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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.3 São Paulo jul./sept 2019  Epub 28-Oct-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p1393-1398 

Resenhas

PRIVACIDADE E REDES DIGITAIS: A COMERCIALIZAÇÃO DE DADOS NO CIBERESPAÇO

Gabriel Francisco Cevallos MARTÍNEZi 

Handherson Leyltton Costa DAMASCENOii 

Társio Roberto Lopes MACEDOiii 

i Doutor em Educação - FACED/UFBA. Membro dos Grupos de Pesquisa Educação, Redes Sociotécnicas e Culturas Digitais - EDUTEC/CNPq/UFBA e Educação, Comunicação e Tecnologia - GEC/CNPq/UFBA. E-mail: gfcm83@gmail.com.

ii Doutorando em Educação - FACED/UFBA. Membro dos Grupos de Pesquisa Educação, Redes Sociotécnicas e Culturas Digitais - EDUTEC/CNPq/UFBA e Educação, Comunicação e Tecnologia - GEC/CNPq/UFBA. E-mail: handhersondamasceno@gmail.com.

iii Doutorando em Educação - FACED/UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia - GEC/CNPq/UFBA. E-mail: tarsio.hist@gmail.com.

TEXTO ORIGINAL:, SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Tudo sobre tod@s: Redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2017. E-PUB,


O uso massivo das tecnologias digitais foi incorporado às distintas práticas humanas, quer seja de trabalho, lazer e/ou entretenimento. Estar na rede para trabalhar, comprar, comunicar-se e estabelecer as mais diversas relações já não se configuram práticas arquitetadas pelos futuristas de um passado remoto, cujas previsões foram encenadas artisticamente nas telas do cinema, em formas mais excêntricas e criativas possíveis à época, que perpassavam tanto pela arquitetura robótica (com seus mirabolantes botões e manivelas com comandos numéricos ininteligíveis) quanto pela ciborguização humana quase folclorizada - que incluía das roupas metalizadas e vozes robóticas aos superpoderes oportunizados por fragmentos de aço, chips implantados nos corpos e teletransporte para os mais estranhos e obscuros labirintos cibernéticos de uma rede que era o decalque do ciberespaço.

Com a popularização da internet, grande parte das profecias cinematográficas, com toda a sua pompa e brilho, não foi vivida daquela maneira. Contudo, um aspecto bastante presente na contemporaneidade e jamais imaginado se configura como tema principal do trabalho do sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, com o provocativo título “Tudo sobre tod@s: Redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais”: ao trilhar os caminhos das redes digitais, os transeuntes cibernéticos deixam rastros - os dados pessoais - que delineiam uma gama de comportamentos e se constituem um nicho financeiramente rentável que é objeto de disputas predatórias pelas grandes corporações, interessadas em inflar seus ganhos monetários.

O principal argumento do livro é a transformação do mercado capitalista a partir da sociedade informacional. Como resultado da imersão em rede de uma esfera considerável da população e, consequentemente, da homérica profusão de dados pessoais produzidos e socializados nessas trajetórias ciberespaciais, observa-se o surgimento de especialistas da comunicação capazes de analisar esses dados, desenhar exatamente o perfil desses indivíduos e promover ações que vão diretamente ao encontro de suas predileções e atraem os seus sentidos, aquilo que o autor chamou de “macroeconomia da atenção” (Posição 78). Isto posto, os dados pessoais se constituem como valiosas matérias-primas para o desenvolvimento de uma ciência de indução do comportamento social, capaz de governar condutas mediante uma biopolítica de modulação de comportamentos e gostos em contextos individuais e/ou coletivos.

Dividido em cinco capítulos que oferecem ao leitor a possibilidade de leitura independente, o livro de Silveira, que é professor da Universidade Federal do ABC, estabelece um diálogo transparente, didático e objetivo acerca das relações sociais advindas da incorporação das tecnologias digitais em rede nos cotidianos. No primeiro capítulo, intitulado “Sociedades informacionais, capitalismo e controle”, o sociólogo disserta sobre as novas conjunturas da sociedade que foram delineadas consoante uma nova morfologia social alicerçada por meio das redes digitais e suas tecnologias expansivas e de sustentação.

Esse novo constructo social tem nas tecnologias que tratam as informações o seu produto mais caro, por produzir um robusto arcabouço de informações à medida que são utilizadas e por modificar a capacidade avaliativa dos agentes econômicos e, nesse sentido, os bits como conversão dos valores numéricos trouxeram maior velocidade aos processos.

Na sociedade informacional à qual estamos imbricados, as tecnologias comunicam e controlam de maneira concomitante e criam metadados a partir dos registros comunicativos proporcionais às ações realizadas na rede, ou seja, num volume assombrosamente quantificável! Assim, para ter acesso a esse gargalo que produz cifras numéricas incomensuráveis, o discurso do capitalismo reza que a privacidade tem de ser exaurida do cotidiano por se tratar de algo ultrapassado, retrógrado, devendo ser escancaradas as intimidades (Posição 253). Portanto, para ter garantida a instalação e a devida usabilidade, ao aplicativo se deve ofertar acesso pleno e irrestrito aos recônditos do aparelho celular: agenda de contatos e ligações, arquivos diversos, localização geográfica, câmera e microfone, obtendo-se, por conseguinte, dados de consumo e desvelamento de usos e práticas realizados na rede, naquele aparelho. Sendo assim, o capitalismo metamorfoseia-se, assumindo uma forma imaterial, cibernética, que controla fluxos de conhecimento como engrenagens potentes de controle: o capitalismo cognitivo.

Ao aprofundar as férteis discussões acerca do controle pelo viés da comunicação, “Inversão no ecossistema comunicacional” inaugura o segundo capítulo do livro, tendo na metalinguagem do título a sua explicação: em momentos outros, nos quais o poder de voz se resumia ao detentor dos canais de comunicação, a fala era relegada a um contingente bastante incipiente de pessoas. Poucos controlavam muitos e os primeiros ditavam os gostos, os costumes, as práticas, as crenças; e as ideologias eram forjadas conforme a vontade de quem detinha os referidos canais. Com a efervescente ebulição das redes e a democratização da voz, postulados outros foram cristalizando-se, e aqueles a quem era negado o direito à voz reivindicavam para si o protagonismo da fala. As polarizações se inverteram e, antes, quem apenas consumia informação, agora também produz e socializa, de forma independente e autônoma, através de sites, blogs, postagens de vídeos, dentre outros, tornando a internet um espaço produtor de conteúdos (Posição 355). Dessa maneira, nesse godê multicolorido, o lugar da economia da difusão foi ocupado pela economia da atenção (Posição 321). Nesse contexto, a necessidade de se fazer notado é condição sine qua non para a permanência na rede e apresenta duas frentes de luta e investimento: a inclusão digital. “Espetacularizar” é o verbo da vez! Estar nos grandes centros populacionais parece ser característica de uma racionalidade social bastante presente no capitalismo industrial, que tende a ser levado para as redes (Posição 385) e, em face disso, os conglomerados têm sua principal fonte de rendimento advinda da compra e venda de dados pessoais às empresas e demais clientes que buscam perfis de consumidores (Posição 417).

Mesmo diante desse cenário que visa ao lucro, Sérgio Amadeu enfatiza outro lado da rede, cuja criatividade e liberdade vão de encontro a essa lógica, uma vez que nem tudo o que está disposto na rede, efetivamente, está ligado à mercantilização. Assim o autor chama atenção para a existência de sites de colaboração, como exemplos: as redes P2P, Wikipédia, a TV sobre o IP, sites de música, dentre outros (Posição 429). Dessa forma, ainda como um ambiente fértil para o desenvolvimento da criatividade e da liberdade de experimentações tecnológicas, bem como detentora de uma arquitetura robusta, a internet se fragiliza quando se defronta com o poder econômico e com a tentativa de organismos de manipular e controlar o que é transmitido nas estradas cibernéticas.

Como as fibras óticas transportam muitas informações e sendo os bits a moeda da rede, é rentável, pois, às gigantes das telecomunicações, a tentativa de lucrar com isso, filtrar o que é veiculado nessas fibras e quebrar a neutralidade da rede, aquilo que o autor assevera como de extrema preocupação: se as operadoras podem filtrar e cobrar pelo tráfego de forma diferenciada, as pessoas podem pagar pelo conteúdo que consomem, caindo por terra a ideia da rede como um ambiente livre (Posição 479). A manipulação quando da Era Industrial estaria posta com uma ampliação bem maior e com resultados bem mais catastróficos: “as operadoras obteriam poder sobre o futuro da criatividade” (Posição 477).

Como resultado desse universo criativo, hiperconectado e rico em possibilidades comunicativas, a internet desponta como um ambiente diversificado e planetário (Posição 588). Nesse grande emaranhado, as informações ululam nos labirintos silenciosos das redes e perfazem números quase inimagináveis: a quantidade de informações que cruzou a internet em 08 minutos equivale, em gigabytes, a toda a filmografia já produzida. Isso somente no ano de 2014! Toda essa discussão é apresentada no terceiro capítulo, intitulado “Opacidade das corporações e transparência da vida cotidiana”.

A principal hipótese defendida no referido capítulo é a de que o crescimento do mercado de dados - e o considerável montante financeiro que ele produz/abarca - está intimamente ligado ao declínio da privacidade. Isto posto, quando se analisam os discursos que orbitam sobre a privacidade, discrepâncias nítidas são percebidas, materializadas num conjunto de julgamentos: a morte da privacidade e a perda de seu sentido na contemporaneidade; a proteção das áreas de atuação do governo como elemento basilar no que diz respeito à segurança da sociedade; a ideia de que as companhias não podem ser transparentes em função da concorrência que anularia seus mercados; e o último julgamento, que versa sobre a crença de que o avanço da ciência está condicionado ao sigilo das pesquisas e tecnologias, todas com código-fonte fechado.

Percebe-se como o discurso envereda por uma trajetória inversa: se, por um lado, ele preconiza o fim da privacidade individual; por outro, evoca a superproteção da privacidade das grandes empresas e corporações, ou seja, a comercialização dos dados pessoais configura-se em uma gorda fatia econômica e para se oferecer serviços com base nas predileções de consumidores reais, é preciso conhecê-los, sendo mais fácil delinear os perfis desses consumidores quando se agatanha a sua privacidade, a fim de colher-lhes os dados pessoais.

Nesse contexto, a catequese em desfavor da privacidade se apoia e se fortalece, também, na ideia de que a sua existência geraria um desnecessário clima de insegurança social. Por conseguinte, criminosos não poderiam se esconder nos becos escuros que são criados pela privacidade digital e, expostos, ações mais eficazes poderiam ser empreendidas contra tais meliantes.

Ao adentrar o quarto capítulo, “Microeconomia da interceptação de dados”, se desenha um quadro social nascido da considerável capacidade de armazenar e quantificar os dados pessoais provenientes dos dispositivos cibernéticos. Para o autor, nunca houve tamanha possibilidade de captação dessas informações como nos tempos atuais, nos quais a conexão está cada vez mais presente e permeia uma gama de práticas humanas, que perpassa por lazer, trabalho, sociabilidades, consumo, dentre outras. Desse modo, quando realizadas em rede, essas práticas geram dados que aguçam o desejo das grandes corporações, tendo em vista o mercado concorrido por este valioso “produto”.

Em relação ao mercado de dados, o autor enumera quatro camadas, a saber: a primeira é a coleta e o armazenamento de dados; a segunda, processamento e mineração de dados; a terceira diz respeito à análise e formação de amostras; e a última é a modulação (Posição 886). De posse das informações devidamente tratadas e categorizadas por empresas criadas para esse fim, novos filões de lucratividade surgem: vantajosas oportunidades para que serviços e produtos germinem e sejam direcionados para perfis de consumo específicos. Isso justifica, pois, que sendo um dos principais mercados da economia informacional, o mercado de dados sustenta empresas como Google, Facebook, Twitter, Yahoo, Experience, dentre tantas outras que retiram gigantescos lucros da coleta/venda de dados pessoais (Posição 936).

No quinto e último capítulo, “Modulação e dispositivos de controle”, Sérgio Amadeu exemplifica, por meio do Pokémon Go - jogo de realidade aumentada para smartphones -, o potencial que a dimensão lúdica assume a serviço do mercado de dados (Posição 1203). Com vistas a justificar o título do capítulo, o autor disserta acerca das tecnologias de modulação “que permitem agir de modo eficaz sobre nossa atenção por serem quase sempre baseadas em nossa subjetividade revelada e em nosso potencial afetivo” (Posição 1233). Seu sucesso “depende da análise precisa das pessoas que serão moduladas” (Posição 1285).

Por conseguinte, observa-se que os dados pessoais se constituem lubrificantes das engrenagens da modulação, a qual reverbera em diversos tipos: aquelas que interferem sobre as decisões ou as necessidades prévias; as que influenciam as vontades e criam novas necessidades; e, num futuro não muito distante, com a ajuda das tecnologias preditivas, a modulação poderá influenciar o que passará a ser imprescindível.

Por fim, com vistas a ilustrar o lugar em que se encontra a sociedade atual, o autor dispara que fomos colocados numa “jaula digital” (Posição 1316) e finaliza o capítulo afirmando que as tecnologias presentes nos dispositivos “produzem a vida intermediada pela cibernética e vão reproduzindo o capital a partir de redes de ‘ciberviventes’” (Posição 1356).

Àqueles que desejam ter seus conhecimentos ampliados no que concerne às trajetórias nas redes digitais, bem como saber sobre a importância da garantia da privacidade como elemento constituinte da liberdade e da democracia, a leitura dessa obra se torna imprescindível. Dada a atualidade dos temas discutidos, bem como a qualidade da linguagem, os dados apresentados e a seriedade com que o autor transita por eles, o livro se configura numa robusta fonte de conhecimento que visa ao fortalecimento de ativismos na luta em prol da privacidade digital.

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Referências

Gabriel Francisco Cevallos Martínez, Handherson Leyltton Costa Damasceno, Társio Roberto Lopes Macedo. Privacidade e redes digitais: a comercialização de dados no ciberespaço. Revista e-Curriculum, v. 17, n. 3, p. 1393-1398, 2019. [ Links ]

Recebido: 09 de Abril de 2018; Aceito: 05 de Junho de 2019

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