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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.4 São Paulo oct./dic. 2019  Epub 27-Ene-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i4p1665-1683 

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POLÍTICAS CURRICULARES PARA O ENSINO SECUNDÁRIO/ENSINO MÉDIO EM PORTUGAL E NO BRASIL

CURRICULAR POLICIES FOR SECONDARY/MIDDLE SCHOOL EDUCATION IN PORTUGAL AND BRAZIL

POLÍTICAS CURRICULARES PARA LA ENSEÑANZA SECUNDARIA/ENSEÑANZA MEDIA EN PORTUGAL Y EN BRASIL

Jane Mery Richter VOIGTi 

José Carlos MORGADOii 

i Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Realizou Estágio Científico Avançado no âmbito do Doutoramento em Ciências da Educação, na especialidade Desenvolvimento Curricular na Universidade do Minho, Portugal. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), Brasil. E-mail: jane.mery@univille.br.

ii Doutor em Educação - Especialidade de Desenvolvimento Curricular pela Universidade do Minho, Portugal. Docente no Centro de Investigação em Educação (CIEd)/Instituto de Educação, Universidade do Minho, Portugal. E-mail: jmorgado@ie.uminho.pt.


RESUMO

As mudanças curriculares, tanto em Portugal como no Brasil, são cada vez mais influenciadas por pressões transnacionais que exigem padrões mais elevados, implementação de uma cultura comum e uma educação que prepare para o mundo do trabalho, dando, assim, resposta a uma série de questões oriundas, essencialmente, do cenário econômico. Contudo, perante os aspectos referidos, bem como os recentes avanços científicos e tecnológicos, a educação não pode perder de vista a sua dimensão humana, vendo-se o Ensino Secundário/Ensino Médio compelido a criar condições para que os estudantes desenvolvam competências que os preparem para uma sociedade que se estrutura na base do conhecimento, se transforma a um ritmo cada vez mais intenso e se tornou mais complexa. Importa, por isso, averiguar o que pensam e como se posicionam os professores diante de tais mudanças. Assim, o objetivo deste texto é analisar as percepções de professores acerca das políticas curriculares no que se refere à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no Brasil, e ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, em Portugal. O referencial teórico que fundamenta o estudo refere-se ao currículo e às políticas curriculares. De cariz qualitativo, a pesquisa contou com a participação de professores do Ensino Secundário/Ensino Médio, por meio de entrevistas realizadas nos dois países. Constatou-se que, para os professores portugueses, só agora as mudanças criaram condições para a participação das escolas nas decisões curriculares; para os professores brasileiros, a BNCC poderá ter uma função mais uniformizadora do que diferenciadora e emancipadora.

PALAVRAS-CHAVE: Base Nacional Comum Curricular; Currículo; Perfil do aluno; Políticas curriculares

ABSTRACT

Curricular changes, both in Portugal and in Brazil, are becoming more and more influenced by transnational pressures, which demand higher standards, the implementation of a common culture and an education that prepares for the workplace, thus responding to a series of issues that come essentially from the economic scenario. However, in view of the aforementioned aspects, as well as the recent scientific and technological advances, education cannot lose sight of its human dimension. However, in view of the aforementioned aspects, as well as the recent scientific and technological advances, education cannot lose sight of its human dimension, with Secondary Education/Middle Education compelled to create the conditions for students to develop skills that prepare them for a society that is structured on the basis of knowledge, is transformed at an increasingly intense rate and has become more complex. It is important, therefore, to find out what they think and how teachers stand in the face of these changes. Hence, the objective of this text is to analyze teachers’ perceptions about curricular policies regarding the National Common Curricular Base (Base Nacional Comum Curricular - BNCC) in Brazil, and the Profile of Students Leaving Compulsory Schooling in Portugal. The theoretical framework, on which the study is based, refers to curriculum and curricular policies. Of qualitative quality, the research counted on the participation of Secondary School/Middle School teachers, through interviews conducted in the two countries. Regarding the Portuguese teachers, it was found that only now the changes have created conditions for the participation of schools in curricular decisions; regarding Brazilian teachers, BNCC may have a more unifying function than that of differentiating and emancipating.

KEYWORDS: National Common Curricular Base; Curriculum; Student profile; Curricular policies

RESUMEN

Los cambios curriculares, tanto en Portugal como en Brasil, son cada vez más influenciados por presiones transnacionales que exigen estándares más elevados, implementación de una cultura común y una educación que prepare para el mundo del trabajo, dando así respuesta a una serie de cuestiones oriundas, esencialmente, del escenario económico. Sin embargo, ante los aspectos referidos, bien como los recientes avances científicos y tecnológicos, la educación no puede perder de vista su dimensión humana, viéndose la Enseñanza Secundaria/Enseñanza Media compelida a crear condiciones para que los estudiantes desarrollen competencias que los preparen para una sociedad que se estructura en la base del conocimiento, se transforma a un ritmo cada vez más intenso y se volvió más compleja. Importa, por eso, averiguar lo que piensan y cómo se posicionan los maestros ante estos cambios. Así, el objetivo de este texto es analizar las percepciones de maestros acerca de las políticas curriculares en lo que se refiere a la base Nacional Común Curricular (BNCC), en Brasil, y al Perfil de los Alumnos a la Salida de la Escolaridad Obligatoria, en Portugal. El referencial teórico que fundamenta el estudio se refiere al currículo y a las políticas curriculares. De cariz cualitativo, la investigación contó con la participación de maestros de la Enseñanza Secundaria/Enseñanza Media, a través de entrevistas realizadas en los dos países. Constatamos que, para los maestros portugueses, sólo ahora los cambios han creado condiciones para la participación de las escuelas en las decisiones curriculares; para los maestros brasileños la BNCC podrá tener una función más uniformadora que diferencial y emancipadora.

PALABRAS CLAVE: Base Nacional Común Curricular; Currículo; Perfil del alumno; Políticas curriculares

1 INTRODUÇÃO

A educação e as políticas educacionais têm sido marcadas pelas transformações sociais, econômicas e culturais pautadas nas necessidades da “[...] globalização, do mercado internacional e de uma economia cada vez mais baseada no conhecimento e que, portanto, exige mudanças radicais na forma de organizar, conceber e desenvolver a educação” (HYPOLITO, 2010, p. 1.340). Dessa maneira, as políticas curriculares dos últimos anos, vinculadas a um ideário neoliberal e neoconservador, têm prescrito uma lógica de eficácia e de homogeneização (APPLE, 2011).

A tendência de uniformização da educação, para dar resposta às exigências de um mundo globalizado, passa pelo estabelecimento de currículos de base comum, definidos com base em parâmetros propostos por organizações internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). As premissas de um currículo comum passam pela formação de um cidadão que possa dar resposta às exigências da sociedade e da economia, cada vez mais impulsionada pelos avanços tecnológicos em todos os setores.

As recentes propostas curriculares passam, também, pelos novos papéis assumidos pelos Estados no atual cenário da globalização. Robertson e Dale (2015, p. 44) reconhecem que os Estados já não operam mais nos mesmos espaços nem nos mesmos moldes, “[...] mas por meio de novas formas e técnicas de governança”, mesmo quando estão envolvidos na solução dos problemas educacionais. Em idêntica linha de pensamento, Ball (2013, p. 180) reitera esse aspecto, afirmando que hoje deparamos com “[...] uma nova modalidade de poder público, agência e ação social e, na verdade, uma nova forma de Estado”.

É crescente a formação de novas redes políticas que validam novos discursos e novas narrativas sobre o que é uma boa educação. De acordo com Ball (2013, p. 181), “[...] os membros da rede estabelecem, incorporam e disseminam narrativas de soluções empresariais e empreendedoras para problemas sociais e educacionais”.

Nesse cenário de políticas transnacionais, no Brasil, deparamo-nos com a recente reforma do currículo do Ensino Médio, que tem intensificado as discussões acerca dos objetivos desse nível de ensino e do currículo proposto para tal etapa da Educação Básica. A reforma prevê a flexibilização curricular, a ampliação do período de permanência na escola, além de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pautada por competências, e a oferta de diferentes itinerários formativos. Em Portugal, o currículo nacional já é uma realidade antiga e as mudanças nesse sentido têm vindo a decorrer, essencialmente, no Ensino Secundário, especialmente a partir de 2012. Em 2017, colocou-se em discussão pública um documento designado Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, que amplia o conjunto de competências do estudante no final desse período, hoje alargado até o final do 12º ano de escolaridade. Na sequência da aprovação desse documento, foram publicados recentemente dois diplomas importantes, os quais têm pontuado a atual discussão sobre educação e currículo: (i) o Decreto-Lei nº 54, de 6 de julho de 2018 (PORTUGAL, 2018a), que institui os princípios, as normas e as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão; (ii) o Decreto-Lei nº 55, de 6 de julho de 2018 (PORTUGAL, 2018b), que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios que devem orientar a sua concessão, operacionalização e avaliação, de modo a contribuir para que os alunos adquiram conhecimentos e desenvolvam as competências previstas no perfil referido anteriormente.

Para compreender as mudanças que ocorrem em Portugal e no Brasil acerca dos currículos do Ensino Secundário/Ensino Médio, analisamos as percepções dos professores sobre as políticas curriculares nos dois países, especialmente no que se refere ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, em Portugal, e à BNCC, no Brasil. Para o efeito, realizamos uma pesquisa de cariz qualitativo que se fundamentou em uma análise documental e contou com a participação de professores do Ensino Secundário/Ensino Médio, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas nos dois países. A técnica de tratamento dos dados utilizada foi a análise de conteúdo, proposta por Bardin (2016), que implica explorar o material de forma a que se possam fazer inferências e compreender o significado das comunicações.

Este texto está organizado de modo a apresentar, apenas, os aspectos mais relevantes de um estudo mais amplo das políticas curriculares, sem referência específica aos dados recolhidos nas entrevistas aos docentes, o que não impediu de concluirmos que, no Brasil, as principais mudanças se circunscrevem aos desafios inerentes à construção de uma base nacional curricular comum, enquanto, em Portugal, se baseiam no desenvolvimento de um currículo com base em competências, no âmbito de um desejado perfil de aluno.

2 AS POLÍTICAS CURRICULARES

Se as políticas educativas corporizam um conjunto de decisões tomadas no âmbito das políticas públicas de cada Estado e configuram um quadro de referência a partir do qual se idealiza um projeto socioeducativo de espectro mais amplo, as políticas curriculares agregam uma série de disposições que contribuem para a sua concretização, definindo o que se deve ensinar/aprender nas escolas e que condições são necessárias para que isso aconteça (MORGADO, 2003). Ainda que sejam consideradas como discurso oficial do Estado, as políticas curriculares são alvo de disputas, de interesses e de compromissos, embora nem sempre se restrinjam a parâmetros, critérios e/ou formas de regulação apenas de âmbito nacional. De fato, são políticas inseridas em uma trama complexa de relações que envolvem diversos atores e instituições, valores, interesses e experiências diversas (PACHECO, 2002).

As políticas curriculares não são de âmbito exclusivamente prescritivo, uma vez que, como reitera Mainardes (2006), são permeadas por contextos interligados: a) contextos de influência, em que se constroem discursos a partir da organização de grupos hegemônicos; b) contextos de produção de textos políticos, que envolvem a organização e a elaboração de documentos, pareceres e discursos oficiais; c) contexto da prática, que é o que ocorre nas escolas; d) contexto dos resultados, que corresponde aos impactos das mudanças curriculares propostas; e) contexto da estratégia política, que engloba as atividades sociais e políticas que visam contribuir para a resolução das desigualdades sociais.

Partindo da sistematização apresentada, Pacheco (2000) propõe dois modelos para a leitura das políticas curriculares: o modelo das racionalidades técnicas e o modelo das racionalidades contextuais. A racionalidade técnica, cuja origem está, sobretudo, na proposta de Ralph Tyler, publicada em 1949, no livro Princípios básicos de currículo e ensino, é uma perspectiva estrutural e tecnicista que consiste em um marco relevante do campo do currículo, tanto para a definição das políticas quanto para a organização das práticas curriculares. Por outro lado, a racionalidade contextual, que tem como base a teoria social crítica e as abordagens pós-estruturalistas e pós-críticas, permite olhar a realidade com possibilidade de transformação, com base nos princípios da emancipação e do comportamento crítico.

Na sequência da proposta anterior, Pacheco e Pereira (2007) discutem o posicionamento perante o antagonismo ou complementaridade das duas racionalidades, técnica e contextual, e argumentam que, se vivemos em um mundo em que a prática está presente nos discursos, os críticos são imprescindíveis para pensar as mudanças necessárias. Estamos perante uma realidade produtora de identidades técnicas, visível por intermédio dos processos de homogeneização da educação, da responsabilização dos professores pelos resultados das avaliações, de uma agenda de performatividade e de gerenciamento nas escolas.

As reformas educativas em uma racionalidade técnica afetam as mudanças curriculares em seus aspectos menos relevantes, a saber: na concepção, na gestão e na avaliação do currículo, deixando os aspectos centrais, como os conteúdos e sua forma de organização, imunes a qualquer alteração, mesmo que os discursos contemplem a autonomia das escolas. Dessa forma, a autonomia curricular dos professores continua não sendo contemplada, em face de centralização da autoridade curricular da administração central.

Observam-se nas políticas curriculares, de acordo com Pacheco e Pereira (2007), discursos centrados em projetos curriculares baseados na escola, porém, além de normativos, não se configuram em uma perspectiva emancipatória. Com a burocracia que a construção desses projetos gera, os professores pouco se envolvem, são resistentes; com isso, os efeitos normativos pouco alteram suas práticas, que continuam voltadas à teoria da instrução, muito distantes de uma teoria crítica. Portanto, pode-se inferir que esse movimento leva à “[...] construção de uma identidade de resistência passiva, os professores, perante as exigências administrativas, tornam-se, eles próprios, normativistas” (PACHECO; PEREIRA, 2007, p. 214). Nesse âmbito, acreditamos que os teóricos mais críticos, vinculados à racionalidade contextual, têm um papel fundamental no sentido de levar os professores a compreenderem os fundamentos das agendas políticas educacionais e, a partir daí, construírem projetos contra-hegemônicos nas escolas.

Sendo as políticas curriculares o resultado de um conjunto de “[...] complexas decisões que derivam tanto do poder político oficialmente instituído quanto dos actores com capacidade para intervir directamente ou indirectamente nos campos de poder em que estão inseridos” (PACHECO, 2002, p. 32), a definição dessas decisões e dos limites e das atribuições entre o âmbito central (administração) ou local (escolas e sala de aula) pode ocorrer de diferentes formas. Talvez por isso estejamos diante de uma tendência, cada vez mais forte, de depararmos com políticas mais descentralizadas no âmbito dos discursos, porém mais centralizadas ao nível das práticas por meio de instrumentos de regulação.

Perante a crescente globalização e a emergência de políticas educativas mais descentralizadas, Ball (2014) 1 afirma que existem outros atores que se apresentam como definidores de políticas educativas e curriculares, oriundos de redes transnacionais, compostas por fundações e institutos, o que demonstra que o capital privado está cada vez mais presente, por meio de edu-businesses, na prestação de serviços educacionais, agindo algumas vezes em nome do Estado. Há um crescente número de redes educacionais internacionais cujo objetivo é garantir o acesso em massa das crianças à Educação Básica. Nas pesquisas que realizou, Ball (2014) detectou a existência de um crescimento, por meio de aquisições e fusões, de marcas de educação global que comercializam serviços e que exercem influência nas políticas educacionais em diversos países.

Os Estados neoliberais são criadores de mercado, facilitadores de negócios de educação global ou destinatários ansiosos de participação privada como eles procuram resolver problemas relacionados ao financiamento e à oferta de educação para as suas populações (BALL, 2014, p. 214).

Por seu turno, Moreira e Ramos (2015), ao refletirem sobre as questões curriculares, o cosmopolitismo e a internacionalização, chamam atenção para o que está a ocorrer com a mercantilização da educação. Nas suas pesquisas, os autores verificaram que o currículo é determinado pelas grandes empresas educacionais, que vendem sistemas apostilados, plataformas digitais, sistemas avaliativos e muitos outros produtos. Os impactos são percebidos pelos docentes por intermédio do empobrecimento de suas práticas pedagógicas, pois os objetivos direcionam-se apenas para o bom desempenho (dos alunos e dos professores) nas avaliações em larga escala.

Mesmo que as fronteiras já não sejam as mesmas, Pacheco (2002) ressalta que nós, como professores e pesquisadores, não podemos abrir mão de uma construção coletiva, mediante uma planificação partilhada que tenha em consideração tanto as decisões da administração central como as decisões dos professores, dos alunos e dos pais. Só que isso exige que se criem “espaços de autonomia curricular” (PACHECO, 2002, p. 145), para que os professores não sejam apenas implementadores de políticas curriculares e participem nas tomadas de decisão, o que representa um processo político democrático.

3 DESAFIOS DO CURRÍCULO NACIONAL PARA O ENSINO MÉDIO/ENSINO SECUNDÁRIO

Para discutir os desafios de um currículo nacional comum, não podemos deixar de mencionar que o currículo não é um conjunto neutro de conhecimentos, é parte de uma “[...] tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo” (APPLE, 2011, p. 71, grifo do autor). Além disso, importa ressaltar que vivemos em uma época que Apple (2011, p. 73, grifo do autor) chama de “restauração conservadora”, período em que notamos graves conflitos em torno do que se constitui como política do conhecimento oficial. Nesse âmbito, o que está em jogo é a ideia de educação pública e de um currículo que possa atender às culturas e às histórias de toda a população (APPLE, 2011).

O currículo nacional já é uma realidade em muitos países, fazendo parte de um “[...] processo de construção da identidade coletiva” (PACHECO, 2002, p. 88) necessário para a regulação e a seleção de objetivos de aprendizagem, de organização do conhecimento oficial, assim como para a criação de critérios de controle de alunos e de professores. Nesse cenário, vamos abordar as recentes políticas curriculares de Portugal e do Brasil, países com identidades culturais e sociais que se assemelham em aspectos como a língua e a história.

No Brasil, o currículo do Ensino Médio, última etapa da Educação Básica, sofreu alterações propostas pela Medida Provisória (MP) no 746/2016, encaminhada ao Congresso Nacional no dia 22 de setembro de 2016, convertida em projeto de lei e em seguida aprovada em forma da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, a qual traz modificações à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996). Essa reforma prevê a flexibilização curricular, a ampliação do período de permanência na escola e uma BNCC2.

De acordo com o documento, a base curricular comum é uma referência para a elaboração dos currículos dos diferentes sistemas de ensino, sejam eles estaduais, municipais ou do Distrito Federal, públicos ou privados. Os sistemas de ensino e as escolas terão autonomia nas tomadas de decisão, podendo elaborar um currículo contextualizado pela realidade em que a escola está inserida (BRASIL, 2017).

A autonomia mencionada no documento mostra-se controversa, haja vista que, perante as atuais condições oferecidas nas escolas brasileiras, tanto ao nível da infraestrutura como do trabalho docente e da formação inicial e contínua, constatamos que não é possível dar uma resposta satisfatória às necessidades das realidades locais, pois isso requer muito investimento. O que acontece hoje, de acordo com a opinião de vários professores, é uma tomada de decisões apenas no âmbito do planejamento do professor e dos projetos que pretende desenvolver ou, ainda, da escolha do material, mas não há participação efetiva na definição dos currículos.

Além dos aspectos já relacionados, em contextos de autonomia, os gestores educativos podem, em muitos casos, secundarizar o compromisso com a justiça social. Nesses casos, a autonomia pode ser assumida apenas sob a óptica do gerencialismo, buscando bons resultados que nem sempre coincidem com os princípios éticos da educação. “Neste caso, a autonomia é uma prática disciplinadora: aumenta a sensação de poder dos indivíduos ao mesmo tempo em que os torna mais dóceis e disciplinados” (ESTÊVÃO, 2013, p. 82).

Ora, considerando que a política curricular constitui um espaço público e um local de tomada de decisões, a definição dos currículos não pode ficar restringida ao âmbito do Ministério da Educação ou das Secretarias de Educação. Tal definição exige o posicionamento dos pais, dos alunos e dos profissionais que trabalham nas escolas, uma vez que são produtores de discursos que dão significado ao contexto escolar. Infelizmente esses atores nem sempre são reconhecidos, mesmo que, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017), as decisões, levando em conta a autonomia dos sistemas e redes de ensino, devam adequar as proposições da base nacional à realidade local, ao contexto e às características dos alunos.

Com base no estabelecido pela LDBEN (BRASIL, 1996), o Ensino Médio está organizado em quatro áreas do conhecimento: Línguas e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Hoje essas áreas são contempladas por meio de disciplinas organizadas em uma matriz curricular relativa a três anos. Com a Lei nº 13.415/2017, o currículo passa a ser mais flexível, com a oferta de itinerários formativos que contemplam as quatro áreas previstas na LDBEN, acrescidas de um itinerário formativo destinado à formação profissional. Portanto, a oferta desses itinerários consiste em opções de escolha para os jovens que ingressam no Ensino Médio. As disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórias ao longo dos três anos.

No entanto, no caso do Brasil, ainda existem dúvidas e preocupações relativamente ao processo de escolha do itinerário formativo, uma vez que os professores consideram que as escolas têm poucas condições para a oferta e, na maioria dos casos, os estudantes não estão preparados para efetuar essas escolhas. Perante tal preocupação, não podemos deixar de referir que as escolhas estão diretamente ligadas à liberdade econômica e à oferta de serviços, dois alicerces das tendências neoliberais que têm vindo a tentar consolidar-se mais recentemente e que defendem “[...] a soberania do consumidor em detrimento da soberania do Estado ou do cidadão” (PACHECO, 2002, p. 76). Assim, corremos o risco de uma educação pública precarizada, o que abre portas para as parcerias público-privadas ou mesmo para a privatização da educação, hoje tão frequentes nos cenários nacional e internacional.

Em Portugal, a oferta formativa no Ensino Secundário, de acordo com informações disponíveis no site da Direção Geral da Educação - Ministério da Educação e Ciência, é regulada com base no Decreto-Lei nº 176/2014, de 12 de dezembro, e no Decreto-Lei nº 55/2018, de 6 de julho (PORTUGAL, 2018b), e contempla diferentes modalidades. O estudante pode escolher uma das quatro alternativas disponíveis: a) cursos científico-humanísticos; b) cursos profissionais; c) cursos artísticos especializados; d) cursos com planos próprios. Além dessas opções, os estudantes dispõem de cursos de dupla certificação - designados cursos de educação e formação de jovens -, assim qualificados por serem cursos que visam, em simultâneo, ao cumprimento da escolaridade obrigatória e à inserção na vida ativa. De forma idêntica ao que está, neste momento, a ser proposto no Brasil, os cursos científico-humanísticos têm a duração de três anos.

No âmbito da autonomia curricular, tão propalada pelas políticas educacionais descentralizadas, os professores e as escolas portuguesas estão ainda aquém do que seria desejável, uma vez que usufruem mais essa autonomia em termos retóricos do que em termos práticos. Nesse contexto, vai se consolidando a tendência de a escola assumir currículos mais pragmáticos, por vezes com intenções mais homogeneizadoras, em detrimento de conhecimentos mais localizados e de currículos mais contextualizados, em que a diversidade deve ser considerada uma mais-valia (MORGADO, 2018). Trata-se de uma situação preocupante, sobretudo se tivermos em conta, como se reconhece no preâmbulo do Decreto-Lei nº 55/2018, de 6 de julho, que a autonomia é essencial “[...] para um desenvolvimento curricular adequado a contextos específicos e às necessidades dos seus alunos [...]”, gerando melhores aprendizagens e “[...] a operacionalização do perfil de competências que se pretende que os mesmos desenvolvam” (PORTUGAL, 2018b, n. p.). No fundo, um conjunto de elementos essenciais para o “[...] exercício de uma cidadania ativa e informada ao longo da vida” (PORTUGAL, 2018b, n. p.).

Com o intuito de garantir a diversidade de percursos e de aprendizagens, a oferta curricular no Ensino Secundário, em Portugal, permite que os estudantes realizem escolhas, o que justifica que o discurso voltado às escolhas passe, também, pelo “o que” e “como” é oferecido. Todavia, para os professores, tal capacidade de decisão e de escolha está, ainda, bastante restrita. Constatamos que, em virtude da regulação do Estado, esse modelo também não está imune a problemas. Além disso, as escolhas em Portugal continuam a ser bastante restritas porque em todo o país se pressupõe que o estudante esteja preparado para responder a um exame nacional que tem como base o currículo nacional.

Nesse sentido, sem deixar de reconhecer a importância da avaliação no processo de desenvolvimento do currículo, Apple (2011) aponta diversas consequências que resultam da relação entre o currículo nacional e o sistema de avaliação. Uma delas está relacionada a uma estrutura de avaliação nacional, pautada no estabelecimento de padrões e metas, com parâmetros para avaliar alunos, professores e escolas. Esse processo responsabiliza escolas e professores pelo sucesso ou fracasso de seus alunos. Quando isso acontece, em vez de se reforçar a “coesão cultural e social”, acentuam-se as diferenças “[...] socialmente produzidas, entre ‘nós’ e ‘os outros’, agravando os antagonismos sociais e o esfacelamento cultural e econômico delas resultantes” (APPLE, 2011, p. 89). Esse cenário de regulação por meio da avaliação nacional pode ser observado tanto no Brasil como em Portugal.

Outro aspeto digno de registro é o fato de, em Portugal, a formação específica de cada curso ser a mesma em todo o país, o que não acontece, nem está previsto, na proposta brasileira. No Brasil, é possível ter em conta as especificidades culturais de cada região do país, o que requer condições objetivas que permitam concretizar tal propósito no Ensino Médio. Todavia, no cenário atual, essas condições não existem, uma vez que no Brasil, com a publicação da LBDEN, o Ensino Médio não tem recebido o tratamento adequado (CARNEIRO, 2012). Além disso, o Ensino Médio não assumiu ainda a identidade da etapa final da Educação Básica, haja vista ser considerado preparação para o mercado de trabalho ou para a avaliação nos vestibulares ou exames em larga escala.

4 CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

No Brasil, o conceito de competências passou a nortear os currículos do Ensino Médio com o lançamento das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM). Elas consistem em um conjunto de definições de princípios, fundamentos e procedimentos que deve ser observado na organização curricular de cada unidade escolar do Ensino Médio, nos diversos sistemas de ensino (BRASIL, 1998).

O conceito de competência é também um dos fundamentos pedagógicos da BNCC, uma vez que se considera que “[...] a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC” (BRASIL, 2018, p. 13). O documento apresenta dez competências gerais para a Educação Básica e um conjunto de competências específicas para cada área do conhecimento. Tais competências, em diversos aspectos, se assemelham às competências elencadas nos documentos curriculares de Portugal.

Questionados sobre o fato de as competências elencadas na BNCC já serem contempladas no currículo do Ensino Médio, os professores dizem que algumas já fazem parte do currículo e são muito enfatizadas, como, por exemplo, as relacionadas à Matemática e à Língua Portuguesa. No entanto, reconhecem que outras precisam ser aprimoradas, como é o caso das competências ligadas à inserção social do estudante.

Ao falar de competências, que na opinião dos professores brasileiros precisam ser melhoradas, reconhece-se a necessidade de um currículo que proporcione ao estudante competências para se inserir e agir na sociedade. Roldão (2009) afirma que não podemos continuar com a estagnação do trabalho educativo, uma vez que os jovens têm direito a aprendizagens significativas, de modo a desenvolverem as competências necessárias para atuar na sociedade e se realizar em termos pessoais e profissionais. No fundo, para Roldão (2009),

[...] precisamos [...] discutir [...] como inventar um outro modo de organizar e gerir o trabalho de ensinar e o correlativo trabalho de aprender que permita transformar os conteúdos e os instrumentos de estudo convidativos à passividade, que hoje ainda invadem muitos contextos de escolas, em saberes em uso, competências efectivas que permitam aos cidadãos pensar melhor, agir melhor e viver melhor (ROLDÃO, 2009, p. 593).

Diante do que dizem os participantes da pesquisa em relação às necessidades dos estudantes, as reformas curriculares se fazem urgentes, pois não podemos mais continuar a pactuar com processos educativos permeados apenas pela memorização e pela transmissão de conhecimentos. “Daí a necessidade de um currículo que se adapte aos desafios que hoje a sociedade coloca à escola, um currículo diferente do que tem vigorado na generalidade dos sistemas de ensino” (MORGADO, 2018, p. 80).

Mesmo diante de um mundo globalizado e tecnológico, no qual a educação pode ser facilmente tratada como mercadoria, não podemos perder de vista a defesa de uma educação humanista, que tem como finalidade a emancipação intelectual, para a formação de um homem completo e para o qual o trabalho não é a única coisa importante na vida. Portanto, defendemos um currículo que possa desenvolver competências para além do mundo do trabalho. Não podemos nos eximir de nossas “[...] responsabilidades na promoção das oportunidades de os jovens se envolverem e serem incluídos no mundo das altas competências, ao nível do conhecimento, da informação, da comunicação e da inovação” (HARGREAVES, 2003, p. 41).

Para fazer face às necessidades desse teor, em Portugal foi divulgado recentemente um documento intitulado Perfil dos alunos para o século XXI, que passou a ser uma referência para a escolaridade obrigatória. Os princípios que subjazem ao currículo visam à concretização de um perfil de base humanística, à valorização da educação ao longo da vida, à obrigatoriedade da educação como um direito de todos os cidadãos, à preocupação com a sustentabilidade, à gestão flexível do currículo, à adaptabilidade para conviver com a incerteza, à valorização dos saberes e à garantia da estabilidade (MARTINS et al., 2017). Além dos itens mencionados, o documento apresenta as competências-chave para que os jovens se tornem “[...] capazes de pensar crítica e criativamente, adaptados a uma sociedade das multiliteracias, habilitados para a ação quer autónoma quer em colaboração com os outros, num mundo global e que se quer sustentável” (MARTINS et al., 2017, p. 11).

Ao analisar o documento Perfil dos alunos para o século XXI, Figueiredo (2017, n.p.) parte do princípio de que “[...] o valor de um referencial de competências mede-se pela sua capacidade para induzir inovação e mudança”. O autor ressalta que uma proposta curricular deve ser capaz de mobilizar todos os que se envolvem na sua concretização, toda a comunidade escolar. Por essa razão, não basta um postulado de princípios e valores, como o que é apresentado no documento. Para Figueiredo (2017), o documento poderia expor as razões que levam a novas propostas, para que todos, não apenas os atores educacionais, possam compreender os propósitos das mudanças. Outro aspecto que não pode ser ignorado na elaboração do documento, no entendimento de Figueiredo, é o cenário da empregabilidade. Vivemos em um momento que milhões de empregos se tornam obsoletos pela inteligência artificial, pela robótica e pela automação dos processos. O documento em questão não traz dados nem referência às questões relacionadas à empregabilidade, uma vez que o cenário econômico é um dos determinantes para as mudanças curriculares, especialmente do Ensino Secundário/Ensino Médio.

Conforme entendimento de alguns professores portugueses, as competências descritas no documento já estão contempladas no programa das disciplinas. Muitos asseguram que o problema não é o currículo, mas, sim, as condições institucionais para o seu desenvolvimento. Condições que permitem a Morgado (2018) reconhecer que existe uma tendência para assumir currículos mais pragmáticos, de cariz mais homogeneizador, em detrimento de currículos mais flexíveis, em que a diversidade é um elemento estruturante e a produção do conhecimento um processo mais localizado.

Para Pacheco (2000), o papel dos professores na flexibilização do currículo, considerando o que afirmam os discursos políticos, não corresponde à realidade da prática docente. Como flexibilizar o currículo se as ações e os conteúdos continuam sob o controle da administração? Os professores têm autonomia no que se refere à ação docente, mas “deixam” nas mãos dos especialistas as tarefas de concepção do currículo, vivendo a contradição entre a aceitação de um currículo prescrito e a necessidade de construírem e consolidarem a autonomia curricular da escola.

Esta contradição agrava-se ainda mais quando a redacção do projecto educativo é reduzida ao cumprimento de normativos e quando se impõe que a elaboração de projectos curriculares flexíveis seja tutelada pela administração. Com efeito, trata-se de uma concepção técnica de entender o projecto curricular, porque não se reconhece a centralidade da escola nos contextos de decisão curricular (PACHECO, 2000, p. 75).

Se consideramos o currículo o elemento central do processo de escolarização, então isso implica que não se perspective apenas como um conjunto de conteúdos e objetivos. É nessa ordem de ideias que Morgado (2018, p. 7) assevera que o currículo deve assumir-se “[...] como um espaço integrador e dialético, sensível à diferenciação e que não ignora a existência de uma realidade que se constrói na diversidade”.

Os aspectos referidos tornam-se mais pertinentes se tivermos em conta que vivemos em uma sociedade mais aberta e mais cosmopolita e, por isso, temos necessidade de um currículo diferente, um currículo que se adapte aos desafios que a sociedade coloca à escola, o que implica que o currículo seja assumido “[...] como um projeto formativo, estruturado em torno de competências a desenvolver, fazendo dos conteúdos os meios propícios para a sua concretização” (MORGADO, 2018, p. 10). Desse modo, um currículo que, para além dos conhecimentos reconhecidos como essenciais, englobe outras destrezas, competências e sensibilidades necessárias aos estudantes para viver em sociedade.

Foi com base em tais propósitos que se tornou importante elencar as competências necessárias para a elaboração do perfil que referimos aqui. Um perfil desejado para o século XXI, configurado como um grande desafio, tanto no âmbito dos documentos curriculares de Portugal como do Brasil. Além de seguir algumas orientações “mais conservadoras” de organismos internacionais e de ter em linha de conta as exigências das políticas de avaliação, defendemos que a organização dos currículos nacionais não pode deixar de prestar a devida atenção aos valores humanos, aos propósitos relacionados com a constituição do caráter de cada cidadão, aos princípios éticos e ao espírito de comunidade, para além de um compromisso sólido com a democracia.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As recentes políticas curriculares, tanto em Portugal como no Brasil, têm vindo, cada vez mais, a ser influenciadas por movimentos de âmbito transnacional, permitindo-nos constatar que as diretrizes gerais das mudanças para o Ensino Secundário/Ensino Médio são semelhantes nos dois países. A pressão por padrões mais elevados, pela implementação de uma cultura comum e, sobretudo, por uma educação que prepare para o mundo do trabalho está na ordem do dia, procurando, essencialmente, dar resposta a uma série de questões oriundas do cenário econômico.

Apesar do contexto político referido, o bom desempenho e a formação crítica dos estudantes dependem, fundamentalmente, de investimentos que garantam escolas bem equipadas e adequadas aos jovens do Ensino Secundário/Ensino Médio. Em associação com tais investimentos, devem garantir-se, ainda, boas condições de trabalho para os professores, a valorização da carreira docente e uma formação, inicial e contínua, de qualidade.

A reflexão que produzimos permitiu-nos concluir que, nos dois países, as trajetórias educativas são semelhantes, mesmo que com tempos cronológicos diferentes. Isso nos faz inferir que, embora imersos em um cenário de globalização política, os contextos nacionais e locais são imprescindíveis na implementação das reformas educativas, pois, como assevera Morgado (2000), são espaços com identidade própria e com autonomia, por isso capazes de construir os seus projetos educativos e curriculares e, assim, (re)contextualizar suas práticas.

Em qualquer dos casos, convém lembrar que um dos maiores desafios que hoje se colocam às escolas, independentemente do contexto em que se situem, é o de conseguirem educar para a cidadania e para o desenvolvimento de princípios éticos sólidos, sobretudo por causa da onda crescente de democracias em risco que nos assola em âmbito global, matizada por uma série de preconceitos religiosos e políticos. Contudo, independentemente das condições de que possamos dispor, isso dependerá da nossa vontade de construir um mundo melhor.

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NOTAS

1A Educação Básica no Brasil é organizada em três níveis de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A BNCC para os dois primeiros níveis já está aprovada – Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Informação disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 20 nov. 2019.

2Cabe esclarecer que há uma vasta e sólida produção sobre políticas educacionais e políticas curriculares anterior a que foi mencionada neste texto e que não pode ser ignorada. Para compor este artigo, realizamos algumas escolhas, dentre elas as contribuições de Ball (2013, 2014), pois tal autor discute as políticas educacionais de forma complexa e não linear, relacionando-as a um projeto econômico global, o que nos permitiu refletir sobre as recentes políticas curriculares no Brasil e em Portugal.

Recebido: 06 de Dezembro de 2018; Aceito: 04 de Novembro de 2019

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