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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.3 São Paulo jul./set 2019  Epub 28-Out-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p794-803 

Apresentação

EM BUSCA DA JUSTIÇA CURRICULAR: AS POSSIBILIDADES DO CURRICULO ESCOLAR NA CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL

Branca Jurema PONCEi 

Carlinda LEITEii 

i Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil.

ii Universidade do Porto/FPCEUP/CIIE, Portugal.


Em tempos de crise civilizatória de grandes proporções em que a distribuição das riquezas é muito desigual provocando situações bárbaras como as dos processos migratórios de grandes massas; é imperativo defender a democracia como valor, ressignificar a justiça para além de suas formalidades e afirmar a importância de uma educação geradora de novos projetos de convivência humana pautados na construção da paz mundial, da igualdade e da alteridade. Nesse imperativo, é crucial o papel a ser desempenhado pela educação escolar.

Sob a narrativa da igualdade de oportunidades, o discurso da Modernidade atribuiu à escola e ao currículo escolar, contraditoriamente, o papel de guardiães da igualdade naturalizando, nesse processo, o discurso da meritocracia. A literatura acadêmica da área avançou, pautada em pesquisas sobre a realidade escolar, e encarregou-se de mostrar os meandros desse raciocínio. Com ele legitima-se a desigualdade por meio do mérito individual, desconsiderando as diferenças de classes sociais, assim como as provocadas pelos preconceitos e as muitas diversidades humanas.

Sendo reconhecida a influência dos currículos escolares na educação de crianças, jovens e adultos, eles têm sido territórios de disputas políticas de diferentes grupos e ideologias.

O currículo tem sido considerado um elemento essencial na educação escolar, um instrumento de formação indispensável para o mundo contemporâneo. Entretanto, mais correto seria utilizar o substantivo currículo sempre no plural. Há currículos, forma-se para isto ou para aquilo, como diria Cecília Meirelles a partir de sua obrai eloquente, “Ou isto ou aquilo”.

É ingenuidade pensar que os currículos escolares são neutros na forma como são organizados e nos processos educativos que os concretizam. Sendo o acesso à educação escolar um direito, é importante assegurar condições de permanência com êxito aos educandos, em especial em países onde a pobreza e a discriminação a dificultam, e zelar para que sejam seguidos princípios de justiça curricular promotores de justiça social.

Por justiça curricular, toma-se uma concepção de currículo que reconheça as diversidades humanas; que se interesse por superar as várias desigualdades mantendo a valorização das diferenças; que promova um pensar crítico sobre o mundo; que valorize os diversos saberes das diferentes culturas; que se comprometa com um mundo inclusivo, justo e democrático; que não aceite como versão de qualquer fato, uma “história única”ii. Ter na vida escolar uma experiência de respeito à dignidade e de construção de identidades democráticas é uma busca urgente. Por isso, é importante interrogar:

Em tempos de avaliações escolares internacionalizadas propostas a partir de critérios demandados pelo sistema financeiro internacional, como têm se comportado as propostas de currículos nacionais/locais?

Como têm essas avaliações, inseridas em uma agenda de qualidade definida a partir de critérios muitas vezes alheios à vida escolar, contribuído para construir justiça social entendida como superação de desigualdades e como respeito e consideração às diversidades?

Que políticas curriculares têm apontado caminhos em direção a uma justiça curricular promotora de justiça?

Como tem a educação escolar cumprido a sua responsabilidade social de participar da construção de sociedades mais justas?

Tendo essas interrogações em mente, pretendeu-se dar voz a estudos acadêmicos que têm tido como foco o currículo escolar e a sua relação com a justiça social. Partiu-se da ideia de que uma publicação que concentrasse textos científicos em torno desta temática - socialmente relevante - facilitaria o cruzamento de aspectos que influenciam a concretização da justiça curricular e social e o aprofundamento da reflexão, para além de apoiar outros pesquisadores e interessados no seu estudo. Estas foram algumas das razões que moveram o Grupo de Educação e Pesquisa em Justiça Curricular (GEPEJUC-CNPq-PUCSP), o Grupo de Currículo, Avaliação, Formação e Tecnologias educativas (CAFTe-Universidade do Porto), a Revista e-Curriculum e as pesquisadoras que assinam esta apresentação, a proporem este dossiê temático, que hoje se dá aos leitores, e a que se deu o título “Em busca da justiça curricular: as possibilidades do currículo escolar na construção de justiça social”.

Iniciados os trabalhos da chamada pública de artigos por meio de Edital, o dossiê foi sendo construído pela adesão de colegas que, aceitando as provocações sobre o tema e partilhando preocupações semelhantes, ofereceram reflexões por meio da divulgação dos seus estudos em forma de artigos. A avaliação cuidada permitiu a seleção e a validação desses textos que adensam o pensamento crítico sobre a temática e promovem trocas de conhecimentos e experiências. Por outro lado, o fato de, neste dossiê, participarem autores de vários países e de distintos Estados do Brasil, permite a identificação de quem investiga a mesma temática em nível nacional e internacional, facilitando o diálogo entre estudiosos, assim como o avanço na produção de conhecimentos coletivos.

Os artigos provêm dos seguintes países e localidades: 1 da Suécia; 3 de três regiões da Espanha - Madrid, Granada e Barcelona; 1 de Portugal - Porto; 2 de equipes conjuntas do Brasil e Portugal envolvendo três localidades - Alagoas, Porto e São Leopoldo; 6 de autores brasileiros provenientes de Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Este dossiê temático compõe-se de 13 artigos, sendo 7 deles internacionais e 6 brasileiros. Ao todo são 22 autores que trazem as suas contribuições.

O artigo de Dennis Beach, da Universities of Gothenburg and Borås, na Suécia, em língua inglesa, tem por título, “Bought privileges, educational segregation, status and prestige: the role and functions of elite schools and academic curricula in relation to education justice and equality”. Tendo como foco a instituição escolar e o currículo, e considerando que a educação dos pobres tem sido objeto de políticas de educação orientadas para uma sociedade mais justa, igualitária e produtiva, o autor argumenta que não são enfrentados os reais problemas da educação escolar de assumir os valores e códigos da elite, que decorrem e garantem a herança do poder social, cultural e econômico da burguesia. Recorrendo a análises etnográficas e meta-etnográficas, Dennis Beach tece uma crítica a situações de diferenciação, segregação e socialização educacional que têm sido realizadas pelas escolas de elite e que produzem conceitos preocupantes sobre o valor do “eu” e do “Outro” entre os estudantes, com efeitos significativos sobre o futuro da democracia.

Antonio Bolívar, da Universidade de Granada, em Espanha, participa neste dossiê com o artigo que tem por título “Un currículum inclusivo en una escuela que asegure el éxito para todos”. Na linha de investigações que têm sido desenvolvidas por este acadêmico, o artigo aprofunda a necessidade de se repensar os saberes indispensáveis que configurem uma educação que tenha em conta e promova uma formação desejável no quadro da cidadania e que garanta o êxito escolar para todos. Reconhecendo que uma teoria da justiça como equidade pode servir essa proposta, Antonio Bolívar analisa as competências-chave (key competences) para la vida, no âmbito de um marco de referência que apoie a seleção do que se considera relevante, tal como ocorreu na proposta francesa da “socle común”/”escola comum”. Nos seus argumentos, apoiados em um conceito de currículo inclusivo enquanto marco de uma educação equitativa para todos, o autor relembra que esse currículo inclusivo não pode se limitar ao que se passa na sala de aula. Ele tem de corresponder a uma resposta conjunta da escola, mobilizando toda a comunidade na procura da melhoria.

F. Javier Murillo e Nina Hidalgo, da Universidad Autónoma de Madrid em Espanha, estão presentes neste dossiê com o artigo que tem por título “Aportaciones de Talis 2018 al conocimiento de las prácticas docentes socialmente justas en algunos países de iberoamérica”. O artigo, escrito em língua castelhana, dá conta de um estudo que teve por intenção conhecer práticas docentes socialmente justas no espaço escolar iberoamericano. Para isso, os autores analisaram os dados fornecidos pelo TALIS 2018, apoiados nos conceitos de justiça social, redistribuição, reconhecimento e participação. Foram esses conceitos que permitiram selecionar os dados relativos aos seguintes países: Brasil, Chile, Colômbia, México, Portugal, Espanha e a Cidade Autônoma de Buenos Aires. A análise realizada, e que se refere a 22.816 docentes, permitiu saber que o TALIS segue um conceito de prática de ensino muito distante do que se pode considerar uma prática socialmente justa. Permitiu também constatar que as situações são muito distintas nesses países, sendo, no entanto, a Colômbia o país que tem mais possibilidades de desenvolver práticas socialmente justas e a Espanha o país que menos tem essa possibilidade. Em face a essas constatações, os autores sustentam quer uma mudança de foco do TALIS, quer políticas que permitam o desenvolvimento de uma educação mais justa.

Judith Jacovkis e Aina Tarabini, da Universidade Autônoma de Barcelona, em Espanha, são as autoras do artigo que tem por título “¿Qué conocimiento para quién? Itinerarios escolares, distribución del conocimiento y justicia escolar”. Considerando que a distribuição do conhecimento é uma dimensão chave da justiça social, e que ela está relacionada com o caráter teórico ou aplicado do conhecimento, as autoras analisam os itinerários acadêmicos e profissionais para entender essa distribuição e o impacto na desigualdade social. Realizando o seu estudo na região autônoma da Catalunha, e na educação secundária pós-obrigatória, isto é, no nível de ensino em que ocorrem itinerários diferenciados, as autoras analisaram o tipo de conhecimento que se atribui ao Bacharelado e à Formação Profissional, usando como referência teórica o realismo crítico e como procedimento teórico- metodológico a análise de discurso de atores políticos e educativos centrais neste campo. Os resultados mostram uma alta dicotomia entre o conhecimento teórico, que é atribuído ao Bacharelado e o conhecimento prático que é esperado da Formação Profissional. Mostram também que a separação desses dois tipos de conhecimento se baseia em atributos falsos sobre os seus significados.

Názia Anita Bavo e Orquídea Coelho, da Universidade do Porto em Portugal, apresentam um artigo que tem como título “Pertinência e urgência da língua de sinais (l1) e do português (l2/le) no currículo dos alunos surdos em Moçambique”. O estudo, enquadrado por uma investigação realizada no âmbito de um doutoramento de da primeira autora, foca a questão da língua na comunicação professor/aluno surdo. Tendo como contexto de pesquisa Moçambique e uma escola da cidade de Maputo, o artigo analisa o modo como o currículo, proposto e concretizado, tem em consideração a Língua de Sinais Moçambicana (LSM) prevista, na Lei Constitucional, para a instrução de alunos surdos. A análise de documentos legais e de discursos de professores obtidos em entrevistas permitiu saber que a língua que medeia o espaço educacional é o Português, como língua hegemônica, de ensino e de comunicação. Permitiu também saber que a LSM é uma língua de uso restrito e esporádico dos alunos surdos na sala de aula, situação que configura ambientes de discriminação e de exclusão. Não tendo os professores formação para trabalhar com alunos surdos, nem outros apoios capazes de ultrapassar esta situação, recorrem a gestos não estandardizados e à escrita no quadro como forma de tentar contornar algumas dificuldades. Tendo em conta esses dados, as autoras alertam para a urgência de ser regulamentada, no currículo escolar dos alunos surdos em Moçambique, a aprendizagem da LSM (L1) e do português (L2/LE) de modo a que o currículo cumpra princípios de justiça curricular.

Rosangela Fritsch, da UNISINOS, Brasil, e Carlinda Leite, da Universidade do Porto, Portugal, apresentam o artigo que tem por título “TEIP no espelho: política portuguesa para promoção do sucesso escolar fundada na justiça social”. Sendo os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) uma política de educação, em curso em Portugal, que pretende intervir na promoção do sucesso escolar de alunos marcados por problemas escolares ou sociais, o estudo analisa os efeitos desta política. Para isso, as autoras, depois de caracterizarem esta medida política, apresentam dados recolhidos por entrevistas a professores gestores de agrupamentos de escolas TEIP e a professores do ensino superior que as têm acompanhado. A análise desses dados, à luz dos conceitos de justiça social e curricular, permitiu concluir que esta medida política tem gerado mudanças nos modos de pensar e atuar de professores e diretores. Apesar disso, as melhorias ao nível do sucesso escolar têm vindo a acontecer gradativamente e convivem com limites que extrapolam o âmbito escolar.

O artigo “A descolonização curricular em uma escola Quilombola - uma possibilidade de maior justiça curricular e social”, de autoria de Valéria Campos Cavalcante, da Universidade Federal de Alagoas, Brasil, e de Paulo Marinho, da Universidade do Porto, Portugal, teve por base uma pesquisa interventiva-colaborativa realizada com o objetivo geral de configurar um currículo contra-hegemônico, por promover uma justiça curricular e social em contextos caracterizados por situações de exclusão. O estudo, realizado no contexto do ensino fundamental, e tendo características de intervenção colaborativa, envolveu alunos e professoras deste nível ensino e também estudantes e professores/pesquisadores do ensino superior em processos de recontextualização curricular aportados na diversidade de conhecimentos de uma comunidade quilombola. A vivência deste currículo permitiu a configuração de um currículo tecido a partir de redes de conhecimentos que permitiram a participação dos alunos na construção das suas aprendizagens e o fortalecimento da sua identidade cultural, situação que está em linha com uma justiça curricular e social.

No artigo intitulado “Licenciatura em estudos africanos e afro-brasileiros: formação de professores/as em direção à construção da justiça curricular”, Kátia Evangelista Regis e Cidinalva Silva Camara Neris, da Universidade Federal do Maranhão, Brasil, afirmam que apesar de no Brasil a Lei nº 10.639/2003 tornar obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira, ainda há muitos desafios a serem superados. Um deles é o de formar professores qualificados para uma abordagem rigorosa e complexa desse ensino, o que requer mudanças estruturais nos currículos dos cursos de Pedagogia e demais licenciaturas. O artigo apresenta resultados do subprojeto de pesquisa “Formação de professores/as para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira em uma perspectiva intercultural emancipatória”, que integra a pesquisa “A justiça curricular no século XXI, as políticas e os sujeitos do currículo”. Buscou-se analisar como as ações realizadas em trabalho de campo em Cabo Verde pelo curso de Licenciatura em Estudos Africanos e Afro- Brasileiros da Universidade Federal do Maranhão tem contribuído com a apreensão da História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira.

Nilma Lino Gomes, da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, no artigo “Raça e educação infantil: à procura de justiça”, analisa o lugar ocupado pela temática raça, infância e educação infantil na produção teórica educacional, com ênfase nos estudos do campo da educação infantil e do currículo. Argumenta que o conceito e a abordagem do currículo, na perspectiva da justiça curricular, podem constituir um caminho possível na busca de um lugar teórico de legitimidade dos estudos que abordam essa temática, principalmente, os produzidos por mulheres negras e pesquisadoras. Alerta para o fato de que as análises sobre raça, infância e educação infantil indagam e denunciam não somente as relações de poder e as desigualdades, mas, também a existência e os impactos do racismo que afetam de forma contundente a vida e a dignidade das crianças pequenas negras e suas famílias. Essa imbricação de fenômenos perversos está presente no cotidiano, nos currículos e nas práticas da educação infantil. Para maior compreensão dessa situação complexa, o artigo propõe que seja realizada a articulação teórica entre o conceito de justiça curricular e justiça cognitiva.

O artigo intitulado “A justiça curricular em tempos de implementação da BNCC e de desprezo pelo PNE (2014-2024)”, de autoria de Branca Jurema Ponce, da Pontifícia Universidade de São Paulo, Brasil, e de Wesley Araújo, da Rede Municipal de Educação do Município de Várzea Paulista (SP) e doutorando da mesma Universidade, é fruto de pesquisa que pautou a Educação Básica no Brasil em diferentes regiões e redes escolares. É resultado da ampliação dos estudos que relacionam currículo e justiça social realizados no Grupo de Educação e Pesquisa em Justiça Curricular (GEPEJUC) e de análises do contexto brasileiro, que a passos largos tem aprofundado na vida escolar uma racionalidade neoliberal. Os autores compreendem o currículo escolar como um território de disputas e apresentam o conceito de justiça curricular em três dimensões - a do conhecimento, a do cuidado e a da convivência - utilizando-o nas análises dos recentes acontecimentos educacionais brasileiros e propondo-o como um dos instrumentos de resistência às tendências dominantes das propostas curriculares oriundas das atuais políticas educacionais, especialmente as desta segunda década do século XXI. Destacam os profundos cortes de investimentos públicos que têm impacto a educação pública no Brasil; o desprezo dos governos de 2016 até o momento pelo Plano Nacional de Educação (2014-2024); e a obrigação jurídica imputada pelo Estado brasileiro aos entes federados de implementar a Base Nacional Comum Curricular, homologada em 2017.

O artigo “Direito à educação como princípio de justiça social: um olhar para as políticas avaliativas e suas reverberações no cenário curricular” é da autoria de Lucinalva Andrade de Almeida, Priscila Vieira Magalhães e Crislainy Lira Gonçalves, da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil. Por meio dele, as autoras objetivam analisar os sentidos mobilizados nas políticas avaliativas e suas reverberações no cenário curricular contemporâneo por vias do direito à educação como elemento essencial à justiça social. Realizam uma análise de políticas avaliativas, orientada por uma perspectiva discursiva, que evidencia sentidos de avaliação como instrumento de responsabilização e de medida do conhecimento que, apesar de no contexto macro político emergirem em consonância com discursos em prol da qualidade, da inclusão e da superação das desigualdades socioeducacionais, sustentam-se em uma memória discursiva constituída por significantes que se afastam dos princípios de justiça e equidade. O artigo prossegue afirmando que, frente ao curso da história da negação-afirmação dos direitos humanos e do direito à educação, via políticas avaliativas e suas reverberações nas políticas curriculares, vislumbra-se o poder de (re)invenção dos discursos-políticas-práticas educacionais em efervescência na escola na medida em que, neste espaço, os profissionais e discentes, enquanto sujeitos e objetos da ação política, são capazes de viabilizar ou não projetos educacionais guiados por concepções que se pretendem transformadoras da sociedade e promotoras de justiça social.

Elizabeth Macedo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, no artigo “A educação e a urgência de ‘desbarbarizar’ o mundo” foca as recentes políticas curriculares no Brasil, inserindo-as em um cenário de hegemonia da racionalidade neoliberal. Assume que tais políticas produziram um discurso de inclusão e justiça social, em diálogo com movimentos internacionais que, no pós-guerra, defenderam uma retórica contra a barbárie. A partir de análises formuladas por Chantal Mouffe, Wendy Brown, Judith Butler, Pierre Dardot e Christian Laval, busca explicar o esgotamento ou a emergência de uma nova forma da racionalidade neoliberal. Por um lado, assume que tal racionalidade não criou as condições materiais para que as promessas do pós-guerra se materializassem, ao contrário ampliou a desigualdade e a oligarquização; por outro, argumenta que, ao desprezar o político, ela apostou na desdemocratização. Afirma que, combinados, tais movimentos desembocaram na ascensão de governos de direita em diferentes países, inclusive no Brasil. Defende que uma educação para justiça social - ou para desbarbarizar o mundo - precisa corroer a equação neoliberal, não apenas na resistência às políticas públicas, mas na própria forma como se teoriza o currículo.

Janayna Cavalcante, da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, no artigo “Educação de adultos na ordem pós democrática: desaparecimento da modalidade e invisibilidade institucional”, retoma as categorias Estado de Exceção e governamentalidade - oriundas das investigações de Agamben e Foucault - para realizar uma discussão sobre as políticas curriculares da EJA (Educação de Jovens e Adultos) no contexto do Estado pós- democrático no Brasil, apontando que há uma relação de abandono do Estado em relação a essa modalidade de educação escolar. A análise de enfoque genealógico percorre a mudança institucional materializada no desaparecimento da área específica no Ministério da Educação, bem como o silenciamento sobre ela no texto da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). O abandono é tomado como figuração de uma tecnologia política que opera a ação da lei como pura forma-da-lei, por meio da qual o Estado administra recursos materiais e simbólicos de forma estratégica resultando na produção de (in)visibilidade institucional e curricular para a EJA.

O conjunto dos artigos engloba uma diversidade de estudos, contextos, perspectivas, propostas e reflexões sobre as possibilidades do currículo na construção da justiça social. Espera-se que a leitura do material apresentado amplie olhares, fundamente trabalhos e possa provocar diálogos profícuos.

As coordenadoras deste Dossiê agradecem:

A rica convivência com os colegas que compõem esta publicação e a contribuição que se dispuseram a enviar por meio de suas produções para compor esta edição da Revista e- Curriculum, periódico científico que tem abraçado a missão de promover o debate crítico e democrático estimulando a produção científica no Campo do Currículo. Fica o agradecimento à Revista na pessoa do seu Editor-Chefe, Prof. Dr. Antonio Chizzotti.

Aos doutorandos Alice Rosa de Sena Ferrari, Ana Paula Fliegner dos Santos, Luis Fernando Lima e Silva, Estela Fidelis Rodrigues e Thais Almeida Costa, que trabalharam incansavelmente no processo de construção e edição deste Dossiê.

À Profa. Márcia Uchôa, pós-doutoranda do Programa de Educação: Currículo da PUCSP e Editora da Revista e-Curriculum, pelo acompanhamento cuidadoso e competente de todo o processo.

Ao Prof. Dr. Alexandre Saul Pinto pela parceria competente e amiga. Gratidão a todos os parceiros!

Boa leitura!

Setembro/2019

NOTAS

i Publicado pela primeira vez em 1964, “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles, formou gerações. Tornou-se um livro marcante que, com delicadeza, aponta a necessidade de reconhecer que não há um único caminho, há sempre caminhos a seguir.

ii ADICHIE, Chimamanda. Os perigos de uma história única. https://youtu.be/ZUtLR1ZWtEY.

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