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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2019  Epub Jan 27, 2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i4p1711-1738 

Artigos

UMA ANÁLISE SOBRE A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E A IMPLANTAÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS

AN ANALYSIS ABOUT THE HIGH SCHOOL REFORM AND THE IMPLEMENTATION OF THE CURRICULAR COMMON NATIONAL BASE IN THE CONTEXT OF NEOLIBERAL POLICIES

ANÁLISIS DE LA REFORMA DE LA ENSEÑANZA SECUNDARIA Y DE LA IMPLANTACIÓN DE LA BASE NACIONAL COMÚM CURRICULAR EN EL CONTEXTO DE LAS POLÍTICAS NEOLIBERALES

Shalimar Calegari ZANATTAi 

Emerson Pereira BRANCOii 

Alessandra Batista de Godoi BRANCOiii 

Marcos Cesar Danhoni NEVESiv 

i Mestrado e Doutorado na Física do Estado Sólido. Professora da pós-graduação PPIFOR - Mestrado em formação de Professores e Professora de Física do Colegiado de Ciências Biológicas da UNESPAR. E-mail: shalicaza@yahoo.com.br.

ii Mestre em Ensino pelo Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Mestre em Ensino pelo Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). É Professor de Matemática - Secretaria da Educação e do Esporte do Estado do Paraná. Atualmente é Chefe do Núcleo Regional de Educação de Paranavaí. E-mail: ems_branco@hotmail.com.

iii Mestra em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). É Pedagoga na Seção Pedagógica e de Assuntos Estudantis do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus de Paranavaí-PR. E-mail: alessandra_g12@hotmail.com.

iv Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor de Física, orientador do programa PCM - programa interdisciplinar na área de Ensino e Formação de Professor da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: macedani@yahoo.com.


RESUMO

No presente artigo discorreremos a respeito das influências das políticas neoliberais sobre a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em consonância com a reforma do Ensino Médio. Esta discussão terá como norte as políticas neoliberais, uma vez que elas atuam na configuração do perfil do Ensino Médio, por meio da Lei nº 13.415/2017, a qual fornece subsídios para a efetivação da referida reforma e da implantação da BNCC, alterando vários artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Apesar da complexidade do tema, frente às inúmeras questões, envolvidas por diversos segmentos da sociedade que, muitas vezes apresentam interesses antagônicos, é possível observar a veiculação de ideologias neoliberais, como o incentivo à Educação Profissional e o favorecimento de parcerias público-privadas. Com relação à implantação da BNCC, o objetivo principal é propor a reformulação curricular da Educação Básica, norteando os conteúdos e as práticas do professor. No entanto, foi constatado que muitos aspectos da reforma encontrarão sérios problemas para sua efetivação, como por exemplo, o baixo investimento nas escolas, que estão impossibilitadas para ofertar o que está sendo proposto. Este fato caminha na contramão das políticas de ajuste fiscal e da limitação dos gastos públicos, por vinte anos, previstas pela Emenda Constitucional 95/2016. Observa-se, ainda, que na impossibilidade de investimentos, a terceirização e a privatização, amparadas pela Lei nº 13.415/2017, possivelmente, aumentarão, consideravelmente, havendo dessa forma direcionamento de recursos públicos para instituições privadas. Ademais, verificou-se que a flexibilização do ensino e a reorganização curricular tendem a uma diminuição dos conteúdos historicamente sistematizados, promovendo o esvaziamento e a precarização do ensino público.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma do Ensino Médio; BNCC; Lei nº 13.415/2017; Políticas neoliberais

ABSTRACT

The present article reports an analysis of influence of neoliberal policies on the implementation of the Curricular Common National Base (BNCC), in accordance with the High School reform. The north of this discussion is the neoliberal policies that act on the High School profile, through Law 13,415/2017. This law provides subsidies for the implementation of the reform and the implementation of the BNCC, amending several articles of the Law of Directives and Bases of National Education. Despite the complexity of the subject because the many issues involved in various segments of society, which often have antagonistic interests, it is possible to observe neoliberal ideologies such encouraging Professional Education and favoring public-private partnerships. With regard to the BNCC implementation, the main objective is to propose the curricular reformulation of Basic Education, guiding the contents and the practices of the teacher. However, it was noted that many aspects of the reform will find serious problems for its implementation, for example, the low investments in schools so they not can offer what is being proposed. It is contrary to the fiscal adjustment policies and the limitation of the public expenditures for twenty years according to the Constitutional Amendment 95/2016. It is also noted that in the impossibility of investments outsourcing and privatization, supported by Law no 13,415/2017, will possibly increase considerably the use of public resources in private institutions. In addition, the flexibilization of teaching and the curricular reorganization tend to decrease the historically systematized contents, promoting emptying and precarization of public education.

KEYWORDS: High School reform; BNCC; Law 13,415/2017; Neoliberal policies

RESUMEN

El presente artículo presenta un análisis de la influencia de las políticas neoliberales sobre la implantación de la Base Nacional Común Curricular (BNCC) y sobre la reforma de la Enseñanza Secundaria. Su objetivo es estudiar las políticas neoliberales que actúan en la Enseñanza Secundaria, mediante la Ley 13.415/2017, que proporciona subvenciones para el empleo de la reforma y de la implantación de la BNCC y cambia artículos de la Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional. A pesar de la complejidad del tema es posible observar intereses neoliberales, como fomentar la Educación Profesional y favorecer la integración público-privada. Esa ley preconiza también la tendencia a la Educación Integral y a la flexibilización de la enseñanza. Se constató que varios aspectos de esa reforma encontrarán problemas serios a la hora de su implementación como la necesidad de inversiones financieras en las escuelas para que puedan ofrecer lo que se está proponiendo, ya que camina en contra a la orientación de la política-económica de ajuste fiscal y a la Enmienda Constitucional 95/2016 que limita los gastos públicos por veinte años. La aprobación de la Ley 13.415/2017 que favorece la tercerización y de la privatización, es un factor que, posiblemente, contribuirán para que se aumente el direccionamiento de recursos públicos a las instituciones privadas. Además, la flexibilización de la enseñanza y la reorganización curricular tienden a ocasionar la disminución de los contenidos históricamente sistematizados, promoviendo, como consecuencia, el vaciamiento y la precarización de la enseñanza pública.

PALABRAS CLAVE: Reforma de la Enseñanza Secundaria; BNCC; Ley 13.415/2017; Políticas neoliberales

1 INTRODUÇÃO

Desde o século passado, o sistema educacional brasileiro tem vivenciado diversos processos de reforma em sua estrutura, sendo que, mais uma vez, novas alterações estão sendo efetuadas, a saber: a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular e a Reforma do Ensino Médio. É importante lembrar que o processo de implementação de tais reestruturações envolve muitas variáveis, o que o torna muito complexo, sobretudo pelo interesse que isto desperta em órgãos internacionais, que atuam como financiadores, e pelo empresariado que, de certo modo, influencia nos debates e discussões sobre tal assunto.

Em face de tais propostas, torna-se possível indicar que existe uma acentuada polarização entre os interesses da sociedade e os das organizações anteriormente referenciadas, com estas exercendo influência sobre o Estado, para o que o mesmo atue em consonância com as políticas neoliberais, no sentido de criar e preservar uma estrutura institucional apropriada às práticas de livre mercado, configurando-se, pois, o Estado Mínimo. Este sistema promove maior liberdade da iniciativa privada que, como contrapartida, resulta na perda, ou na restrição, de direitos sociais, que ocorrem não apenas no campo educacional, favorecendo, ainda, o processo de privatização de muitos serviços públicos.

Nesse contexto, é lícito afirmar que as reformas educacionais não estão isentas de influências externas, ao serem elaboradas em conformidade com as políticas neoliberais, podendo se apontar como exemplo recente desta situação a reforma do Ensino Médio e a implantação da Base Nacional Comum Curricular, uma vez que, amparadas pela Lei nº 13.415/2017, beneficiam a privatização e as parcerias público-privados, injetando recursos financeiros em instituições particulares, além de configurar um ensino que tende à formação de mão de obra para o mercado, em detrimento dos conhecimentos relacionados com a arte, a cultura e com as questões sociais.

Evidentemente, na estrutura de Ensino Médio, atualmente vigente, podem ser apontadas muitas lacunas, no que diz respeito à formação de jovens, evidenciando-se a falta de identidade para esta etapa de ensino quanto a seus objetivos. Fato este, que pode se somar a outros para justificar aos altos índices de evasão e de repetência dos estudantes, distanciando da ideal universalização, como prevê a legislação. Nessa perspectiva, a discussão em torno de uma proposta de reforma é plausível, quando se busca a construção de uma sociedade mais solidária, mais crítica e emancipada. Porém, mediante a presença de tantos interesses antagônicos, com a evidente participação de diversos setores que não pertencem ao campo educacional, verifica-se que a reforma do Ensino Médio, bem como a implantação da BNCC não têm como função precípua a resolução de problemas relacionados à educação e às questões sociais, visando à melhoria da qualidade do ensino e ao bem-estar comum, estando, de forma clara, atrelada aos interesses políticos e às demandas econômicas.

Sendo assim, o presente artigo tem por finalidade refletir sobre a reorganização dos currículos da Educação Básica, as questões políticas que estão envolvidas no processo da reforma e a atuação dos agentes externos, nacionais e internacionais, uma vez que a organização curricular precisa ir muito além da delimitação de conteúdos, sendo necessário associá-la às questões históricas, sociais, políticas e ideológicas que permeiam o contexto escolar.

Nessa vertente, apresentaremos reflexões a respeito da influência das políticas neoliberais sobre a legislação que norteia a Educação brasileira e, em específico, configura o Ensino Médio, estabelecendo discussões, ainda, sobre a reforma atual que incidirá sobre este. A implantação da BNCC, respaldada pela Lei no 13.415/2017, também será foco deste trabalho.

2 A INTERFERÊNCIA DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NA EDUCAÇÃO

De acordo com Libâneo et al. (2012), o termo neoliberalismo surgiu entre as décadas de 1930 e 1940, no contexto da recessão, tendo como marco desse período a quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929. Décadas mais tarde, nos anos 1970, o termo ganhou força, novamente, como programa de governo de Margareth Thatcher, na Inglaterra, estendendo-se, no início dos anos 1980, para os Estados Unidos, durante o governo de Ronald Reagan. De acordo com os mesmos autores, as ideias e propostas do neoliberalismo de mercado passaram a influenciar a política econômica mundial, em razão, sobretudo, de sua adoção e imposição pelos organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

Em consonância com o neoliberalismo, o papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada às práticas de livre mercado, com diminuta regulação, garantindo, por exemplo, a qualidade e a integridade econômica. Configura-se, desse modo, o Estado Mínimo que, na prática, significa o Estado suficiente e necessário unicamente para a reprodução dos interesses do capital, cujas consequências são a perda, ou a restrição, de conquistas sociais, como a estabilidade de emprego, a segurança, o direito à saúde, à educação, aos transportes públicos, dentre outros.

Para Harvey (2013), o Estado, alinhado com as políticas neoliberais, deve estabelecer as estruturas e funções militares de defesa, da polícia e legais, requeridas para garantir direitos de propriedade individual e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado do mercado. Para tanto, a desregulação, a privatização e a retirada do Estado de muitas áreas de bem-estar social tornam-se ações comuns.

Nessa perspectiva, as principais potências mundiais articulam propostas de organização econômica que caminhem em conformidade com seus ideais, adotando políticas para defender seus interesses, sobretudo, nos países em desenvolvimento, resultando na propagação da ideologia neoliberal, estabelecendo, dessa forma, sociedades regidas pelo livre mercado. Essa situação torna-se ainda mais comum e contundente com a união dos mercados de diferentes países e com a quebra das fronteiras, no processo denominado de globalização.

No que diz respeito à Educação, a orientação política do neoliberalismo evidencia, ideologicamente, um discurso de crise e fracasso na escola pública, apontando a existência desta em outros setores públicos, em decorrência da suposta incapacidade administrativa e financeira do Estado de gerir o bem comum, ao mesmo tempo, em que legitima os serviços privados como sendo de qualidade superior. Desta feita, justifica-se a defesa da privatização dos serviços públicos. Conforme Harvey:

[...] os defensores da proposta neoliberal ocupam atualmente posições de considerável influência no campo da educação (nas universidades e em muitos “bancos de ideias”), nos meios de comunicação, em conselhos de administração de corporações e instituições financeiras, em instituições-chave do Estado (áreas do Tesouro, bancos centrais), bem como instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), que regulam as finanças e o comércio globais (HARVEY, 2013, p. 13).

Ainda de acordo com o autor, “[...] o neoliberalismo se tornou hegemônico como modalidade de discurso e passou a afetar tão amplamente os modos de pensamento que se incorporou às maneiras cotidianas de muitas pessoas interpretarem, viverem e compreenderem o mundo” (HARVEY, 2013, p. 13).

Compreende-se, portanto, que, à medida que o neoliberalismo se caracteriza por pregar que o Estado deve intervir pouco na economia, mantendo a regulamentação das atividades econômicas privadas, em um mínimo, permitindo a ação de livre mercado, são reforçadas a predominância dos interesses do capital e a omissão do Estado, nos campos social e educacional, em um processo que corrobora com as desigualdades já existentes.

Desta forma, torna-se evidente que o neoliberalismo atua buscando moldar um cenário educacional em que as possibilidades de construir uma educação pública como espaço de discussão e exercício da democracia ficarão cada vez mais distantes.

Nesse contexto, é possível afirmar que muitas reformas educacionais propostas estão em consonância com as políticas neoliberais, propalando e inculcando seus ideais, ocorrência que pôde ser observada na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), cujo objetivo maior era o estabelecimento da filosofia do “aprender a aprender”, centrando a Educação em uma formação aligeirada, visando ao treinamento e ao desenvolvimento de “competências e habilidades” e à preparação de indivíduos para as demandas do mercado de trabalho, em detrimento da formação de um cidadão pensante e emancipado. A respeito desta questão, Silva assinala que:

De um lado, é central, na reestruturação buscada pelos ideólogos neoliberais, atrelar a educação institucionalizada aos objetivos estreitos de preparação para o local de trabalho. No léxico liberal, trata-se de fazer com que as escolas preparem melhor seus alunos para a competitividade do mercado nacional e internacional. De outro, é importante também utilizar a educação como veículo de transmissão das ideias que proclamam as excelências do livre mercado e da livre iniciativa. Há um esforço de alteração de currículo não apenas com o objetivo de dirigi-lo a uma preparação estreita para o local de trabalho, mas também com o objetivo de preparar os estudantes para aceitar os postulados do credo liberal (1995, p. 12).

Sendo assim, é lícito afirmar que as ideologias neoliberais estão inseridas na reforma do Ensino Médio e na implantação da Base Nacional Comum Curricular, uma vez que é possível identificar a tendência ao favorecimento da privatização e à parceria público-privado, por meio da injeção de recursos financeiros em instituições particulares, ao invés de investimentos naquelas que são da rede pública.

É preciso destacar que, na perspectiva neoliberal, o ponto de referência para a organização da escola não são as necessidades dos indivíduos, sobretudo, daqueles que mais sofrem com as desigualdades sociais, mas, sim, as demandas de competitividade de determinados grupos e o lucro das empresas. Como consequência, as soluções propostas pela visão empresarial tendem a vincular a reestruturação do sistema educacional às estreitas imposições de treinamento da indústria e do comércio.

Constata-se, portanto, que a organização curricular proposta na BNCC e na reforma do Ensino Médio, priorizam aspectos considerados mais importantes para o mercado de trabalho, em detrimento dos conhecimentos relacionados com a arte, a cultura, as questões sociais e humanísticas, que perderão o já escasso espaço que ocupam, que foi duramente conquistado ao longo das últimas décadas.

Para Libâneo et al. (2012), com o avanço tecnológico, o empresariado passou a requerer um trabalhador flexível, com novas habilidades e competências, capaz de se relacionar facilmente em grupo e com aptidão para a resolução de situações-problema. Estas novas aptidões não podem ser desenvolvidas a curto prazo, muito menos pela empresa, por isso, a educação básica ganha centralidade nas políticas educacionais, sobretudo, nos países em ascensão, tendo como função primordial desenvolver as novas habilidades cognitivas e as competências sociais necessárias à adaptação ao novo paradigma produtivo.

Ao se fazer uma análise da história da educação, fica evidenciado que a elaboração das diretrizes educacionais, para a escola pública é, antes de tudo, de natureza econômica e política, uma vez que, estas foram organizadas em função dos interesses da elite, dos dirigentes políticos e dos organismos internacionais, que oferecem financiamentos e influenciam, direta ou indiretamente, a organização do ensino dos países em desenvolvimento, bem como sua legislação e, consequentemente, a vida dos seus cidadãos. Evidentemente, o interesse em “contribuir” não é meramente filantrópico, mas, sim, um meio de obter influência e poder de decisão.

Nessa concepção, os investimentos pelos órgãos internacionais não passam de medidas de controle dos processos decisórios em relação aos países “beneficiados” por esses recursos. Do mesmo modo, isto ocorre com as “contribuições ou doações” de empresas particulares no setor público que, embora possam parecer um ato de filantropia, são mecanismos para obter possíveis vantagens, ou meios de barganhar.

Considerando tais reflexões, torna-se fundamental identificar e entender as estratégias que o neoliberalismo estabelece para a educação, buscando compreender como as esferas do poder, as organizações nacionais e internacionais e os representantes do capital atuam, e a forma como estes interferem na legislação e na organização do sistema educacional brasileiro.

Romanelli (1986) defende que a educação se tornou objeto da ofensiva neoliberal, não apenas porque constitui uma das principais conquistas sociais, mas, também, porque está diretamente relacionada à produção da memória histórica, cultural, ideológica e social dos cidadãos, além de esta estar intimamente ligada ao trabalho. Nesse sentido, subjugar a educação à lógica e ao domínio do capital é um meio de controlá-la e manipulá-la para alcançar os objetivos particulares dos grupos dominantes, uma vez que o neoliberalismo não tem por finalidade a garantia dos direitos das pessoas, de uma educação emancipatória e do bem-estar social.

Para a autora, ainda que os objetivos verbalizados pelo sistema de ensino visem aos interesses da sociedade, é sempre inevitável que as diretrizes, realmente assumidas pela educação escolar, favoreçam as camadas sociais detentoras de maior representação política nessa estrutura, uma vez que, quem legisla, sempre o faz segundo uma escala de valores, próprios da camada à qual pertence, fato que evidencia que o poder político tem atuação e responsabilidade direta na organização formal do ensino.

Para Gonçalves (2017), na atual conjuntura política, vivemos sob a lógica neoliberal, de forma que os serviços públicos tornam-se oportunidades de negócio, o que torna compreensível que os fundamentos do mercado busquem se inserir, também, no campo educacional, na tentativa de fazê-los funcionar à sua semelhança. É sob esse viés que vem se operacionalizando a Reforma do Ensino Médio.

Ainda conforme a autora, não resta dúvida de que os interesses econômicos respaldam a reforma atual, atendendo aos preceitos neoliberais e fomentando as parcerias público-privadas. Além disso, diante da crise econômica, urge para os empresários implementarem uma reestruturação no Ensino Médio, de modo a atender às demandas do mercado, desconsiderando o papel humano e social da educação, tratando nossos jovens apenas como estoque de mão de obra. Sobre esta medida, Kuenzer afirma que ela é parte integrante de um novo bloco hegemônico que:

[...] sem resistência efetiva, vai processando o ajuste a favor do capital: a reforma da previdência, o ajuste dos gastos públicos que penalizam a educação e a saúde, além de outros investimentos, a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização indiscriminada e, na área da educação, o ajuste no ensino médio (2017, p. 352).

Diante do exposto, observa-se que conhecer o modo como as políticas neoliberais interferem no sistema educacional é um importante passo na busca pela superação de sua hegemonia. Portanto, é preciso repensar e avaliar a Educação brasileira, na tentativa de se desvencilhar das amarras e do caráter alienador impostos por uma elite dominante, por organismos multilaterais e instituições nacionais, visando a uma sociedade mais solidária, mais crítica e emancipada. É nesse sentido que se espera que o Ensino Médio contribua para a formação dos estudantes.

3 O ENSINO MÉDIO BRASILEIRO

Segundo dados do INEP (2017), o Brasil possui, atualmente, mais de 8 milhões de estudantes matriculados no Ensino Médio, distribuídos em mais de 28 mil escolas, sendo que, 68,1% das escolas são estaduais, 1,8% são federais, 0,9% são municipais e 29,2% são instituições privadas.

Conforme destacam Libâneo e Toschi (2012), o Ensino Médio comporta diferentes concepções: na propedêutica, destina-se a capacitar os alunos para o prosseguimento dos estudos no curso superior; na técnica, o intuito é preparar a mão de obra para o mercado de trabalho; na concepção humanística e cidadã, é entendido, em um sentido mais amplo, que a formação do alunos não se esgota, nem na dimensão propedêutica para a universidade, nem na técnica para o trabalho, mas, sim, compreende as duas, de forma integrada e dinâmica.

Em relação à legislação, Piletti e Piletti (2014) afirmam que a primeira lei a estabelecer as diretrizes e bases da Educação Nacional, compreendendo os níveis de ensino do Pré-Primário ao Ensino Superior, foi a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, conhecida como a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil, a qual, em seu Capítulo I, estabelecia a Educação em nível médio como:

Art. 33. A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada na escola primária, destina-se à formação do adolescente.

Art. 34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário (BRASIL, 1961).

Entretanto, de acordo com Libâneo et al. (2012), foi apenas em 20 de dezembro de 1996, com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB), que o Ensino Médio foi incluído como a etapa final da Educação Básica.

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (BRASIL, 1996, grifos nossos).

Embora o Ensino Médio tenha se tornado parte da Educação Básica, a partir da LDB de 1996, o caráter de obrigatoriedade, como dever do Estado, foi instituído apenas em 2009, conforme consta na Constituição Federal de 1988, com alteração realizada por meio da Emenda Constitucional no 59, de 2009:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) (BRASIL, 1988, grifos nossos).

É válido destacar que, apesar de sua obrigatoriedade, a pretendida universalização do Ensino Médio ainda está distante de ocorrer, segundo demonstra uma análise dos dados expostos na página do INEP (Gráfico 1), na qual pode ser constatado que, em 2016, o número de matrículas no Ensino Fundamental, anos iniciais, foi de cerca de 15,3 milhões; já no Ensino Fundamental, anos finais, foi de 12,2 milhões; e, no Ensino Médio, foi de 8,1 milhões. Outro fato possível de ser observado é o de que, nos últimos 8 anos, o número de matrículas no Ensino Médio foi muito inferior ao do Ensino Fundamental, de modo que, em 2016, as matrículas do nível médio representaram apenas cerca de 53%, em relação ao Ensino Fundamental anos iniciais, e cerca de 66%, em se tratando dos anos finais desse nível de ensino.

Fonte: INEP, 2017.

Gráfico 1 Número de matrículas por etapa de ensino - Brasil.  

Nesse contexto, fica evidente que muitos alunos evadem da escola, conforme o avanço dos anos, podendo ser identificado esse fenômeno tanto dentro de cada nível, bem como, na progressão de um nível para outro, como por exemplo, do Ensino Fundamental para o Médio, no qual as taxas de evasão são mais expressivas. Este fato está associado, diretamente, à falta de identidade dos alunos com o sistema de ensino e, principalmente, devido à inserção prematura dos jovens no mundo do trabalho, na maioria das vezes, para ajudar a família, que se encontra em precárias condições sociais, financeiras e econômicas.

Outro fato relevante que pode ser observado no Gráfico 1 é que, apesar de o Ensino Médio ter se tornado obrigatório, em 2009, o número de matrículas se manteve praticamente estável até 2014, sofrendo, inclusive, uma pequena redução nos anos de 2015 e 2016. Verifica-se, portanto, que a política de universalização do Ensino Médio tem caminhado na contramão do que se espera.

A evasão, que se mantém nos últimos anos, após uma política de aumento significativo da matrícula no ensino médio, aponta para uma crise de legitimidade da escola, que resulta não apenas da crise econô mica ou do declínio da utilidade social dos diplomas, mas também da falta de outras motivações para os alunos continuarem estudando (KRAWCZYK, 2011, p. 756).

Para Gonçalves (2017), diante dos problemas que o Ensino Médio tem vivenciado, nos últimos anos, tais como a sua ressaltada falta de qualidade, bem como as condições desiguais de oferta, a evasão de muitos alunos e os baixos índices nas avaliações externas, tornou-se urgente a discussão sobre mais uma reforma para a última etapa da educação básica.

Nessa vertente, é fundamental considerar que compreender o processo da reforma atual, bem como da implantação da BNCC, sendo capaz de identificar as ideologias que elas veiculam, atentando, ainda, para quais são os agentes envolvidos no processo de sua execução, e os reais interesses que elas atendem, é ação imprescindível para a defesa de uma Educação de qualidade.

4 A ATUAL REFORMA DO ENSINO MÉDIO E A IMPLANTAÇÃO DA BNCC

Na história recente do país evidencia-se que, na maioria das vezes, as reformas educacionais não estiveram necessariamente articuladas com o objetivo de resolver problemas ligados a essa esfera. Embora os discursos sejam alinhados para esse fim, as ações são desenvolvidas de forma a encobrir os reais propósitos que, em via de regra, estão atrelados às crises de legitimação do Estado, às crises econômicas, aos interesses políticos e do empresariado e às ideologias de organismos multilaterais, configurando, desta forma, a ação do neoliberalismo sobre a legislação e organização de nosso país.

Gonçalves (2017) afirma que, na organização da reforma do Ensino Médio, os interlocutores do Ministério da Educação não foram universidades, pesquisadores, professores e estudantes, mas, sim, empresários, representando instituições, como o Instituto Alfa Beta, o Instituto Unibanco, o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Itaú, entre outros. Para o autor, estes sujeitos são os principais defensores da reforma, tendo seus interesses contemplados na proposta do governo. Dessa forma, a nova organização não esconde sua intencionalidade na preparação de mão de obra, buscando aumentar a produtividade dos trabalhadores, priorizando a preparação técnica, de forma semelhante ao que já foi proposto por meio dos PCNs, com o “aprender a aprender”.

De modo similar, Macedo (2014) também destaca a participação de diversas organizações, que atuaram, incisivamente, nos debates sobre a implantação da BNCC, indicando os “parceiros” envolvidos no processo, que são representados por instituições financeiras e empresas, tais como: Itaú (Unibanco), Bradesco, Santander, Gerdau, Natura, Volkswagen, entre outras. Além desses, podem ser apontadas, ainda, Fundação Victor Civita, Fundação Roberto Marinho, Fundação Lemann, CENPEC, Todos pela Educação e Amigos da Escola.

É válido enfatizar que a interferência de agentes externos no planejamento e na elaboração das políticas educacionais, bem como na organização dos currículos escolares, não é uma questão pontual, muito menos recente, pois, há muito tempo, fundações ligadas a conglomerados financeiros, além de várias outras instituições, procuram meios para suprir suas demandas. Os referidos agentes são privados, e não são exclusivamente nacionais, sendo, na maioria das vezes, de difícil caracterização e desconhecidos do público.

Torna-se possível supor, portanto, que muitos são os meios encontrados por essas instituições para atuarem no cenário nacional, incutindo ideologias e defendendo seus interesses. Nesse sentido, Saviani destaca que:

[...] a força do privado traduzida na ênfase nos mecanismos de mercado vem contaminando crescentemente a esfera pública. É assim que o movimento dos empresários vem ocupando espaços nas redes públicas via UNDIME e CONSED nos Conselhos de Educação e no próprio aparelho do Estado, como o ilustram as ações do Movimento “Todos pela Educação” (2014, p. 105).

Nessa perspectiva, é preciso identificar o modo como esses “agentes” atuam, bem como o quanto essas parcerias com grupos privados podem influenciar na desestatização, criando novos mecanismos de governabilidade e desenvolvendo, por meio das políticas educacionais, soluções para as crises do mercado e do setor empresarial, de forma que a Educação e as questões sociais tornem-se secundarizadas.

Para Zanatta (2017), é justamente em função dessa regulação social, promovida por tais parcerias, entre os poderes público e privado, que as discussões que permeiam as políticas públicas educacionais se tornaram mais complexas, uma vez que o Estado vem perdendo seu papel central como autor da regulação, e os empresários, por meio de suas organizações (instituições filantrópicas, ONGs, fundações), vão se consolidando como protagonistas das políticas educacionais, buscando não apenas a participação e o poder de decisão, mas, também, o marketing, a responsabilidade social, os benefícios fiscais, a colaboração com o Estado e o preparo dos indivíduos para o trabalho.

Pode-se afirmar, então, que o estreitamento entre as esferas pública e privada e o envolvimento dessas organizações na reforma do Ensino Médio e na elaboração e implantação da BNCC visam à manutenção da hegemonia neoliberal sobre a educação, delineando a qualidade esperada e como atingi-la e, consequentemente, atuando sobre a formação do cidadão, configurando, assim, a imposição de um novo consenso para o campo educacional.

Lino (2017) defende que, historicamente, as diferentes reformas do Ensino Médio, no Brasil, consolidaram seu dualismo, sem superar o caráter propedêutico, formatando um ensino seletivo e excludente. Para ele, a atual reforma traz o fantasma de um ensino desorganizado e fragmentário, principal característica do secundário do século XIX, que julgávamos definitivamente enterrado, pois este desconsiderava e minimizava os aspectos formativos essenciais da educação básica.

É preciso destacar, ainda, que na conjuntura da reforma e da implantação de uma base curricular comum não foi discutida a importância da efetivação de um Sistema Nacional de Educação (SNE), tampouco as alterações na legislação educacional promovidas pela Lei nº 13.415/2017, que estiveram diretamente vinculadas à efetivação do SNE e ao Regime de Colaboração entre União, Estados e Municípios.

Sobre o Regime de Colaboração, anteriormente citado, é relevante lembrar que este é o ponto de referência do SNE, sendo por meio dele que os Municípios recebem recursos da União. Esta última tem função supletiva e deveria atuar de forma que a Educação, em todo o território nacional, apresentasse o mesmo padrão de qualidade, configurando-se como justa e equitativa, fato que não acontece, uma vez que os Municípios mais ricos tendem a oferecer um ensino com mais qualidade do que os mais pobres.

Obviamente, como em toda reforma educacional, o processo ocorre de forma muito complexa, frente às várias problemáticas que envolvem o ensino, como as questões financeiras, as relações de poder, as interferências internas e externas e os interesses políticos. Para Plank (2001), os principais obstáculos à melhoria da Educação no Brasil não são os técnicos ou os financeiros, mas os políticos, considerando o fato de que aqueles que têm sob responsabilidade os assuntos relacionados ao sistema educacional não ignoram os problemas a ele inerentes, nem são desprovidos de recursos para implementar soluções. De fato, o que falta estes indivíduos é a capacidade política, ou o interesse pessoal, para que sejam realizadas as mudanças necessárias, mesmo que a longo prazo.

Em face destas reflexões, em se tratando da reforma atual, é preciso entender o sentido ideológico, político e social do que está sendo proposto, almejando fugir dos artifícios. Exemplo disso é o caso do slogan “aprender a aprender”, utilizado na elaboração dos PCNs, cujos interesses (ainda que não assumidos) pautavam-se na aprendizagem de estratégias contínuas de adaptabilidade às difíceis condições de vida e ao saber mínimo e fragmentado, suficientes apenas para desempenhar o trabalho.

Constata-se, pois, que este processo, promovido pela sociedade capitalista neoliberal, baseia-se na aprendizagem de formas pelas quais o existente obscureça cada vez mais a consciência e o domínio dos poderosos se perpetue. Nota-se, ainda, que as reformas expressam visões gerais, ou particulares, sobre as questões educacionais, além de compromissos com a educação; no entanto, muitas vezes, estes são secundarizados, devido aos interesses privados, às relações de poder e alianças entre partidos políticos, agentes educacionais e lobbies educativos, sindicatos corporativos e às instituições capitalistas.

No contexto brasileiro, essas mudanças requerem atenção, sendo necessário refletir sobre que temas devem integrar os currículos da educação básica, como se deve elaborar um currículo, e quais questões políticas estão envolvidas em suas produções. Entende-se, portanto, que a organização curricular deve ir muito além da delimitação de conteúdos por disciplinas, deve englobar as questões históricas, sociais, políticas e ideológicas.

Em consonância com Kuenzer (2017), no que se refere à elaboração da reforma atual, o cenário foi de muitos enfrentamentos e críticas, com destaque ao repúdio evidenciado por vários grupos à forma autoritária que orientou todo o processo, desde a criação da proposta inicial, com intervenção de instituições privadas, até à edição da Medida Provisória (MP) 746, aprovada em setembro de 2016, cuja rápida discussão culminou na aprovação da Lei nº 13.415/2017, em 16 de fevereiro de 2017. O processo todo foi realizado em prazo exíguo, sem a promoção de espaços para o debate aprofundado pelos docentes, especialistas, pesquisadores e estudantes que atuam, estudam e vivenciam a realidade do Ensino Médio, no Brasil.

De acordo com Lino (2017), a utilização de uma medida provisória, para alterar a LDB e subsidiar a Reforma do Ensino Médio e a implantação da BNCC:

[...] caracteriza uma forma autoritária de legislar, que sinaliza o desprezo pelo necessário diálogo acadêmico e legislativo, típico de um regime de exceção. A alteração da LDB de forma açodada, sem o debate sobre os impactos que a Reforma produzirá a médio e longo prazo, pode ser considerada, no mínimo, como irresponsável e inadequada, e compromete a oferta de qualidade desse nível de ensino (2017, p. 77).

Sendo assim, como afirma Moll (2017), se a reforma parte de um diagnóstico parcial e ilusório, suas determinações encontrarão pouco eco na vida real das escolas e, pior do que isso, encaminhar-se-ão para encobrir faltas e problemas históricos, sob o discurso da flexibilização e da modernização. Do mesmo modo, situa-se a oferta de escolas de Ensino Médio de tempo integral, uma vez que não faz sentido ampliar o tempo de estudo sem o mínimo de condições necessárias e sem perspectiva de formação humana integral, claramente explicitada na flexibilização curricular, que retira áreas importantes do currículo obrigatório. Constata-se, portanto, que a mera ampliação do tempo escolar não será revertida na formação que se deseja e que se preconiza.

5 AS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 13.415/2017

A Lei nº 13.415/2017, sancionada em 16 de fevereiro de 2017, é uma conversão da Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016. Esta legislação altera: a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB); a Lei nº 11.494, de 20 de junho 2007, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB); e um artigo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); além de instituir a política de fomento à implantação de escolas de Ensino Médio, em tempo integral; e revogar a Lei no 11.161/2005, sobre o ensino da Língua Espanhola, que era de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno.

Em suma, pode-se dizer que a Lei no 13.415/2017 estabelece mudanças na Educação brasileira em dois eixos principais: na alteração da carga horária e na reestruturação da organização curricular. A respeito das mudanças previstas na carga horária, a legislação altera o artigo 24, da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), que estabelecia 800 horas, distribuídas em um mínimo de 200 dias letivos por ano, para o ensino médio, que deverá ser ampliado, progressivamente, para 1400 horas, o que corresponde a 7 horas por dia, em um total de 200 dias letivos, configurando, assim, o ensino integral. Apesar de a lei não especificar um prazo para a concretização desta ampliação, é determinado que em 5 anos a carga horária se efetive em 1000 horas anuais.

Diante das alterações previstas, surgem os seguintes questionamentos: - Como serão atendidos os alunos do período noturno para que se consiga atingir a nova carga horária? - As escolas apresentam condições físicas, estruturais, de recursos humanos e financeiros, para atenderem o alunado por 7 horas diárias, uma vez que a maioria dessas escolas já trabalha com sua capacidade máxima, atendendo dois ou até três turnos diários?

Sobre o cumprimento da carga horária do Ensino Médio noturno, a Lei nº 13.415/2017 estabelece, no parágrafo 2º, do artigo 24, o direcionamento de como, possivelmente, será encaminhada esta modalidade de ensino, quando apresenta que “Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular, adequado às condições do educando [...]", e também no parágrafo 11º, do artigo 36, assegurando que “Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento [...]” (BRASIL, 2017, grifos nossos).

Diante das alterações propostas, é possível interpretar que, além do estudo presencial, é sugerido na legislação que, para completar as 7 horas, uma possibilidade seria o ensino a distância, proposta que se mostra inapropriada, uma vez que muitos alunos não dispõem de estrutura tecnológica, tempo e maturidade para esse tipo de formação.

Com relação à organização curricular, a Lei no 13.415/2017 institui diversas modificações, sobre as quais serão tecidas algumas reflexões na sequência deste trabalho:

  1. O artigo 2º apresenta as alterações no artigo 26 da LDB, prevendo, entre outros itens, que “[...] a integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais de que trata o caput” (BRASIL, 2017). Considerando a experiência da inclusão de projetos e dos temas transversais, como nos PCNs, o fato desses temas não terem a devida atenção e não serem abordados de maneira eficaz é preocupante, uma vez que nem sempre esses projetos contemplam os conceitos necessários para a formação dos alunos. Em outro aspecto, nem sempre os professores têm as condições mínimas exigidas para a aplicação dos mesmos, de forma que todos os temas transversais possam ser efetivamente trabalhados. A fragilidade apontada resulta, muitas vezes, em estudos superficiais e de pouca relevância para os estudantes.

  2. De acordo com o artigo 35-A, da LDB, a Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do Ensino Médio, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas (BRASIL, 2017). Sob esta perspectiva, é possível indicar que os conteúdos não estarão, obrigatoriamente, distribuídos em disciplinas, mas, nessas quatro áreas, cabendo à escola decidir sobre sua grade curricular, podendo, até mesmo, ter uma matriz com apenas essas 4 áreas. Tal ação poderia interferir, inclusive, na existência de disciplinas como a Química e a Física, por exemplo, uma vez que, teoricamente, estas já estão incluídas na área “ciências da natureza e suas tecnologias”. Isso implicará, em mudanças nos cursos de graduação, uma vez que “[...] os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular” (BRASIL, 2017).

  3. O parágrafo 2º, do artigo 35-A da LDB, define que “[...] a Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia” (BRASIL, 2017, grifos nossos). Apesar de a lei citar que estas disciplinas estarão incluídas, obrigatoriamente, no Ensino Médio, em momento algum se menciona que isto será feito no formato de disciplina, sendo feita alusão apenas a “estudos e práticas”, o que não deixa de ser alarmante, pois, sendo assim, estas poderão ser incorporadas nas quatro grandes áreas de conhecimento, definidas pela BNCC, com a existência da possibilidade de serem agregadas a outras disciplinas, ocorrência que pode agravar o esvaziamento e a precarização de conteúdos no Ensino Médio. Vale ressaltar que, de acordo com a legislação, somente a Língua Portuguesa e a Matemática serão obrigatórias nos três anos do Ensino Médio, conforme o parágrafo 3º, do referido artigo.

  4. No parágrafo 5º, do artigo 35-A, da LDB, fica definido que “[...] a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017, grifos nossos). Logo, ainda que todas as disciplinas atuais fossem mantidas, a carga horária total seria reduzida de 2400 para 1800 horas, o que, mais uma vez, conduz à ideia de precarização do ensino. Nessa perspectiva, embora o restante da carga horária seja completado pelos “itinerários formativos”, possivelmente, muitos conteúdos sistematizados, ao longo da história da humanidade, deixarão de ser abordados. Além disso, muitos professores, inevitavelmente, terão as demandas de suas aulas consideravelmente diminuídas.

  5. O artigo 36 da LDB estabelece que o currículo do Ensino Médio, previsto na BNCC, e os itinerários formativos “[...] deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017, grifos nossos). Os itinerários são compostos por: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional (BRASIL, 2017). Em face do que a legislação prevê, é preciso indagar como será possível a “oferta de diferentes arranjos curriculares”, uma vez que muitas escolas públicas não têm condições mínimas necessárias para ofertar as diferentes combinações de ensino previstas. Pode se afirmar, então, que seriam necessários muitos investimentos para reestruturações e adaptações às demandas já existentes, e às novas, o que segue na contramão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, transformada na Emenda Constitucional 95/2016, que limita os gastos públicos por vinte anos. Entende-se, pois, que as escolas poderão ofertar os arranjos curriculares somente conforme a relevância e a possibilidade que elas apresentarem; sendo assim, na prática, possivelmente, a maior parte delas oferecerá apenas um itinerário e a propalada “liberdade de escolha” dos alunos não ocorrerá.

  6. Também no artigo 36, da LDB, em seu parágrafo 11, reforça a questão do complemento dos estudos do Ensino Médio, por meio de parcerias e do ensino à distância, assegurando que “[...] para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento [...]” (BRASIL, 2017, grifos nossos). Dessa forma, atividades de educação técnica poderão ser oferecidas fora da escola, inclusive, em instituições privadas nacionais ou estrangeiras, além da possibilidade de se realizar estudos por meio da educação à distância ou presencial, mediada por tecnologias.

  7. Outro ponto questionável diz respeito ao artigo 61 da LDB, que trata sobre a atuação de profissionais, na educação, com o chamado “notório saber”, que poderão atuar na formação técnica e profissional. Na prática, a presença de profissionais com essa característica, principalmente, no Ensino Profissional, não é novidade, pois, muitos professores que atuam nessa modalidade de ensino não tiveram, em sua formação inicial, estudos essenciais para o seu desempenho na educação, como é o caso, por exemplo, a falta de acesso a disciplinas que abordam concepções pedagógicas, história da educação, metodologia de ensino e didática. Dessa forma, formaliza-se uma prática inadequada já existente, quando, na verdade, a lei deveria exigir a formação profissional específica para atuação nas diversas áreas do conhecimento.

Em síntese, a Figura 1 apresenta um mapa conceitual1, elaborado pelos autores, sobre as principais implicações da Lei nº 13.415/2017 no processo de reforma do Ensino Médio e na implantação da BNCC:

Fonte: Os autores, 2017.

Figura 1 Mapa conceitual: as principais implicações da Lei nº13.415/2017. 

Muitas críticas têm sido tecidas em relação às alterações previstas pela Lei nº 13.415/2017. Segundo Kuenzer (2017), no que diz respeito à organização curricular, a redução da formação comum para 1.800 horas, a hierarquização das disciplinas e a escolha precoce por uma área especializada de estudos, em um período em que o jovem ainda está se preparando para fazer suas escolhas, não são adequadas às necessidades dos alunos. E o que é mais relevante: a fragmentação passa a substituir a proposta de diretrizes anterior, cujo eixo era a integralidade da pessoa humana e, portanto, sua formação integral. Soma-se a isso, o fato de que a oferta de todos os itinerários não é obrigatória, ficando a opção à mercê das condições do sistema de ensino, o que conduz à suposição de que a tendência será reduzir a oferta no ensino público, privilegiando as áreas que dependem menos de docentes qualificados e de recursos materiais e tecnologias mais sofisticadas, ou a favorecer a oferta, mas, em parceria com instituições privadas.

Arelaro (2017) assinala que a redução na formação geral da juventude, diminuindo a diversidade curricular, transformando Arte, Sociologia, Filosofia e Educação Física em “estudos e práticas” é, uma forma de considerá-los, no máximo, “temas transversais”. Nessa perspectiva, essas áreas serão trabalhadas somente quando for conveniente. Além disso, a autora critica a transferência de recursos públicos para programas da iniciativa privada, como está ocorrendo, por exemplo, com o Sistema S. Para ela, a situação será ainda pior, pois, defende-se a prática das parcerias público-privadas como a melhor (ou a única) alternativa para melhorar a qualidade da educação pública e, em especial, a do Ensino Médio. Entretanto, é preciso considerar que essas parcerias estão em consonância com os ideais neoliberais de privatização e mercantilização da educação.

Na visão de Nóvoa (2017 apud Krawczyk; Ferretti, 2017), os percursos formativos, na prática, mantêm a tradição de que os pobres servem para ser operários, e os ricos, doutores, ideologia que está sendo denominada de novo “vocacionalismo”. Para o autor, o melhor da escola pública está em contrariar destinos, uma vez que podemos ser amanhã uma coisa diferente de que somos hoje. Sendo assim, uma escola que “confirma destinos”, que transforma em operário o filho do operário, é a pior escola do mundo.

Para Silva e Scheibe (2017), o reconhecimento do “notório saber”, legalizando a docência de pessoas sem formação adequada para ministrar aulas é, no mínimo, inadequado. Além disso, a profissionalização, como uma das opções formativas, implica em uma forma indiscriminada e igualmente precária de formação técnico-profissional. Ademais, a retirada da obrigatoriedade de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física configura-se como mais uma forma de sonegação do direito do aluno ao conhecimento. Ainda segundo as autoras, o uso de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) para financiar parcerias com o setor privado, tendo em vista a oferta do itinerário da formação técnica e profissional, constitui-se em grave ameaça à ampliação da oferta e da qualidade de todas as etapas da educação básica.

Considera-se, portanto, que embora a Lei no 13.415/2017 apresente o respaldo necessário para que, teoricamente, as propostas para a reforma do Ensino Médio e a implantação da BNCC sejam efetivadas, na prática, ela não apresenta subsídios para a implementação de um Sistema Nacional de Educação, já previsto na Constituição Federal de 1988, que venha ao encontro das reais necessidades dos educandos, buscando promover uma Educação de qualidade e equitativa, em todo o território nacional.

Como afirma Libâneo (2007), do ponto de vista educacional, as propostas de intervenção, em nível federal, têm sido modestas, uma vez que não tratam a questão no seu conjunto. Para o autor, a vinculação da política educacional às diretrizes do Banco Mundial, objetivando conduzir as reformas educativas nos países periféricos, tem provocado situações ambivalentes. Por um lado, acentua-se a necessidade de uma nova qualidade educativa, implicando em mudanças nos currículos, na gestão educacional, na avaliação dos sistemas e, em especial, na profissionalização dos professores. Em contrapartida, impõem-se medidas restritivas a investimentos públicos, inclusive, àqueles relacionados a pagamento de salários e a financiamento da formação, justificando-se que tais medidas se devem à reorganização do Estado. Entretanto, o que se pode constatar é que tais ações reforçam as políticas neoliberais.

Diante dessa realidade, é possível afirmar que muitas das alterações estabelecidas pela Lei no 13.415/2017 não estão em consonância com os anseios dos estudantes, dos pais e dos professores, pois, não cooperam para a superação das deficiências verificadas no âmbito das escolas públicas. De fato, o que se pode observar é que tais mudanças estão mais direcionadas a atender às demandas do empresariado e das organizações internacionais.

Em face das reflexões estabelecidas neste artigo, fundamenta-se a preocupação com o possível agravamento da precarização e do esvaziamento do ensino brasileiro, que tende a promover ainda mais a redução de qualidade na educação, além de fomentar a ideia de necessidade de privatização do ensino público. Se isso ocorrer, a dualidade educacional se evidenciará e, consequentemente, será reforçada, ainda mais, a disparidade da concentração de poder e de recursos financeiros nas mãos de uma pequena elite dominante.

O que se nota é que, enquanto se apregoa o interesse em garantir o direito à educação de qualidade, de forma equitativa, e a liberdade de escolha, no contexto do neoliberalismo, as intenções dirigem-se a caminhos opostos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da reforma do Ensino Médio e da implantação da BNCC, é inevitável constatar que as políticas neoliberais continuam presentes, influenciando, direta ou indiretamente, a legislação educacional, o sistema de ensino brasileiro, a função da escola, a formação inicial e a capacitação dos docentes, a formação dos alunos e, consequentemente, a do cidadão.

Nesse contexto, situa-se o Ensino Médio que, por um lado, não corresponde às expectativas dos alunos, dos professores e da sociedade em geral, pois vem apresentando altos índices de evasão, carecendo de reorganização e maiores investimentos, para que seja mais efetivo na preparação dos jovens para os desafios da vida. Sob outra vertente, o Ensino Médio é o centro de uma reforma que incorre em velhos erros, uma vez que, embora o Governo divulgue, por meio de propagandas, que houve debates, com ampla participação de pais, alunos e educadores, na prática, para a elaboração do texto do referido documento, principalmente dentro das unidades escolares, não é esse o sentimento compartilhado, pois para alguns grupos, novamente, o que ocorreu foi uma reforma verticalizada, como tem ocorrido historicamente, com pouca discussão e participação das comunidades escolares e das entidades que representam a Educação.

Para uma reforma educacional efetiva, seria necessário um minucioso planejamento, estudo sobre as condições físicas, estruturais e de recursos humanos, para verificar as reais condições das unidades escolares e suas possibilidades, bem como a viabilidade da proposta. Não basta publicar decretos, portarias, medidas provisórias e leis, é necessário, primeiro, garantir os subsídios mínimos para a sua efetivação. Para a elaboração da reforma, por exemplo, nenhum levantamento mais aprofundado sobre as condições das escolas foi realizado, para saber quais são suas reais necessidades e possibilidades, no sentido de supri-las, de modo a garantir que o que se propõe seja, de fato, possível de realizar no chão das unidades escolares. Ao considerar os ideais do neoliberalismo, fica evidente que tais “equívocos” servem para atender aos seus interesses, retirando a autonomia do Estado, privatizando, fortalecendo os interesses do mercado.

Diante desse cenário, a reforma preconiza ações centradas na proposta de reestruturação curricular como solução para a chamada “crise do ensino médio”, pondo o foco na organização curricular e negligenciando questões importantes, que vêm afetando a Educação Básica, tais como: a falta de infraestrutura, que garanta o funcionamento qualificado das escolas públicas; a ausência de instalações físicas adequadas (bibliotecas, laboratórios, espaços para a prática esportiva e de atividades artístico-culturais); a inexistência de quadro de professores e de funcionários efetivos; planos de carreiras e de formação, salários dignos e condições de trabalho adequadas. No que foi observado para a produção deste trabalho, essas questões não são objeto da reforma (MOURA; LIMA FILHO, 2017).

Subsidiando a reforma e a implantação da BNCC, foi aprovada a Lei nº 13.415/2017, originada da MP 746/2016, em caráter de urgência, suprimindo o diálogo e o debate, assumindo um posicionamento neoliberal, com a participação e/ou influência do empresariado e de agências internacionais, afinados com os interesses privatistas de grandes organizações, uma vez que a referida lei abre caminho para a privatização e terceirização da Educação por meio de parcerias público-privadas, com injeção de recursos pelo MEC, na rede particular de ensino. Constata-se, pois, que a reforma tende a acentuar o dualismo escolar, favorecendo ainda mais o acesso dos alunos provenientes das escolas particulares ao Ensino Superior, e dificultando o mesmo acesso para os alunos de escolas públicas.

Outro fato importante a ser apontado é que as alterações na legislação não estiveram relacionadas com a efetivação de um Sistema Nacional de Educação, subsidiado pelo Regime de Colaboração. Sendo assim, estes ainda perduram sem uma legislação específica. Desse modo, a esperada equidade na Educação ainda não deve ocorrer, pelo menos não em curto e médio prazos, de forma que os Municípios e Estados devem continuar a ofertar diferentes qualidades no processo de ensino e aprendizagem, considerando suas condições financeiras, e sem a devida atenção e suprimento pela União.

É evidente que o sistema educacional público carece de mudanças e de definir melhor o seu papel diante das transformações macroculturais, sociais, econômicas e políticas. Mas, é preciso que estas mudanças não sejam apenas uma simples adaptação passiva; é necessário que elas busquem encontrar um lugar próprio de construção de algo novo, que permita a expansão das potencialidades humanas e a emancipação do coletivo, rumo à construção da capacidade de reflexão dos indivíduos (KRAWCZYK, 2011).

Portanto, não se trata de negar a importância e a necessidade de se repensar a organização do Ensino Médio, bem como de se aceitar a implantação da BNCC, como um documento norteador para a Educação Básica Nacional. O que se questiona é o modo como o processo foi sendo estabelecido, com a atuação de organismos multilaterais, de instituições e de representantes do empresariado e, sobretudo, pela falta de aprofundamento das discussões e dos debates para realização das alterações na legislação educacional. Estas ocorrências reforçam a ideia da intervenção das políticas neoliberais na Educação.

Ao final desta discussão, é possível vislumbrar que, a pretexto de uma flexibilização e de um arremedo de liberdade de escolha, o novo Ensino Médio, provavelmente, acirrará as desigualdades educacionais e sociais, sem ao menos atingir os objetivos a que se propõe, além de instigar, ainda mais, a dualidade da escola, a privatização e a precarização da Educação pública.

REFERÊNCIAS

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NOTA

1O mapa conceitual é uma estrutura utilizada na representação de um conjunto de conceitos imersos numa rede de proposições. Ele pode ser entendido como uma representação visual utilizada para partilhar significados, pois explicita como o autor entende as relações entre os conceitos enunciados (TAVARES, 2007).

Recebido: 14 de Novembro de 2017; Aceito: 02 de Setembro de 2019

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