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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.4 São Paulo oct./dic. 2019  Epub 27-Ene-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i4p1399-1404 

Editorial

EDITORIAL DA REVISTA E-CURRICULUM

Antonio CHIZZOTTIi 

Maria Elizabeth Bianconcini de ALMEIDAii 

i Professor Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. E-mail: anchizo@uol.com.br

ii Docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, linha de pesquisa de Novas Tecnologias em Educação. Bolsista PQ 1C do CNPq. E-mail: bethalmeida@pucsp.br


O ano de 2019 foi um tempo de grande convulsão nos projetos democráticos de educação e um período conturbado para a questão curricular: no dia 25 de junho, o Plano Nacional de Educação completou cinco anos, metade de seu tempo de vigência, sob o crivo de acrimoniosa retórica política do novo governo sobre a educação nacional.

O ano foi pródigo em discursos críticos à educação brasileira. O novo governo difundiu um discurso iracundo sobre a educação nacional, responsabilizada por um imaginário insucesso na formação da juventude e, por essa razão, merecedora de uma intervenção coercitiva em todos os domínios da educação, a fim de coibir fantasiosos riscos do sistema de ensino, tais como: ameaça de perversão ética da juventude, adoção de ideologias desviantes e conversão ao ideário político da esquerda.

O discurso oficial propôs uma retórica difusa de saneamento ao que considerou descaminhos da educação brasileira e adotou uma eloquência agressiva contra o magistério. Essa retórica foi sequestrada por segmentos de partidos políticos e insuflados pelos meios midiáticos, propondo vigilância nas atividades docentes e denúncias sobre pretensas violações ao ideário oficial. Os ideólogos do novo governo difundiram narrativas depreciativas da educação e aviltantes aos educadores. Apoiados em um discurso populista, derivaram para a proposta de militarização das escolas e inclusão de militares na gestão da escola pública, com a criação de escolas cívico-militares, a pretexto de salvaguardar a integridade moral dos educandos e garantir a disciplina destes.

Esse clima de hostilidade incomum, polarizado por um ambiente acusatório contra os docentes, conflagrou as discussões sobre a qualidade e os resultados do ensino, mas, em contrapartida, trouxe a questão do sistema de educação nacional para o debate político. Em contraposição aos discursos oficiais, muitos educadores, grupos de cientistas, diversas associações educacionais e movimentos sociais mobilizaram-se e ingressaram nos debates, para denunciarem o clima de revanchismo político e contraditarem a retórica hostil de agentes públicos e de autores solitários contra educadores e o magistério, em geral, e, sobretudo, oporem-se às providências coercitivas do processo de ensino, preconizadas por instâncias ministeriais, a fim de repor a questão da educação nacional e o Plano Nacional de Educação no centro do projeto político do estado.

Mantendo a tradição de sua política editorial de estimular e disseminar a publicação de pesquisas com uma perspectiva crítica e emancipatória, que tem o currículo como tema basilar para o desenvolvimento humano e a superação das desigualdades com vistas a ampliar a justiça social e educacional, a última edição de 2019 da revista e-Curriculum agrega o dossiê temático “Confrontos e resistências nas políticas curriculares e educacionais”, além de um conjunto de artigos inscritos por meio da política editorial da demanda contínua e uma resenha acadêmica.

O dossiê temático, publicado em parceria com a Associação Brasileira de Currículo (ABdC), evoca em seu nome o cerne das discussões que assolam a área da Educação, nomeadamente a produção científica sobre o currículo, campo de lutas que se encontra convulsionado pelas ameaças de privação da liberdade de distintas ordens. Esse dossiê justifica-se pelo tratamento atribuído a um tema tensionado na atualidade e relevante para refletir sobre a educação, o currículo e suas especificidades no contexto das políticas públicas e das práticas educativas.

Os doze artigos especialmente selecionados para o dossiê são cuidadosamente apresentados pelas palavras dos organizadores, Marlucy Paraíso e Thiago Ranniery. O conjunto de artigos descortina uma densa discussão teórica e metodológica a respeito do currículo, explicita os múltiplos olhares sobre confrontos de distintas naturezas e as configurações das resistências manifestadas no âmbito das práticas, do debate conceitual e das políticas propostas para a educação brasileira.

Por seu turno, o conjunto de trabalhos publicados advindos da demanda contínua, constituído por 11 artigos e uma resenha, mostra-se multifacetado em suas abordagens teóricas, modos de análise e problemas colocados em foco, observando-se uma concentração em discussões a respeito do currículo em sua concepção e constituição, das políticas curriculares, da formação e das tecnologias.

No artigo de título Políticas Curriculares para o Ensino Secundário/Ensino Médio em Portugal e no Brasil, os autores Jane Mery Richter Voigt e José Carlos Bernardino Morgado analisam as percepções de professores acerca das mudanças e das políticas curriculares dos dois países e identificam que os professores portugueses percebem agora que as mudanças criaram condições para a participação das escolas nas decisões curriculares; os professores brasileiros indicam que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) poderá ser mais uniformizadora do que diferenciadora e emancipadora. A leitura permite identificar a existência de movimentos diversificados nesses países em relação à vivência democrática e a contextualização do currículo.

As autoras Maria do Carmo Barbosa de Melo e Carolyne do Monte de Paula, no artigo A Lei Nº 11.645/08 e os tupinambás nas aulas de história: a visão dos(as) alunos(as) e as perspectivas de um novo olhar, analisam as produções dos estudantes geradas no contexto de uma prática de ensino de história indígena, desenvolvida no Laboratório de Ensino de História da Universidade de Pernambuco - UPE/Campus Mata Norte, em busca de perceber as contribuições dessa prática para a promoção de uma educação intercultural e a criticidade histórica. As análises enfatizam o fortalecimento da inter-relação entre Literatura e História e o protagonismo do estudante na leitura e na produção de narrativas. A leitura fornece referências para políticas de currículo multicultural e favorece a compreensão de uma prática que reconhece o pluralismo das identidades e impulsiona a livre expressão do pensamento.

Shalimar Calegari Zanatta, Emerson Pereira Branco, Alessandra Batista de Godoi Branco e Marcos Cesar Danhoni Neves desenvolveram o artigo de título Uma análise sobre a reforma do Ensino Médio e a implantação da Base Nacional Comum Curricular no contexto das políticas neoliberais. As análises constatam que há problemas para a efetivação dessa reforma devido à impossibilidade de investimentos nas escolas públicas para ofertar o proposto, o que favorece a canalização de recursos públicos para instituições privadas associada aos mecanismos de terceirização previstos na legislação. O texto provoca a tomada de consciência sobre os indícios de intenções de privatização do Ensino Médio.

A autora Maria Lucia Indjaian estudou A internacionalização na Pós-Graduação stricto sensu no Brasil: um olhar a partir da política nacional de garantia da qualidade, com apoio nos resultados da Avaliação Trienal dos Programas de Pós-Graduação de Direito, realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em 2013. A autora conclui que a avaliação pode induzir a internacionalização dos programas, porém não avalia a qualidade das ações realizadas; os programas adotam duas estratégias, uma se direciona para ao alcance de objetivos e benefícios comuns entre os países, outra busca se destacar no mercado educacional internacional, retratando dilemas e tensões mais amplos das propostas de educação transnacional.

O artigo Educação integral no contexto da BNCC, de Jane Bittencourt, busca identificar se as características da ampliação curricular relacionadas aos tempos, aos espaços educativos, à diversificação e à integração de saberes escolares estão presentes na proposta de educação integral no contexto da BNCC. O estudo reconhece que tais características não são enfatizadas na BNCC, que limita as possibilidades de implementar a ampliação curricular em projetos de educação e de formação integral. Tais resultados revelam o descompasso entre a concepção de formação integral e a ênfase em habilidades intelectuais evidenciadas pela BNCC.

Alessandro de Melo e Débora Ribeiro desenvolvem um estudo sobre Eurocentrismo e currículo: apontamentos para uma construção curricular não eurocêntrica e decolonial. Mediante uma pesquisa teórica, o estudo frisa que o currículo, segundo as tendências tradicional, tecnicista e renovada, representa aspectos da colonialidade do poder e exclui conhecimentos e identidades dos povos e dos grupos sociais subalternizados. Assim, os autores argumentam a favor das alternativas de educação dos movimentos sociais latino-americanos, como o zapatismo. O texto revigora, assim, uma perspectiva crítica de currículo, que respeita as diversidades culturais em prol do desenvolvimento social e educacional.

Em Princípios para a formação docente e para repensar o papel da educação atual à luz do paradigma da complexidade, os autores Tiago Reus Barbosa Fedel e Marilda Aparecida Behrens, desenvolvem uma reflexão sobre as proposições conceituais e as contribuições do paradigma da complexidade na educação com vistas a enfrentar os desafios atuais da educação. Com base nesse referencial, os pesquisadores identificam construtos do paradigma da complexidade e apontam caminhos para a formação e a docência.

O desenvolvimento das metodologias ativas na Educação Básica e os paradigmas pedagógicos educacionais é tema do estudo realizado por Sidnei da Silva Santos e Neide de Aquino Noffs, que apresentam procedimentos didáticos de referência coerentes com os princípios das metodologias ativas inter-relacionados com o paradigma da educação que fundamenta a efetivação desses princípios. Nesse sentido, o professor assume-se como um interlocutor qualificado, que ressignifica procedimentos e informações criando condições para o desenvolvimento da autonomia intelectual e social dos estudantes, protagonistas ativos no espaço de aprendizagem.

Os autores Wladia Bessa da Cruz, Márcio Luis Ferreira Nascimento e Maria Aparecida Pereira Viana, no estudo intitulado O olhar do professor universitário sobre a autonomia do aluno em ambientes de tecnologias de aprendizagem, evidenciam que os professores identificam que as tecnologias podem ser usadas no processo de aprendizagem, desde que os alunos tenham maturidade, responsabilidade e disciplina para não se dispersar. Eles sugerem mudanças no currículo e adoção de metodologias como aprendizagem baseada em problemas, ensino híbrido e sala de aula invertida. O resultado levanta o questionamento sobre a ideia prevalente de controle da atividade do aluno pelo professor diante da adoção de metodologias ativas.

Sueli Soares dos Santos Batista e Emerson Freire, autores do artigo Conflitos e contradições em torno das diferentes concepções e diretrizes para a educação profissional e tecnológica, analisam os momentos e os movimentos que questionam e relativizam as matrizes político ideológicas da educação profissional e tecnológica e indicam a relevância de recuperar as narrativas dos sujeitos, as contradições e os impasses que têm se contraposto a modelos educacionais hegemônicos. O estudo contribui para a compreensão da construção da educação profissional e tecnológica para além de ações hegemônicas e para a compreensão de seus desafios, tensões e potencialidades para efetivar a integração entre formação geral humanística e formação tecnológica em campos específicos.

As Crenças de autoeficácia na educação é objeto de uma revisão sistemática sobre teses e dissertações catalogadas na base de dados da CAPES, apresentadas para defesa no período de 2007 a 2017. O estudo destaca, entre outros aspectos, avanços quantitativos na produção a partir de 2014, cuja maioria dos trabalhos trata das crenças de autoeficácia docente em disciplinas como Matemática, Física e Música. Os resultados suscitam questionamentos sobre os processos cognitivos para a constituição dessas crenças, uma vez que a autoeficácia é um tema atual e relevante para ações de orientação e desenvolvimento profissional.

Lucas Henrique Silva Gonçalves e Marineide de Oliveira Gomes apresentam a resenha do livro A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia, de Agustín Escolano Benito, com tradução de Heloísa Helena Pimenta Rocha e Vera Lucia Gaspar da Silva, publicado em 2017 pela editora Alínea. Os autores fazem uma resenha significativa sobre a obra de Agustín Escolano Benito, professor, teórico e historiador, que desenvolveu um trabalho rigoroso e carregado de sensibilidade para tratar da escola, seus sujeitos, sua história e sua cultura na relação com outras culturas que a compõem.

Concluir esta edição da Revista e-Curriculum no final de um ano permeado por desafios, perdas e incertezas, que ameaçam a área da educação e o exercício da democracia, representa uma vitória da sobrevivência com dignidade, resistência e confrontos. Não cedemos à polarização e insistimos na defesa da manifestação da diversidade de pensamentos, do diálogo com o diferente e da compreensão da provisoriedade do conhecimento e do poder. Mantivemos nosso posicionamento crítico diante das temáticas do currículo e da educação, comprometidos com a organização e a divulgação do conhecimento e com a socialização de resultados de pesquisas.

Somos gratos aos pareceristas que se dedicam a rigorosa revisão dos artigos submetidos à Revista, à equipe técnica que zela pela tramitação dos trabalhos no fluxo do sistema e cuida da edição de textos. Agradecemos, sobretudo, aos autores que submetem suas produções à Revista.

Convidamos o leitor a consultar o sumário da Revista, conhecer os artigos que descortinam o pluralismo temático das produções intelectuais da área, que possam contribuir para aprendizagens, suscitar novas questões e reflexões.

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