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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.2 São Paulo abr./jun 2019  Epub 08-Ago-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i2p748-767 

Artigos

POR UMA PEDAGOGIA DA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS, TESSITURAS SOCIAISi

FOR A PEDAGOGY OF EDUCATIONAL EVALUATION: EPISTEMOLOGICAL ASSUMPTIONS, SOCIAL TESSITURES

POR UNA PEDAGOGÍA DE LA EVALUACIÓN EDUCATIVA: PRESUPUESTOS EPISTEMOLÓGICOS, TESITURAS SOCIALES

Roberto Araújo SILVA1 

Maria Amélia do Rosário Santoro FRANCO2 

1 Mestre e Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Membro do Grupo de Pesquisa Práticas Pedagógicas: pesquisa e formação (UNISANTOS). E-mail: roberto.araujodasilva@yahoo.com.br

2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora CNPq e Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Santos. Líder do Grupo de Pesquisa Práticas Pedagógicas: pesquisa e formação (UNISANTOS). E-mail: ameliasantoro@uol.com.br


RESUMO

O ensaio analisa a avaliação educacional a partir de sua ontologia e epistemologia. Interpreta a avaliação como práxis multifacetada e intersubjetiva construída em variadas tessituras sociais. Defende a pedagogia da avaliação educacional, isto é, que a avaliação, como prática valorativa de objetos/fenômenos educativos, pode e deve ser pedagógica, para tanto, aponta seus pressupostos epistemológicos. Investiga duas concepções antagônicas de avaliação: o controle e a emancipação, com base no exemplo do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). Objetiva responder a seguinte pergunta: a qual destes conceitos os princípios que atualmente regem o SINAES se aproximam? De caráter teórico-analítico, o estudo fundamenta-se na perspectiva da Sociologia da Avaliação e vale-se de revisão bibliográfica e análise documental. Embora o SINAES tenha sido elaborado com o intuito de integrar paradigmas divergentes, a análise indica que, na atualidade, o Sistema concentra elementos de regulação e supervisão associando-se à ideia de avaliação como controle. Considera a avaliação educacional como campo de lutas no qual conceitos em disputa ganham ou perdem relevância e proporção a partir da intencionalidade subjacente às práticas/políticas educativas.

PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia da Avaliação; Sociologia da Avaliação; Avaliação Educacional; Pedagogia da Avaliação Educacional; SINAES

ABSTRACT

The article analyzes the educational evaluation from its ontology and epistemology. Interprets evaluation as a multifaceted and intersubjective praxis constructed in various social tessitures. Defends the pedagogy of educational evaluation, that is, that the evaluation, as an evaluative form of educational objects or phenomena, can and should be pedagogical, for that, points its epistemological assumptions. Investigates two antagonistic conceptions of evaluation: control and emancipation, based on the example of SINAES (National System of Evaluation of Higher Education). Aims to answer the following question: Which of these concepts the principles that currently govern the SINAES approach? With theoretical-analytical character, the study is based on the sociology of evaluation and uses bibliographic review and documentary analysis. Although the SINAES was designed to integrate divergent paradigms, the analysis indicates that, at present, the System concentrates elements of regulation and supervision associated with the idea of evaluation as control. The study considers educational evaluation as a field of struggle in which the concepts in dispute gain or lose relevance and proportion from the intentionality underlying educational practices/policies.

KEYWORDS: Epistemology of Evaluation; Sociology of Evaluation; Educational Evaluation; Pedagogy of the Educational Evaluation; SINAES

RESUMEN

El artículo analiza la evaluación educativa a partir de su ontología y epistemología. Interpreta la evaluación como praxis multifacética y intersubjetiva construida en variadas tesituras sociales. Defiende la Pedagogía de la Evaluación Educativa, o sea, que la evaluación, como forma valorativa de objetos o fenómenos educativos, puede y debe ser pedagógica, para tanto, apunta sus presupuestos epistemológicos. Investiga dos concepciones antagónicas de evaluación: el control y la emancipación, con base en el ejemplo del SINAES (Sistema Nacional de Evaluación de la Educación Superior). Objetiva responder la siguiente pregunta: ¿a cuál de estos conceptos los principios que actualmente rigen el SINAES se acercan? De carácter teórico-analítico, el estudio se fundamenta en la perspectiva de la sociología de la evaluación y se valora de revisión bibliográfica y análisis documental. Aunque el SINAES ha sido elaborado con el fin de integrar los paradigmas divergentes, el análisis indica que, en la actualidad, el Sistema concentra elementos de regulación y supervisión asociándose a la idea de evaluación como control. Considera la evaluación educativa como campo de luchas en el cual los conceptos en disputa ganan o pierden relevancia y proporción a partir de la intencionalidad subyacente a las prácticas/políticas educativas.

PALABRAS CLAVE: Epistemología de la Evaluación; Sociología de la Evaluación; Evaluación Educativa; Pedagogía de la Evaluación Educativa; SINAES

1 INTRODUÇÃO

No presente ensaio buscamos explorar e analisar a avaliação educacional de modo ontológico e epistemológico. Objetivamos interpretar e conceber a avaliação como práxis social de características multifacetadas, permeada por variadas relações intersubjetivas, isto é, políticas, éticas e culturais. Com tais peculiaridades, o ato de avaliar não é mera ação mecânica, fruto de observação neutra, abstrata e inconsciente, ao contrário, é prática reflexiva, imbuída de consciência, convicções e predefinições.

Entendendo a avaliação como ato humano, processado no devir histórico, exploramos seus desdobramentos para a educação, o que a torna fenômeno específico: avaliação educacional. Ao entrar nesta especificidade, analisamos suas concepções, limites e possibilidades.

A avaliação educacional apresenta-se de diversas formas e sob diferentes aspectos. Sua existência está imbricada nas políticas e práticas educacionais, e relaciona-se às salas de aula, ao trabalho docente, aos currículos, cursos, estudantes, professores, gestores, instituições e governos. Acreditamos que, ao debruçar-se sobre objetos e fenômenos educativos, a avaliação pode e deve ser pedagógica, assumindo potencialidades como recurso de formação para os sujeitos envolvidos. Assim, discutimos a avaliação em sua essência e finalidades, ou seja, seu “corpus” epistêmico e seus objetivos na vertente educacional.

Com diversas modalidades de avaliação educacional, seja em exames de larga escala ou políticas sistemáticas, o Estado empenha-se em garantir processos de valoração da educação brasileira. De acordo com Werle (2011) e Freitas (2016), ainda que haja ampla gama de procedimentos avaliativos no país, em sua maioria, as políticas de avaliação têm servido como meios de classificação, medição e constatação de condições do sistema educacional, em detrimento de garantir-se como processo pedagógico para o aperfeiçoamento do setor.

Este ensaio foi desenvolvido como forma de apontar a pedagogia da avaliação educacional, isto é, sua possibilidade e relevância como meio formativo. De caráter teórico-analítico, fundamenta-se em revisão de literatura e análise documental. A literatura utilizada insere-se no campo da Sociologia da Avaliação (AFONSO, 1999, 2009; LÜDKE, 1987, 1989; PERRENOUD, 1989; SOUZA, 2018). A dialeticidade proporcionada por essa perspectiva nos possibilitou construir hermenêutica entre referências teóricas e documentos com vistas aos múltiplos diálogos entre contexto social e contradições acerca de nosso objeto de investigação (FRIGOTTO, 2010).

O texto divide-se em duas partes. Na primeira, analisamos a avaliação de modo amplo, ou seja, sua essência enquanto ato humano-subjetivo para, em seguida, nos aprofundarmos em sua versão educacional e caracterizarmos a pedagogia da avaliação. Exploramos e comentamos duas lógicas antagônicas subjacentes às avaliações: o controle e a emancipação. Para esse debate exploratório, nos baseamos na perspectiva da avaliação enquanto prática multidimensional, situada na complexa relação entre fenômenos e tessitura social. Nesse sentido, em concordância com outros autores, a avaliação educacional emerge como rico campo de estudos (DIAS SOBRINHO, 2002, 2003; FRANCO, 1990; FREITAS, 2016; MACHADO, 2013; VIANNA, 2000). Sem perscrutar e definir um novo campo teórico, indicamos alguns de seus pressupostos epistemológicos.

Com a avaliação educacional em observação, na segunda parte do texto, seguimos investigando os dois paradigmas divergentes a partir da atual política de avaliação da educação superior brasileira: SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). Instituído pela Lei 10.861 de 2004 (BRASIL, 2004), o SINAES buscava em sua concepção realizar a complexa missão de integrar duas perspectivas avaliativas e produzir efeitos tanto de regulação quanto de formação. Conduzimos a análise desta política com intuito de responder a seguinte questão: os princípios que atualmente regem os processos do SINAES funcionam como regulação ou emancipação?

2 A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: ENTRE EPISTEMOLOGIA E TESSITURAS SOCIAIS

Os humanos, em seu devir existencial, são seres complexos. Segundo Franco (1990), a humanidade, ao buscar suprir o que lhe é necessário, produz novas necessidades. Nessa procura, o humano se depara com situações, fenômenos, objetos, age e reflete, a partir de diversos atos subjetivos, por vezes (in)conscientes, permeados de múltiplas relações com o meio material a sua volta.

Dentre as várias ações humanas, observam-se a escolha e a valoração. Ao ter ciência de sua existência, o ser humano decide, seleciona, separa e atribui qualidade às coisas. Essa capacidade intelectual chama-se avaliação. Assim, em concordância com Dias Sobrinho (2003) e House (2000), compreendemos que o processo de avaliar tem como essência a atribuição de valor, isto é, definir aquilo que é bom/ruim, fácil/difícil ou quaisquer outros sentidos qualitativos. Portanto, o ato de avaliar relaciona-se à natureza das coisas a partir do processo de definição da essência, da qualidade, das características dos inúmeros objetos e fenômenos que os seres humanos conhecem.

A dimensão do valor está na essência mesma da avaliação e se inscreve radicalmente em sua etimologia. O valor dota a avaliação de uma função ativa. Ela não se restringe a somente descrever os resultados obtidos, mas também passa a avaliar as entradas, os contextos ou circunstâncias diversas, os processos, as condições de produção e os elementos finais (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 24-25).

A avaliação supõe, por natureza, adotar um conjunto de princípios, defini-los e deduzir em que grau o objeto satisfaz esses fundamentos. Desse modo, a avaliação é uma forma de verificar se o que está sendo avaliado está em consonância com as premissas estipuladas; o padrão definido anteriormente (HOUSE, 2000).

Avaliar é multidimensional e distintivo na condição humana. Mais que a possibilidade de qualificar alguma coisa, os humanos podem expressar e dialogar sua decisão em diversas formas. Sendo ato dialógico, ou seja, ação realizada na relação entre coletivo e individualidade, recebe múltiplas finalidades éticas. Avaliação é também ação gnosiológica, pois agrega, produz ou reproduz o conhecimento do real. Portanto, sua epistemologia situa-se no estudo da racionalidade do ato de escolher e valorar, com vistas a interpretar sua essência, seus fundamentos e sentidos. Como campo de estudos, está interligado às dinâmicas políticas, sociais, culturais e econômicas que se relacionam, influenciam e são influenciadas pelas variadas formas de avaliação.

Com Dias Sobrinho (2002), indicamos a avaliação como área cujo domínio é disputado por diversas disciplinas. O espaço de estudos da avaliação não é objeto estático e já definido, mas algo dinâmico. Observa-se que, à medida que a sociedade se transforma, com avanços de conhecimento e técnica, o tema da avaliação se altera e ganha novas configurações.

A avaliação desdobra-se em diversas vertentes e, ao valorar fenômenos educativos, torna-se avaliação educacional. Seus pressupostos epistemológicos concentram-se no estudo do ato de avaliar relacionado aos âmbitos educacionais, fundamentado em múltiplos sentidos éticos e políticos. A epistemologia da avaliação educacional envolve-se na racionalidade subjacente às práticas/políticas de avaliação de objetos e/ou fenômenos da educação. Por exemplo, sem se reduzir à análise de resultados de processos avaliativos de aprendizagem, busca compreender o sentido, os fundamentos e a lógica de um modelo de avaliação.

A avaliação educacional tem ganhado visibilidade como objeto de investigação e relevância enquanto práxis. Conforme Dias Sobrinho (2002, 2003) e Franco (1990), o campo de estudos acerca da avaliação educacional surgiu com os primeiros testes psicométricos, ligados à crescente Psicologia. Nesse período - início do século XX -, o avaliar era concebido com caráter objetivista-positivista, pois tentava ignorar a subjetividade do avaliador e, também, daquilo que era avaliado.

Ao longo do tempo, em meados do século XX, houve espaço para o surgimento da racionalidade subjetivista de avaliação (FRANCO, 1990; MACHADO, 2013). Assim, as práticas de avaliação educacional passaram a contemplar múltiplas subjetividades presentes em processos avaliativos, tanto de avaliadores quanto de avaliados.

Adicionada a esses paradigmas, a partir dos anos 1970, observa-se o despontar da racionalidade dialética da avaliação educacional (MACHADO, 2013). Nessa concepção, avaliar não é somente intersubjetivo, mas também imbricado na rede de interações sociais.

Coexistindo no campo de estudos e práticas de avaliação educacional, os três paradigmas apontados se formam e reformam de diversos modos. Ligados à dinâmica social, podem ser analisados a partir de olhar sociológico. É nessa perspectiva que se fundamenta a Sociologia da Avaliação Educacional (AFONSO, 1999, 2009; FRANCO, 1990; LÜDKE, 1987, 1989; PERRENOUD, 1989; SOUZA, 2018).

Segundo Lüdke (1987, p. 44), o caráter sociológico da avaliação se manifesta com as normas de excelência e o que é exigido dos alunos, isto porque as normas são definidas de acordo com os anseios sociais. Logo, a avaliação reflete “[...] diretamente os valores pregados pelo grupo social ao qual a educação serve”. A autora complementa: “[...] se quisermos saber o que determinada sociedade valoriza, basta observarmos seu sistema de avaliação” (LÜDKE, 1987, p. 44).

Mais radical que outros autores, Perrenoud (1989) afirma que um olhar sociológico para a avaliação não pode ser limitado à exploração de outro campo disciplinar como, por exemplo, a Medicina ou a Educação, pois entende a avaliação como componente permanente da ação individual, bem como das interações sociais. Perrenoud (1989) defende que haja a consolidação da Teoria da Avaliação.

Para Afonso (1999, 2009), não se trata de fragmentar o conhecimento, constituir outra sociologia ou outro campo disciplinar separado da Sociologia da Educação, mas de dar visibilidade à avaliação educacional em seu interior.

Se percorrermos o campo da sociologia da educação, poderemos concluir que existem, fundamentalmente, duas formas de abordagem referentes à problemática da avaliação educacional: uma delas, que poderíamos designar por sociologia implícita da avaliação, traduz um conjunto de referências e análises sobre avaliação que se encontram, de forma dispersa e fragmentada, em trabalhos cujo objecto genérico é a educação escolar; uma outra, que poderíamos chamar de sociologia explícita da avaliação, constitui o resultado de diversos esforços teóricos e empíricos intencionalmente estruturados em torno da avaliação enquanto objecto (exclusivo ou central) de investigação (AFONSO, 2009, p. 15).

Portanto, a Sociologia da Avaliação explica o fenômeno avaliativo, isto é, se refere à problematização da avaliação com processos de mudança social e organizacional, mediante a compreensão de intervenientes e significados atribuídos e produzidos no processo avaliativo. Em outras palavras, analisa os vários aspectos sociais que interferem nesta práxis (SOUZA, 2018).

O olhar sociológico para a avaliação educacional fundamenta-se em perspectiva teórica baseada em estudos de variadas áreas do conhecimento, que buscam compreender a inter-relação entre processos de avaliação educacional e seu contexto social. Não se separa de outros campos da ciência, mas os atravessa. Portanto, a Sociologia da Avaliação Educacional é entendida como conjunto de investigações científicas com o objetivo de analisar a episteme da avaliação em sentido restrito, isto é, a valoração de um objeto ou fenômeno educativo em diálogo com o sistema social mais amplo.

Esse olhar aponta para algo mais abrangente, pois inclui não somente práticas avaliativas diretamente dependentes de professores, e que são direcionadas aos alunos, mas também as práticas de avaliação de outros atores inseridos no sistema educacional. Essa visão nos permite estabelecer relações com o que Gentili (1999) indica como o avanço contemporâneo de políticas neoliberais sobre a educação. Ao observarmos a centralidade do conhecimento como mercadoria e o maior interesse na avaliação da educação ofertada, percebemos a ampliação de sua relevância e espaço no cotidiano de sistemas educacionais. Dessa maneira, a avaliação educacional, quer seja como políticas ou práticas, torna-se “mecanismo omnipresente” na vida de instituições escolares (AFONSO, 1999, p. 38).

Assim, notamos o destaque e a consolidação da avaliação como campo fértil de estudos e práticas sob a lógica de variados ramos disciplinares. Também indicamos a relevância de estudos sobre avaliação educacional, embora isso não ocorra como forma de teoria geral. Em concordância com Vianna (2000), compreendemos que a avaliação educacional pode ser investigada a partir de um conjunto amplo de abordagens teóricas. A avaliação educacional nunca é um todo acabado, autossuficiente, mas fenômeno pedagógico, social, ético e político. Não se limita apenas à verificação do rendimento escolar, pois se concentra em nível maior, com perspectiva integrada a sentidos de qualidade.

A relação entre avaliação e qualidade é o que caracteriza a complexidade da avaliação educacional e está vinculada às dinâmicas sociais, notadamente sobre sentidos políticos, culturais e éticos da educação ofertada em um país. No campo da avaliação educacional é possível identificar duas concepções antagônicas. A primeira está fundamentada no ato de classificar, medir, pôr em ordem, e está em proximidade com a lógica da performance e do controle (FAYOL, 2011). Essa perspectiva fayolista concebe a avaliação como meio de investigação e correção de falhas naquilo que se avalia. Portanto, avaliar está vinculado à visão estanque e objetivista/positivista, que trata o objeto e/ou fenômeno como algo/produto acabado, que deve estar em conformidade com as normas. A segunda concepção baseia-se no ato de emancipar e aproxima-se da perspectiva subjetivista-dialética. Assim, a avaliação é compreendida como recurso de mudança, de transformação, de libertação de condicionantes externos e construção de autonomia (SAUL, 2010). Nesse sentido, aproxima-se de concepções emancipatórias freireanas, pois possibilita aos sujeitos a consciência de sua realidade e a criticidade para a superação de limites (FREIRE, 1987). Valorar torna-se processo com critérios a priori que são construídos e reconstruídos na dialeticidade do devir histórico. Se o que está sendo avaliado foge às normas, ele não é interpretado como mero equívoco que precisa ser corrigido, mas como possibilidade de ressignificação de todo o processo avaliativo, com vistas a aperfeiçoar o que se avalia e a forma como se avalia.

Segundo Lyotard (2009), a condição do saber tem se modificado ao longo das últimas décadas. O conhecimento, principalmente em forma de ciência, tornou-se recurso de poder, o que tem fundamentado a visão da educação como mercadoria. Assim, a partir de resultados de avaliações, o público passou a selecionar as melhores instituições, cursos, escolas, entre outros. Com Freitas (2016), afirmamos que, com a mudança no estatuto do saber e a busca pela performance, para as sociedades contemporâneas, a avaliação educacional tem prevalecido vinculada à lógica de medição, classificação e competição, servindo de fundamento para rankings. Avaliar está, portanto, relacionado à afirmação de que este ou aquele objeto é melhor que outro.

Com a concepção de avaliação como medição e controle em predominância no campo educacional, realçamos a necessidade da pedagogia da avaliação educacional, ou seja, o ato de avaliar como práxis formativa, fundamentada na concepção emancipatória, imbuída de sentidos éticos, capaz de aperfeiçoar sujeitos, objetos e/ou fenômenos envolvidos. Assim, entendemos a Pedagogia como ciência que transforma o fazer pedagógico (FRANCO, 2008). A pedagogia da avaliação educacional caracteriza-se, portanto, como elemento transformador da realidade educativa. Objetiva romper condicionantes e promover autonomia e reflexão crítica dos sujeitos envolvidos. Essa perspectiva está em diálogo com pressupostos pedagógicos e emancipatórios de Freire (1987, 2016), pois, assim como outras práticas pedagógicas, realiza-se com os sujeitos.

Os pressupostos epistemológicos da pedagogia da avaliação educacional divergem da concepção de avaliação como controle, porque estão balizados na lógica segundo a qual o processo avaliativo está em constante movimento de formação e ressignificação. Práticas e políticas de avaliação educacional fundadas na ideia de controle, medição e classificação não são pedagógicas, são meras técnicas e procedimentos de valoração, dado que nesses casos os sujeitos pouco participam de sua construção e são tidos como simples objetos mensuráveis.

As duas ideias de avaliação - controle e emancipação - estão presentes na educação em diversos exemplos, seja como práticas e/ou como políticas. Essas concepções foram e têm sido investigadas. No caso da educação superior brasileira, a atual política pública de avaliação, o SINAES, buscou a complexa missão de integrar essas duas concepções antagônicas. Fundamentados no olhar sociológico da avaliação educacional, analisamos os conceitos de avaliação presentes no interior do Sistema, com o objetivo de interpretar seus limites e possibilidades para, em seguida, apontar se os princípios que atualmente regem esta política concentram elementos de regulação ou de emancipação.

3 PRINCÍPIOS CONCEITUAIS: O EXEMPLO DO SINAES

As perspectivas de controle e emancipação na avaliação educacional evidenciam-se de diferentes formas. Com termos e semântica diversos, é possível perceber componentes da ideia de controle subjacentes aos processos avaliativos como regulação, supervisão, fiscalização e regulamentação; enquanto elementos de emancipação são notados em avaliações formativas, educativas e qualitativas.

Ao investigar o atual Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), encontramos em sua construção a tentativa de integrar os dois modelos divergentes de avaliação já discutidos. Instituído em 2004, o SINAES foi elaborado a partir de experiências precedentes em construir políticas sustentáveis e duradouras de avaliação da educação superior (BARREYRO; ROTHEN, 2008; ROTHEN, 2015; ROTHEN, 2018). Atualmente, o Sistema tem como objetivo aperfeiçoar a educação superior brasileira mediante a articulação de três modalidades de avaliação (avaliação institucional, avaliação de cursos e avaliação de estudantes) (BRASIL, 2004).

Embora lançado em 2004, o SINAES começou a ser desenvolvido um ano antes. Em 2003, o governo brasileiro, por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu) vinculada ao Ministério da Educação (MEC), constituiu a Comissão Especial de Avaliação (CEA), com objetivo de elaborar um novo sistema nacional de avaliação para o nível superior (BRASIL, 2003). No mesmo ano, a partir de diálogo com os diversos públicos envolvidos, a Comissão construiu e apresentou o relatório que daria suporte à nova política pública de avaliação educacional.

O documento SINAES - Bases para uma nova proposta de avaliação da educação superior (CEA, 2003) concebia os conceitos de avaliação que se tornariam fundamentos para a política de avaliação do nível superior brasileiro. No texto, constavam as ideias de avaliação educativa e avaliação por regulação. No caso do SINAES, esses conceitos de avaliação deveriam se complementar. Assim, segundo o documento, o Sistema procuraria articular:

a) avaliação educativa propriamente dita, de natureza formativa, mais voltada à atribuição de juízos de valor e mérito em vista de aumentar a qualidade e as capacidades de emancipação e b) regulação, em suas funções de supervisão, fiscalização, decisões concretas de autorização, credenciamento, recredenciamento, descredenciamento, transformação institucional etc., funções próprias do Estado (CEA, 2003, p. 62).

Percebe-se na proposição a matriz emancipatória de avaliação educacional na forma de avaliação educativa, e a essência da avaliação como controle, a partir da regulação. A proposta do SINAES, inovadora até então, buscava contemplar as duas concepções antagônicas:

[...] o SINAES proposto neste documento deve efetivamente constituir-se em uma ampliação dos âmbitos, objetos, procedimentos e instrumentos de avaliação para além dos atualmente praticados, procurando sempre assegurar a integração, a participação, a globalidade, a relevância científica e social, a articulação da regulação com a emancipação, do institucional com o sistêmico. Tendo em vista essencialmente melhorar o cumprimento da responsabilidade social e científica das instituições em particular e da Educação Superior em seu conjunto, o SINAES propõe-se a incorporar aos processos avaliativos todos os agentes, todas as dimensões e instâncias das IES, respeitados os papéis específicos dos participantes, a identidade e a missão de cada uma delas (CEA, 2003, p. 68).

Na perspectiva da proposição do SINAES, a regulação articulada com a avaliação educativa transcenderia o mero controle, pois superaria a concepção e a prática da regulação como “mera função burocrática e legalista”. Para isso, o Sistema concentraria outra lógica avaliativa, na qual a regulação não se esgotaria em si mesma e, em diálogo com a avaliação de matriz educativo-formativa, tornar-se-ia também prática construtiva (CEA, 2003, p. 64).

A tentativa de integração presente na elaboração do SINAES tentava produzir inovações. A avaliação tende a ter seu sentido formativo inexistente se utilizada como mera medida, regularização ou controle, entretanto, na proposição do Sistema ela seria realizada como meio de regulação vinculado a um paradigma formativo-emancipatório. Com isso, tinha o intuito de ajudar a compreensão e o aperfeiçoamento de processos, convertendo-se em importante dispositivo de melhoria. O SINAES, ao tentar articular a emancipação e a regulação, avançaria nos limites do mero controle burocrático, pois suas avaliações tornar-se-iam referenciais para o desenvolvimento de autonomia e o aprendizado em sujeitos envolvidos.

3.1 Conceitos do SINAES na atualidade: uma análise a partir da Sociologia da Avaliação

Ao analisar a presente forma do SINAES, é possível identificar e dimensionar as duas referências avaliativas que constavam em seu desenvolvimento e indicar se, atualmente, esses princípios funcionam como controle ou emancipação. Para compreendê-los de forma aprofundada, conduzimos a hermenêutica dos conceitos avaliativos do SINAES inter-relacionando-os com correntes teóricas inseridas no campo da Sociologia da Avaliação.

Em seu livro Avaliação Emancipatória, Saul (2010) define os conceitos de controle e emancipação na avaliação educacional a partir de perspectivas qualitativas e quantitativas. Em sua reflexão, a avaliação quantitativa é mais próxima do controle, isto é, “[...] considera a educação como um processo tecnicista. Assume a nítida diferença entre fatos e valores, a determinação de fins e objetivos da educação e a neutralidade ética da intervenção tecnológica” (SAUL, 2010, p. 44).

A avaliação qualitativa, para Saul (2010), contém orientações e pressupostos da metodologia etnográfica, da investigação de campo. Nesse caso, os problemas definem os métodos e há pluralidade e flexibilidade metodológicas.

O propósito da avaliação qualitativa é compreender a situação - objeto de estudo - mediante a consideração das interpretações e aspirações daqueles que nela atuam, para oferecer a informação de que cada um dos participantes necessita a fim de entender, interpretar e intervir de modo mais adequado. A informação não é unívoca nem monopólio de um grupo ou estamento; é um instrumento válido para o contraste e a reformulação de interpretações e ações de cada indivíduo que participa da avaliação educativa. A audiência da avaliação define os seus processos e a utilização de seus resultados (SAUL, 2010, p. 47-48).

Portanto, a avaliação qualitativa pode ser também emancipatória, pois possibilita a autonomia dos sujeitos imbricados. Segundo Saul (2010), a avaliação emancipatória caracteriza-se como processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade, com objetivo de transformá-la. Está inserida em vertente político-pedagógica cujo interesse fundamental é emancipador, isto é, visando suscitar a crítica, de modo a libertar o sujeito. O compromisso basilar desta avaliação é o de proporcionar às pessoas direta ou indiretamente envolvidas a possibilidade de (re)escreverem sua própria história e conduzirem suas próprias alternativas de ação.

A avaliação emancipatória tem dois objetivos básicos: iluminar o caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas. O primeiro objetivo indica que essa avaliação está comprometida com o futuro, com o que se pretende transformar, a partir do autoconhecimento crítico do concreto, do real, que possibilita a clarificação de alternativas para a revisão desse real. O segundo objetivo “aposta” no valor emancipador dessa abordagem, para os agentes que integram um programa educacional. Acredita que esse processo pode permitir que o homem, através da consciência crítica, imprima uma direção as suas ações nos contextos em que se situa, de acordo com valores que elege e com os quais se compromete no decurso de sua historicidade (SAUL, 2010, p. 61).

A emancipação prevê a consciência crítica sobre a realidade e a proposição de alternativas de solução como elementos transformadores para os diferentes públicos participantes da avaliação. Busca romper com a visão ingênua de mundo e promover curiosidade e visão crítica (FREIRE, 2016) capazes de modificar e ressignificar os processos educativos relacionados.

A partir do paradigma qualitativo-emancipatório de avaliação educacional, Dias Sobrinho (2008) conceituou a avaliação educativa. Para ele, essa ideia fundamenta-se como prática social, carregada de valores, dotada de princípios éticos que buscam realizar finalidades essenciais da vida humana. Assim, práticas/políticas de avaliação fundadas nessa concepção são instrumentos capazes de aperfeiçoar o objeto avaliado e, como modo de autoavaliação, auxiliam os possíveis sujeitos participantes em seus processos de libertação de condicionantes externos e deterministas.

Além da concepção de avaliação educativa, de característica emancipatória, o SINAES estabelece a avaliação como regulação. Pelo paradigma do controle e da supervisão, a regulação é polissêmica. Para Barroso (2005), a regulação aplicada à educação seria o oposto da regulamentação. A regulação é mais flexível na definição dos processos e rígida na avaliação da eficiência e eficácia dos resultados, enquanto a regulamentação é centrada na definição e no controle a priori dos procedimentos e relativamente indiferente às questões da qualidade e eficácia dos resultados.

Ainda segundo Barroso (2005, p. 728), a regulação é vista como “função essencial para a manutenção do equilíbrio de qualquer sistema”, pois é ela que permite, mediante seus recursos, identificar perturbações e analisar informações relativas a um estado de desequilíbrio.

A regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema. [...] O processo de regulação compreende, não só, a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras (BARROSO, 2005, p. 733).

Perrenoud (1999, p. 90) compreende a avaliação como regulação de modo semelhante; para ele, o conceito de regulação “dá conta da manutenção de um estado estável”. Aplica-se também à “otimização de uma trajetória ou, mais globalmente, de um processo dinâmico finalizado”.

Fundamentados em Perrenoud (1999) e Barroso (2005), compreendemos a ideia de regulação previamente estipulada e presente no SINAES vinculada ao reajustamento. Nessa perspectiva, a regulação aproxima-se da ideia de controle com matriz fayolista, isto é, como forma de regular objetos, situações e fenômenos para um determinado padrão esperado (FAYOL, 2011).

É possível notar intenções educativo-formativas no SINAES por meio da exigência de criação de Comissões Próprias de Avaliação (CPA) no interior das Instituições de Educação Superior (IES). As CPA têm como objetivo a condução de procedimentos de avaliação interna das IES e tem sua existência e funcionamento exigidos desde o lançamento da atual política de avaliação (BRASIL, 2004). Entretanto, Rothen (2015, p. 215) afirma que, embora o Sistema tenha tido sucesso na proliferação das Comissões, estas ainda não se configuraram como propulsoras da cultura de avaliação em sua forma pedagógica, tal como se imaginava. Criou-se, segundo o estudo do autor, uma “cultura de elaboração de relatórios”. As CPA que surgiram como elementos de autonomia para as IES tornaram-se, nesse sentido, novos órgãos internos de controle burocrático.

Em sua concepção, o SINAES intentava agregar regulação e emancipação, mas ao longo de sua implementação o Estado apresentou mudanças às proposições da CEA. O Decreto 5.773 de 2006, as Portarias nº 4 e 12 de 2008 e nº 40 de 2010 caracterizaram e ampliaram a regulação e a supervisão no interior do Sistema (BRASIL, 2006; 2008a; 2008b; 2010). Segundo Sguissardi (2008), essas alterações consolidaram a atual política de avaliação como procedimento de regulação, medição e classificação das IES, sem garantir maiores possibilidades para a emancipação de sujeitos envolvidos.

Leite (2008) aponta que, a partir das mudanças na legislação, a avaliação de estudantes por meio de um exame nacional em larga escala, no caso o ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), tornou-se fundamento para os resultados de todas as avaliações do SINAES. Acreditamos que o ENADE seja relevante, mas sua função como instrumento de medição e base para ranqueamentos reduz suas possibilidades enquanto recurso pedagógico, pois ignora a lógica transformadora da avaliação ao conceber em grandes dimensões a concorrência como principal fundamento (BARREYRO, 2008; DIAS SOBRINHO, 2010). Atualmente, ao reduzir as possibilidades emancipatórias da atual política de avaliação, o Estado brasileiro tem consolidado a regulação, a supervisão e o controle como princípios conceituais elementares do SINAES.

Em alguns casos específicos, o Sistema pode se caracterizar como indutor de processos de autoavaliação e aprimoramento. A partir de estudo recente com coordenadores de cursos de graduação, Silva (2016) afirma que os sujeitos entrevistados apontaram as avaliações do SINAES como elemento de aperfeiçoamento de suas práticas. Portanto, a depender dos usos de suas avaliações e relatórios, o SINAES pode ser compreendido pelos diversos públicos como instrumento de melhoria. Contudo, a magnitude regulatória do Sistema se mantém presente e, ainda que possa ser interpretado por alguns sujeitos como recurso de autodesenvolvimento, o atual SINAES não se caracteriza como elemento emancipatório. A utilização dessa política como fundamento para ranqueamentos e medidas autorizativas de cursos de nível superior fortalecem a ideia de avaliação como controle subjacente a seus diversos instrumentos e recursos avaliativos.

Outras investigações atuais, tais como as de Lacerda e Ferri (2017) e Souza (2016), trazem dados que reforçam os elementos de controle e regulação do SINAES. Os resultados dessas pesquisas apontam que os indicadores de qualidade da atual política de avaliação configuram-se como elementos homogeneizadores e estandardizados que negligenciam a realidade múltipla e diversa da educação superior brasileira. Ademais, sugerem que o padrão de qualidade pretendido pelo Sistema e sua intenção de unir visões divergentes de avaliação são ilusões.

Por compreendermos a avaliação educacional como prática pedagógica dotada de intencionalidade ética e política (FRANCO, 2016), apontamos que a atual política de avaliação da educação superior brasileira não demonstra grandes intenções emancipatórias, ao contrário, apresenta-se com investimentos regulatórios e de controle em seus princípios.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, ao longo deste ensaio, explorar e analisar a avaliação de modo amplo e sua vertente educacional em específico. Avaliar é natural do ser humano, quando tomamos consciência existencial, iniciam-se nossas avaliações. Portanto, entendemos a epistemologia da avaliação como o estudo da racionalidade do juízo de valor. Como ato humano, o avaliar relaciona-se à realidade e, pelo diálogo, configura-se como prática social.

A avaliação educacional é a forma que os humanos encontraram para escolher, selecionar e qualificar os sentidos de sua práxis educativa. Cultural e política, a educação imbrica-se nos variados intuitos éticos. A episteme da avaliação educacional encontra-se na complexa tarefa de decidir, valorar e apontar, de modo qualitativo, (re)significações dos e nos processos de ensino e aprendizagem.

Acreditamos que nossa reflexão indica possibilidades para a ampliação da avaliação educacional enquanto elemento pedagógico. A pedagogia da avaliação educacional está fundamentada em sua centralidade como eixo formativo, como importante recurso conectado a outras práticas que, com intencionalidades éticas, políticas e culturais, auxiliam sujeitos em seu aperfeiçoamento e em sua humanização.

Como ação pedagógica, o avaliar auxilia sujeitos na libertação de determinismos e possibilita àqueles que avaliam e são avaliados terem criticidade sobre a realidade. Avaliar e ser avaliado, nesse sentido, é emancipador, pois combate a ingenuidade que muitas vezes não percebe complexidades e contradições subjacentes à superfície do real. Nessa visão, o fenômeno/objeto avaliado, quer seja a aprendizagem, o ensino, a instituição, o currículo ou o projeto se retroalimenta e aprimora por meio da avaliação.

Entretanto, percebemos com nosso estudo os desafios e limites para a ampliação da avaliação como meio pedagógico. A lógica por trás de procedimentos, práticas e políticas avaliativas ainda é predominantemente concorrencial, classificatória, com intentos de controle e medição. Portanto, o principal empecilho à pedagogia da avaliação educacional configura-se nos âmbitos ético e político. É preciso constituir resistência por meio da promoção do paradigma emancipatório mediante a reconstrução das práticas/políticas de avaliação.

Resistir à mera medida e supervisão só será possível se, cada vez mais, os múltiplos sujeitos sentirem-se participantes em seus respectivos processos de avaliação; ativos nos movimentos, com sentimentos de liberdade em suas escolhas, em seus atos avaliativos. Desse modo, a avaliação educacional configura-se como campo de lutas no qual dois paradigmas (controle e emancipação) encontram-se em disputa aumentando e reduzindo suas proporções a depender de intencionalidades que subjazem às práticas/políticas avaliativas em suas variadas formas.

Buscamos analisar as disputas entre os paradigmas de controle e emancipação a partir dos princípios do SINAES e como estes se configuram atualmente. No caso do Sistema, identificamos em sua concepção inicial a tentativa de integrar as duas lógicas de avaliação educacional: a emancipação e a regulação. Entretanto, atualmente o SINAES concentra elementos regulatórios em detrimento de suas características emancipatórias. Em nossa análise, indicamos que possibilidades de aprimoramento advindas da atual política de avaliação da educação superior surgem somente a partir de múltiplos e subjetivos usos de seus relatórios, instrumentos e resultados. Sua capacidade pedagógica está, portanto, vinculada apenas às possíveis interpretações de sujeitos envolvidos e não na intencionalidade presente em suas modalidades de avaliação, procedimentos e documentos. Na atualidade, os conceitos e intenções que regem e estão por trás do SINAES estão inseridos na lógica de regulação e controle, impedindo sua configuração enquanto elemento avaliativo pedagógico-emancipatório.

Com nossa investigação, surgem novas questões relevantes para estudos futuros, tais como: qual conceito de avaliação educacional auxilia na produção de melhores resultados de aprendizagem e aperfeiçoamento? Como são percebidos/ressignificados os conceitos de avaliação educacional no interior das instituições escolares? Quais os entendimentos dos públicos envolvidos acerca do SINAES? Quais as interpretações dos resultados do SINAES por parte dos diversos públicos? O desequilíbrio que realça e consolida o SINAES como regulação e controle será modificado? Como isso ocorrerá?

A partir desta análise, espera-se contribuir para que novas pesquisas sejam realizadas, com o intuito de explorar os variados sentidos e efeitos da avaliação educacional como meio pedagógico, ampliando ainda mais seu espaço como tema de estudos, políticas e práticas.

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Nota

i O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Recebido: 23 de Agosto de 2018; Aceito: 26 de Março de 2019

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