cidadãos com consciência de serem sujeitos de novos direitos se experimentam a si mesmos como vítimas, sofrendo inevitavelmente os efeitos negativos do corpo do direito ou de ações políticas, no melhor dos casos não-intencionais. São as gerações futuras diante dos crimes antiecológicos das gerações presentes; é o caso da mulher na sociedade machista, das raças não brancas na sociedade racista ocidental, dos homossexuais nas estruturas heterossexuais, dos marginais, das classes exploradas por uma economia do lucro, dos países pobres e periféricos, dos imigrantes e ainda dos Estados nacionais debilitados pela estratégia do capital global nas mãos de corporações transnacionais (às quais não se pode, e de destruição ecológica ou social, como efeito de suas estratégias como aumento de pobreza no mundo) (DUSSEL, 2015, p. 128).

O filósofo argentino indica que as vítimas deste processo excludente são os “sem-direitos” (os que não têm direitos reconhecidos, vigentes). Trata-se da dialética de uma comunidade política com “estado de Direito” em face de muitos grupos emergentes sem-direitos, vítimas do sistema-mundo (DUSSEL, 2015). Desse modo, ele sustenta seu argumento:

Não era factível (pelas condições históricas concretas) o movimento feminista na Idade Média (embora tenha havido heróicas antecipações), como tampouco era possível o ecologismo antes da revolução industrial, quando o Planeta parecia, todavia, uma fonte inacabada de recursos, e os efeitos negativos sobre a reprodução da vida eram quase não mensuráveis. A incorporação de “novos” direitos ao “sistema do direito”, ou a explosão do “sistema do direito” vigente, que agora se transforma em “antigo”, por um novo sistema do direito, é fruto não tanto da explicitação de um direito natural, contudo não descoberto, e sim da institucionalização de um «novo» direito descoberto pelas vítimas «sem--direito», fruto da maturidade histórica própria ao desenvolvimento da realidade humana (e da consciência política), do processo civilizatório da comunidade política particular ou da humanidade em geral. Dito «descobrimento» não é fruto nem de um estudo teórico nem de um voluntarismo de certos movimentos messiânicos (DUSSEL, 2015, p. 130-131).

Logo, a negatividade material (a miséria, a dor, a humilhação, a violência sofrida, etc.) reitera para o “sem-direito” uma lacuna dentro do sistema jurídico. Ou seja, Dussel (2015) entende os demais direitos foram tencionados à luz de outros processos, tais como pela dor da violência familiar, a humilhação promovida pelo patriarcalismo e a própria corporalidade sofrente da mulher oprimida pela cultura machista (no nível sexual, social, econômico cultural, religioso, etc.), que permitiu subjetiva e publicamente descobrir sua inexistência no sistema do jurídico. Em termos das lutas ambientais, podemos relacionar que:

A luta pelo reconhecimento do dito descoberto “em-negativo” é a origem histórica dos novos direitos do novo corpo de direito que se agregara à “lista” dos direitos humanos. É, evidentemente, um descobrimento histórico a posteriori; não é um direito natural a priori, nem é tampouco um direito positivo. É, simplesmente, a consciência de um “novo” direito descoberto na maturidade do processo histórico (este direito e não qualquer outro, longe de todo relativismo), mas não-institucionalizado, não-positivizado. A dialética, como temos indicado, não é a do “direito natural - direito positivo”, e sim entre “direito vigente - novos direitos históricos” (DUSSEL, 2015, p. 131).

Estes processos elencados acima orientam o plano latino-americano para o que foi denominado de “acumulação por espoliação” (HARVEY, 2004) para caracterizar “o novo imperialismo” e sua combinação estrutural de mais valia absoluta e mais valia relativa, que se torna insuficiente se ignorarmos a colonialidade que atravessa o sistema-mundo moderno colonial. Diante tal processo de expropriação material, a “acumulação por despossessão” se refere à apropriação privada dos chamados “bens comuns sociais” (as empresas e os serviços que foram transformados em públicos-estatais em particular a partir de meados do século XX) e os denominados “bens comuns da natureza” (em referência ao que a teoria econômica chama de recursos naturais”).

Temos em vista que:

De este modo, la acumulación por desposesión implicó un complejo y amplio proceso de cambios regresivos: de reformas legales, de implementación de políticas públicas, de iniciativas de las corporaciones y asociaciones empresariales, de proyectos de organismos internacionales y, en definitiva, del uso de la violencia estatal-legal y paraestatal-ilegal; todos orientados a garantizar la efectiva desposesión de estos bienes a los pueblos y las comunidades que hasta entonces eran sus tenedores y cuidadores para su mercantilización (especialmente por medio de la privatización), que posibilitaba así su apropiación privada y su explotación capitalista. Una explotación intensiva, en la amplia mayoría de los casos de carácter transnacional y orientada a la exportación de las “mercancías” obtenidas para su venta-consumo en el mercado mundial. Este proceso general es el que recibe el nombre de “saqueo”. Su aplicación no sólo conlleva el desplazamiento de las poblaciones originarias y la destrucción de sus condiciones de vida, sino que también resulta en la depredación del ambiente afectando al conjunto de la vida en el territorio y proyectando sus sombras en el plano nacional y en el internacional (SEOANE, 2010, p. 9).

Segundo Dussel (2016) nas culturas indígenas da América Latina existe a afirmação de uma natureza distinta, equilibrada e ecológica que se contrapõe a forma como a Modernidade capitalista confronta a natureza como explorável, negociável e destrutível. Para ele, a morte da natureza é um suicídio coletivo da humanidade e a cultura eurocêntrica, globalizada e hegemonizada, nada aprendeu do respeito à natureza que há em outras culturas, supostamente mais atrasadas, segundo os paradigmas desenvolvimentistas.

Esse princípio ecológico dusseliano também pode reconhecer o melhor da modernidade (não negando radicalmente, mas superando-a dialeticamente), buscando integrar seus desenvolvimentos científicos e tecnológicos em outros modos de produzir, se organizar socialmente e criar culturas. Por sua vez, a contribuição do seu pensamento, surge assim:

La Filosofía de la Liberación dusseliana afirma la necesidad de reconocer al sujeto ético viviente y comunitario, sobre todo cuando éste se presenta como víctima de un sistema perverso que lo niega, que lo excluye, que le impide vivir y que no le permite participar en condiciones de igualdad en la comunidad de comunicación donde se establecen normas que van a afectarle directamente; la Filosofía de la Liberación reconoce, también, la diversidad intersubjetiva de comunidades culturales, especialmente la de las víctimas, que descubren y luchan por sus nuevos derechos, una diversidad que no niega la universalidad de la razón material y discursiva, sino que la concretiza y la enriquece descubriendo los diversos Otros, «que es necesario saber articularlos «transversalmente» en su riqueza alterativamente (lo que hemos denominado hace años el momento analctico é del método dialéctico, que parte de la positividad «dis-tinta», la diversidad alterativa, para encontrar la universalidad en la profundidad de cada diversidad, en la que se refleja la particularidad de la alteridad de los otros sujetos históricos) (ALONSO, 2009, p. 122).

Sem dúvida, temos a constatação que a AL vem enfrentando uma série de conflitos ambientais. Nas últimas décadas, os conflitos entre povos indígenas, governos e empresas com investimentos na região ganham evidência. Tais conflitos nos permitem afirmar que os governos latino-americanos, em geral, fracassaram em relação às políticas de proteção dos territórios indígenas, pois:

No centro das contradições do sistema mundo moderno-colonial já reiterado na introdução, em que os protagonistas eram, sobretudo, do “andar de cima”, como os gestores dos organismos multilaterais, as ONGs e as corporações do grande capital transnacional, surgiram grupos sociais, etnias e classes que reinventam sua r-esistência histórica à tomada de seus territórios, de suas terras e demais condições naturais de existência desde a invasão/conquista, como os indígenas, os camponeses e os afro-americanos (em seus cumbes, quilombos e pallenques) e que, sobretudo nos últimos 40 anos, veem-se em grande parte como populações pobres das periferias urbanas vivendo em habitações subumanas paradoxalmente mais suscetíveis à situação de riscos ambientais do que quando estavam nas áreas rurais, nos campos e florestas. Não esqueçamos que a crise ambiental seja também, na perspectiva dessas populações, crise civilizatória reconfigurando o debate epistêmico-político (PORTO-GONÇALVES, 2012, p. 17).

Dessa forma, as consequências e as demandas dos povos atingidos são diversas e indicam a amplitude das lutas: questionamento acerca do valor percentual que as empresas transferem às comunidades e destinação dos royalties; denúncias a respeito da usurpação das terras e territórios tradicionalmente ocupados; reivindicação de melhores condições de trabalho; preocupação com o desmatamento de florestas/vegetação existente nas áreas; denúncia dos riscos a saúde da população; denúncias contra a contaminação do ar e d´água (JUNIOR, s/d, 2). Porém, existe uma questão central nesse conjunto de relações:

Trata-se da luta pela reapropriação social da natureza que a humanidade, na sua diversidade, vem travando. É isso que se coloca enquanto questão territorial. Afinal, uma das condições para que haja uma dominação generalizada de alguns homens sobre a humanidade é a expropriação das condições materiais da existência entre as quais se inclui a natureza. Assim, privados dessas condições pela instauração do primado da propriedade que priva - propriedade privada - instaura-se a separação homem-natureza não só enquanto paradigma. Deste modo, são profundas as implicações que emanam dessas lutas pela reapropriação social da natureza, boa parte delas desencadeadas por populações com fortes vínculos territoriais, como os povos originários, camponeses, quilombolas, os sem-terra (desterritorializados em luta por re-territorialização enquanto reapropriação social da natureza) (PORTO-GONÇALVES E QUENTAL, 2012, p. 19).

Fontes (2010) pontua que tais processos sociais evidenciam uma análise num duplo movimento que indica direções opostas: a) de um lado o fio de conjunto dos processos, sem cair no equívoco de reproduzir sujeitos ocultos a presidirem os conflitos e lutas sociais, e de outro; b) a necessidade em trazer os sujeitos e o conjunto das atividades que eles realizam para existir (objetiva e subjetivamente), pois a produção material da vida nos remete a relações sociais concretas. Com isso, queremos reiterar que:

Em quase toda a América Latina, esse processo foi acelerado de maneira violentíssima nas últimas décadas e, em muitos países, mesclou-se com a repressão e mesmo com o massacre frente à resistência indígena. Agudizou-se, portanto, a revolta dessas populações, que resistiam não apenas a essa expropriação, mas defendiam seus modos de viver ancestrais mantidos a duras penas contra a homogeneização característica do predomínio mercantil. Lutam pela conservação de suas tradições, a começar pela defesa das línguas e culturas nativas que, por seu turno, passaram na atualidade a serem também violentamente expropriadas para os novos empreendimentos de base genética. A expropriação capitalista não se limita à terra ou aos meios de produção - embora seja sobre eles que se exerça prioritariamente -, mas atinge todos os elementos da vida social que bloqueiem a plena disponibilidade da força de trabalho (para o capital), assim como dos elementos naturais que até então constituíam parte integrante da vida coletiva; bens não convertidos em mercadorias são expropriados, como água ou florestas, implicando, portanto, - e este é o elemento que queremos ressaltar - a expropriação das populações, a serem convertidas em massas “contáveis” de desempregados (ou, em outros termos, em pura disponibilidade para o mercado) (FONTES, 2008, p. 25-26).

Para Fontes (2008), o processo de “mercantilização” é um dos mais violentos da expropriação social. As águas, o ar, a natureza biológica, sementes, gens humanos eram elementos naturais ou sociais sobre os quais não incidia propriedade e que vêm sendo devastados da totalidade social e convertidos em “princípio material”, os quais devem ser situados no horizonte da uma ética da libertação e das lutas emancipatórias (COSTA E LOUREIRO, 2015). Ou, como postula Porto Gonçalves (2010, p. 291):

Toda a questão passa a ser, portanto, quem determina o quanto, com que intensidade, por quem e para quem os recursos naturais devem ser extraídos e levados de um lugar para outro, assim como o próprio trajeto entre os lugares. Como se vê, é toda a questão política que está implicada no cerne do desafio ambiental, por meio do território.

O que vem acontecendo indica a “conversão” da natureza em mercadoria, em um efetivo processo de expropriação que determina as relações de trabalho e o metabolismo sociedade-natureza. Assim, não apenas se converte coisas em mercadorias, mas se assegura a continuidade e expansão das relações sociais capitalistas (FONTES, 2008). Tendo em vista, estes elementos:

A expropriação permanece, portanto, o fulcro central da exploração capitalista, à qual corresponde, no extremo oposto da mesma relação, a concentração de recursos sociais (meios de produção e de subsistência) aptos a se converterem em capital, para ser valorizados, aplicados na própria exploração de trabalhadores (FONTES, 2008, p. 28).

No que tange a AL, para Seoane (2010), o marco das resistências contra a expropriação e exploração privadas de seus bens comuns, são os movimentos sociais e povos de Nossa América. Esses povos têm conseguido elaborar um programa alternativo postulando uma série de práticas coletivas e horizontes libertários que enriqueceram os debates e concepções sobre a transformação social que haviam caracterizado épocas passadas. Esta dinâmica de conflitos contra a apropriação privada dos bens comuns e a vida no território, tem expressado uma consciência das catastróficas consequências que a forma social capitalista tem sobre a vida no planeta. Daí decorre, portanto, a consolidação da preocupação ecológica como parte de um dos núcleos programáticos dos movimentos sociais que, em sua multiplicidade, dão conta das alternativas ante uma crise de civilização.

Podemos apontar na esteira da reflexão de Dussel, os povos da América como hodiernamente denominados “sem direitos”, as comunidades indígenas, tradicionais, originárias e quilombolas, dos que mais sofrem na carne os efeitos da colonialidade, fruto do sistema-mundo vigente. Comunidades que clamam e vivem da possibilidade da superação dessas relações assimétricas para além das colonialidades. Esse fator constitui um projeto de sociedade permeado de novas relações sociais e políticas, pois o clamor dos excluídos, dos “outros negados” exige uma outra forma de justiça que seja capaz de assegurar a “possibilidade de ser” noutro padrão de sociabilidade.

Cabe indagar, o que está efetivamente em jogo nesse enfrentamento? E quais as implicações políticas fazem parte deste debate? Para Acselrad (2011, p. 111):

Tudo sugere que se trate do modo como se organizam as condições materiais e espaciais de produção e reprodução da sociedade - mais especificamente, como distribuem-se no espaço distintas formas sociais de apropriação dos recursos ambientais, e como, nessa distribuição, a permanência no tempo de uma atividade, caracterizada por certas práticas espaciais,5 é afetada pela operação de outras práticas espaciais. ou seja, como para a expansão da monocultura do eucalipto, perdem os quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a expansão da soja transgênica, são inviabilizadas as atividades dos pequenos agricultores orgânicos; como, por causa da produção de energia barata para as multinacionais do alumínio, perdem os pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar; como, para a produção de petroquímicos, perdem os trabalhadores sua saúde pela contaminação por poluentes orgânicos persistentes.

Dussel (2015) entende que nas mediações sociais se realizam as condições universais por meio de sistemas concretos, cujo processo ocorre em primeiro lugar através dos sistemas materiais ecológico-econômicos. Em relação à dimensão material de sua reflexão, o filósofo de Mendoza procura novas formulações sobre o problema ecológico que se realiza no sociometabolismo do capital e não somente na tecnologia subsumida no processo de trabalho. Para ele, tal como argumentamos ao longo do ensaio, “el desastre ecológico no es fruto sólo de una tecnología anti-ecológica, sino más bien del criterio antiecológico, contra la vida humana, del capital en cuanto tal” (DUSSEL, 2007a, p. 10-11).

Podemos afirmar que a contribuição dusseliana ao processo de lutas sociais e ambientais se constitui num movimento dialético que parte das “vidas negadas” pelo projeto societário capitalista em sua matriz eurocêntrica. Tais lutas sociais objetivam uma luta pela sobrevivência, assim como do reconhecimento da dignidade humana como “Outro” (DUSSEL, 1993), a qual é negada por este projeto.

A partir do que chamaríamos de uma “pretensão política de justiça”, levamos em conta que o sistema-mundo moderno-colonial, em sua contínua tensão no modo de produção capitalista latino-americano, abre espaço para que os movimentos sociais, comunidades tradicionais, povos originários e demais populações impactadas em suas reivindicações, conquistem novos direitos, propondo horizontes políticos que visem superar sua condição de exclusão (injustiça) ambiental. Para o filósofo de Mendoza, a questão do projeto de emancipação, que é a utopia constitui uma tarefa política concreta, onde a práxis libertadora, revolucionária e emancipatória consiste em dar passos concretos e históricos (DUSSEL, 2012).

Para a vertente crítica da questão ambiental assumida neste texto, Dussel contribui na compreensão dos processos de exclusão em relação às lutas sociais e resistências dos trabalhadores, camponeses, povos originários que, ao defenderem seus territórios, produzem conhecimentos a partir de outras visões teóricas, epistêmicas e políticas, forjadas nas lutas contra as expropriações na AL. Sua proposta educativa auxilia na adoção de estratégias políticas dirigidas à libertação inscritas nos marcos de um processo de radicalização da questão social contrária à lógica neoliberal e desenvolvimentista hegemônicas, próprias da feição que o capitalismo assume na AL em sua matriz neocolonial. A partir de Dussel sinalizamos que é necessário, por um lado, integrar uma pedagogia libertadora às lutas mais amplas pela libertação da sociedade como um todo, e por outro, ao colocar-se a serviço das transformações estruturais do capitalismo, não deve excluir dessa luta a formulação de projetos educativos que priorizem um conhecimento que liberte.

Em síntese, Dussel colabora de forma decisiva aos “sem direitos” propondo uma crítica radical ao sistema-mundo moderno-colonial, que somente é possível com o reconhecimento deste contexto desigual, desumano e alienado nas suas relações com a natureza na AL, uma vez que, quando se nega o mito civilizatório da modernidade e a violência produzida por essa matriz, descobre-se o eurocentrismo e a falácia desenvolvimentista. Tais processos legitimam o “encobrimento do outro” (populações indígenas, tradicionais, quilombolas, trabalhadores, negros, mulheres) de seus direitos, se configurando uma luta por reconhecimento dos “sem-direitos” e sua libertação diante o padrão de sociabilidade vigente na AL (DUSSEL, 2015).

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Recebido: 17 de Setembro de 2017; Aceito: 29 de Abril de 2019

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