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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.3 São Paulo jul./sept 2019  Epub 28-Oct-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p1170-1199 

Artigos

CONFIGURAÇÕES CURRICULARES DE CURSOS DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA, SEGUNDO AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS (2002) PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

CURRICULAR CONFIGURATIONS OF GEOGRAPHY COURSES IN GEOGRAPHY, ACCORDING TO THE NATIONAL CURRICULAR GUIDELINES (2002) FOR THE TRAINING OF TEACHERS OF BASIC EDUCATION

CONFIGURACIONES CURRICULARES DE CURSOS DE LICENCIATURA EN GEOGRAFÍA, DE ACUERDO CON LAS DIRECTRICES CURRICULARES NACIONALES (2002) PARA LA FORMACIÓN DE PROFESORES DE LA EDUCACIÓN BÁSICA

Lucineide Mendes PIRESi 

Lana de Souza CAVALCANTIii 

i Doutora em Geografia (UFG); mestre em Geografia (UFG); graduada em Geografia (UEG); Professora do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) - Campus Morrinhos. E-mail: lumenpi@gmail.com.

ii Doutora em Geografia (USP); mestre em Educação (UFG); graduada em Geografia (UFG); Professora do Curso de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG) - Instituto de Estudos Socioambientais, Pesquisadora CNPq. E-mail: ls.cavalcanti@uol.com.br.


RESUMO

Este texto se situa no âmbito de uma pesquisa mais ampla sobre o currículo de cursos de Licenciatura em Geografia de instituições públicas federais e/ou estaduais, em diferentes contextos geográficos do país, tendo em vista o princípio de flexibilização curricular proposto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (DCN). Trata-se de uma pesquisa documental, cujas fontes principais foram a Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e legislações/normas complementares, bem como os Projetos Pedagógicos de dez cursos de Licenciatura em Geografia desenvolvidos em universidades públicas (estaduais e/ou federais) localizadas em diferentes regiões do país. Na análise realizada, verificou-se que todos os Projetos Pedagógicos possuem uma estrutura organizacional muito semelhante, no que diz respeito ao atendimento às Resoluções CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) e nº 14/2002 (BRASIL, 2002e). No entanto, puderam ser observadas, em alguns Projetos Pedagógicos de Curso (PPC), algumas inadequações ou incoerências quanto aos espaços-tempos destinados à dimensão pedagógica, à Prática como Componente Curricular (PCC) e ao Estágio Supervisionado, o que pode evidenciar a dificuldade de interpretação dos construtores de currículo ou alguma transgressão sobre a legislação que orienta a formação de professores.

PALAVRAS-CHAVE: DCN; Projetos pedagógicos; Formação de professores de Geografia

ABSTRACT

This text is part of a broader research on the curriculum of undergraduate courses in Geography of federal and /or state public institutions in different geographic contexts of the country, considering the principle of curricular flexibilization proposed by the Curricular Guidelines National Training for Basic Education Teachers (DCN). It is a documentary research, whose main sources were Resolution CNE / CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) and complementary legislation / norms, as well as the Pedagogical Projects of ten undergraduate courses in Geography developed in public universities and / or federal) located in different regions of the country. In the analysis carried out, it was verified that all Pedagogical Projects have a very similar organizational structure, with respect to compliance with Resolutions CNE / CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) and nº 14/2002 (BRAZIL, 2002e). However, in some PPC, some inadequacies or inconsistencies could be observed regarding the time-space allocated to the pedagogical dimension, the Practice as a Curricular Component (PCC) and Supervised Internship, which may show the difficulty of interpretation of the curriculum constructors or some transgression on the legislation that guides the training of teachers.

KEYWORDS: DCN; Pedagogical projects; Formation of Geography teachers

RESUMEN

Este texto se sitúa en el marco de una investigación más amplia sobre el currículo de cursos de Licenciatura en Geografía de instituciones públicas federales y/o estatales, en diferentes contextos geográficos del país, teniendo en vista el principio de flexibilización curricular propuesto por las Directrices Curriculares Nacionales para la Formación de Profesores de la Educación Básica (DCN). Se trata de una investigación documental, cuyas fuentes principales fueron la Resolución CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) y legislaciones/normas complementarias, así como los Proyectos Pedagógicos de diez cursos de Licenciatura en Geografía desarrollados en universidades públicas (estatales y/o federales) ubicadas en diferentes regiones del país. En el análisis realizado, se verificó que todos los Proyectos Pedagógicos poseen una estructura organizacional muy semejante, en lo que se refiere a la atención a las Resoluciones CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) y nº 14/2002 (BRASIL, 2002e). Sin embargo, en algunos Proyectos Pedagógicos de cursos (PPC), algunas deficiencias o incoherencias en cuanto a los espacios-tiempos destinados a la dimensión pedagógica, a la práctica como componente curricular (PCC) ya la Etapa Supervisada, lo que puede evidenciar la dificultad de interpretación de los constructores de currículo o alguna transgresión sobre la legislación que orienta la formación de profesores.

PALABRAS CLAVE: DCN; Proyectos pedagógicos; Formación de profesores de Geografía

1 INTRODUÇÃO

Os cursos de formação de professores de Geografia vêm sofrendo uma série de modificações curriculares, quer seja nas implantadas ou a se implantar, decorrentes da produção de políticas educacionais no país. Com isso, são muitas as questões a serem colocadas sobre a configuração curricular desses cursos: que estrutura curricular apresentam os cursos de formação de professores de Geografia em desenvolvimento no país? Quais são os componentes curriculares que compõem o Projeto Pedagógico desses cursos? Como eles estão organizados? O que tem sido considerado nuclear na formação do professor de Geografia? Que identidade profissional esses currículos estão ajudando a construir? Esses currículos estão estruturados de forma a superar a hierarquização e fragmentação do conhecimento geográfico?

Obviamente que não se tem o intuito de apresentar respostas a todas essas questões, mas elas direcionam a discussão que aqui se propõe realizar. Cabe o registro de que o presente texto é um recorte de pesquisa mais ampla sobre o currículo de cursos de Licenciatura em Geografia de instituições públicas federais e/ou estaduais, em diferentes contextos geográficos do país, tendo em vista o princípio de flexibilização curricular proposto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (DCN).

Para a coleta de informações foi realizada uma pesquisa documental, cujas fontes principais foram: a Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e legislações/normas complementares instituídas pelo Ministério da Educação (MEC), em colaboração com o Conselho Nacional de Educação (CNE); Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) de Licenciatura em Geografia desenvolvidos em universidades públicas (estaduais e/ou federais) localizadas em diferentes regiões do país (foram escolhidos dois cursos de cada uma das cinco regiões brasileiras), com data de aprovação posterior à das Resoluções CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) e que estavam em vigência no momento de realização desta pesquisa (Quadro 1).

O aparato normativo mais recente a orientar a elaboração ou reformulação de Projetos Pedagógicos desses cursos são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, formação pedagógica para graduados e segunda licenciatura) e para a formação continuada, conforme definido pela Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015 (BRASIL, 2015b)1. Contudo, como nem todos os PPCs tomados como fonte de pesquisa haviam sido reformulados com base nessas novas diretrizes, a análise aqui apresentada refere-se àqueles cujas orientações seguiram as DCN aprovadas em 2002.

Quadro 1 Instituições de Ensino Superior escolhidas para análise dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura em Geografia, por região e data de elaboração e/ou aprovação do PPC - Brasil 

IES Região Ano de elaboração e/ou aprovação do PPC
Universidade Federal de Goiás (UFG) - Câmpus de Catalão Centro-Oeste 2005
Universidade Estadual de Goiás (UEG) - Câmpus de Porangatu Centro-Oeste 2010
Universidade Federal do Piauí (UFPI) - Câmpus de Teresina Nordeste 2007
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) - Câmpus de Barreiras Nordeste 2007
Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Câmpus de Porto Nacional Norte 2013
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) - São Luís Norte 2006
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Sudeste 2011
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) - Campus de Uberlândia Sudeste 2005
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sul 2010
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Sul 2003

Fonte: Projetos Pedagógicos dos cursos e site das instituições pesquisadas. Organizado pelas autoras.

Nota: Considerou-se como referência para o ano de elaboração e/ou de aprovação do Projeto Pedagógico de Curso a data que aparece na capa do respectivo documento. No caso dos PPCs de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), essa informação só pôde ser obtida junto à Coordenação dos cursos.

Assim, este texto encontra-se dividido em duas partes. A primeira apresenta uma discussão sobre organização e estrutura curricular dos cursos de formação de professores analisados, visando compreender as ressignificações do princípio de flexibilização curricular do discurso oficial, materializadas no Projeto Pedagógico. A segunda aborda a Prática como Componente Curricular (PCC), o Estágio Supervisionado e as Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC), buscando verificar o lugar ocupado por esses componentes curriculares no currículo dos cursos pesquisados. Ao final, apresentam-se as considerações finais.

2 ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA CURRICULAR DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA

Como desdobramento do currículo oficial, o Projeto Pedagógico representa/sintetiza a proposta de formação profissional a ser ofertada aos alunos. Fornece, também, as bases necessárias para implantação de ações de flexibilização curricular e viabiliza o projeto de ensino (objetivos, conteúdos, métodos de ensino, processos de avaliação) a ser implantado no curso. De um modo geral, é o Projeto Pedagógico que articula as ideias em torno de “para que ensinar”, “para quem ensinar”, “o que ensinar”, “como ensinar” e “como avaliar”. Segundo Masetto (2003), esses elementos, para serem implantados com vistas a dar identidade ao curso e a reduzir as distâncias entre real e o desejado, assim como entre os discursos e as ações, necessitam ser discutidos e debatidos no âmbito do colegiado. E este, no exercício de sua autonomia, tem a responsabilidade de elaborar, organizar, desenvolver e avaliar o Projeto Pedagógico do curso.

No que se refere aos cursos de Licenciatura em Geografia, o Projeto Pedagógico deverá traduzir a formação acadêmica e profissional a ser desenvolvida, a identidade do curso e as demandas do contexto socioespacial em que é praticado. Deve, também, apresentar os eixos determinados na Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e, ainda, explicitar claramente alguns aspectos considerados na Resolução CNE/CES nº 14/2002 (BRASIL, 2002e), como: o perfil desejado dos formandos; as competências e habilidades (gerais e específicas) a serem desenvolvidas; a estrutura do curso (organização curricular, tempo mínimo e máximo para integralização, regime acadêmico, turno de funcionamento, carga horária total, vagas ofertadas); os conteúdos básicos e complementares e respectivos núcleos; os conteúdos definidos para a Educação Básica; o formato do Estágio Curricular Supervisionado; as características das atividades complementares e as formas de avaliação (BRASIL, 2002c).

Na análise dos Projetos Pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Geografia pesquisados, pode-se verificar que todos possuem uma estrutura organizacional muito semelhante, que visa atender às Resoluções CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) e nº 14/2002 (BRASIL, 2002e). De um modo geral, os PPCs apresentam: uma contextualização da instituição e do curso; as bases legais, os objetivos, a estrutura e matriz curricular do curso; o perfil do egresso e as competências e habilidades requeridas do profissional formado; e o formato do Estágio Supervisionado obrigatório. Alguns Projetos Pedagógicos expressam, ainda: o regulamento de algumas atividades curriculares - Atividades Acadêmico-Científico-Culturais, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Estágio Supervisionado -; o ementário e o fluxograma das disciplinas; as formas de avaliação do ensino-aprendizagem; as perspectivas de integração entre ensino, pesquisa e extensão; o corpo docente e sua formação acadêmica; a infraestrutura do curso; e as possibilidades de equivalência curricular de disciplinas para integralização curricular do curso.

Com relação aos princípios e eixos articuladores do currículo, é recorrente nos Projetos Pedagógicos analisados a presença de seções ou ideias que fazem referência à articulação teoria e prática, à interdisciplinaridade, à flexibilização curricular, à indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, e à pesquisa como elemento essencial na formação profissional do professor. Ainda que a presença desses princípios e eixos articuladores seja um indicativo de que houve um esforço dos cursos em contemplar aspectos dos documentos oficiais que regulamentam as DCN, em sua maioria as propostas pedagógicas não oferecem uma fundamentação ou proposição inovadora sobre essas dimensões que vá além das concepções presentes nas diretrizes. Sinalizam apenas a importância de que elas sejam asseguradas e concretizadas no elenco de disciplinas - no Estágio Supervisionado obrigatório e nas atividades complementares -, o que pode gerar, para materialização dessas dimensões no processo educativo, uma tensão entre o currículo prescrito e os diferentes sujeitos que atuam nas mais diversas instâncias do currículo.

A análise dos Projetos Pedagógicos mostra que há inovações no currículo dos cursos vinculadas à organização de uma estrutura curricular mais flexível, sustentada na alocação de espaços-tempos curriculares diversificados e na integralização de atividades outras, que até então não eram consideradas no cômputo global da carga horária para efeito de diplomação. Porém, o que poderia denotar certa liberdade desses cursos na construção de uma proposta pedagógica mais flexível e aberta esbarra na obrigatoriedade de se respeitar os princípios e as orientações gerais constantes nas DCN, no que tange aos componentes curriculares a serem ministrados, ao tempo mínimo para integralização do curso, à carga horária mínima a ser cumprida, e às competências e habilidades a serem asseguradas.

Para a validação de um diploma, os cursos de formação de professores de Geografia devem ser efetivados mediante a integralização de, no mínimo, 2.800 horas de atividades científico-acadêmicas, que não podem ser cumpridas em tempo inferior a três anos letivos, segundo a Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d). E essa carga horária mínima deve ser mensurada em hora-relógio (sessenta minutos) de atividades acadêmicas e de trabalho discente efetivo, conforme determinação do Parecer CNE/CES nº 261/2006 (BRASIL, 2006) e da Resolução CNE/CES nº 3/2007 (BRASIL, 2007). Portanto, são 2.800 horas distribuídas entre os componentes curriculares e que devem ser garantidas no Projeto Pedagógico dos cursos (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição da carga horária mínima exigida aos cursos de formação de professores no Brasil entre os componentes curriculares instituídos pelas DCN (BRASIL, 2002d) 

Componente curricular Carga horária (hora-relógio) Percentual (%)
Conteúdos curriculares de natureza científico-cultural 1.800 64,3
Prática como Componente Curricular (PCC) 400 14,3
Estágio Curricular Supervisionado 400 14,3
Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC) 200 7,1
TOTAL 2.800 100

Fonte: Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d). Organizado pelas autoras.

Na carga horária mínima destinada aos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural deverão estar inseridos tanto os conteúdos específicos da Geografia quanto os de formação complementar e os de natureza didático-pedagógica, necessários à formação do professor. A Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) estabelece que “[...] o tempo dedicado às dimensões pedagógicas não será inferior à quinta parte da carga horária total dos cursos”. Sendo assim, das 1.800 horas previstas na estrutura curricular, 1.240 horas serão dispostas para os conteúdos específicos e 560 horas para os conteúdos de natureza didático-pedagógica. Nessa última dimensão, são contempladas as atividades teóricas e práticas, excluindo-se as 400 horas destinadas ao Estágio Curricular Supervisionado. Por conseguinte, a dimensão pedagógica do curso será constituída por 1.360 horas, das quais 560 horas correspondem às disciplinas pedagógicas, 400 horas são dedicadas ao Estágio Curricular Supervisionado e 400 horas à Prática como Componente Curricular (PCC). Essa prática, cabe assinalar, pode ser dissolvida na carga horária mínima destinada aos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural, conforme os interesses e necessidades de cada instituição.

A UFOB-Barreiras e a UFU possibilitam ao aluno escolher, no ato da matrícula ou ao longo do processo formativo, uma ou outra modalidade de formação profissional - bacharelado ou licenciatura. Na UFOB (2007, p. 20), “[...] num primeiro momento o aluno que ingressa via vestibular ou transferência é matriculado automaticamente na modalidade Licenciatura, podendo, no entanto, migrar para a modalidade Bacharelado ou, caso seja possível, poderá seguir concomitantemente com os dois cursos”. O curso de Geografia da UFU também oferece dois graus distintos: Licenciatura e Bacharelado. A opção por qualquer uma das modalidades deve ser feita ao final do 3º período. Também é assegurada ao aluno a possibilidade de cursar a outra modalidade assim que concluir a primeira opção.

Os cursos analisados possuem uma carga horária total mínima bastante distinta - varia de 3.855 horas (UFMA-São Luís) a 2.850 horas (UFMG) - e devem integralizar-se em tempo superior a três anos letivos (Quadro 2). Excetuando-se o curso da UFG-Catalão e o da UFRGS, todos os demais atendem à Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) quanto à distribuição da carga horária total mínima dos cursos entre os componentes de organização curricular: conteúdos de natureza científico-culturais, Prática como Componente Curricular (PCC), Estágio Curricular Supervisionado e Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC) (Tabela 2).

Somente o Projeto Pedagógico do curso de formação de professores de Geografia da UFT-Porto Nacional está em consonância com as determinações legais instituídas pelas Resoluções CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e nº 2/2002 (BRASIL, 2002d), no que se refere ao tempo a ser dedicado às dimensões pedagógicas nos cursos de formação de professores. Os demais cursos parecem assumir a dificuldade de implementar nos seus Projetos Pedagógicos o que foi definido e o que foi interpretado da legislação (Tabela 2).

Quadro 2 Caracterização dos Cursos de Licenciatura em Geografia das IES pesquisadas. 

IES Modalidade Regime Turno Integralização do Curso CH Total (horas)
Mínimo Máximo
UFMG Licenciatura Semestral Noturno 9 semestres 18 semestres 2.850
UFPI-Teresina Licenciatura Semestral Noturno 10 semestres 12 semestres 2.925
UFG-Catalão Licenciatura Semestral Noturno 8 semestres 14 semestres 2.984
UFT-Porto Nacional Licenciatura Semestral Noturno 8 semestres 12 semestres 3.090
UFOB-Barreiras Licenciatura/ Bacharelado Semestral Diurno 8 semestres 14 semestres 3.158
UFU Licenciatura/ Bacharelado Semestral Noturno 3 anos 6 anos 3.180
UFRGS Licenciatura Semestral Noturno 9 semestres 18 semestres 3.210
UEG-Porangatu Licenciatura Anual Noturno 4 anos 6 anos 3.240
UFSM Licenciatura Semestral Diurno 6 semestres 12 semestres 3.590
UFMA-São Luís Licenciatura Semestral Vespertino 9 semestres 13 semestres 3.855

Fonte: Projetos Pedagógicos dos cursos pesquisados e site das instituições em que são ofertados. Organizado pelas autoras.

Nota: A carga horária do curso de formação de professores de Geografia da UFPI-Teresina, em vigência no ano de 2014, difere daquela apresentada no Projeto Pedagógico.

Tabela 2 Distribuição da carga horária mínima nos Projetos Pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Geografia pesquisados entre os componentes curriculares instituídos pelas DCN (BRASIL, 2002d) 

IES Componentes curriculares CH total (horas)
Conteúdos curriculares de natureza científico-cultural PCC Estágio Curricular Supervisionado AACC
CH (%) CH (%) CH (%) CH (%)
UFMG 1.835 64,4 400 14,0 405 14,2 210 7,4 2.850
UFPI-Teresina 1.840 62,9 480 16,4 405 13,8 200 6,8 2.925
UFG-Catalão 2.176 72,9 - - 416 13,9 200 6,7 2.984
UFT-Porto Nacional 1.902 61,6 438 14,2 540 17,5 210 6,8 3.090
UFOB-Barreiras 2.142 67,8 408 12,9 408 12,9 200 6,3 3.158
UFU 2.160 67,9 400 12,6 420 13,2 200 6,3 3.180
UFRGS 2.500 77,9 - - 510 15,9 200 6,2 3.210
UEG- Porangatu 2.240 69,1 400 12,3 400 12,3 200 6,2 3.240
UFSM 2.570 71,6 400 11,1 420 11,7 200 5,6 3.590
UFMA-São Luís 2.280 59,1 420 10,9 675 17,5 210 5,4 3.855
IES Dimensão específica e didático-pedagógica dos cursos pesquisados
1/5 da carga horária total do curso (horas) Conteúdos específicos e complementares (horas) Conteúdos de natureza didático-pedagógica (horas)
CH % CH % CH %
UFMG 570 20,0 1.535 53,9 300 10,5
UFPI-Teresina 585 20,0 1.345 46,0 495 16,9
UFG Catalão 596 20,0 1.600 53,6 576 19,3
UFT-Porto Nacional 618 20,0 1.242 40,2 660 21,4
UFOB-Barreiras 631 20,0 1.938 61,4 204 7,5
UFU 636 20,0 1.920 60,4 240 7,5
UFRGS 642 20,0 2.170 67,6 330 10,3
UEG-Porangatu 648 20,0 1.690 52,2 550 17,0
UFSM 718 20,0 2.285 63,6 285 7,9
UFMA-São Luís 771 20,0 1.920 49,8 360 9,3

Fonte: Projetos Pedagógicos dos cursos pesquisados e site das instituições em que são ofertados. Organizado pelas autoras.

Conforme se pode observar na Tabela 2, mais especificamente os cursos de Licenciatura em Geografia ofertados pela UFMG, UFOB-Barreiras, UFU, UFRGS, UFSM e UFMA-São Luís parecem dar maior ênfase à formação específica e complementar do curso, pois a carga horária destinada às disciplinas de natureza didático-pedagógica apresenta uma porcentagem relativamente baixa diante do que a lei determina, que corresponde a 20% da carga horária total do curso. Essa inadequação ou incoerência acerca do tempo destinado à dimensão pedagógica no âmbito dos cursos pode evidenciar a dificuldade de interpretação ou mesmo transgressão da legislação educacional que orienta a formação de professores. Mas também pode ter relação com o fato de não haver uma preocupação desses cursos em privilegiar os conhecimentos pedagógicos, filosóficos e educacionais que fundamentam a ação educativa.

A partir do Parecer CNE/CES nº 197/2004 (BRASIL, 2005a), algumas instituições têm o entendimento de que esse tempo dedicado às dimensões pedagógicas está incluso nas 1.800 horas destinadas aos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; outras interpretam que esse tempo se inclui na carga horária total mínima do curso (2.800 horas); e ainda há as que inserem as 400 horas de Prática como Componente Curricular e as 400 horas de Estágio Supervisionado no conjunto da quinta parte, à que se refere o texto legal. No entanto, segundo os Pareceres CNE/CES nº 197/2004 (BRASIL, 2005a) e CNE/CES nº 228/2004 (BRASIL, 2004), tudo o que se vincule à formação da competência pedagógica e seus fundamentos teóricos, excetuando-se a Prática como Componente Curricular e o Estágio Supervisionado, pode ser considerado como parte integrante do tempo dedicado à dimensão pedagógica, que deve corresponder a 1/5 (um quinto) da carga horária total do curso. Em vista disso, ao realizar o levantamento da composição da estrutura curricular dos Projetos Pedagógicos analisados, pode-se verificar que as disciplinas de natureza didático-pedagógica (obrigatórias) estão distribuídas ao longo dos cursos, com exceção do curso de Licenciatura em Geografia da UFOB-Barreiras. As únicas três disciplinas obrigatórias presentes na matriz curricular desse curso - Psicologia da Educação, Organização da Educação Brasileira e Libras - são ofertadas a partir da segunda metade do curso.

Conquanto a seleção e o ordenamento das disciplinas específicas e pedagógicas sejam de competência de cada curso, pelas diretrizes estabelecidas pela Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c), a dimensão pedagógica (disciplinas de natureza didático-pedagógica, Prática como Componente Curricular e Estágio Curricular Supervisionado) não pode ficar reduzida a momentos isolados do curso. Ela precisa estar articulada com os conteúdos de natureza científico-cultural, de modo a contribuir para que os alunos possam ir construindo uma identidade profissional de professor desde o início do curso.

Chama a atenção o fato de que, do total de sessenta e oito disciplinas obrigatórias que tratam de questões ligadas à educação e que têm espaço nas matrizes curriculares dos cursos pesquisados, somente quinze referem-se à Didática da Geografia ou às didáticas específicas de outras ciências afins. Vale ressaltar que a maioria das disciplinas pedagógicas ofertadas pelos cursos em questão busca discutir os referenciais teóricos, seja de natureza filosófica, sociológica ou psicológica, associados a conhecimentos relativos à educação, aos sistemas educacionais, às modalidades e aos níveis de ensino, e à profissionalização docente. Em sete dos cursos pesquisados (UFPI-Teresina; UFG-Catalão; UFT-Porto Nacional; UFU; UEG-Porangatu; UFSM; UFMA-São Luís) estão presentes, como disciplinas, as didáticas específicas, embora com denominações e carga horária diferentes: Análise da Prática Pedagógica em Geografia; Metodologia do/para o Ensino de Geografia; Geografia e Sociedade; Fundamentos de Educação Ambiental; Didática para o Ensino de Geografia; Prática de Geografia nos Ensinos Fundamental e Médio; Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aplicados ao Ensino de Geografia; Prática de Ensino de Cartografia; Didática e Prática Docente em Geografia; Fundamentos para o Ensino de Biogeografia e Ecologia.

Acredita-se que a “falta de espaço-tempo” para disciplinas que tratam das didáticas específicas no desenho curricular de muitos cursos de formação de professores de Geografia do país pode estar relacionada com o fato de que, na maioria dos casos, as disciplinas obrigatórias de natureza didático-pedagógica compõem o núcleo comum da estrutura curricular dos respectivos cursos. Não por acaso, geralmente as disciplinas desse núcleo são definidas pelas instituições de Ensino Superior e desenvolvidas sob a responsabilidade de outros departamentos ou da Faculdade de Educação, onde são ministradas para atender a alunos de diferentes cursos de graduação, que também precisam cursar tais disciplinas para integralizar o currículo.

Com isso, a depender da quantidade ofertada, pode haver um entendimento de que essas disciplinas, juntamente com o Estágio Supervisionado e a Prática como Componente Curricular - ainda que não se cumpra o mínimo estabelecido em lei, como já se disse antes -, são suficientes para contemplar a dimensão pedagógica dos cursos, não necessitando, portanto, serem ofertadas disciplinas outras que tratam das didáticas específicas. Ou ainda que as disciplinas de natureza didático-pedagógica, tidas como “gerais”, embora tenham o papel de atribuir uma intencionalidade formativa ao ato de ensinar, conseguem desenvolver nos alunos modos de pensar e agir didaticamente, sem o auxílio das didáticas específicas.

Ainda que outras ciências auxiliares da Educação como a Didática, a Psicologia, a Sociologia e a Filosofia possam dar suporte ao ato de ensinar e indicar princípios que vão nortear o trabalho docente, entende-se que elas e as disciplinas de conteúdos de natureza científico-cultural, mesmo que necessárias, não são suficientes para ajudar os alunos na construção da base de conhecimentos para o ensino, conforme propõe Shulman (2005). Para ele, a base de conhecimentos para o ensino corresponde ao corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições necessárias ao ato de ensinar. Essa base compreende três categorias. Uma delas refere-se ao conhecimento específico do conteúdo que será objeto de ensino, quanto às compreensões do professor sobre a estrutura dos conteúdos da sua disciplina e à forma como ele os organiza cognitivamente. Porém, essa compreensão não diz respeito apenas ao conhecimento do professor sobre princípios, fatos, conceitos, processos, procedimentos etc., relativos à sua área disciplinar ou área de conhecimento. Pressupõe também a compreensão dos processos de construção das categorias teóricas relativas à área de conhecimento, assim como das relações que elas estabelecem entre si para a explicação dos fatos e fenômenos, e das formas pelas quais se dá a organização dos conteúdos de determinado campo de conhecimento. A outra categoria relaciona-se ao conhecimento pedagógico do conteúdo, que se refere à compreensão do professor sobre conteúdos de uma disciplina ou área específica, representados e reformulados para uma dada situação de ensino, por meio de analogias, de ilustrações, exemplos, explanações e demonstrações etc., de modo que o conteúdo possa ser apreendido pelos alunos. Inclui também a compreensão do que torna a aprendizagem de tópicos de conteúdos específicos fácil ou difícil, assim como a capacidade de transformar/adaptar o conhecimento do conteúdo de acordo com as características e variações dos alunos e com as concepções/experiências trazidas por eles para as situações de aprendizagem. A última categoria concerne ao conhecimento curricular, que tem a ver com a disposição do professor em compreender os princípios elementares dos problemas, temas e questões do currículo, para poder ensinar aos seus alunos. Contudo, além de conhecer, os professores devem ser capazes de selecionar-articular os conteúdos a serem ensinados e de escolher os recursos e as técnicas que são necessários.

Essa base de conhecimentos para o ensino implica, portanto, a necessidade de integrar o campo epistemológico da ciência de referência do curso com o pedagógico, numa relação íntima, com vistas a dar conta da complexidade do ato de ensinar. Sendo a atividade de ensino um processo de transmissão, interiorização e produção do conhecimento, ela não pode ocorrer sem o aporte dos instrumentos mediadores, como as bases teórico-conceituais e metodológicas da ciência ensinada, as teorias pedagógicas, as metodologias, os procedimentos e as técnicas de ensino (LIBÂNEO, [1990] 2008). São esses instrumentos, traduzidos na didática geral e nas didáticas específicas (conhecimento pedagógico do conteúdo), em articulação com o conhecimento específico do conteúdo, que vão propiciar as bases necessárias para que os alunos em formação possam, futuramente, desempenhar bem sua profissão.

Sem essas mediações, corre-se o risco de a aprendizagem tornar-se abstrata e de se dissociar teoria e prática na formação de professores de Geografia. O pressuposto é o de que o professor, para planejar-realizar-avaliar situações didáticas para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, precisa compreender, com razoável profundidade e com a necessária adequação à situação escolar, os métodos particulares de investigação e análise da ciência ensinada, os conteúdos geográficos que serão objetos de sua atuação didática, os contextos que se inscrevem, e o processo didático que se desenvolve por meio dos componentes de ensino (objetivos, conteúdos, métodos, recursos, procedimentos e processos de avaliação) (BRASIL, 2001a). Em vista disso, segundo o que defende Libâneo ([1990] 2008), não faz muito sentido falar de formação de professores sem considerar que o ensino, tendo em vista a aprendizagem, depende de mediações da didática geral e das didáticas específicas das ciências a serem ensinadas.

A Didática compreende um campo do conhecimento fundamentado nas contribuições da Psicologia, da Filosofia e da Sociologia, que se preocupa em estudar o processo de ensino na sua globalidade, revelado nos modos e nas condições de assegurar aos futuros professores a interiorização, via processo de comunicação, dos conhecimentos sistematizados e o desenvolvimento de suas capacidades mentais. É uma disciplina teórica e, ao mesmo tempo, prática, que tem o papel de formular os saberes profissionais a serem mobilizados no trabalho docente. Ela não se limita a uma correta aplicação de regras gerais, de métodos e de técnicas de ensino. Pelo contrário, busca orientar/assegurar a unidade entre o aprender e o ensinar na relação com um saber, bem como ampliar a compreensão do futuro professor sobre as demandas da escola, da profissão e do ato de ensinar. Propõe-se, ainda, a instrumentalizar a prática pedagógica do futuro professor e oferecer as disciplinas específicas do curso, o que é comum e essencial ao ensino, mas respeitando suas peculiaridades epistemológicas e metodológicas. A didática específica - no caso aqui tratado a Didática da Geografia - se propõe a estabelecer uma relação entre Didática e epistemologia da Geografia. Ou seja, busca uma aproximação entre instrumentos de ensino, métodos, conceitos, temas, tópicos de conteúdos e procedimentos investigativos próprios da ciência ensinada. Ela dedica-se a instrumentalizar o futuro professor para que ele consiga traduzir didaticamente o modo de pensar e investigar da Geografia. Vale dizer, para que ele possa efetivamente, no exercício da prática pedagógica, mobilizar conhecimentos para ajudar os escolares a dominar o modo de pensar teoricamente (a partir da formação de conceitos) e a investigar a ciência ensinada (LIBÂNEO, [1990] 2008, 2012).

Nas palavras de Cavalcanti (2010), a Didática da Geografia busca analisar a dinâmica do ensino dessa matéria (elementos constitutivos, condições de realização, contextos e sujeitos, limites e demandas) e contribuir para a produção de um conhecimento amplo sobre o ensino e os fundamentos teórico-metodológicos da Geografia escolar.2 Além disso, propõe-se a refletir sobre o processo pelo qual essa matéria se origina e se instala no currículo da Educação Básica.

Conforme evidencia Libâneo ([1990] 2008), a Didática não se sustenta teoricamente se não tiver como referência de sua investigação os conteúdos, a metodologia investigativa e as formas de aprendizagem das disciplinas específicas. Do mesmo modo, as didáticas específicas também não podem cumprir sua tarefa na formação de professores sem assegurar os princípios do processo didático, comuns à Didática. Significa dizer, portanto, que a Didática e as didáticas específicas, as quais têm em comum o processo de ensino como objeto de estudo, não podem estar ausentes ou separadas da formação de professores.

Com base nesses argumentos e tendo em vista a necessidade de formar um profissional que atue na Educação Básica sem dissociar conhecimentos geográficos, conhecimentos do processo didático e conteúdos escolares, de forma sistemática e contínua, é de se esperar que a Didática da Geografia esteja presente, de algum modo, na estrutura curricular dos cursos de formação de professores de Geografia. Isso poderá ser assegurado mediante a oferta de disciplinas que buscam suprir o futuro professor de bases teórico-metodológicas e procedimentais para ensinar Geografia na Educação Básica. Ou ainda pela efetivação da Prática como Componente Curricular (PCC) no interior das disciplinas de conteúdos de natureza científico-cultural. O que reforça, portanto, a relevância dessa prática curricular nos cursos de formação de professores de Geografia.

3 A PCC, O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E AS AACC NOS CURRÍCULOS DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA

A Prática como Componente Curricular (PCC) é instituída pelas DCN para funcionar como eixo articulador das dimensões teóricas e práticas nos cursos de formação de professores. Porém, não deve ser confundida com a prática de ensino e com o Estágio obrigatório, definidos em lei (BRASIL, 2002b). Tampouco pode se resumir a uma aula prática em laboratório, a um trabalho de campo, a visitas técnicas, à realização de seminários, por exemplo. Pode até ser, desde que essas atividades se traduzam numa prática que produza algo no âmbito do ensino, que busque uma aproximação entre conteúdos e metodologia, e que tenha como meta ajudar o futuro professor a estabelecer nexos entre os conteúdos trabalhados na universidade com aqueles que deverão ser ensinados na Educação Básica.

Uma concepção de Prática como Componente Curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento que está presente no currículo do curso, tanto nos momentos em que se abordam os conteúdos específicos, como também naqueles em que se estabelece uma reflexão sobre a atividade profissional e se exercita a atividade docente (BRASIL, 2001a).

A PCC refere-se a um conjunto de atividades ligadas à formação profissional, inclusive as de natureza acadêmica, que se volta para a compreensão das práticas educativas e da própria educação escolar, assim como de aspectos variados da cultura das instituições educacionais e suas relações com a sociedade, com as áreas de conhecimento específico. Mas também são atividades que proporcionam experiências de desenvolvimento de procedimentos próprios ao exercício da docência. Segundo o Parecer CNE/CES nº 15/2005, é por meio dessas atividades que “[...] são colocados em uso, no âmbito do ensino, os conhecimentos, as competências e as habilidades adquiridos nas diversas atividades formativas que compõem o currículo do curso [...]” (BRASIL, 2005b, p. 3).

Essa prática curricular deve, pois, ser entendida como uma atividade que produz algo na área do ensino, que, articulada com o Estágio Curricular Supervisionado e com as demais atividades de trabalho acadêmico, concorre conjuntamente para a formação da identidade profissional do aluno que está sendo formado para atuar como professor da Educação Básica. Em outras palavras, a PCC deve ser vista como um espaço-tempo do curso onde se busca trabalhar a didática específica de uma dada disciplina ou da própria ciência a ser ensinada. É uma prática que visa trabalhar temas, conceitos e conteúdos a serem ensinados na escola básica, articulados à metodologia e aos processos investigativos da ciência de referência do curso.

Com base no entendimento de que a prática não pode ficar reduzida ao estágio ou a um espaço isolado na matriz curricular dos cursos de formação de professores (BRASIL, 2001a), a Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d, p. 57) determinou a fixação de 400 horas de Prática como Componente Curricular na proposta pedagógica desses cursos, com o intuito de viabilizar a articulação entre teoria e prática. No entanto, cabe a cada curso “[...] prever situações didáticas em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares”.

Embora cada Instituição de Ensino Superior tenha autonomia/flexibilidade para alocar a carga horária destinada à PCC na estrutura curricular das licenciaturas, essa prática deve ser vivenciada desde o início do curso e permear todo processo formativo. Para tanto, tem de estar definida de forma clara e objetiva na matriz curricular, bem como fazer parte das ementas, dos programas e planos de ensino de cada disciplina, e ser registrada no diário do professor (BRASIL, 2001a).

Apesar de se reconhecer que grande parte das disciplinas que compõem o currículo dos cursos de formação de professores tem sua dimensão prática, que deve ser permanentemente trabalhada tanto na perspectiva da sua aplicação no mundo social e natural quanto na perspectiva da sua didática (BRASIL, 2001a), nem sempre essa prática pode se configurar como PCC.

O Parecer CNE/CES nº 15/2005 (BRASIL, 2005b) esclarece que qualquer disciplina do curso de formação de professores pode ter atividades computadas na carga horária de PCC, inclusive as que estão relacionadas à formação pedagógica, que incluem atividades de caráter prático. No caso de haver disciplinas de conhecimentos técnico-científicos, correspondentes à área do conhecimento de referência do curso, que possuem caráter prático e que não podem ter suas atividades práticas computadas como PCC, existe a possibilidade de se criar outras ou de adaptar as que já compõem a matriz curricular, conforme as necessidades de cada instituição. Além disso, o referido parecer especifica que a PCC pode ser desenvolvida como núcleo, como parte de disciplinas ou de outras atividades formativas (BRASIL, 2005).

Assim, ao se realizar levantamento da Prática como Componente Curricular na matriz curricular dos Projetos Pedagógicos analisados, pôde-se verificar que nem todos os cursos de formação de professores de Geografia atendem à Resolução CNE/CP nº 2/2002 e às normas complementares. No que se refere à distribuição de horas dedicadas à Prática como Componente Curricular, definidas em lei, pode-se observar que, dos dez cursos analisados, oito introduziram/dissolveram essa carga horária em disciplinas de conteúdos específicos, de formação complementar e de natureza didático-pedagógica. Desse total, seis cursos (UFPI-Teresina; UFT-Porto Nacional; UFOB-Barreiras; UEG-Porangatu; UFSM; UFMA-São Luís) distribuíram essas horas em disciplinas que desenvolvem atividades tanto teóricas quanto práticas. Os outros dois dissolveram essa carga nas disciplinas que apresentam somente carga horária teórica (UFMG) ou prática (UFU). Cabe dizer que não foi possível identificar, na organização e no desenho curricular dos cursos de Geografia da UFG-Catalão e da UFRGS, a presença de disciplinas com carga horária dedicada (integral ou parcialmente) ao desenvolvimento de atividades de PCC (Quadro 3).

Os cursos de formação de professores de Geografia ofertados pela UFMG, UFU e UFMA-São Luís criaram disciplinas específicas que dedicam toda a sua carga horária para ser computada como Prática como Componente Curricular. A UFSM destinou a carga horária integral de disciplinas de natureza didático-pedagógica ofertadas no curso de Geografia para a realização de atividades de PCC. Os demais quatro cursos (UFPI-Teresina; UFT-Porto Nacional; UFOB-Barreiras; UEG-Porangatu) dedicaram apenas parte da carga horária total das disciplinas para desenvolver atividades correspondentes à PCC. Observou-se, ainda, que, com exceção do curso ofertado pela UFMA-São Luís, que alocou as 400 horas de Prática como Componente Curricular em disciplinas ofertadas do 4º ao 7º semestre, os outros sete cursos distribuíram essas horas desde o início do curso, permeando todo o processo de formação (Quadro 3).

Quadro 3 Carga horária da PCC, número de disciplinas do curso, número e disciplinas com PCC nos cursos de Licenciatura em Geografia nas IES pesquisadas - Brasil 

IES PCC (horas) Número de disciplinas do curso Número de disciplinas com PCC DISCIPLINAS
UFMG 400 36 4 Análise da Prática Pedagógica em Geografia I; Análise da Prática Pedagógica em Geografia II; Análise da Prática Pedagógica em Geografia III; Análise da Prática Pedagógica em Geografia IV; e outras práticas vivenciadas em atividades acadêmicas ao longo do curso.
UFPI-Teresina 480 40 19 Geologia Aplicada à Geografia; Climatologia; Cartografia I; Cartografia II; Hidrografia; Geografia da População; Geomorfologia I; Biogeografia; Geografia Urbana I; Geografia Agrária I; Conservação de Recursos Naturais e Poluição Ambiental (CRNPA); Pedologia I; Geografia da Indústria e dos Serviços; Organização Espacial do Mundo; Fotointerpretação em Geografia; Organização Espacial do Brasil I; Organização Espacial do Brasil II; Organização Espacial do Nordeste; Organização Espacial do Piauí.
UFG-Catalão - 42 - -
UFT-Porto Nacional 438 38 28 Leitura e Prática de Produção de Texto; Filosofia da Educação; Climatologia I; Geografia Econômica; Geologia Geral; Sociedade, Cultura e História da Educação; Climatologia II; Geografia Política; Geomorfologia I; Política, Legislação e Organização da Educação Básica; Geografia Agrária; Geografia da População; Geomorfologia II; Didática; Psicologia da Aprendizagem; Hidrografia; Pedologia; Prática de Geografia no Ensino Fundamental; Biogeografia; Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aplicados ao Ensino de Geografia; Prática de Ensino e Diversidades; Prática de Geografia no Ensino Médio; Geografia Cultural; Geografia do Espaço Brasileiro; Geografia do Turismo; Prática de Ensino de Cartografia; Geografia Regional da Amazônia; Libras.
UFOB-Barreiras 408 39 12 Geologia Geral; Climatologia; Hidrografia; Geografia Agrária; Cartografia Sistemática e Temática; Geomorfologia; Cartografia Digital e SIG; Pedologia; Geografia Urbana; Introdução ao Sensoriamento Remoto; Geografia do Brasil III; Atividades interdisciplinares.
UFU 400 41 8 Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 1; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 2; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 3; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 4; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 5; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 6; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 7; Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica 8.
UFRGS - 40 - -
UEG-Porangatu 400 29 19 Cartografia Sistemática; Economia Espacial e Dinâmica Populacional; Geologia Geral; História do Pensamento Geográfico; Climatologia; Cartografia Temática e Geoprocessamento; Geografia Cultural; Geografia de Goiás e do Brasil; Hidrogeografia; Teoria do Conhecimento em Geografia; Geografia Agrária; Geografia Urbana; Geomorfologia; Teoria da Região e Regionalização; Biogeografia e Meio Ambiente; Geografia Política e Geopolítica do Espaço Mundial; Optativa I; Optativa II; Pedologia.
UFSM 400 53 6 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Sociológicos da Educação; Estrutura e Funcionamento da Educação Básica; Psicologia da Educação “A”; Processos de Ensino em Geografia; Trabalho de Graduação de Licenciatura I; Trabalho de Graduação de Licenciatura II.
UFMA-São Luís 420 45 4 Perfil da Comunidade Escolar; Elaboração da Proposta de Trabalho I; Elaboração da Proposta de Trabalho II; Experimentação da Proposta de Trabalho.

Fonte: Projetos Pedagógicos dos cursos pesquisados e site das instituições em que são ofertados. Organizado pelas autoras.

Ao analisar os ementários dos Projetos Pedagógicos dos oitos cursos que possuem carga horária computada como Prática como Componente Curricular, pode-se verificar que a UFMG, a UFU e a UFMA-São Luís, ao criarem disciplinas com carga horária dedicada à realização de atividades de PCC, não tiveram a preocupação de estabelecer uma aproximação entre conteúdos e metodologia de ensino. Tais disciplinas se assemelham à prática de ensino, pois se propõem a desenvolver apenas atividades que tenham como referência a escola, a Educação, o exercício da profissão docente. Em nenhuma ementa notou-se uma preocupação em articular esses elementos com os conteúdos específicos trabalhados no âmbito do curso. De modo semelhante, no curso de Geografia ofertado pela UFSM, das seis disciplinas destinadas a trabalhar a PCC, apenas uma se propõe a trabalhar a didática específica da ciência de referência do curso. Duas dessas disciplinas, inclusive, se referem à elaboração do Projeto de Pesquisa e da Monografia, voltados para a licenciatura.

No curso de Geografia da UFT-Porto Nacional, das vinte e oito disciplinas que dedicam parte da sua carga horária ao desenvolvimento de atividades de PCC, apenas doze buscam suscintamente essa aproximação, ao fazerem referência a um tema ou tópico de conteúdo - discutido no âmbito da disciplina -, pensado na perspectiva do ensino de Geografia. Cite-se, como exemplo, a disciplina Geografia Cultural, que traz na sua ementa o seguinte: “Os estudos culturais e as perspectivas multiculturalistas no ensino de Geografia”. Analogamente, no curso de Geografia ofertado pela UEG-Porangatu, das vinte e oito disciplinas que compõem a matriz curricular, dezenove buscam relacionar temas ou tópicos de conteúdos do campo disciplinar com o que é ensinado na Educação Básica. Tomam-se como exemplos as disciplinas Geologia, que traz na sua ementa “Os estudos de Geologia na Educação Básica”, e Geografia Urbana, que considera os “Conhecimentos de Geografia urbana na Educação Básica”. Com relação ao curso de Geografia da UFPI-Teresina, das dezenove disciplinas que dedicam espaço-tempo para a PCC, apenas uma faz menção ao ato de ensinar, ou seja, inclui o papel do professor de Geografia na formação da consciência ambiental. E no curso Geografia da UFOB-Barreiras, das doze disciplinas com PCC, nenhuma busca tratar de conhecimentos relacionados à Geografia escolar.

É importante ressaltar que, ao consultar os ementários e “matrizes” dos planos de ensino, seja nos Projetos Pedagógicos analisados ou nos sites das instituições que ofertam os cursos pesquisados, a maioria das disciplinas que se propõem a estabelecer uma aproximação entre conteúdo e metodologia de ensino não especifica, seja nos objetivos, nos conteúdos programáticos ou na metodologia, quais atividades serão desenvolvidas com finalidades didático-pedagógicas. Além disso, chama a atenção o fato de que as horas destinadas à Prática como Componente Curricular nos cursos de formação de professores de Geografia ofertados pela UFPI-Teresina, UFT Porto Nacional e UFOB-Barreiras estão, em sua maioria, distribuídas em disciplinas específicas comuns ao bacharelado e à licenciatura. Isso equivale a dizer que as atividades de PCC estão previstas também para a formação do bacharel - o que em si não é problema, pois essa prática se refere à profissão, ao exercício da profissão, que nesse caso pode ser em qualquer uma das modalidades de formação profissional. Ao se analisar as ementas das respectivas disciplinas, pôde-se verificar que, no geral, essas atividades de PCC se resumem à realização de trabalhos-aulas-relatórios de campo, de atividades práticas em laboratório, de experimentos, de seminários etc.3, o que significa dizer que essas disciplinas estão distanciadas da prática e da realidade escolar.

Daí a importância de os cursos de formação de professores de Geografia estruturarem propostas e práticas curriculares que visem não apenas ao domínio de conteúdos específicos e de métodos investigativos da ciência de referência, mas também ao domínio das proposições teórico-metodológicas que dizem respeito ao processo de ensino-aprendizagem da Geografia escolar e à aquisição de conhecimentos acerca do papel profissional a ser desenvolvido pelo professor na escola básica.

Embora não se tenham analisado os planos de ensino das disciplinas com carga horária destinada à PCC, e nem realizado entrevista com os professores responsáveis por ministrá-las ou coordenadores dos cursos pesquisados, fica a impressão de que as licenciaturas em Geografia desenvolvidas pela UFPI-Teresina, UFOB-Barreiras e UFT Porto Nacional possuem tendência bacharelesca.

Essas observações permitem inferir que a Prática como Componente Curricular, pensada para ser um instrumento de correção e para fechar algumas das lacunas existentes nos cursos de formação de professores, no que se refere à relação teoria e prática, não tem cumprido o seu papel, conforme o que estabelecem as Resoluções CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d), e os Pareceres CNE/CP nº 9/2001 (BRASIL, 2001a), CNE/CP nº 27/2001 (BRASIL, 2002a) e CNE/CES nº 15/2005 (BRASIL, 2005b). Ao que tudo indica, essa prática efetivou-se apenas na alocação das 400 horas dedicadas a essa dimensão no desenho curricular dos cursos pesquisados, ofertados pela UFPI-Teresina, UFOB-Barreiras e UFT-Porto Nacional. Entende-se que, mais que distribuir horas na matriz curricular do curso, o que importa é assegurar o desenvolvimento da prática curricular e o registro das atividades realizadas e dos resultados alcançados. Esse espaço-tempo previsto na formação inicial significaria a possibilidade de disseminar propostas/situações/atitudes didático-pedagógicas no âmbito do curso, sobretudo nas disciplinas de conteúdos específicos.

Da reflexão sobre tais questões, pode-se dizer que o maior entrave encontrado nos Projetos Pedagógicos dos cursos pesquisados diz respeito à PCC. Acredita-se que a falta de uma definição mais precisa do que seja essa prática nos documentos oficiais que a regulamentam e de como ela pode ser operacionalizada no currículo dos cursos de formação de professores gerou uma concepção restrita da PCC nos documentos analisados.

Ainda que se reconheça que a PCC seja uma dimensão importante da formação inicial de professores, sua inserção no currículo formal parece não ter resultado em mudanças significativas, como se esperava. Isso significa que, para resolver o problema das licenciaturas bacharelescas, não bastam reformas curriculares, seja com o simples acréscimo de conteúdos e de atividades teórico-práticas, seja com a separação das duas modalidades de formação profissional (bacharelado e licenciatura) existentes dentro do mesmo curso.

Para além de mudanças no currículo praticado, revelado no contexto da prática pedagógica, a solução pode estar também na mudança dos projetos de formação inicial em Geografia, com vistas a contemplar no mesmo curso as duas modalidades de formação profissional - licenciatura e bacharelado. Nessa proposta, a parte flexível do currículo pode ser pensada para assegurar aos alunos a aquisição de determinados conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades requeridas ao bacharel e ao licenciado, no exercício da profissão. Tudo isso porque cada uma dessas modalidades de formação profissional - licenciatura e bacharelado - possui um perfil de intervenção profissional próprio. A licenciatura visa suprir o futuro professor de bases teórico-metodológicas e procedimentais, de maneira que ele possa adquirir conhecimentos e habilidades necessárias para exercer o magistério na Educação básica. O bacharelado busca suprir o aluno de embasamentos teórico-metodológicos e instrumentais, para que ele possa efetuar estudos, pesquisas científicas ou realizar trabalhos técnicos (diagnósticos socioambientais, relatórios e análises de impactos) adequados às diferentes dimensões (físico-natural, social, cultural, política e econômica) e escalas geográficas (local, regional, nacional e global). Além de atuar em órgãos de planejamento, em empresas estatais e privadas, o bacharel também pode se tornar professor no Ensino Superior.

Não por acaso, existe um movimento a favor de que os cursos de Geografia, em nível de graduação, possam formar ao mesmo tempo o bacharel e o licenciado, tendo em vista a proibição das DCN de que essa formação profissional possa ocorrer simultaneamente. Para Vesentini ([2002] 2006), os cursos de Geografia não deveriam separar o bacharelado e a licenciatura, tampouco subestimar a formação do professor. Para o autor, não tem o menor cabimento propor ou realizar tal separação, pois da mesma forma que o professor precisa ter uma boa formação [pedagógica e] científica, bem como saber utilizar os métodos investigativos da Geografia para poder exercer o magistério, o bacharel deve ter uma formação completa na sua área, estando apto também para ser professor na escola básica e para exercer outras atividades para as quais possa ser requisitado (análise ambiental, planejamento, turismo etc.). O autor destaca que a orientação ou a filosofia de um curso de Geografia que, de fato, pretenda formar bons profissionais (professores ou não), numa perspectiva sólida e integral (científica e humanista), deve ser pluralista e contemplar as diversas áreas e tendências da ciência geográfica. Também não deve ter como preocupação formar especialistas - até porque esta é uma atribuição dos cursos de pós-graduação e não de graduação -, mas sim desenvolver nos alunos a capacidade de aprender a aprender teoricamente, de pesquisar, de utilizar os métodos próprios de investigação da Geografia, de buscar autonomamente o conhecimento, de ter iniciativa e capacidade de tomar decisões por conta própria. Esse encaminhamento, segundo o autor, pode contribuir para formar um profissional que poderá lecionar ou se integrar em uma equipe que desenvolva atividades de caráter mais técnico.

Sobre isso, Cavalcanti (2002) argumenta que o que se deve assegurar no processo formativo é a construção de um currículo flexível, que contemple um conjunto de disciplinas e atividades coerentes com as habilidades e competências requeridas a cada um desses profissionais. Em outras palavras, o aluno deve ter em sua formação profissional, desde o início e ao longo do curso, a possibilidade de adquirir conhecimentos e habilidades para trabalhar com a Geografia em suas várias modalidades. Porém, uma parte do curso deve ser flexível para que o aluno tenha liberdade de fazer opções por verticalizar uma ou outra modalidade profissional. Até porque, segundo a autora, a definição por uma ou outra vai ocorrendo, de fato, com o exercício profissional e com a formação continuada, em nível de pós-graduação.

Não se trata, pois, de abranger um amplo leque de opções, mas sim de escolher e verticalizar disciplinas prioritárias à formação específica do bacharel e do licenciado. Trata-se, portanto, de flexibilizar parte do currículo, para que o aluno tenha a oportunidade de escolher as disciplinas técnicas (bacharelado) ou de natureza didático-pedagógica (licenciatura) a serem cursadas, podendo, com isso, dar maior relevo a uma ou outra modalidade no seu processo de formação profissional. A outra parte do curso poderia, portanto, ser unificada, com vistas a formar o profissional em Geografia e não o bacharel ou o licenciado. Mas, para isso, é preciso pensar um currículo inovador, que seja capaz de formar um profissional em Geografia que acompanhe o desenvolvimento da sociedade e saiba atuar nessa nova configuração do mundo do trabalho, que valoriza o perfil de um profissional flexível.

A ideia, assim, é a de que sejam assegurados, na organização e estrutura curricular do curso de Geografia, espaços-tempos para se trabalhar os saberes pedagógicos próprios da profissão e a abordagem epistemológica e pedagógico-didática dos conteúdos a serem ensinados na escola. Aqui reside, por certo, outro desafio, que é superar o modelo atual de distribuição de carga horária de PCC nos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural dos cursos de Licenciatura em Geografia. Criar disciplinas que busquem trabalhar efetivamente a Didática e a didática específica da ciência de referência do curso, de modo articulado, desde o início e ao longo do processo de formação, pode ser um bom caminho. Nesse processo, vale dizer que os professores responsáveis por tais disciplinas possuem papel significativo, pois são eles que vão criar/planejar/gerir/avaliar situações didáticas que busquem aproximar conteúdos e metodologia de ensino, no âmbito do curso. Para tanto, precisam ser profissionais que desenvolvam pesquisas relacionadas ao seu campo científico de atuação, pois se acredita que atuar e pesquisar na mesma área do conhecimento contribui decisivamente para que o professor possa melhor alcançar os objetivos da disciplina que é ensinada, assim como desempenhar bem a sua prática pedagógica.

Ademais, afirma Libâneo ([1990] 2008), os professores das didáticas específicas, para conduzirem eficazmente o ensino, precisam dominar o processo de investigação e os modos de pensar e investigar da ciência ensinada, conhecer as implicações filosóficas e epistemológicas do processo geral do conhecimento, dominar os saberes pedagógico-didáticos específicos que se desenvolvem mediante a ação recíproca dos componentes de ensino, e conhecer os processos da aprendizagem e do desenvolvimento humano, entre outros requisitos.

Outra maneira de o aluno verticalizar a modalidade profissional, que vai além da possibilidade de cursar disciplinas técnicas ou de natureza didático-pedagógica ao longo do curso, tem a ver com o estágio curricular a ser cursado e com as atividades escolhidas por ele para serem computadas como carga horária de Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (atividades complementares).

O Estágio Supervisionado é um componente curricular obrigatório dos cursos de formação de professores de Geografia, devendo ser realizado em escolas de Educação Básica (pública ou privada) e integralizado com uma carga horária mínima de 400 horas. Da forma como está disposto no Parecer CNE/CP nº 9/2001 (BRASIL, 2001a), o Estágio deveria se dar ao longo de todo o processo de formação. Porém, o Parecer CNE/CP nº 27/2001 (BRASIL, 2002a) deu nova redação ao item 3.6, alínea c, do Parecer CNE/CP nº 9/2001 (BRASIL, 2001a), destacando que o estágio deve se desenvolver a partir do início da segunda metade do curso, em articulação intrínseca com a prática de ensino e com as demais atividades de trabalho acadêmico.

Desde que respeitadas a Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d) e a Lei 11.788/2008 (BRASIL, 2008), conhecida como “nova Lei de estágios”, as Instituições de Ensino Superior possuem liberdade para estabelecer o formato e as normas para realização dos estágios, nos Projetos Pedagógicos dos cursos de licenciatura. Essas normas devem, no entanto, garantir o direito de o aluno estagiário, que exerce atividade docente regular na Educação Básica, reduzir até 200 horas do Estágio Curricular Supervisionado - como prevê a legislação específica (BRASIL, 1999; BRASIL, 2001a, 2001b; BRASIL, 2002a, 2002b).

Segundo o Parecer CNE/CP nº 9/2001, comumente o Estágio Supervisionado “fica prejudicado pela ausência de espaço institucional que assegure um tempo de planejamento conjunto entre os profissionais dos cursos de formação e os da escola de educação básica que receberá os estagiários” (BRASIL, 2001a, p. 18). Mas para se assegurar a qualidade no desenvolvimento dessa atividade curricular, é preciso que exista um projeto de estágio, planejado e avaliado conjuntamente pelo professor supervisor e pelas escolas-campo, com objetivos e tarefas claras, definidos para cada uma das partes envolvidas (estagiário, universidade, unidade escolar).

Ademais, segundo o referido parecer, o planejamento e a execução das atividades de Estágio Supervisionado devem estar apoiados nas reflexões desenvolvidas ao longo de todo o processo de formação, nos procedimentos de observação e de reflexão sobre a escola-campo e o processo didático, na resolução de situações-problema vivenciadas no cotidiano da escola, e na docência compartilhada, sob a supervisão e avaliação conjunta do professor orientador e do professor da escola-campo. Vale ressaltar que a avaliação do Estágio Supervisionado constitui momento privilegiado para se ter uma visão crítica tanto das atividades teórico-práticas desenvolvidas no âmbito do curso quanto da estrutura curricular.

Nesse contexto, de planejamento e de desenvolvimento das atividades de Estágio, a ideia a ser superada é a de que esse é o espaço reservado à prática, enquanto a sala de aula é o espaço reservado à teoria. O Estágio Supervisionado refere-se a um componente curricular da formação profissional para que o estagiário reflita, problematize, investigue, sistematize e teste os conhecimentos teórico-práticos adquiridos ao longo curso, no contexto de exercício da profissão, sob a orientação e supervisão de um professor universitário, em regime de colaboração com professores da escola-campo de estágio. Trata-se, ainda, de um espaço-tempo do curso em que se busca verificar e avaliar as competências e habilidades exigidas na prática profissional e exigíveis dos formandos, seja pelo exercício direto da profissão em unidades escolares, seja pela participação efetiva em atividades ligadas à docência. Entre outros objetivos, pode-se dizer que o Estágio Supervisionado pretende oferecer, ao futuro professor da Educação básica, o contato direto com um conhecimento acerca da vida escolar (elaboração do Projeto Pedagógico, organização das turmas e do espaço-tempo escolares, planejamento do processo didático, regência de sala), das condições reais do exercício da profissão e das necessidades próprias do ambiente escolar (BRASIL, 2001a; BRASIL, 2002b).

Essa atividade curricular, além de propiciar a articulação teoria e prática, a socialização de experiências entre o aluno estagiário, o professor formador e o professor da escola básica, que podem resultar em ações estratégicas para mudanças no processo de ensino/aprendizagem e na construção de novos conhecimentos, oportuniza aos alunos estagiários o contato direto com a escola - provável campo de atuação profissional, caso decidam assumir a docência como profissão -, com suas estruturas organizacionais e suas metodologias, com seu cotidiano e com suas práticas educacionais.

Assim, ao analisar os Projetos Pedagógicos dos cursos de formação de professores de Geografia, pôde-se observar que os dez cursos apresentam carga horária de estágio igual ou superior à prevista em lei. No que se refere à localização do Estágio Supervisionado na estrutura curricular dos cursos analisados, apenas o curso ofertado pela UFSM está em desacordo com o que determina a Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d), pois essa atividade curricular é ofertada do 2º ao 8º semestre letivos (Quadro 4).

Quanto às atividades previstas para o desenvolvimento do Estágio Supervisionado no âmbito dos cursos pesquisados, como se pode observar no Quadro 4, a maioria delas contempla a realização do diagnóstico da estrutura e do funcionamento da escola, a observação da dinâmica da sala de aula e da prática pedagógica do professor regente, a elaboração e o desenvolvimento de projetos de ensino e pesquisa, a regência de classe, e a sistematização das atividades realizadas no relatório final de estágio. Além disso, ainda são previstas, nos ementários ou regulamentos de Estágio Supervisionado dos respectivos cursos, atividades outras que, em sua maioria, integram as fases de observação, semirregência ou coparticipação e regência de classe, como pesquisas bibliográficas, leitura/análise/produção de textos, participação em reuniões e atividades organizadas pela escola, elaboração de planos de ensino e de aula, produção de material didático etc.

Quadro 4 Disciplinas do Estágio Curricular Supervisionado obrigatório, atividades previstas, localização ao longo da matriz curricular e carga horária total (CHT) nos cursos de Licenciatura em Geografia pesquisados - Brasil 

IES Estágio Supervisionado Atividades previstas Localização na matriz curricular CHT (horas)
UFMG Estágio Supervisionado I, II, III e IV Observação; execução de proposta de ensino na escola-campo; regência de classe; relatório final de estágio. 7º ao 10º semestre 405
UFPI-Teresina Estágio Supervisionado I, II, III e IV Construção de materiais didáticos; oficinas; projeto de estágio; regência de classe; relatório final de estágio. 7º ao 10º semestre 405
UFG-Catalão Estágio Supervisionado em Geografia I, II, III e IV Apreensão da realidade da escola- campo; elaboração de projeto de ensino e pesquisa; execução de proposta de ensino na escola-campo (Projeto de Intervenção Pedagógica - PIP, regência); relatório final de estágio. 5º ao 8º semestre 416
UFT-Porto Nacional Estágio Supervisionado I, II, III e IV Diagnóstico da escola-campo; observação; regência de classe; relatório das atividades realizadas; análise de livros didáticos e orientações curriculares de Geografia. 5º ao 8º semestre 540
UFOB-Barreiras Didática e Práxis Pedagógica: Estágio I, II, III e IV Oficinas pedagógicas; observação; coparticipação; regência de classe. 5º ao 8º semestre 408
UFU Estágio Supervisionado em Geografia I, II, III e IV Diagnóstico da escola-campo; observação; execução do Projeto Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica (PIPE) na escola-campo; relatório final de estágio. 5º ao 8º semestres 420
UFRGS Preparação à Docência em Geografia: Estudo de Caso para a Gestão Pedagógica Estágio de Docência em Geografia I - Ensino Fundamental Estágio de Docência em Geografia II - Ensino Médio Laboratório de Ensino de Geografia Observação; seminários temáticos e oficinas na escola-campo; regência de classe; relatório final de estágio. 7º ao 9º semestre 510
UEG-Porangatu Estágio Supervisionado I e II Observação; semirregência; regência de classe; relatório final de estágio. 3º ao 4º ano 400
UFSM Geografia e Ensino I, II, III, IV e V Geografia e Prática do Ensino Fundamental Geografia e Prática do Ensino Médio Elaboração de atividades práticas voltadas para os ensinos Fundamental e Médio, articuladas com os conteúdos desenvolvidos nas disciplinas específicas do curso; mapeamento da comunidade escolar; planejamento de aulas; regência de classe; elaboração e defesa do relatório final de estágio. 2º ao 8º semestre 420
UFMA-São Luís Estágio Supervisionado I, II e III Atividades didático-pedagógicas para os ensinos Fundamental e Médio; seminários de discussão; análise das práticas vivenciadas; regência de classe. 7º ao 9º semestre 675

Fonte: Projetos Pedagógicos dos cursos pesquisados e site das instituições em que são ofertados. Organizado pelas autoras.

Dos dez cursos pesquisados, apenas o que é desenvolvido pela UFU não prevê, no Projeto Pedagógico e nas Fichas de Disciplinas de Estágio Supervisionado (“matriz” do Plano de Ensino), a regência de classe. Porém, é provável que essa fase esteja sendo contemplada ao longo do desenvolvimento das atividades de estágio - o que demandaria uma pesquisa a posteriori do currículo praticado, com vistas a compreender se o curso propicia ao aluno o exercício da atividade docente na escola básica, por meio da regência de classe.

No que diz respeito à introdução das 200 horas de Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC) na estrutura curricular dos cursos de formação de professores, o Parecer CNE/CP nº 28/2001 (BRASIL, 2002b) destaca o estímulo à prática de estudos independentes, transversais e interdisciplinares, assim como a valorização de outras atividades relacionadas à vida acadêmica fora aquelas vivenciadas no contexto da sala de aula. Ademais, essas atividades buscam oferecer aos alunos oportunidades diversificadas de enriquecimento cultural e intelectual, bem como de construção da autonomia e da cidadania. Segundo o referido parecer, as AACC devem compor a estrutura curricular dos cursos de formação de professores e ser cumpridas à livre escolha dos alunos, dentro do rol de atividades promovidas pela Instituição de Ensino Superior à qual se encontram vinculados e/ou por outros órgãos. No entanto, cabe às Instituições de Ensino Superior, consideradas suas particularidades e singularidades, a regulamentação sobre o aproveitamento dessa carga horária no âmbito dos cursos de formação de professores.

Ao analisar os Projetos Pedagógicos dos cursos de formação de professores de Geografia pesquisados, pôde-se observar que todos eles ampliaram as dimensões dos componentes curriculares ofertados, com a inserção da carga horária mínima destinada às AACC na matriz curricular. Entre as atividades previstas nos Projetos Pedagógicos analisados e aceitas para fins de integralização curricular, estão aquelas realizadas no âmbito da universidade à qual o aluno encontra-se vinculado e/ou promovidas por outros órgãos, dentre as quais se podem citar: atividades vinculadas ao ensino (monitoria, bolsista de iniciação à docência, Programa de Educação Tutorial - PET, realização de estágios não obrigatórios); atividades vinculadas à extensão (participação em projetos e cursos extensionistas, bolsista de iniciação à extensão, organização de eventos); atividades vinculadas à pesquisa (participação em projetos de pesquisa, bolsista de iniciação científica); participação em eventos científicos (ouvinte, palestras, oficinas e cursos ministrados, apresentação de trabalhos); publicações (artigos, resumos e resenhas publicados em periódicos e/ou anais de eventos científicos, artigos de opiniões publicados em sites, jornais e revistas); atividades socioculturais (participação em feiras, exposições, atividades artísticas e entidades recreativas/esportivas, ação voluntária em projetos de cunho social, ajuda humanitária, doação de sangue e medula óssea etc.); participação em órgãos colegiados; atuação em programas e núcleos temáticos de estudo; elaboração do Trabalho final de Curso (monografia); dentre outras.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto pretendeu apresentar um quadro da configuração curricular de dez cursos de formação de professores de Geografia desenvolvidos em instituições públicas no Brasil, tendo em vista o princípio de flexibilização curricular defendido nas DCN (2002). Os resultados permitem algumas considerações sobre os formatos curriculares dos cursos pesquisados: nem todos os cursos de formação de professores de Geografia pesquisados atendem ao que preconizam as Resoluções CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002c) e nº 2/2002 (BRASIL, 2002d), no que se refere à organização e estrutura curricular. Quanto à carga horária total mínima, todos os cursos atendem o que determina a Resolução CNE/CP nº 2/2002. Com relação à carga horária destinada às dimensões pedagógicas, apenas um está em consonância com as determinações legais instituídas pelas Resoluções CNE/CP nº 1/2002 e 2/2002. No que se refere à Prática como Componente Curricular, dos dez cursos analisados, oito introduziram/dissolveram sua carga horária em disciplinas de conteúdos específicos, de formação complementar e de natureza didático-pedagógica. No que diz respeito ao Estágio Supervisionado obrigatório, os dez cursos apresentam carga horária igual ou superior à prevista em lei. Quanto à localização do estágio na matriz curricular dos cursos analisados, apenas um deles está em desacordo com o que determina a Resolução CNE/CP nº 2/2002 (BRASIL, 2002d), pois esse componente é ofertado do 2º ao 8º semestre letivos. Em relação às Atividades Acadêmico-Científico-Culturais ou atividades complementares, todos os cursos preveem a carga horária mínima obrigatória para fins de integralização curricular.

O que se conclui com esta pesquisa é que as orientações legais e institucionais vigentes para a formação de professores no país dão as diretrizes para a organização e estrutura curricular dos cursos, mas são flexíveis para que cada um possa fazer seus próprios arranjos curriculares. No entanto, essas decisões curriculares nem sempre estão isentas de interesses individuais, práticas corporativas ou escolhas convencionais. Tais decisões também não estão isentas de diferentes concepções dos construtores de currículo acerca dos objetivos de formação e das ênfases quanto aos conhecimentos necessários à formação do professor de Geografia.

A construção curricular é sempre marcada por múltiplas relações de poder. É um processo atravessado por tensões, contestações, resistências, disputas materiais e simbólicas, lutas de prestígio, negociações e embates travados entre professores envolvidos na elaboração do currículo e diferentes instâncias burocrático-administrativas das Instituições de Ensino Superior, segundo o que defende Young (2014).

Pensar nessas questões que permeiam a construção curricular nos permite compreender que os cursos de formação de professores de Geografia não são meramente reprodutores das políticas educacionais, mas sim um espaço de produção curricular. Certamente essas peculiaridades acabam por influenciar na decisão do que ensinar, inserir e excluir no/do currículo do curso. Sendo assim, alguns aspectos que precisavam ser garantidos no desenho curricular dos cursos muitas vezes acabam sendo deixados de lado, ou ainda sendo excluídos, conforme se pode observar ao longo do texto.

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NOTAS

1 Essa Resolução teve sua aplicação adiada, por meio da alteração do Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 1, de 9 de agosto de 2017 (BRASIL, 2017b), o qual dispõe que os cursos de formação de professores que se encontram em funcionamento poderão se adaptar à respectiva Resolução no prazo de três anos, a contar da data de sua publicação. Essa dilação do prazo justifica-se pela necessidade de incorporar, nesse documento, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Básica, constituída pela Educação Infantil, pelo Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Anos Finais) e Ensino Médio (BRASIL, 2017c). Assim, os cursos de formação de professores de Geografia que não passaram por reformulações recentes na sua proposta pedagógica ou que já o fizeram tendo como referência a Resolução CNE/CP nº 2/2015 (BRASIL, 2015b) deverão adequá-la à BNCC, nos termos do § 8º do Art. 61 da LDBEN (BRASIL, 1996), do Art. 11 da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017a), e do Art. 17 da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017c).

2 Segundo Cavalcanti (2008), a Geografia escolar é estruturada pela escola ao longo do tempo. Ela não se ensina, mas se constrói e se realiza na escola. Tem um movimento independente da Geografia acadêmica, ainda que não possa dela se distanciar, pois ela é sua referência fundamental, sua fonte básica de legitimidade. A Geografia escolar refere-se ao saber geográfico efetivamente ensinado, veiculado e trabalhado em sala de aula. Para sua composição, concorrem a Geografia acadêmica, a Geografia “didatizada” e a Geografia da tradição prática, fundamentadas nas crenças dos professores (adquiridas ao longo da vida), nas práticas sociais, nas práticas de poder, na formação profissional, nos currículos e nas práticas instituídas na própria escola.

3 Em razão dessa singularidade, surgiram dúvidas quanto à distribuição das horas destinadas à PCC na matriz curricular dos cursos de formação de professores de Geografia das instituições de Ensino Superior UFPI-Teresina e UFOB-Barreiras, pois os Projetos Pedagógicos não deixavam claro se as disciplinas com créditos práticos computavam a parte prática como atividades de PCC. Ao contatar as coordenações desses cursos, via e-mail, em busca de compreender a respectiva distribuição, apenas o coordenador do curso de Licenciatura em Geografia da UFPI-Teresina, ao responder aos questionamentos apresentados, afirmou que todas as disciplinas obrigatórias do curso, com créditos práticos, dedicavam parte da sua carga horária para o desenvolvimento de atividades de Prática como Componente Curricular.

Recebido: 15 de Fevereiro de 2018; Aceito: 05 de Agosto de 2019

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