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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.4 São Paulo oct./dic. 2019  Epub 27-Ene-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p1436-1457 

Dossiê ABdC 2019: Confrontos e resistências nas políticas educacionais e curriculares no contexto atual

EDUCAÇÃO APÓS A INTRUSÃO DE GAIA: O QUE O QUEER TEM A VER COM ISSO?

EDUCATION AFTER GAIA INTRUSION: AND WHAT DOES THE QUEER HAVE TO DO WITH IT?

EDUCACIÓN DESPUÉS DE LA INTRUSIÓN DE GAIA: ¿Y QUÉ TIENE QUE HACER QUEER CON ELLA?

Thiago RANNIERYi 

i Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Departamento de Didática da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador do Laboratório Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Currículo (LaNEC/FE/UFRJ) e Jovem Cientista Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). E-mail: t.ranniery@gmail.com.


RESUMO

Neste texto, inspirado pela formulação de Isabelle Stengers sobre a intrusão de Gaia, busco explorar relações entre política de currículo, ecologia, cosmologia e crítica queer em nossa era chamada de Antropoceno. A partir de intercessores da literatura e do teatro, argumento, por um lado, a possibilidade de existir experiência educacional por fora da retórica do primado do sujeito humano como projeto de formação do currículo no passo que, para tanto, insisto na necessidade de práticas queers que nos desloquem das formas habituais de pensar a política, a ecologia e a natureza. Mobilizo, assim, a imaginação cosmoecopolítica da ética bicha para perturbar as histórias esmagadoras do gêmeo tributário do sujeito da educação, o puído antropocentrismo, que, vai não vai, surge revigorado, confundido com a própria matéria do currículo. Ao fim, sugiro que política curricular está mais para um experimento de estar mundo, de criar mundos, de encontrar um mundo, de encontrar modos de estar em circuitos de forças de transfigurações alquímicas em que se desdobram trajetórias muito além - ou mesmo aquém - dos modelos humanistas de reconhecimento ou dos registros hiperintelingíveis usuais da normatividade e do Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Cosmoecologia queer; Antropocentrismo; Humanismo; Política curricular; Intrusão de Gaia

ABSTRACT

In this text, inspired by Isabelle Stengers’s formulation on the intrusion of Gaia, I seek to explore relationships between curriculum policy, ecology, cosmology and queer criticism in our era called Anthropocene. From the intercessors of literature and theater, I argue, on the one hand, the possibility of educational experience outside the rhetoric of the primacy of the human subject as a curriculum formation project, while insisting that we need queer practices that move us from the usual ways of thinking policy, ecology and nature. Thus, I mobilize the cosmoecopolitics imagination of queer ethics to disturb the overwhelming stories of the subject’s tributary twin of education, the threadbare anthropocentrism, which, in fits and starts, is reinvigorated, confused with the very matter of the curriculum. In the end, I suggest that curriculum policy is more of a world-living experiment, of creating worlds, of finding a world, of finding ways of being in circuits of alchemical transfiguration forces in which trajectories unfold beyond - or even below - the humanistic models of recognition or the usual hyperintelligible registers of normativity and the State.

KEYWORDS: Queer cosmoecology; Anthropocentrism; Humanism; Curriculum policy; Intrusion of Gaia

RESUMEN

En este texto, inspirado en la formulación de Isabelle Stengers de la intrusión de Gaia, busco explorar las relaciones entre la política curricular, la ecologia, la cosmología y la crítica queer en nuestra era llamada Antropoceno. Desde los intercesores de la literatura y el teatro, argumento, por un lado, la posibilidad de una experiencia educativa fuera de la retórica de la primacía del sujeto humano como un proyecto de formación curricular, mientras insisto en que necesitamos prácticas. maricas que nos mueven de las formas habituales de pensar a la política, la ecología y la naturaleza. De este modo, movilizo la imaginación cosmoecopolítica de la ética queer para perturbar las abrumadoras historias del gemelo tributario de la asignatura, el antropocentrismo raído, que no vendrá, revitalizado, confundido con la propia asignatura del plan de estudios. Al final, sugiero que la política curricular es más un experimento de vida mundial, de crear mundos, de encontrar un mundo, de encontrar formas de estar en circuitos de fuerzas de transfiguración alquímica en la que se desarrollan trayectorias, más allá, o incluso más abajo, de los modelos humanísticos de reconocimiento o los registros hiperinteligibles habituales de normatividad y estado.

PALABRAS CLAVE: Cosmoecología queer; Antropocentrismo; Humanismo; Política curricular; Intrusión de Gaia

1 INTRODUÇÃO

Esta introdução é um curto preâmbulo para as duas cenas de abertura que descreverei a seguir. Optei por percorrer um pouco mais a frente o campo de problematização conceitual que pretendo traçar entre cosmologia, ecologia, crítica queer e política de currículo. Com alguma licença, peço para esses trechos soarem inicialmente desconexos, esperando poder dissipar a sensação de desentendimento, ainda que não de todo. Seu eco na leitura é parte do meu argumento e não buscarei extirpá-lo de todo. Espero que este texto possa ser lido como um exercício especulativo experimental - uma digressão alegórica para escrever com William Pinar (1994) - mais do que uma analítica ou exegética do que as cenas mobilizam.

Meu objeto não são tanto as histórias, os indivíduos ou os grupos nelas envolvidos. Eu me debruço sobre como elas me permitem oferecer alguns vívidos vislumbres, em torno dos quais apenas começo a trabalhar, do potencial de irrupção e das implicações conceituais das cosmoecopolíticas queers em tomar como a intrusão de Gaia se dá no e aparece através do corpo e desafia os termos da política curricular. Qualquer abordagem queer da política de currículo seria bloqueada tanto se reproduzisse a vulgata comum modernizadora, em nome do progresso glorioso, quanto se desconsiderasse a presença e a agência de uma miríade ente que faz e dá corpo à política. Para tanto, eu exploro as cenas de abertura, à esteira de Mario Blaser (2013, p. 21), como conflitos ontológicos, nos quais é a própria natureza da política que está em jogo, “[...] o terreno onde mundos múltiplos e divergentes se encontram e [há] a possibilidade (sem garantias) de compor relações que se estimulam mutuamente”.

Penso que não estou sozinho. Em Toward a poor curriculum, William Pinar e Madelaine Grumet (2015) realizam um breve aceno para colocar a teoria de currículo diante dos “nossos crimes contra o planeta que habitamos” (PINAR; GRUMET, 2015, p. 193). Ao questionarem a ausência de qualquer menção à diferença nas políticas educacionais e a confiança ingênua nas fantasias de responsabilização, os autores conclamam revisar a distinção entre ontologia e educação “[...] porque o projeto de educação está conectado ao nosso interesse em transformar nosso estado do ser” (PINAR; GRUMET, 2015, p. 6, grifos nossos). Muita embora não vá retornar ao indivíduo como ficção heurística, ao estilo de Pinar e Grumet (2015), suas formulações seguem comigo na esperança de que as histórias a seguir nos habilitem a lançar diferentes pontos de entrada para reimaginar à política curricular como transformação do estado do ser, ainda que tal transformação só se dê, no argumento que desenvolvo, na imbricação com outros seres, na travessia de outros seres em nós.

Espero, entretanto, evitar o tom de resumir a literatura sobre “nossa era, tardiamente batizada de Antropoceno” (MASSUMI, 2017, p. 127) e que, tateante, começa a encontrar eco no pensamento curricular. Embora reconheça que as relações, ainda tímidas, exigiriam uma apresentação mais sistemática, o caminho que seguirei, por hora, é outro. A despeito de epítetos como de um “futuro sem promessas” (STENGERS, 2017, p. 388) ou de um “desconhecido [que] já está conosco” (STENGERS, 2017, p. 388), assim, deslocados, bem poderem resumir considerável parte das perspectivas pós circulantes pensamento curricular brasileiro, exploramos pouco como a intrusão de Gaia e, logo, como esse acolhimento em sentido estendido, implica à ideia mesma de política de currículo.

Neste texto, busco pensá-la com, e, nesse acontecimento, espero desdobrar o convite de Val Plumwood (2009, n.p.) de que “[...] pensar diferentemente diferente, refazer nossa cultura reducionista, é um projeto básico de sobrevivência em nosso contexto atual”. Trata-se, sobretudo, de uma leitura das sensações que essa literatura me provocou em continuidade, seria preciso dizer, os incômodos que atravessam meu trabalho de pesquisa quanto ao entrelaçamento entre estudos queers e estudos curriculares.

CENA 1: O CLIMA DA EDUCAÇÃO

2018. Nós fomos defrontados com uma nova leva de movimentos escolares. Uma franja ressurgente do ciclo de lutas-mundo, iniciado em 2011 (CUNHA, 2017), inundou os currículos. Minha referência, aqui, é ao Youth for Climate, o levante estudantil pelo clima, descrito entusiasticamente, na coluna de Eliane Brum (2019) para o jornal El País Brasil, como a potência da geração sem esperança em sua conexão profunda e controversa com a descrição de Kyle Whyte (2017), da emergência climática como “colonialismo intensificado”. Greta Thunberg, a estudante sueca com diagnóstico de espectro autista, uma de suas lideranças mais expressivas, travou, aos 15 anos de idade, uma onda de greves escolares em nome do clima, todas as sextas-feiras, e inspirou protestos em diversos países. Todavia, a recepção dos movimentos estudantis pelo clima na pesquisa em currículo no Brasil tem se dado com pouca empolgação ou mesmo com alguma desconfiança, quando, por exemplo, a figura da ativista voltou ao centro do debate mundial na Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas em 2019. As reações oscilantes, entre a euforia e a rejeição, documentam, por sua vez, que a denúncia de solapamento do mundo do Youth for Climate atingiu com força, e, de dentro do coração “europeu”, o núcleo do discurso pedagógico ao fazer jorrar elementos até então deglutidos, expropriados e emudecidos pela política curricular, como a atmosfera, as nuvens, as geleiras, as florestas e a biosfera.

CENA 2: COSMOECOPOLÍTICA QUEER

É agosto de 2019. Vou ao teatro com uma amiga para assistir à montagem brasileira de Angels in America pela Armazém Companhia de Teatro, na cidade do Rio de Janeiro. No início dos anos 2000, lá pelo segundo ano do Ensino Médio, cresci como um garoto gay, vidrado na série produzida pelo canal HBO para o texto alucinante e poético de Tony Kushner em torno do terror provocado pelo vírus HIV na cidade de Nova York, EUA, no final da década de 1980. No ano de 1985, Prior Walter é abandonado pelo namorado após o diagnóstico de infecção pelo vírus, o verborrágico Louis Ironson, judeu e progressista, que, embora fascinado por teses de justiça social, é incapaz de permanecer ao lado do parceiro doente. Ardendo em febre, tomado pela dor e pelas manchas, como descreve as marcas do Sarcoma de Kaposi, Prior recebe a visita de um Anjo que o anuncia como o profeta de um novo tempo. Não sei precisar ao certo as razões. Ao voltar para casa, retirei do fundo soterrado da estante os livros de Caio de Fernando de Abreu. Talvez, tenha sido pela ressonância. Em Pequenas Epifanias, um dos poucos registros literários no Brasil sobre a AIDS, há também anjos por toda parte, das nuvens aos hospitais e pelas ruas de São Paulo - “lá embaixo, uma rede de asas ampara nossa queda” (ABREU, 1996, p. 72) escreve Caio como se virtualmente encontrasse o monólogo final de Harper. Do texto à montagem de Anjos na América, Harper é a personagem que mais me fascina, a dona de casa mórmon e viciada em ansiolíticos com seus delírios sobre o buraco da camada de ozônio:

Fazia anos que eu não subia num avião. Ao chegar aos 35 mil pés, teremos alcançado a tropopausa, a grande camada de calmaria. O mais próximo do ozônio a que chegarei. Sonhei que estávamos lá. O avião ultrapassou a tropopausa, o ar seguro, e atingiu a camada externa do ozônio, que estava imperfeita e rompida, retalhos dela esgarçados como uma gaze. E isso foi assustador. Mas vi uma coisa que só eu pude ver, devido à minha enorme habilidade para ver tais coisas. Almas estavam subindo da terra lá embaixo. Alma dos mortos, das pessoas que pereceram da fome, da guerra, da praga. E eles subiam flutuando como saltadores ao revés, os braços em ângulos, girando e rodopiando. E as almas dos que se foram, de mãos dadas, entrelaçadas pelos tornozelos, formavam uma rede. Uma grande rede de almas. As almas eram moléculas de três átomos de oxigênio, da matéria do ozônio, e a camada externa os absorveu e se restaurou. Nada está perdido para sempre. Neste mundo, há uma espécie de progresso doloroso, ansiando pelo que deixamos para trás e sonhando com o que está por vir. Pelo menos, eu acho que é assim (KUSHNER, 1995, p. 272)

Na cidade que cresci, muito dos meus amigos e eu nos apegávamos a esses materiais como quem se agarra desesperadamente a um colete salva-vidas em mundo em colapso. Nasci no ano que a história de Kushner termina: 1988. Só vim a conhecer o impacto devastador da síndrome pelos amigos ativistas que fiz e pelos livros que li, como nos capítulos de Devassos no Paraíso. Na sua quarta edição, João Silvério Trevisan (2018, p. 617, grifos do autor) acrescentou um pequeno texto intitulado, O vírus, nosso irmão, propondo que, “[...] como toda dor tem um lado iluminado, o vírus HIV tem um lado de benção”. Sem pestanejar, Trevisan (2018, p. 618) conclui que “[...] estamos longe de saber aproveitar a excepcional oportunidade que a vida tem nos oferecido graças ao HIV”. Embora pareça delírio, em Angels in America e nas cartas de Caio Fernando de Abreu, somos colocados diante de uma progressiva indistinção entre realidade e alucinação, uma zona emaranhada em que diversos personagens, humanos, fantasmas, vírus, ecossistemas e anjos se enroscam e se atravessam tanto nos parques e nas ruas da cidade quanto nos sonhos, “[...] entrelaçados em uma rede que liga o céu e a terra: [em que] ecologia e cosmologia são atadas em uma história comum, formando uma cosmoecologia” (DESPRET; MEURET, 2016, p. 25-26). Um cosmoecopolítica queer, quem sabe.

2 CENAS DE ABERTURA, CENAS DE ALIANÇA

Essas duas cenas de abertura não se situam no mesmo plano, mas quero, contudo, ecoá-las uma na outra, de forma a explorar uma dimensão comumente obliterada - a educação - e colocar em conversação corpos teóricos - estudos queers, ecologia e cosmologia - que raramente se encontram. Meu exercício, entretanto, não é uma tentativa de aplicação de qualquer matriz conceitual que seja ao campo do currículo, em geral, e da política de currículo, em particular. Muito menos, ofereço um tratado hipotético sobre ecologia e cosmologia desde uma perspectiva queer. Por outra via, quando testemunhamos na ressonância queer no campo curricular um exemplo do que Judith Butler (1994) chamou de função disciplinar dos objetos próprios, minha aposta é em termos de emaranhamento e intersecções, a fim de “[...] trabalhar contra as limitações da autoridade, regularidade e senso comum, e abrir o pensamento para construções criativas” (LATHER, 1993, p. 680). Meu argumento defende a possibilidade fértil de existir experiência educacional por fora da retórica do primado do sujeito humano como projeto de formação do currículo no passo que, para tanto, insisto na necessidade de práticas queers que nos desloquem das formas habituais de pensar à política curricular.

Não vou negar que o eixo desta argumentação tem algo com ser biólogo de formação inicial e, hoje, atuar em um curso de licenciatura em biologia. O trabalho cotidiano de ensinar e pesquisar sobre currículo e diferença entre biólogos e para estudantes de biologia tem-me desafiado a evitar aquela presunção audaciosa de julgar que minha pós-graduação em educação, nas humanidades, por assim dizer, teria me dotado magicamente de ferramentas analíticas para desfazer ilusões - sempre as dos outros, claro! Como se um lado, eu soubesse de algo que realmente existe, enquanto meus colegas e estudantes apenas acreditam no que pressupõem saber. Essa abordagem tem me soado progressivamente tautológica por conjurar, em muitos níveis, aquele velho espírito da Ciência, assim escrita com letra maiúscula, e seu voraz desejo de “[...] marcar uma interrupção em uma história considerada irracional” (STENGERS, 2015, p. 72). Seu movimento reestabelece suposições ontológicas implícitas na constituição moderna (a divisão natureza e cultura e seus tantos binários derivados). É uma orientação limitante, por certo, para abordar os conflitos que descrevi nas duas cenas de abertura e aqueles que atravessam meu trabalho de pesquisa. Venho trabalhando com um arquivo de histórias de contaminação viral, na profusão de materiais de divulgação científica, pedagógicos, didáticos, escolares, artísticos e de pesquisa básica e aplicada, a fim de examinar os modos pelos quais humanos e vírus entram em contato com mundos íntimos1.

Para tanto, recoloco uma questão que, de ponta a ponta, me fascina, desde quando David Halperin (2000, p. 65) exortou o queer a “[...] uma construção criativa de modos de vida diferentes”: como pode um currículo inventá-los quando já vivemos, por toda parte, os efeitos perversos de termos aceitado tão facilmente a pressuposição da existência de uma matéria a priori - a natureza - inerte e disponível para nosso controle? Como continuar situando na pesquisa em política de currículo “[...] a crítica queer em relação a uma série de emergências históricas [...], com consequências nacionais e globais” (ENG; HALBERSTAM; MUÑOZ, 2005, p. 1)? Nunca tive, nem desejei ter uma resposta acabada para perguntas tão abertas. Sigo escrevendo com elas, agora, sob a inspiração daquilo que Félix Guattari (1990) discorrera há 30 anos ao afirmar que “[...] mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar ‘transversalmente’ as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universos de referências sociais e individuais” (GUATTARI, 1990, p. 22). Ter encontrado essa declaração sublinhada em um livro durante a mudança para a cidade onde leciono não me levou apenas a reorientar meu projeto de pesquisa. A teoria curricular pode seguir povoada por posturas radicais diante da diferença enquanto pode se tornar muito tímida - para não dizer claustrofóbica - quanto se trata de considerar as alterações nos sistemas biogeofísicos da Terra e a crise ecológica planetária em curso, “[...] tanto em sua habitabilidade complexa quanto nas novas formas de morte que nos atormentam” (TSING, 2019, p 221). A devastação da vida pede instrumentos inusitados a fim de revelar as múltiplas formas de vida que experimentam a existência a contrapelo.

Por isso, retomo o que Judith Butler (1993) argumentou, também há mais ou menos três décadas, sobre o termo queer: “[...] ponto de partida para uma série de reflexões históricas e perspectivas futuras, [que] terá que continuar sendo o que é no presente: um termo que nunca foi possuído plenamente, antes que sempre se retoma, se torce, se desvia de um uso anterior e se orienta a propósitos políticos prementes e expansivos” (BUTLER, 1993, p. 320). Quando Guattari (1990) escreve sobre a transversalidade das lutas, encontro reverberação na crítica à capitulação do queer realizada por Butler (1993). Ao ritmo da “[...] possibilidade de transformar-se em um sítio discursivo cujos usos não podem ser delimitados de antemão” (BUTLER, 1993, p. 323). Butler (2018, p. 79) voltou a lembrar, mais recentemente, que queer “não designa uma identidade, mas uma aliança” e é um “[...] bom termo para ser invocado quando fazemos alianças difíceis e imprevisíveis na luta por justiça social, política e econômica”. Exploro, neste texto, essa aliança difícil além do choque comum com a diferença cultural de sujeitos estranhos e mais próxima do que Mel Chen (2012) chama de afiliação imprópria, uma rubrica flexível e mutante que desfaz qualquer compreensão rígida de educação - resistente, bem sabemos, à desobstrução de suas formulações humanistas - , ao embaçar “[...] a tênue hierarquia entre humano-animal-vegetal-mineral” (CHEN, 2012, p. 104). Essa questão não se esgota em travar “[...] uma verdadeira reviravolta epistemológica”, como sugeriu Tomaz Tadeu da Silva (2001, p. 107). Ainda que o faça, é, sobretudo, por uma torção ontológica, por uma aliança difícil e imprópria entre seres e mundos.

Críticas ao sujeito humano - mais à ideia de sujeito do que à figura manifesta do humano - encontraram reverberações frutíferas no pensamento curricular brasileiro. Percorro, contudo, outra direção. Não por discordância. Antes, porque passou da hora de suplementar tais críticas em como a definição de antropos vem sendo atingida, como é “[...] toda a espécie humana, a própria ideia de espécie humana, que está sendo interpelada pela crise” (DANOVISKI; VIVEIROS-DE-CASTRO, 2014, p. 12). Estamos diante de uma exigência da recomposição da subjetividade e da política na teorização curricular e de reconhecer que não será possível de mitigar a destruição da existência nos ancorando na mesma lógica política-conceitual que a sustenta, tampouco de compor resistências se nós estivermos assentados na arrogância ontológica da excepcionalidade do humano. “Devemos des-dramatizar a vida humana, ao tomarmos responsabilidade pelo que estamos fazendo” (POVINELLI, 2016, p. 50). Não comecei retomando artefatos literários e teatrais que, clandestinamente, documentam as marcas de uma “educação bicha” (ZAMBONI, 2016), por modismo ou vontade ou estilo. Fiz esse movimento para ecoar a imaginação cosmoecológica da ética bicha na tradução de Paco Vidarte (2019) que, a certa altura, insiste que “[...] o ensino maravilhoso [...] de todos os seres aberrantes e desviados da Terra é [...]: temos pluma, plumas, plumagem em tempos escamosos” (VIDARTE, 2019 p. 95-96). Por efeito, desejo retirar essa fabulação do gueto representacional ao qual vem sendo encerrada para ver o que pode gerar no pensamento curricular. É um exercício de “trabalhar criativamente dentro e por meio das restrições” (PINAR, 2016, p. 36), a fim de perturbar as histórias esmagadoras do gêmeo tributário do sujeito da educação, o puído antropocentrismo, que, vai não vai, surge revigorado, confundido com a matéria do currículo.

3 O VÍCIO DE VIVER, A INTIMIDADE ENTRE MUNDOS

Passo a explicitar, nesta seção, o título que escolhi; um tanto enigmático, confesso, para um dossiê sobre confrontos e resistências nas políticas curriculares. A expressão educação após a intrusão de Gaia contém uma dupla referência evocativa. A mais explícita delas é a proposição de Isabelle Stengers (2015) sequestrada do trabalho de James Lovelock e Lynn Margulis (1974). Quando viver inclui, hoje, sem pestanejar, os efeitos devastadores do que Jason Moore (2017) chamou de Capitaloceno, a intrusão de Gaia nomeia uma “[...] forma inédita [...] de transcendência [...]; um agenciamento de forças indiferentes aos nossos pensamentos e aos nossos projetos” (STENGERS, 2015, p. 45), a força implacável de “[...] um conjunto de processos interdependentes, capazes de agenciamentos muito diferentes daqueles das quais dependemos” (STENGERS, 2011, p. 163). Essa provocação lança perguntas sobre as condições de existência e trazê-la para educação implica certa consideração que todo currículo envolve uma ecologia, pois “[...] sempre que um ser levanta o problema de suas condições de existência, ele se encontra dentro do domínio abordagens ecológicas” (STENGERS, 2014, p. 104). Com uma afirmação desse porte, compartilho com Stengers (2005) a inseparabilidade entre uma transformação no ambiente (oikos) e, por efeito, uma transformação indeterminável nos modos de habitar (ethos). Contudo, com muita frequência, as relações ecológicas, em um sentido amplo que inclua “[...] a vida orgânica, ambientes vivos e sustentáveis, e redes sociais que afirmam a interdependência” (BUTLER, 2018, p. 234) permanecem pouco teorizadas no pensamento curricular, reduzidas a um cenário ou estrutura que apenas unificaria sujeitos humanos em suas fronteiras.

Para deslocar esse pressuposto, minha outra referência - sei que pode parecer, a princípio, despropositada - é o ensaio de Theodor Adorno (2003), Educação após Auschwitz, e sua famosa frase: “[...] a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação” (ADORNO, 2003, p. 120). Não tenho certeza se a barbárie não se repetirá, em parte porque parece já ter acontecido. “[...] os eventos com que temos que lidar não estão no futuro, mas em grande parte no passado [...] o que quer que façamos, a ameaça permanecerá conosco por séculos, ou milênios” (LATOUR, 2017, p. 109). Diante de “uma sensação compartilhada de catástrofe” (CHAKRABARTY, 2013, p. 22), vai se revelando que não há mais tempo, “que já não há depois” (STENGERS, 2015, p. 51, grifos no original) para que a barbárie se repita: “a barbárie é hoje o tristemente previsível” (STENGERS, 2015, p. 140, grifos da autora). Quer dizer, os modos pelos quais nós, “os humanos nos tornamos agentes geológicos” (CHAKRABARTY, 2013, p. 11), arrastaram uma transformação nos sistemas ambientais do planeta que deixaram de ser o pano de fundo da história para a ação humana. O “pesadelo que é o presente” (PINAR; GRUMET, 2015, p. 7) perdeu o encantamento de metáfora ou áurea de profecia para registrar literalmente um tom climático.

Faço notar, aqui, a indicação de Lee Edelman (2013): a literalização, a busca por sobredeterminar a imaginação, é o nome da heterossexualidade como regime político e condição da fábula épica do progresso. Ao que parece, entretanto, a recusa ao futuro, ou ao menos ao futurismo reprodutivo, conclamada por Edelman (2013), aquela “[...] vontade de insistir de forma intransigente, de insistir que o futuro termina aqui” (EDELMAN, 2013, p. 57), dá, cada vez mais, ares de ter deixado de ser um projeto teórico dos estudos queers para tornar-se uma espécie de diagnóstico mordaz do presente. Esse nenhum futuro - no future, no título em inglês da obra de Edelman - revela-se, agora, diante do transbordamento hiperobjetal (MORTON, 2013) da própria intrusão de Gaia. No seu espalhamento massivo pelo globo, essa entrada complica a apreensão do espaço e do tempo ao substituir “[...] o agora objetivado do presente por uma incerteza inconstante” (MORTON, 2013, p. 18), propiciando, de uma só vez, uma dimensão sensível e uma virada ontológica de “nos descobrirmos no interior de alguns objetos grandes (isto é, maiores que nós)” (MORTON, 2013, p. 8). Aqueles mecanismos que Adorno (2003, p. 137) entreviu por meio dos quais “[as pessoas] são assassinas de si mesmas na medida em que assassinam os outros” extrapolaram a cultura política corrente e dragaram consigo, em resposta fantasmática, “[...] o fim da velha distinção humanista entre história natural e história humana” (CHAKRABARTY, 2013, p. 5). Fomos lançados no meio de uma “geo-história” (LATOUR, 2017), cuja ontologia desafia à educação.

Escrevo sobre “desafio” não porque Gaia venha a se chocar com o pensamento curricular. Sua intrusão, ao alimentar “[...] desmoronamento da distinção fundamental da episteme moderna” (DANOWISKY; VIVEIROS-DE-CASTRO, 2014, p. 26), a saber, a separação inviolável entre cultura e natureza, mais do que qualquer virada conceitual que à pesquisa em currículo veio a sofrer, exige, antes, o compartilhamento de histórias outras-que-humanas ao “[...] carregar o rastro de uma humanidade tempestuosamente remodelada” (LATOUR, 2017, p. 114). A primeira cena de abertura buscou, de fato, situar meu argumento diante daquilo que Latour (2017) chamou de novo regime climático. “[...] a situação presente na qual o ambiente físico que os Modernos haviam considerado como assegurado, o solo sobre o qual sua história sempre se desenrolara, tornou-se instável [...] a ponto de politizar tudo aquilo que outrora parecia pertencer à natureza” (LATOUR, 2017, p. 3). Se a “[...] mansão das liberdades modernas repousa sobre uma base de uso de combustíveis fósseis em permanente expansão” (CHAKRABARTY, 2013, p. 11), o discurso pedagógico foi um dos seus arautos, lhe oferecendo, sobretudo, a modelagem corporal. Essa morada do ser, para a qual o currículo foi uma tecnologia da subjetividade2 se ergueu à custa do legado mecanicista que buscou evacuar e desencantar violentamente tudo aquilo que passou a pertencer à natureza para ser repartido como propriedade, recurso ou mercadoria (GÓMEZ-BARRIS, 2017; BHANDAR, 2018). São mecanismos por meio dos quais economias políticas extraem riquezas e, sobretudo, “[...] policia[m] vigorosamente as separações entre formas de existência, de modo que certos tipos de existentes possam ser submetidos a diferentes tipos de extrações” (POVINELLI, 2016, p. 38).

Foi preciso meu trabalho entre biólogos girar o quadro de leituras e lançar uma atenção ao que não é comensurável a tudo aquilo que Macarena Gómez-Barris (2017) descreveu por zona extrativa e a fim de encontrar mundos menos perceptíveis, “[...] mundos queers e não-reprodutivos de afiliação horizontal e anárquica, [...] modos de ver, viver e de encontrar fontes de troca como alternativas ao caminho destrutivo” (GÓMEZ-BARRIS, 2017, p. 1-2) que tomamos. Volto-me, portanto, para a segunda cena de abertura. Entre as histórias de contaminação viral por HIV, não é despropositado reconhecer que corpos encontram formas de alianças imprevisíveis e alternativas para viver por meio de complexos emaranhamentos cosmoecológicos entre humanos, vírus, atmosferas e anjos. Ali, outros entes sobremundanos ganham animação na medida em que humanos-outros estão visceralmente emaranhados a outros-que-humanos. Do teatro à literatura, essas histórias não deixam esquecer que outras forças e entes correm entre e por dentro de nós em escala planetária. Não com o objetivo de animar o não-humano ou de aprimorar o humano no fim dos tempos, mas, ao interceptar a biografia de uma humanidade globalizada que, “[...] por meio de sua unidade, poderia atuar como agente político” (CHAKRABARTY, 2012, p. 15), suspender a noção de um planeta que seria somente substrato material determinado. Despidas dos sustentáculos da metafísica autorreferencial e fechada do humano, essas alianças aparecem terrestres e múltiplas e, sobretudo, fazem algo à educação quando esses mundos se enroscam, flertam e se emaranham em torno daquilo que Tim Dean (2009) chamou de intimidade ilimitada.

Meu desvio para a cosmoecopolítica queer - um nome experimental e tateante - segue no sentido de reativar “[...] as possibilidades eróticas latentes nos encontros com a alteridade” (DEAN, 2009, p. 109) como constitutivas da educação. Posto que, a intrusão de Gaia vai imprimindo que “[...] o homem nunca é plenamente si mesmo, jamais pode fechar-se sobre sua própria autonomia porque, de modo contínuo, é assediado pelas forças de um exo-mundo ao qual é permeável” (ROMANDINI, 2015, p. 50), o clamor queer transfigura esse assédio em prazer ao tornar essa permeabilidade condição para educar. Estamos todos imersos, só existimos imersos, em modalidades de intercurso íntimo entre seres e mundos, implicando “[...] uma forma reprodutiva [de vida] que se afasta lateralmente dos limites da forma especiada” (AHUJA, 2015, p. 380). Mais especulativamente, a contaminação viral é menos um prenúncio da morte que um complexo gerador de vida, conectando comunicação, prazer e cuidado posto a “[...] transmissão do HIV ter o potencial para criar laços sociais que são tanto simbólicos quanto materiais” (DEAN, 2009, p, 77) que não começam nem terminam nos limites do antropos. É curioso notar que os efeitos do vírus HIV sejam apresentados não apenas entre hospitais, médicos e enfermeiros, mas também entre anjos, fantasmas, ecossistemas, animais, em um mundo de encontros inesperados. Talvez, porque “[...] a crise da aids [da qual] emergiu a radicalidade política queer” (MISKOLCI, 2012, p. 26) tenha sido desde sempre uma questão de cosmoecologia, que envolva essa entrada das criaturas da terra, na bela expressão de Marisol de La Cadena (2015).

Segue, assim, essa ecologia queer ser acompanhada de perto por uma cosmologia ao reclamar o caráter filosófico-político do sonho e se aproximar, em paralelo, de uma forma “onirismo especulativo” (VIVEIROS-DE-CASTRO, 2015, p. 50). Em Angels in America, Prior e Harper se conhecem primeiro em uma zona onírica compartilhada, em um espaço onde “a mente humana [e o corpo] se desterritorializa, literalmente, ao entrar no mundo dos sonhos” (ROMANDINI, 2015, p. 18). O sonho não somente recusa o encerramento do humano em si mesmo e a ontologia que lhe dá suporte. É o campo da intimidade entre mundos, afastado de ser o anteparo “[...] de toda a fenomenologia da consciência transcendental e de uma unidade pura do intelecto” (ROMANDINI, 2015, p. 18). O sonho assinala que “[...] a intimidade do eu (o que os modernos chamam de self) é simplesmente o acesso a uma multiplicidade infinita de outros seres de razão que o habitam e o assediam” (ROMANDINI, 2015, p. 230). Dito de outro modo, o sonho faz emergir a possibilidade de seres e entes coabitarem em intimidade um corpo ao mesmo tempo, quase como se esse encontro íntimo desse materialidade a outro mundo ao extrair possibilidades prazerosas do choque entre vida e não-vida e incluir erotismo na continuidade entre corpos e anjos. Desse modo, educar após a intrusão de Gaia não é um descritor para uma época em torno da qual devemos traçar um novo projeto ou programa. É sobre como a experiência de alteridade arrasta uma mudança na compreensão do que a educação pode ser: onde se pressupunha somente devastação, talvez, educar seja outro nome para “o vício de estar vivo” (KYSCHNER, 1995, p. 282), como Prior afirma ao Anjo, ou, tomando de empréstimo de Massumi (1993), para encontrar e produzir momentos de miraculização.

Juntas, as cenas de abertura ajudam-me a promover a ideia de que o ato de educar acontece em meio a, quando não depende, de uma rede de emaranhados de entidades sociais, naturais e sobrenaturais. Somos forçados a destronar o planeta como o mero cenário inerte sobre o qual se projetaria universalmente, em todo seu triunfo, o sujeito humano, fusionado como a tarefa e o motor da política curricular - e, diga-se de passagem, de uma ponta a outra das matrizes do espectro político corrente. Os processos tanto biogeofísicos quanto cosmológicos são menos inertes, menos mortos ou inanimados do que costumamos pensar e mais enredados conosco do que desejaríamos que fosse. Essa rede de relações reclama o currículo com uma região que tanto participa, no sentido de tomar parte, de mais de um modo de ser, quanto os envolve e os enrosca mutuamente. Não há produção de um “nós” que não envolva, ao mesmo tempo, um campo de diferenciação aberto e não controlado ontologicamente alquímico e por meio do qual um currículo abduz um terreno de mediação e enovelamento. Em jogo, uma realização imprevista da interpelação de que só há educação, em que “o medo não deve ser reprimido” (ADORNO, 2003, p. 128), ou, somente, ali, onde a “[...] possibilidade de nos tornamos humanos só existe quando nos tornamos inumanos”, no comentário de Butler (2015, p. 175) a propósito da obra de Adorno.

Aliás, Butler (2018, p. 50) afirmou que “[...] talvez o humano seja o nome que damos a essa própria negociação que surge de ser uma criatura viva entre criaturas e em meio a formas de vidas que estão além de nós”. Educar implica viver visceralmente fora de um domínio para chamar de próprio, forçando a movimentarmo-nos além da escolha entre liberdade e constrangimento, e negociar a existência “[n]a cacofonia e [n]o barulho que nos diz que existe uma natureza selvagem além das estruturas que habitamos e que nos habitam” (HALBERSTAM, 2013, p. 7). Posso soar exagerado, mas é a própria Stengers (2015, p. 46) que afirma tratar-se da intrusão de “[...] um ser implacável, surdo às nossas justificativas. Um ser que não tem porta-voz, ou, antes, cujos porta-vozes estão expostos a um devir monstruoso” (STENGERS, 2015, p. 46). Adiciono a essa formulação a insistência de Puar (2007, p. 87) em tomar queer por “[...] convergências corporais, temporais e espaciais, implosões e rearranjos”, por “[...] algo já desconhecido, talvez até para sempre desconhecido”. O trabalho queer de informar a teoria de currículo se embruteceria caso fosse tomado por sinônimo de dar suporte aqueles que não são suportados pela representação. Se há algo de monstruoso nessa intrusão, é pela monstruosidade ser condição mesma das relações íntimas entre os vários modos de existência que atravessam a política.

Em eco a leitura de que a educação “[...] só acontece acolhendo o monstro que chega” (MACEDO, 2018, p. 156), encerro indicando, portanto, que nenhum currículo é feito de um único mundo ou seu representante delegado de uma vez por todas e para sempre. Um currículo comporta a obrigação de nos forçar a viver com uma alteridade incomensurável e reativa à educação como esse cultivo de um estranho convívio, de uma intimidade sem fim, incalculável. A possibilidade cosmoecopolítica queer insiste em uma existência emaranhada, em corpos trançados, abertos pelo outro, que, desde sua instauração, apontam para uma malha incomensurável tomada pela incerteza, instabilidade e interdependência entre diferentes espécies de vida e de entidades. Essa intimidade ilimitada de seres e de mundos torna-se o meio de redesenhar os limiares da ação política ao desobstruir a fantasia de contenção notada por Denise Ferreira da Silva (2007, p. 97), em que “[...] o corpo humano e o social [só] são finalmente compreendidos na universalidade”, cuja representação é sustentada na tese da transparência, embora não possa apagar a alteridade de uma vez por todas, só pode funcionar, para usar os termos da autora, por meio do seu progressivo engolfamento, adiando outras ontologias que se ameaçam instituir. Nossa metafísica humanista, que não sem razão encontrou um solo fértil onde proliferar sem predadores, é essa operação de engolfamento antropocêntrico da cosmoecopolítica queer implicada em qualquer currículo, ao buscar expeli-la como um excesso negativo em nome da autonomia irrestrita do humano como projeto de formação.

4 VISCERALIZANDO A POLÍTICA DE CURRÍCULO

Não duvido que possa soar exótico o vocabulário que utilizo. Todavia, estou apenas distendendo o que comecei a formular em outros lugares e com um conjunto de diferentes parceiros sob a relação entre currículo, política e subjetividade3. Posso resumir, não sem algum risco de minha parte, que este texto traduz uma tentativa de situar meu trabalho de aliançar crítica queer e teoria curricular contra a descrença das ameaças à habitabilidade da vida que povoam a “proliferação do Antropoceno” (TSING, 2019, p. 239). Em virtude disso, comecei pela suspeita lançada pelos movimentos estudantis pelo clima quanto à sanha de tomar as condições ambientais como o solo passivo sobre o qual a política de currículo simplesmente projetaria um sujeito humano. Contudo, é nas vidas incrivelmente feridas, “[...] que vivem a condição de um meio de subsistência ameaçado, infraestrutura arruinada, condição precária acelerada” (BUTLER, 2018, p. 16), que esse solo vai se revelando como mais do que cenário para a ação humana e vai se constituindo a partir da propagação multi-focalizada da performatividade do mundo. É interessante que seja no ápice da sua corrosão que se suspenda a clareza domesticada dos sistemas biogeofísicos da Terra e se traga, mesmo que a contrapelo, uma coreografia indomável das muitas vozes e entes que o povoam e o constituem - um planeta-corpo que participa da materialização da vida.

Só poderemos enfrentar os discursos que reduzem a educação à economização, como convoca Elizabeth Macedo (2017), se pudermos fazer ecologia política de outra forma, levar a sério a cosmologia queer e o que acontece quando esses terrenos se entrelaçam. Em resumo, reativar, na política curricular, “[...] a dependência corporal, as condições de precariedade e os potenciais da performatividade” (BUTLER, 2018, p. 236) implica considerar o currículo menos sob a égide da conquista e da extração de mundos - a fantasia explicitamente colonial da vantagem ontológica do humano - para considerá-lo desde os encontros íntimos, das fricções entre mundos e seres e realizar as possibilidades de tornar vivível essa intimidade. Não estou, contudo, jogando fora a relação entre subjetividade e política. Coisas demais já foram lançadas ao lixo. Estou defendendo apenas que subjetividade não é uma reserva de indivíduos, tampouco a política é uma espécie de latifúndio pré-moldado antropomórfico, mas a “[...] contínua performance do mundo em sua inteligibilidade diferencial” (BARAD, 2003, p. 825). Subjetividade e política implicam a co-fabricação performativa do mundo, dos muitos mundos no mundo, dos “acontecimentos queers do mundo” (BARAD, 2012, p. 44). O que designo desajeitadamente de educação após a intrusão de Gaia é predicativo dessa inevitável transformabilidade dos modos de ser como efeito de um animismo queer que interrompe o estatuto econômico da política tal como nos legaram, a pré-determinar o lugar de cada um, e faz do cuidado com as feridas as possibilidades de compartilhamento prazeroso de múltiplos modos de viver juntos.

Em um deslocamento da provocação de Anna Tsing (2015, p. 184), quando observa que “a natureza humana é uma relação entre espécies”, subjetividade só vem à existência intensamente disseminada por meio de relações de intimidade entre objetos, pessoas, instituições, entidades e espécies que desviam a vida da política para sua estranheza inerente. Isso porque, se “a educação é a experiência de alteridade” (MACEDO, 2018, p. 166), essa alteridade infinita não vive somente fora de nós; vive dentro, ao redor e por meio de nós. Se a educação é essa experiência de alteridade é porque envolve uma experiência de alteração, de transformação de si pelo outro, de tomada de si como outro. Por isso, a lição queer, se é que posso escrever nesses termos, não deixa de interromper o que poderia ser chamado, inspirado em Brenna Bhandar (2018) de antropocentrismo proprietário, ou seja, a suposição de que os humanos são organismos limitados que se envolvem com a terra e o céu apenas como um domínio disponível para apropriação. Queer, aqui, refere-se menos a uma bússola norteadora para uma política das diferenças no currículo do que a exuberância de uma política cosmoecológica das subjetividades em mundos não-humanistas, mundos mais vastos, mais sensuais, mais brilhantes que os currículos podem abrir.

Não é de se estranhar, assim, que o ato educar seja subitamente reconduzido à formação do sujeito humano, precisamente, para que se atualize como “dispositivo de aniquilação ontológica” (VALETIM, 2018, p 21). Nossa ancoragem na consciência humanista e em suas categorias de pensamento nada mais faz da política do que um campo de esgotamento e de eliminação de, para ser mais explícito, tudo que negativamente definimos em oposição à humanidade. Esse é outro modo de reconduzir à destruição aquilo com o que não se pode conviver, aquilo de que se faz um “incêndio eterno” (PELBART, 2000, p. 56) e, quando se trata do planeta e da biosfera, incêndio não é uma metáfora! A perversidade dos esquemas de inteligibilidade em distribuir diferencialmente a condição humana, que aprendemos uma vez a criticar com Butler (2008), é também desastrosa e devastadoramente ecopolítica ao fechar “[...] por expansão frenética (destruição exportada) o mundo ‘humano’ sobre si mesmo” (VALETIM, 2018, p. 290). Em meu argumento, a intrusão de Gaia só se deixaria articular no pensamento curricular ao fazer sair do eixo a entranhada tradição entre humanismo pedagógico e antropocentrismo culturalista, que, há muito, tem feito os corpos pesarem como tropos das “velhas prisões do espírito” (MAYER, 2004, p. 156).

Como corolário, abrir o espaço-tempo curricular à alteridade não é possível sem colocar a integridade corporal em risco, sem uma depender de uma encenação muito particular da política em tornar-se receptiva na própria carne à alteridade. Trata-se de pensar a política de currículo desde outro lugar, de pensá-la com e através da pele ao reativar o contato íntimo com o mundo e seus seres ou, ainda, entre os seres e seus mundos. Política curricular é esse experimento visceral de estar no mundo, de encontrar mundos, de encontrar modos de estar em circuitos de forças de transfigurações alquímicas. Longe de uma intervenção sobre um substrato material, somos reconduzidos à política como a mutação constitutiva da matéria da existência “[...] onde não se pode dar como certo que todos os atores, ações e efeitos são humanos” (BARAD, 2012, p. 32). Não estou afirmando, por sua vez, que os currículos devam, por imperativo, transformar nosso estado do ser. Não é uma nova lei ou chave analítica que estou pedindo.

Antes, entretanto, de tomar a política curricular por efeitos colaterais de sistemas ou códigos de controle, é enfrentá-la desde uma zona prolífica em um estado de transição e mediação contínuo por meio da qual os corpos são enredados entre uma multitude de agentes muito diferentes reunidos para trabalhar em torno de questões de larga escala por meio de ações localizadas. Não há currículo em que não se desdobre trajetórias muito além ou mesmo aquém dos modelos humanistas de reconhecimento ou dos usais registros hiperinteligíveis da normatividade e do Estado. Temo que seja preciso afirmar: este não é um abandono do campo da ação prática, mas um investimento na sua dissociação do âmbito do Estado, sem desconsiderá-lo, mas também sem subsumir-se a ele. Não desejo negligenciar as manobras jurídicas, normativas e legais, porém me recuso a reduzir a inflexão queer da política curricular a elas, insistindo em trazer à tona práticas que atravessam - e não se opõem - à política, tal como conhecemos - o diagrama do Estado, a luta pela significação, por exemplo. Novamente, não é despropositado citar Adorno (2003, p. 160) para colocar que “[...] seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da razão de Estado, [pois] na medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente”. Ou, ainda, invocar Stengers (2015, p. 67) quando dispara que “[...] não se deve confiar no Estado. Trata-se de abandonar o sonho de um Estado protetor do interesse de todos”.

Há um confronto teórico a ser feito: aquele que envolve travar um enfrentamento diante daquilo que nos permitiu acreditar ser possível definir a política como a direção a ser alcançada pelo currículo em nome do que quer seja - seja porque um campo de relações se afasta e afasta a política de currículo do âmbito das instituições nas formas do Estado, seja porque - ao estilo do movimento de Prior, o personagem que vai ao céu para dizer aos anjos que só há vida quando se fica na terra -, a política de currículo é descida à vida a fim de não provocar uma (des)articulação simplista da intimidade entre mundos. A lição queer, se é que posso escrever nesses termos, esboça uma imagem de pensamento da ação política, cuja imantação é mais complexa do que uma esfera de confrontação direta entre atores e agentes, ao crescer não da oposição ou da crítica ao sistema corrente, mas emergir da atenção para outro modo de ser e envolvem relações com outros tipos de seres. Logo, todo cuidado é pouco com o egoísmo da pacificação final ou o desejo ególatra de uma terra sem conflitos. O ato de educar não pode oferecer qualquer ilusão de estabilização final que não seja ela mesma tributária da guerra em nome do “sonho expressamente narcísico dos brancos” (VALETIM, 2018, p, 148) de guiar a vida por meio da crença em um mundo feito de um único mundo.

Como no epílogo de Angels in America, multiplicam-se as praças para encontros, as experiências de abertura corporal provocadas pela intimidade com outros e a prática onírica por elas estimuladas. O que há é “[...] uma enorme negociação em jogo nesses encontros, e os resultados não são garantidos. Não há garantia aqui, nem certeza de um final feliz ou infeliz” (HARAWAY, 2008, p. 15). Educar após a intrusão de Gaia exige seguir sem inocência, sem garantia nenhuma de redenção. Minha argumentação pode ser desconfortável para quem cresceu ao som do refrão de Donna Haraway (2000, p. 99): “Eu prefiro ser um ciborgue a uma deusa”. No entanto, essa declaração é geralmente desconectada da frase anterior: ciborgue e a deusa “estão ambos envolvidos em uma dança em espiral” (HARAWAY, 2000, p. 99). Em grande parte, a intrusão de Gaia foi revelando ser insustentável essa divisão endêmica entre uma ordem naturalizada e o excepcionalismo da mobilização política. De outra parte, prolifera conexões e interdependência. Ao fazê-lo, contribui para o projeto “[...] de desertar a filosofia ocidental da falácia da intratável autonomia da humanidade” (HIRD, 2013, p. 109). Meu desejo foi o de conferir um jeito bicha de desencadear essa dependência. Se o queer tem algo a ver com a intrusão de Gaia é por tornar a educação menos à possibilidade de humanização do que encontrar prazerosamente com o inumano que, logo, somos4, de reconhecer que pode muito bem ser nossa intimidade com o insondável que nos ajudará a encarar a tarefa da responsabilidade de viver em um mundo em ruínas. Para educar após a intrusão Gaia, seria preciso aprender a celebrar esse acontecimento.

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NOTAS

1Este texto se insere no projeto de pesquisa Currículo, ontologia e estudos queers: vírus como uma figura de poder que conta como financiamento da FAPERJ e do CNPq.

2Extrapolaria os limites deste artigo travar um mapeamento sobre a relação currículo e subjetividade já ricamente debatida no campo curricular brasileiro com suas diferentes correntes. Todavia, em caso de leitor neófito do campo, é possível seguir as formulações, com risco sempre presente da nomeação, de Alfredo Veiga-Neto, Marlucy Paraíso, Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo.

3A título de exemplo, conferir Macedo e Ranniery (2018), Ranniery e Macedo (2018), Ranniery e Cassal (2018).

4Esse é um trocadilho despretensioso com a obra de Jacques Derrida (2002), O animal que logo sou.

Recebido: 12 de Outubro de 2019; Aceito: 21 de Novembro de 2019

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