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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.3 São Paulo jul./set 2019  Epub 28-Out-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p1200-1218 

Artigos

POLÍTICAS CURRICULARES: A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL

CURRICULAR POLICIES: THE EDUCATION OF THE PEDAGOGUE FOR SPECIAL EDUCATION

POLÍTICAS CURRICULARES: LA FORMACIÓN DEL PEDAGOGO PARA LA EDUCACIÓN ESPECIAL

Allan Rocha DAMASCENOi 

Andressa Silva PEREIRAii 

i Doutor em Educação, com ênfase na Educação Especial, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É Professor Adjunto do Instituto de Educação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. E-mail: lepedi-ufrrj@hotmail.com.

ii Mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Participa do grupo de pesquisa: Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação, Diversidade e Inclusão (LEPEDI) / UFRRJ. E-mail: andressasp07@hotmail.com.


RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar a política curricular no que se refere à modalidade Educação Especial no âmbito da formação nos cursos de Licenciatura em Pedagogia de duas universidades públicas do Rio de Janeiro: UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Câmpus Seropédica e Campus Nova Iguaçu - IM/Instituto Multidisciplinar) e UFF - Universidade Federal Fluminense (Campus Gragoatá/Niterói, Campus Santo Antônio de Pádua e Campus Angra dos Reis). O aporte teórico-metodológico se fundamentou na Teoria Crítica da Sociedade, com base em Theodor Adorno, além de outros teóricos no campo do currículo como Silva (1999) e Apple (2001), entre outros, que nos apoiaram no processo analítico/reflexivo/crítico sobre o currículo da modalidade Educação Especial nos cursos de licenciatura em Pedagogia nas universidades públicas investigadas. A coleta de dados baseou-se na análise documental das ementas/programas analíticos, no que tange à modalidade Educação Especial nas respectivas matrizes curriculares dos cursos que compõem o recorte da investigação. Os resultados indicam que as lutas ideológicas/políticas que perpassam as formas de seleção de certos conhecimentos no Ensino Superior visam a uma legitimação de saberes válidos/não-válidos correspondendo a um padrão uniforme e homogeneizador de currículo, no qual prevalecem mecanismos de regulação/dominação/fragmentação dos conhecimentos a serem difundidos como estratégia do capital refletindo interesses de grupos dominantes.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Formação; Currículo; Educação inclusiva; Ensino Superior

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze the curricular policy with regard to the special education modality within the scope of the Pedagogy Degree Course of two Public Universities of Rio de Janeiro: UFRRJ - Federal Rural University of Rio de Janeiro (Campus Seropédica and Campus Nova Iguaçu - IM / Multidisciplinary Institute) and UFF - Fluminense Federal University (Campus Gragoatá / Niterói, Campus Santo Antônio de Pádua and Angra dos Reis). Theoretical-methodological contribution was based on Theodor Adorno's Critical Theory of Society, as well as other curriculum theorists such as Silva (1999), Apple (2001), among others, who supported us in the analytical / reflexive / critical process about the curriculum of the Special Education modality in the undergraduate courses in Pedagogy in the public universities of Rio de Janeiro. The data collections were: documentary analysis of the menus / analytical programs, in what refers to the Special Education modality with the respective curricular matrices of the undergraduate courses in Pedagogy of the public and federal public universities of Rio de Janeiro. The ideological / political struggles that permeate the forms of selections of certain knowledge in Higher Education aim at a legitimation of valid / non-valid knowledge corresponding to a uniform and homogenizing standard of curriculum, in which mechanisms of regulation / domination / fragmentation of knowledge prevail to be diffused as capital strategy reflecting the interests of dominant groups.

KEYWORDS: Special Education; Formation; Curriculum; Inclusive Education; Higher Education

RESUMEN

El propósito de este artículo es analizar la política curricular con respecto a la modalidad de educación especial dentro del alcance del Curso de Pedagogía de dos Universidades Públicas de Río de Janeiro: UFR - Universidad Federal Rural de Río de Janeiro (Campus Seropédica y Campus Nova Iguaçu - IM / Instituto Multidisciplinario) y UFF - Universidad Federal Fluminense (Campus Gragoatá / Niterói, Campus Santo Antônio de Pádua y Angra dos Reis). La contribución teórico-metodológica se basó en la Teoría Crítica de la Sociedad de Theodor Adorno, así como en otros teóricos del plan de estudios como Silva (1999), Apple (2001), entre otros, quienes nos apoyaron en el proceso analítico / reflexivo / crítico sobre El currículum de la modalidad de Educación Especial en los cursos de pregrado en Pedagogía en las universidades públicas de Río de Janeiro. Las colecciones de datos fueron: análisis documental de los menús / programas analíticos, en lo que se refiere a la modalidad de Educación Especial con las matrices curriculares respectivas de los cursos de pregrado en Pedagogía de las universidades públicas y federales públicas de Río de Janeiro. Las luchas ideológicas / políticas que impregnan las formas de selección de ciertos conocimientos en la Educación Superior apuntan a una legitimación de los conocimientos válidos / no válidos correspondientes a un plan de estudios uniforme y homogéneo, en el que prevalecen los mecanismos de regulación / dominación / fragmentación del conocimiento. Difundirse como estrategia de capital reflejando los intereses de los grupos dominantes.

PALABRAS CLAVE: Educación Especial; formación; Currículum; Educación inclusiva; Enseñanza Superior

1 INTRODUÇÃO

A educação inclusiva é um dos pilares fundamentais nas dimensões social, política, cultural e econômica da atualidade. Desse modo, o movimento atual da educação considera propiciar a todos os estudantes a experiência do convívio com as diferenças no mesmo espaço escolar, favorecendo uma organização de espaços democráticos plurais, em que é possível assumir como centralidade do trabalho pedagógico as diferenças humanas. Configurando esse princípio, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) afirmam que:

Na organização curricular do curso de Pedagogia [...] deverão ser observados, com especial atenção, os princípios constitucionais e legais; a diversidade social, étnico-racial e regional do País; a organização federativa do Estado brasileiro; a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas; o conjunto de competências dos estabelecimentos de ensino e dos docentes, previstas nos arts. 12 e 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) e o princípio da gestão democrática e da autonomia. Igual atenção deve ser conferida às orientações contidas no Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), no sentido de que a formação de professores, nas suas fases inicial e continuada, contemple a educação dos cidadãos(ãs), tendo em vista uma ação norteada pela ética, justiça, dialogicidade, respeito mútuo, solidariedade, tolerância, reconhecimento da diversidade, valorização das diferentes culturas, e suas repercussões na vida social, de modo particular nas escolas, dando-se especial atenção à educação das relações de gênero, das relações étnico-raciais.

Além disso, a DCN do curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) também enfatiza tal formação apontando para a:

[...] importância desses profissionais conhecerem as políticas de educação inclusiva e compreenderem suas implicações organizacionais e pedagógicas, para a democratização da Educação Básica no país. A inclusão não é uma modalidade, mas um princípio do trabalho educativo [...] Inclusão e atenção às necessidades educacionais especiais são exigências constitutivas da educação escolar, como um todo (grifos nossos).

Dessa forma, pensar em um currículo para a Educação Especial na perspectiva da inclusão escolar/educação inclusiva no curso de Pedagogia pressupõe uma relação dialética, da qual derivam as práticas sociais e culturais em articulação com o conhecimento a ser difundido. O currículo compõe as visões de mundo/sociedade e educação/escola aprofundando-se em diferentes áreas do conhecimento na dimensão política, sociológica e epistemológica. O currículo, no âmbito geral, é uma seleção de saberes que “moldam” o ser humano levando-se em conta a cultura, a temporalidade e o socioeconômico, no qual prevalece a imposição de saberes ideológicos e políticos. Quanto a isso, Silva (1999, p. 15) caracteriza que:

O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar porque “esses conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados.

Segundo Silva (1999), ao definirmos “currículo” considerando a etimologia da palavra - que vem do latim curriculum, e quer dizer “pista de corrida”-, podemos dizer que estamos imersos em um currículo e que, por isso, acabamos por nos tornar o que somos, na nossa identidade, na nossa subjetividade. Nesse sentido, o conhecimento aprofundado no currículo é um conhecimento particular, isto é, mediado pela ação humana.

Entretanto, podemos dizer também que o sentido da “pista de corrida” nos remete à racionalidade da eficiência instrumental (BOBBITT, 2004), como uma “força mecânica” que regula, controla e mediatiza a sua concepção de técnica operante nos processos acadêmicos e instituintes da educação. Assim, “[...] na perspectiva de Bobbitt, a questão do currículo se transforma numa questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica [...] o currículo se resume a uma questão de desenvolvimento, a uma questão técnica” (SILVA, 1999, p. 24). Sobre isso, Adorno (1995, p.15-16) enfatiza que:

[...] a formação converteu-se em problema nesta segunda ilustração que se estende desde os inícios do movimento que, centrando-se no trabalho social, leva a ciência a se converter em força produtiva social. O quadro mais avassalador dessa situação é o capitalismo tardio de nossa época, embaralhando os referenciais da razão nos termos de uma racionalidade produtivista pela qual o sentido ético dos processos formativos e educacionais vaga à mercê das marés econômicas.

Desse modo, a razão instrumental está inserida no currículo pelo modelo de eficácia e em uma lógica produtivista do conhecimento em termos estruturais e relacionais de dominação econômica e de poder. Logo, o currículo, perdendo-se de sua autonomia, restringe-se a instrumento na formação de habilidades e de conceitos necessários à produtividade social e econômica, regulando a seleção e a distribuição daquilo que é encaminhado aos diferentes grupos da sociedade, controlando o “para quem”, “para quê”, “por quem” na organização dos saberes legitimados e não legitimados, isto é, “[...] a racionalidade técnica hoje é a racionalidade própria da dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena” (ADORNO; HORKHEIMER, 2002, p. 114).

Segundo Silva (1999), desde a perspectiva pós-estruturalista, pode-se dizer que o currículo é também uma concepção de poder e na medida em que as teorias de currículo buscam o que deve ser o currículo, elas também não podem deixar de estar imbricadas com a relação de poder. Logo, institui-se “[...] o conhecimento de regulação e o conhecimento de emancipação. A tensão política é também epistemológica” (SANTOS, 2007, p. 52).

Trata-se, portanto, de um currículo mediatizado pelas razões de regulamentação/controle e de emancipação/conhecimento o que, por sua vez, permite a luta política entre saberes e poderes. Logo, é um conhecimento corporificado, cujas relações dependem de mecanismos de ligação ao processo de reprodução dominante cultural, político e social. Dessa forma, o currículo é organizado e estruturalmente produzido, e nele também prevalecem confrontos de poder e resistência. Convém ressaltar que o currículo/educação não se restringe somente aos interesses econômicos, mas também aos desafios impostos pela dinamização da ciência e da tecnologia que se perfaz na sociedade.

Nesse cenário, o curso de Pedagogia nas instituições de Ensino Superior se encontra diante do grande desafio: (re) pensar a organização político-curricular da disciplina de Educação Especial no que tange à diretriz/concepção de educação inclusiva, em seus aspectos conceituais e atitudinais, para a formação dos licenciandos em Pedagogia. O momento atual da educação em nosso país, e do ponto de vista global, aponta para uma nova tomada de consciência com vistas ao acolhimento dos estudantes, com ou sem deficiência, nas escolas públicas regulares brasileiras. Nesse contexto, Barreto (2009, p. 178) propõe que:

[...] a formação do profissional da educação deve inserir-se nesse mundo de mudanças e ser repensada com base nessas novas realidades e exigências da contemporaneidade. É preciso garantir ao futuro professor, não só uma incontestável cultura geral, na qual se incluem as diversas vivências na universidade, como também o acesso a outras linguagens e formas de comunicação.

Assim, a citação em destaque nos revela que os desafios para a formação inicial do licenciando em Pedagogia se fazem presentes para a reflexão da formação no atual estágio civilizatório, considerando o processo político-curricular da Educação Especial, uma vez que o currículo pode expressar mecanismos de controle que se podem deixar afetar por diferentes demandas culturais, sociais, institucionais, econômicas e políticas. Nesse sentido, Adorno (1995, p. 181) destaca que:

O motivo evidentemente é a contradição social; é que a organização social em que vivemos continua sendo heterônoma, isto é, nenhuma pessoa pode existir na sociedade atual realmente conforme suas próprias determinações; enquanto isto ocorre, a sociedade forma as pessoas mediante inúmeros canais e instâncias mediadoras, de um modo tal que tudo absorvem e aceitam nos termos desta configuração heterônoma que se desviou de si mesma em sua consciência. É claro que isto chega até às instituições, até à discussão acerca da educação política e outras questões semelhantes.

Essa constatação evidencia que é necessário (re) pensar a formação do licenciando em Pedagogia nas instituições de Ensino Superior considerando que essas organizações institucionais e curriculares são demarcadas pelas “máquinas” administrativas sob a égide do capital humano, pois refletem interesses particulares de classes e grupos dominantes. Assim, é necessário estabelecer a crítica frente à “semiformação” ou “pseudoformação” (ADORNO, 1995) que se instaura, em suas devidas nuances, sob as formas do Estado heterônomo e do mundo administrado, pois “[...] a semiformação, apesar do esclarecimento da ilustração e da difusão de informações, e mesmo por seu intermédio, se tornou a forma dominante da consciência contemporânea - é justamente isto que exige uma teoria mais ampla” (ADORNO, 1979, p. 94).

Desse modo, o currículo tem que ser dialogado em espaços que possam contribuir para a emancipação reflexiva, uma vez que se deseja superar a ideia de que é um instrumento a se cumprir nos cursos de Pedagogia, mas que se processe na interlocução da crítica por uma espiral de reflexão - ação - conhecimento. É nessa possibilidade que a formação inicial do licenciando em Pedagogia, mais especificamente no currículo de Educação Especial, deverá ser pautada, a partir do conhecimento produzido socialmente na construção de uma consciência reflexiva crítica de seus saberes e fazeres, com vistas à inclusão escolar tanto dos estudantes público-alvo da Educação Especial quanto dos que não pertencem a este grupo.

2 METODOLOGIA

Este trabalho assumiu como aporte teórico-metodológico a Teoria Crítica da Sociedade, com base no pensamento de Theodor Adorno, além das contribuições de outros teóricos no campo do currículo como Macedo (2013), Silva (1999), Apple (2001), Arroyo (2013) entre outros, que nos apoiaram no processo analítico/reflexivo/crítico sobre o currículo da modalidade Educação Especial nos cursos de Licenciatura em Pedagogia nas universidades públicas do Rio de Janeiro analisadas. Sobretudo, os referenciais contribuem para a discussão da contradição e da resistência com vistas a uma formação político-crítica emancipada para a condição humana.

Assim, para a Teoria Crítica da Sociedade não há como nomear a pesquisa como quantitativa ou qualitativa, visto que, para essa teoria, isso implicaria em “gradear” o objeto de estudo. Nesse sentido, para a Teoria Crítica da Sociedade não existe cisão entre teoria e método, pois a própria teoria constitui o método de estudo. Sobre esse aspecto, Adorno (1995a, p. 204-205) esclarece que:

Dever-se-ia formar uma consciência de teoria e práxis que não separasse ambas de modo que a teoria fosse impotente e a práxis arbitrária, nem destruísse a teoria mediante o primado da razão prática, próprio dos primeiros tempos da burguesia e proclamado por Kant e Fichte. Pensar é um agir, teoria é uma forma de práxis; somente a ideologia da pureza do pensamento mistifica este ponto [...] Na medida em que o sujeito, a substância pensante dos filósofos, é objeto, na medida em que incide no objeto, nessa medida, ele é, de antemão, também prático.

A Teoria Crítica serve para possibilitar uma práxis fecunda em conceber modos de subjetivar, pensar e dialogar o potencial pedagógico da formação possível nas instâncias sociais e acadêmicas. Além disso, entende que a teoria é um “manto” da solidez para a prática, e que sem aquela, não há a possibilidade de erigir a experiência em autorreflexão.

Dessa forma, com base na concepção crítico-dialética, analisamos a caracterização político-pedagógica da modalidade Educação Especial, cotejada a diretriz/princípio política/o da educação inclusiva, com base em reflexões críticas das matrizes curriculares de dois cursos de Licenciatura em Pedagogia, a saber: UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Campus Seropédica e Campus Nova Iguaçu - IM/Instituto Multidisciplinar) e UFF - Universidade Federal Fluminense (Campus Gragoatá/Niterói, Campus Santo Antônio de Pádua e Campus Angra dos Reis). As análises tiveram ainda, como base, os dispositivos legais que subsidiam o debate sobre a Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, MEC/SEESP, 2008) e os documentos oficiais dos cursos de Licenciatura em Pedagogia analisados.

3 A CARACTERIZAÇÃO DOS CURRÍCULOS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA A INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO

A preocupação inicial deste estudo resulta na formação dos pedagogos que está sendo estabelecida nos moldes contemporâneos para trabalhar pedagogicamente com a diversidade, no que tange à inclusão dos estudantes público-alvo da Educação Especial. Indiscutivelmente, a universidade pública tem um papel muito importante no que se refere à formação inicial desses profissionais.

Desse modo, cabe-nos problematizar: o que está sendo significado no artefato organizacional e curricular sobre a Educação Especial nos cursos de Licenciatura em Pedagogia em duas universidades públicas presenciais do estado do Rio de Janeiro? Qual identidade política é corporificada em torno da Educação Especial nos currículos dos cursos de Licenciatura em Pedagogia dessas universidades? Que formação está sendo possível em relação à diversidade humana no contexto contemporâneo, sobretudo, das pessoas com deficiência?

Tais perguntas convergem para a ressignificação das formações iniciais que se estabelecem nas instituições de Ensino Superior em âmbito local, regional e nacional. Dessa forma, a reflexão sobre o campo curricular na modalidade Educação Especial se torna uma responsabilidade incontestável em termos de formação dos pedagogos/docentes no cenário contemporâneo.

3.1 UFF - Universidade Federal Fluminense (campi Gragoatá/Niterói, Santo Antônio de Pádua e Angra dos Reis)

No curso de Licenciatura em Pedagogia de Niterói (campus Gragoatá), o 1currículo da disciplina intitula-se como Educação Especial I, com uma carga horária de 60 horas, ministrada no 5º período do curso. Cabe destacar que na descrição do conteúdo da ementa há menção à Educação Especial e educação inclusiva em seu contexto histórico e na legislação. Além disso, a ementa destaca a concepção dos direitos humanos e da cidadania no reconhecimento das diferenças e participação de todos os indivíduos. Caso o licenciando queira se apropriar com mais fundamentação teórica da disciplina, poderá, em outro momento, cursar a Educação Especial II como disciplina optativa.

No curso de Licenciatura em Pedagogia do campus Angra dos Reis, a disciplina curricular tem como título Educação Especial e inclusiva I, com uma carga horária de 60 horas e é ministrada, pela matriz curricular, no 7º período. Na descrição do ementário, encontramos conteúdos referentes ao histórico da educação inclusiva; políticas públicas e experiências em educação inclusiva; gestão escolar e formação docente para a diversidade; diferença na educação inclusiva; deficiência intelectual, cegueira, baixa visão e surdocegueira, TDAH, autismo, dislexia, dificuldades de aprendizagem, tecnologias assistivas na educação inclusiva, adaptações curriculares; medicalização.

Todavia, no curso de Licenciatura em Pedagogia (campus Santo Antônio de Pádua), a disciplina se intitula como Educação Inclusiva, cuja carga horária é de 60 horas sendo ministrada no 8º período. Na descrição do ementário encontram-se conceitos, princípios e objetos da educação inclusiva; as pessoas portadoras de necessidades especiais; a política nacional de educação inclusiva; inclusão - possibilidades e impasses no atual contexto social; educação e tratamento ao sujeito portador de necessidades especiais; deficiência mental e doença mental; deficiência mental e altas habilidades; deficiências - tipologias; a formação e o papel do professor na educação inclusiva.

Do ponto de vista estrutural da análise curricular da Educação Especial dos cursos de Licenciatura em Pedagogia dos três campi da UFF (Gragoatá, Angra dos Reis e Santo Antônio de Pádua), é possível depreender que os currículos possuem formatos e conteúdos teóricos distintos, sobretudo na definição do que se compreende sobre a modalidade de Educação Especial. Também é perceptível uma consonância da Educação Especial entendida como educação inclusiva, isto é, uma categorização/um epifenômeno da educação inclusiva tendo como centralidade a Educação Especial nos currículos dos campi Angra dos Reis e Santo Antônio de Pádua. Além disso, nessas instituições destacamos também o fato de que a disciplina é realizada ao final do curso, em termos de periodização na matriz curricular, colocando-a juntamente com outras disciplinas que dizem respeito a modalidades como, por exemplo, nos campi Angra dos Reis (7º período) e Santo Antônio de Pádua (8º período). Além de serem colocadas após os estágios (Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos) no campus Angra dos Reis. No campus Santo Antônio de Pádua a disciplina é colocada praticamente quando o aluno já deve ter feito todo o estágio obrigatório e está finalizando seu trabalho de conclusão de curso. Cabe-nos questionar: será que o conhecimento dessa disciplina não faz falta nos estágios feitos/realizados durante o curso de Pedagogia? Assim:

O indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. [...] O que domina é a pseudoindividualidade (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 128).

Faz-se necessário pontuar que há mecanismos encobertos de poder que acabam por ser influenciados pela seletividade e arbitrariedade na implementação de conhecimentos configurados por procedimentos pedagógicos visando a uma dada formação utilitarista, isto é, uma instituição de poderes demarcados por um corporativismo disciplinar e um controle do saber em determinadas organizações estruturais do currículo. Quanto a isso, Macedo (2013, p. 48) esclarece que:

Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares que secularmente organizam os curricula. Já está claro o quanto a perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, bem como organizou nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável, porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num mundo que experimenta tamanho processo de escolarização, nunca estivemos tão expostos às lógicas curriculares, predominantemente fragmentárias.

Os currículos incorporam intenções políticas a fim de preservar, apoiar ou produzir contextos que favorecem certos grupos e outros não. Assim, existem “atritos” epistemológicos que evidenciam o privilégio de um conhecimento em detrimento de outros. O currículo não é neutro em sua apropriação de saberes e fazeres, é constituído por relações de poder cujas forças se aprofundam em hierarquizações sobre o que é menos ou mais importante na estrutura curricular.

Em vista disso, tais elementos revelam lógicas semelhantes de que tais instituições dos cursos de Licenciatura em Pedagogia da UFF preconizam a modalidade de Educação Especial como objeto central da educação inclusiva em seus currículos/suas ementas. Assim, “[...] a academia travestida de boas intenções acaba, em geral, fazendo apenas uso, para depois adornar o seu discurso pseudodemocrático” (MACEDO, 2013, p. 132).

Nesse sentido, é necessário registrar que a educação inclusiva é um princípio educativo e não uma modalidade (BRASIL, 2006), entendendo-se, portanto, que a educação inclusiva é a “protagonista” da Educação Especial, cujo papel é o de alicerçar e afirmar os direitos humanos na área da educação nacional, local e regional. Nessa direção, segundo Arroyo (2013, p. 49):

A sacralização dos rituais de passagem tão seletivos e segregadores são impostos à escola e à docência pela persistência de rituais e relações segregadoras na sociedade. O campo do conhecimento foi submetido aos padrões segregadores. Perdeu autonomia. Conhecimento sacralizado vira elitizado, segregador e controlador [...] Quanto maior a perda da autonomia do próprio campo do conhecimento maior a perda da autonomia dos seus profissionais, os docentes.

Com efeito, há uma incongruência nos currículos da UFF (campi Angra dos Reis e Santo Antônio de Pádua), mensurados como educação inclusiva, em vista do currículo do campus de Gragoatá, no qual a disciplina Educação Especial I destaca o aprofundamento das diferenças e dos direitos humanos. Dados os ordenamentos descritos, cabe-nos a reflexão: é um currículo subalterno, segregador ou dominado pela globalização cujos interesses demandam para as esferas do mercado? O próprio currículo intitulado como educação inclusiva auto-exo-exclui os outros segmentos que compõem a sociedade contemporânea se autocentrando, portanto, somente na inclusão das pessoas com deficiências. Afinal, que inclusão é essa que considera um conhecimento legítimo, ilegitiminando os outros conhecimentos? Ao destacar a educação inclusiva como Educação Especial reafirma-se o direito negado de outros segmentos na composição da diversidade humana, reproduzindo representações segregacionistas, enquanto os outros conhecimentos/segmentos são marginalizados do currículo.

Essa polarização entre Educação Especial e educação inclusiva produz um padrão de hierarquização de saberes, tendo a deficiência como conhecimento elementar da inclusão escolar. Entretanto, a modalidade Educação Especial é exclusividade da educação inclusiva? É preciso entender a bidimensionalidade que se aprofunda entre a Educação Especial e a educação inclusiva na formação inicial que se perpetua nos cursos de Licenciatura em Pedagogia das universidades públicas investigadas a fim de que se compreendam as nuances de autonomia e dominação que se fazem presentes nas reformas curriculares das referidas disciplinas/dos cursos, “[...] mostrando como na semiformação ocorre apenas o momento de dominação oculto por uma universalidade aparente, a socialização” (SHMIED-KOWARZIK, 1983, pp. 110-114). O protagonismo da educação inclusiva exige a presença de outros segmentos que fazem parte da sociedade como, por exemplo, os indígenas, os negros, a população do campo, os quilombolas, a diversidade de gênero, sexual ou religiosa, entre tantos, que se fazem presentes nas lutas e nos movimentos sociais por direitos em toda a esfera social e educacional brasileira. Nesta linha, Arroyo (2013, p. 11) também destaca que:

O movimento feminista e LGBT avançam nas lutas por igualdade de direitos na diversidade de territórios sociais, políticos e culturais. O movimento negro luta por espaços negados nos padrões históricos de poder, de justiça de conhecimento e cultura, assim como os movimentos indígena, quilombola, do campo afirmam direitos à terra, territórios, à igualdade, às diferenças, às suas memórias, culturas e identidades e introduzem novas dimensões nas identidades e na cultura docente. Movimentos que pressionam por currículos de formação e de educação básica mais afirmativos dessas identidades coletivas.

Frente a isso, todo esse pluralismo exige a afirmação e o reconhecimento dos direitos humanos nos territórios do conhecimento e da estrutura curricular - o que, por sua vez, eleva a denominação da universalidade do próprio conhecimento em conteúdos emancipatórios da formação docente/do pedagogo.

3.2 UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (campi Seropédica e Nova Iguaçu - IM/UFRRJ - Instituto Multidisciplinar)

Na UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (campus Seropédica), a 2disciplina é denominada Fundamentos Metodológicos da Educação Especial e seu conteúdo teórico aborda aspectos relacionados a: educação e diversidade; inserção social do PNEE (Portador de Necessidades Especiais: visuais, auditivas, mentais, físicas, múltiplas); perspectivas históricas e conceituais; Declaração de Salamanca (1994) e educação para todos (1990); a questão da inclusão; a pesquisa e as análises teórico-metodológicas sobre o Plano Nacional de Educação. Dentre as universidades públicas presenciais do RJ analisadas, a UFRRJ/Seropédica é a única que possui a carga horária de 45 horas para a disciplina, que é ministrada no 3º período do curso.

O privilégio, portanto, de ter essa disciplina no curso torna-se isoladamente desconsiderado do contexto didático-pedagógico na formação do licenciando em Pedagogia, pois o desenho curricular passa a ter estratificações/hierarquizações que pulverizam/diminuem o conhecimento. Conforme nos destaca Macedo (2013, p. 18):

O cultivo de compreensões como essas e da aceitação fácil de inovações apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos só favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as consequências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às compreensões reducionistas (tecnicistas) de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”. Isso se torna relativamente fácil porque estamos ainda vivendo num ethos e num habitus sociopedagógico que dá preferência ao modelo, à coisa e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, suas demandas formativas [...] em detrimento dos contextos e seus interesses indexalizados ao complexo mundo do trabalho e da produção.

O currículo constitui um protótipo do conhecimento como resultado da reprodução e legitimação que o submete à lógica e ao ordenamento do mercado (ARROYO, 2013).

A filosofia oficial serve a ciência que funciona dessa maneira. Ela deve, como uma espécie de taylorismo do espírito, ajudar a aperfeiçoar seus métodos de produção, a racionalizar a estocagem dos conhecimentos, a impedir o desperdício de energia intelectual (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 226).

O modo organizativo do presente currículo acaba formando indivíduos para as competências mensuráveis - o que, por sua vez, carrega um aligeiramento presente na formação inicial do pedagogo. É um significado desestabilizador no padrão de conhecimento que envolve o sistema de mercado de trabalho em seu modus operandi em torno da fragmentação dos saberes, de tal modo que os processos formativos ficam tolhidos pelo auto-ofuscamento da dinâmica social e econômica da sociedade contemporânea. Nessa concepção, há uma “[...] tecnização do conteúdo nos programas de educação do professor, no sentido de que a reflexão social e a compreensão crítica sejam praticamente erradicadas dos cursos” (LISTON; ZEICHNER, 1991; APPLE, 2001; JOHNSON et al., PRELO).

A formação para o trabalho com vislumbre ao capital/produção corporificou os currículos das instituições de ensino em aligeirados e pautados no reducionismo técnico do conhecimento possibilitando uma concepção acrítica no processo formativo dos profissionais da educação. Maar (1992, p. 186) evidencia que a formação representa, nesse sentido, uma:

[...] incompletude, pela metade - e a plena validade do processo formador como tal, ainda que travado. Esta última componente ficaria prejudicada na opção por ‘pseudo-formação’ [...] em que se indicaria um ‘faz de conta’ formativo, como se tratasse de pretender algo que não é. A semiformação ocorre realmente, mas travada. E uma formação falsa enquanto processo formador, da ilustração e sua articulação entre dominação e autonomia. Mas, é uma formação verdadeira, real, que se desenvolve apenas uni-lateralmente: só no âmbito da dominação.

Além disso, e corroborando esses pensamentos, Santos (2005, p. 150) adverte que:

A inculcação ideológica serve-se de análises sistematicamente enviesadas contra a educação pública para demonstrar que a educação é potencialmente uma mercadoria como qualquer outra e que a sua conversão em mercadoria educacional decorre da dupla constatação da superioridade do capitalismo, enquanto organizador de relações sociais, e da superioridade dos princípios da economia neoliberal para potenciar as potencialidades do capitalismo através da privatização, desregulação, mercadorização e globalização.

Diante disso, os cursos de Licenciatura em Pedagogia das universidades públicas analisadas no contexto contemporâneo continuam obrigando os currículos a se (re)significarem enquanto instrumento de práxis (prática e reflexão) dos conhecimentos epistemológicos, científicos e pedagógicos nas formações iniciais dos docentes/pedagogos. Pois, não se pode atribuir na concepção curricular o saber divorciado do pensamento e da ação na formação do indivíduo, mas antes “[...] um comportamento que esteja orientado para a emancipação, que tenha por meta a transformação do todo, [e que] pode servir-se sem dúvida do trabalho teórico tal como ocorre dentro da ordem desta realidade existente” (HORKHEIMER, 1987, p. 45).

Além disso, conforme Tyler (1978, p. 30) destaca,

Um programa educacional não é eficaz quando se empreende tanta coisa que muito pouca é realizada. É essencial, por conseguinte, selecionar o número de objetivos que podem realmente ser atingidos num grau significativo dentro do tempo disponível, e que esses sejam objetivos realmente importantes. Mais ainda: o conjunto de objetivos deve ter alto grau de coerência, a fim de que o estudante não seja lançado em confusão por padrões contraditórios de comportamento humano.

Portanto, é importante que a unidade e coerência tanto dos conteúdos quanto da carga horária da disciplina dê conta da formação possível que se deseja nos cursos de Licenciatura em Pedagogia. Sobretudo, na possibilidade de que esses conteúdos não sejam comprimidos por práticas austeras que levam ao ethos da disciplinarização, “[...] contribuindo para a estabilidade da fragmentação por nós vivenciada como uma maneira predominante de formação” (GOODSON, 1997apudMACEDO, 2013, p. 49).

Na UFRRJ, campus Nova Iguaçu, a disciplina é denominada Educação Especial e tem uma carga horária de 60 horas, sendo ministrada no 6º período do curso. Na descrição do ementário, encontramos aspectos relacionados a: história da formação do campo conceitual referente à Educação Especial; políticas e estratégias de inclusão de portadores de necessidades educativas especiais na rede de educação básica; análise crítica dos princípios e procedimentos da análise funcional do comportamento aplicado à Educação Especial.

Depreende-se da ementa que há uma conceituação maior sobre a Educação Especial com relação à inclusão dos estudantes público-alvo da Educação Especial. Assim, o campo teórico perpassa desde a visão sistêmica da fundamentação da Educação Especial em interlocução com as políticas públicas.

Pondo em análise todas as evidências destacadas anteriormente, as universidades são as mesmas, porém, apresentam contextos distintos locais em suas formações a níveis micros/macros totalmente dissociados da perspectiva curricular em seus cursos de Licenciatura em Pedagogia no que tange à modalidade Educação Especial. A centralidade na organização curricular desses cursos nas referentes Universidades da UFRRJ (campi Seropédica e Nova Iguaçu - IM/Instituto Multidisciplinar) é de um “contexto poderoso e não-inocente”, pois o currículo é um artefato marcado por intencionalidades de poder e cultura de uma dada sociedade. Em vista disso, no campus Nova Iguaçu também é perceptível que a disciplina é somente ministrada quase no final do curso (6º período), quando o licenciando já teve a experiência de fazer o estágio supervisionado na Educação Infantil (5º período). Afinal, será que realmente as tessituras das formações iniciais estão sendo atendidas com vistas à pluralidade humana? O currículo está sendo pensado no para quê e por que ensinar na perspectiva formativa das práticas pedagógicas no cenário escolar contemporâneo? O currículo, por sua vez, mostra uma fronteira - território de poder na dinâmica de um conhecimento normatizante, reducionista e hierarquizado, sendo que o “para quê” já não se torna evidente (ADORNO, 1995).

Dessa forma, o significado que caracteriza de forma marcante o currículo é que onde há saber, há poder (MACEDO, 2013). Logo,

O currículo é uma prática socialmente construída [...] a aprendizagem está enraizada em relações de poder, e desse modo aponta para a responsabilidade profissional de compreender a Pedagogia como contendo visões de mundo e ações práticas a fim de produzir e reproduzir esse mundo (MATE, 2011, p. 67).

Faz-se necessário o diálogo dentro dos espaços acadêmicos no que tange a reformas curriculares, a fim de possibilitar a interação entre todos os profissionais acadêmicos para a criação de uma vontade política e crítico-reflexiva, que transcenda o viés da simplificação e da clareza dos conteúdos abordados no currículo do processo formativo do pedagogo/professor. Por isso, é importante pontuar que o currículo na modalidade Educação Especial nos cursos de Licenciatura em Pedagogia analisados deve transcender os saberes e fazeres em direção à possibilidade de um conhecimento emancipado, no qual não haja fragmentação nas formações, ou seja, padronização de conceitos fundantes no habitus do utilitarismo técnico irrefletido dos saberes epistemológicos, científicos ou filosóficos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O curso de Pedagogia, nesse ideário de inclusão, necessita estabelecer a questão dialógica que se atribui à formação docente na contemporaneidade quanto aos conteúdos curriculares que perpassam a Educação Especial para a inclusão escolar, contrapondo-se ao aligeiramento/fragmentação de um currículo instrumental aos moldes hegemônicos, que só permite o treinamento e a transmissão de habilidades/competências, descaracterizando o processo formativo do docente/pedagogo. Além disso, o debate sobre a modalidade Educação Especial e a educação inclusiva devem ser (re)contextualizados teoricamente e (re)pensados criticamente em suas formulações epistemológicas, científicas e políticas considerando o aprofundamento da concepção do que seja inclusivo na atualidade.

É necessário não apenas refletir sobre a concepção curricular na modalidade de Educação Especial nesse ideário de inclusão escolar. Mas, também pensar sobre o atual estágio em que se encontram as formações nos cursos de Licenciatura em Pedagogia, considerando uma formação alicerçada em práticas didático-pedagógicas que levem em consideração as diferenças humanas de forma “unitas multiplex” (MORIN, 2002) - a unidade na multiplicidade que se constitui no e com o plural - com vistas a conteúdos emancipatórios na unidade e coerência para a intervenção/atuação da práxis fecunda dos docentes/pedagogos nas escolas públicas regulares brasileiras na contemporaneidade. Logo, é importante “[...] repensar o automatismo, a linearização e a rigidez com que pleiteiam os tempos humanos e o trabalho pedagógico com eles nas instituições de formação” (MACEDO, 2013, p. 124).

Segundo Macedo e Lopes (2002), o conhecimento deve ser pautado por uma polarização múltipla entre a teoria e a prática passando a compreender o espaço prático como aquele em que a teoria é tecida. Horkheimer (1991, p. 69-70) esclarece que:

A teoria em sentido tradicional, cartesiano, como a que se encontra em vigor em todas as ciências especializadas, organiza as experiências à base da formulação de questões que surgem em conexão com a reprodução da vida dentro da sociedade atual [...] a teoria crítica não almeja de forma alguma apenas uma mera ampliação do saber, ela intenciona emancipar o homem de uma situação escravizadora.

Assim, a formação dos pedagogos/professores demanda uma práxis pedagógica que os faça refletir sobre seus saberes e fazeres, a fim de romper com a práxis ilusória marcada pela racionalidade técnica vigente, pois conforme afirmado por Adorno (1995), a educação só tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica e constituída por indivíduos emancipados, livres e pensantes.

Por conseguinte, é primordial conceber um currículo no curso de Licenciatura em Pedagogia que valorize o conhecimento das diferenças humanas, pois é na singularidade de sermos diferentes que equalizamos a possibilidade para a contradição e resistência de uma formação anti-opressiva, que corta a priori a possibilidade da diferença e que se degrada em mera nuance no interior da homogeneidade (ADORNO, 1998).

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 O currículo (UFF, 2015) foi disponibilizado via e-mail pelo professor da referida disciplina na instituição, pois o ementário não se encontra no sítio eletrônico da universidade pesquisada. A matriz curricular se encontra no seguinte endereço eletrônico: https://inscricao.id.uff.br/consultaMatrizCurricular.uff. Acesso em: 14/04/2015.

2 O currículo e a matriz curricular se encontram no endereço eletrônico: http://r1.ufrrj.br/graduacao/arquivos/docs_curso/matriz/SEROPEDICA/27_lic_pedagogia_matrizz_2010.pdf. Acesso em: 12 abr. 2015.

Recebido: 28 de Fevereiro de 2018; Aceito: 25 de Junho de 2019

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