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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.4 São Paulo oct./dic. 2019  Epub 27-Ene-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i4p1808-1836 

Artigos

PRINCÍPIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE E PARA REPENSAR O PAPEL DA EDUCAÇÃO ATUAL À LUZ DO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

PRINCIPLES FOR TEACHER TRAINING AND TO RETHINK THE ROLE OF CURRENT EDUCATION IN THE LIGHT OF THE COMPLEXITY PARADIGM

PRINCIPIOS PARA LA FORMACIÓN DOCENTE Y PARA REPENSAR EL PAPEL DE LA EDUCACIÓN ACTUAL A LA LUZ DEL PARADIGMA DE LA COMPLEJIDAD

Tiago Reus Barbosa FEDELi 

Marilda Aparecida BEHRENSii 

i Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) - Curitiba/PR, na Linha de Pesquisa: Formação pedagógica de professores no paradigma da complexidade numa educação transformadora: cocriação de repositório digital. Professor no Serviço de Apoio Psicopedagógico (SEAP) na PUC-PR. E-mail: tiagofedel@gmail.com.

ii Pedagoga pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutorado em Educação na Universidade do Porto. Professora na Graduação em Pedagogia e da Pós-Graduação em Educação no Mestrado e Doutorado em Educação da PUC-PR. Lidera o grupo de pesquisa: Paradigmas Educacionais e Formação de Professores (PEFOP). E-mail: marildaab@gmail.com.


RESUMO

Este trabalho, realizado no grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação de Professores (PEFOP), tomou por objetivo investigar como os paradigmas educacionais influenciam e impactam a educação. Ao mesmo tempo, enseja uma reflexão sobre as contribuições do paradigma da complexidade na educação e, a partir dele, visam encaminhamentos para pistas formativas da docência nessa concepção. Assim, para uma compreensão maior do tema, foi proposto como problema: Considerando a influência e os impactos dos paradigmas na educação moderna e contemporânea, quais encaminhamentos podem ser traduzidos em construtos norteadores para contribuir com a formação docente a partir do paradigma da complexidade e dos desafios atuais na educação? O procedimento metodológico envolveu uma abordagem qualitativa do tipo de pesquisa descritiva e exploratória, que envolveu a análise e a exploração de proposições conceituais, a partir dos recursos bibliográficos pesquisados. Os referenciais teóricos, cujas proposições conceituais colaboram com esta pesquisa, são de autores engajados na investigação sobre os paradigmas educacionais e as práticas de ensino, como Cardoso (1995), Moraes (2004), Behrens (2013), Morin (2011, 2015), Weil (1991, 1993). A partir desse referencial teórico, pretendeu-se apontar os construtos sobre o paradigma da complexidade para desenvolver uma prática pedagógica que propicie outras formas de empreender o processo de ensino e de aprendizagem. Como resultado, a produção do conhecimento alcançou a finalidade de provocar um estudo e investigação em condições de apontar caminhos para a formação da docência, com base teórica nos princípios da complexidade na educação.

PALAVRAS-CHAVE: Paradigmas educacionais; Papel da escola; Formação docente; Modelo tradicional; Paradigma da complexidade

ABSTRACT

This work, conducted in the research group Educational Paradigms and Teacher Training (Paradigmas Educacionais e Formação de Professores’ - PEFOP), aimed at investigating how educational paradigms influence and impact education. At the same time, a reflection on the contributions of the paradigm of complexity in education and, from it, propose referrals to point out formative courses for teaching in this conception. Thus, for a better understanding of the theme, it was proposed as a research problem: Considering the influence and impacts of paradigms in modern and contemporary education, which reference can be translated into guiding constructs to contribute to teacher training from the paradigm of complexity and current challenges in education? The methodological procedure involved a qualitative approach, of the type of descriptive and exploratory research that encompassed the analysis and the exploration of conceptual propositions, from the researched bibliographic resources. The theoretical references, whose conceptual propositions collaborate with this research, are of authors engaged in the investigation on educational paradigms and teaching practices, such as Cardoso (1995), Moraes (2004), Behrens (2013), Morin (2011, 2015), Weil (1991, 1993). From this theoretical framework, we intended to find constructs from the paradigm of complexity to develop a pedagogical practice that provides quite different ways of undertaking the process of teaching and learning. As a result, the production of knowledge in this work achieved the purpose of provoking a study and an investigation in conditions to point ways to the formation of teaching, taking as theoretical basis the principles of complexity in education.

KEYWORDS: Educational paradigms; Role of the school; Teacher training; Traditional model; Paradigm of complexity

RESUMEN

Este trabajo, realizado en el grupo de investigación Paradigmas Educacionales y Formación de profesores (PEFOP), tomó por objetivo investigar cómo los paradigmas educativos influencian e impactan la educación. Al mismo tiempo proporciona una reflexión sobre las contribuciones del paradigma de la complejidad en la educación y, a partir de él, proponen encaminamientos para pistas formativas para la docencia en esta concepción. Así, para una mayor comprensión del tema, fue propuesto como problema: considerando la influencia y los impactos de los paradigmas en la educación moderna y contemporánea, cuáles encaminamientos pueden ser traducidos en constructos orientadores para contribuir con la formación docente a partir del paradigma de la complejidad y de los desafíos actuales en la educación? El procedimiento metodológico acogió un abordaje cualitativo del tipo de investigación descriptiva y exploratoria, que involucró el análisis y la explotación de proposiciones conceptuales, a partir de los recursos bibliográficos investigados. Los referenciales teóricos, cuyas proposiciones conceptuales colaboran con esta investigación, son de autores involucrados en la investigación sobre los paradigmas educativos y las prácticas de enseñanza como Cardoso (1995), Moraes (2004), Behrens (2013), Morin (2011, 2015), Weil (1991, 1993). A partir de este referencial teórico, se pretendió encontrar constructos sobre el paradigma de la complejidad para desarrollar una práctica pedagógica que propicie otras formas de emprender el proceso de enseñanza y aprendizaje. Como resultado la producción del conocimiento alcanzó la finalidad de provocar un estudio e investigación en condiciones de apuntar caminos para la formación de la docencia, con base teórica en los principios de la complejidad en la educación.

PALABRAS CLAVE: Paradigmas educacionales; Papel de la escuela; Formación docente; Modelo tradicional; Paradigma de la complejidad

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das práticas de ensino alicerça-se em concepções paradigmáticas que norteiam processos, métodos, valores, abordagens, posturas, interesses, entre outros no processo de ensino e de aprendizagem. Um paradigma é um modelo sob o qual se encontram as concepções científicas aceitas, predispostas para estruturar e embasar a forma de compreensão e de entendimento de todas as dimensões humanas, sociais, filosóficas, científicas. Foi o cientista Thomas Kuhn (1991) o primeiro a fazer uso sistemático e consciente do termo “paradigma” na ciência ao compreendê-lo como modelo que norteia e fundamenta, assim como estabelece as regras de funcionamento e de mecanismo de toda a pesquisa científica.

Os paradigmas, no entanto, não se voltaram apenas à estruturação, à concepção e à determinação de valores e de práticas no mundo científico, senão que, também, impactam e influenciam o fazer educação. Aqui se encontra o objetivo deste trabalho: procurar entender a influência dos paradigmas na educação. E, ao mesmo tempo, perguntar-se: Quais encaminhamentos podem ser traduzidos em construtos norteadores para o desenvolvimento de prática pedagógica mais contextualizada para a educação? Para isso, busca-se uma análise dos paradigmas e consideram-se aqueles que possam refletir mais e melhor a organização, a estruturação e as necessidades do mundo atual. Esse objetivo não deixa de levar em conta os elementos básicos da escola, como professor, aluno, metodologia, avaliação e a própria educação, no centro da discussão, uma vez que se considera a influência dos paradigmas no entendimento epistemológico, organizacional e prático desses contextos.

A importância em se empreender tal trabalho diz respeito à necessidade de apontar e discutir novos caminhos para repensar o papel da educação e a formação docente, de modo que esteja adequada às necessidades humanas e atuais, ressignificando papéis, métodos, posturas e concepções. Para tal intento, considera-se o paradigma da complexidade como um possível modelo de reflexão, de estudo e de debate. É importante dizer que, mais do que ser uma investigação de análise sobre a influência dos paradigmas na educação, este trabalho pretende ser um estudo que possa refletir sobre a prática docente e apontar construtos para a sua formação.

Para esta discussão, foi tomado um conjunto de reflexões e conceitos de alguns dos principais teóricos da educação nas áreas de formação de professores e na prática de ensino em uma visão de paradigmas, como Cardoso (1995), Moraes (2004), Morin (2011, 2015), Weil (1991, 1993). A partir desse aporte teórico, apresentam-se as proposições que sustentaram as premissas assumidas para responder ao objetivo proposto.

Este trabalho foi realizado no grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação de Professores (PEFOP), da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), por meio da pesquisa Pilares epistemológicos na formação pedagógica dos professores: construtos, saberes e práticas a partir do paradigma da complexidade, que acolheu por objetivo: Investigar como os paradigmas educacionais influenciam e impactam a educação; ao mesmo tempo, oportunizar uma reflexão sobre o que vem a ser o paradigma da complexidade e, a partir dele, refletir sobre a possibilidade de se propor encaminhamentos para repensar o papel da escola nessa concepção e seus impactos na formação docente.

No procedimento metodológico, acolheu-se uma abordagem qualitativa, do tipo de pesquisa descritiva e exploratória, que envolveu a análise, a exploração de proposições conceituais, a partir dos recursos bibliográficos pesquisados. De acordo com Gil (2002, p. 41), “[...] estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”. Assim, a metodologia empregada envolveu a revisão de literatura para atingir os objetivos determinados. Nesse sentido, realizou-se uma investigação científica que teve como foco reunir, analisar e avaliar os mais diversos estudos sobre determinado objeto de pesquisa. A revisão de literatura, as fontes, como artigos e referências bibliográficas, como obras, dão o suporte para a investigação, a análise e o levantamento de dados do que se pretende pesquisar, servindo para uma nova visão e compreensão do problema quando há uma preocupação em aproximar a teoria da prática.

Como resultado, visa-se, em primeiro lugar, que este trabalho propicie e motive uma discussão sobre o próprio papel da escola, a partir da conjuntura atual; no entanto, por meio de uma abordagem paradigmática, cujos princípios possam configurar uma realidade que precisa ser entendida, contextualizada, refletida e, por conseguinte, transformada dentro do mundo da educação. Em seguida, procura-se trazer pistas para a própria formação docente, a partir de uma abordagem que se acredita ter sua relevância em reestruturar práticas, posturas em todos os seus elementos constitutivos; leva a termo um aporte entre as contribuições feitas pelo paradigma tradicional e pelo paradigma da complexidade. Por fim, pretende-se que as reflexões feitas possam ser traduzidas em construtos formativos para a docência, de modo a empreender uma transformação a começar nos próprios espaços educacionais, a partir de uma prática coerente, significativa, comprometida e contextualizada.

2 O PARADIGMA E A SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO

A sociedade atual, em suas diferentes dimensões, estrutura-se a partir de paradigmas. Aliás, não é somente a sociedade que sofre a influência dos paradigmas, mas também o próprio pensamento, a própria ciência e a educação; tudo é afetado, necessariamente, pela força ideológica dos paradigmas. Se o paradigma exerce tamanha influência em diversos aspectos da realidade, convém perguntar no que é que consiste um paradigma e entender como ele atua. Basicamente, o termo “paradigma”, em grego παράδειγμα, significa modelo ou padrão, ou seja, seria protótipo, estrutura básica de ideias e princípios que norteariam e fundamentariam as formas de entender, as formas de aplicação e de organização da realidade (CAPRA, 1996).

Embora o termo paradigma seja antigo, já presente lá na filosofia platônica, a aplicação da sua concepção ao mundo científico é devida ao cientista Thomas Kuhn, que o resgatou no mundo contemporâneo para compreender os mecanismos, as estruturas e os funcionamentos das ciências. Segundo Kuhn, os “[...] paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (1991, p. 13). Assim, poder-se-ia dizer que a física de Aristóteles diz respeito a uma construção paradigmática, ou seja, modelo, padrão, para a elaboração da ciência; outros exemplos possíveis dizem respeito à astronomia Copernicana, à dinâmica Newtoniana, entre outros. Não obstante, os imperativos paradigmáticos não se restringiram apenas ao mundo científico, mas também se convertem em pressupostos fundantes em todos os demais setores da sociedade, principalmente no que diz respeito à educação.

É mister dizer que os paradigmas não são estáticos; passam por revoluções e desenvolvimento, quando já não respondem necessariamente às urgências problemáticas da própria realidade. Nesse sentido, concepções aceitas e válidas para determinada época nem sempre são assim compreendidas em outras. Como afirmava Weil (1991, p. 15), “[...]a aquisição de um paradigma [...] é sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo científico conhecido”.

Ao trazer essa discussão sobre os paradigmas, pretende-se dar ênfase ao fato de que crises de paradigma que acontecem no mundo científico também ocorrem na educação. A educação do mesmo modo se estrutura a partir de certas concepções paradigmáticas; entretanto, um paradigma obsoleto e que já não mais se encontra em condições de responder às urgências e às necessidades, sejam elas de que natureza for, trará graves consequências.

Assim, em vista de empreender essa reflexão sobre a influência dos paradigmas na educação, serão apresentadas concepções de dois modelos paradigmáticos presentes no mundo da educação. Um deles, o paradigma tradicional, baseado no modelo newtoniano-cartesiano e positivista, aparece ainda hoje como modelo na educação como princípio norteador das práticas educativas. O segundo modelo diz respeito ao paradigma da complexidade e aparece como proposta de ressignificar concepções e mudar práticas e posturas na educação, uma vez que traz a compreensão do “todo interligado”, em uma ideia de ser resposta para os desafios atuais em âmbito planetário e humanitário. Nos dois casos, há a configuração e a proposta de um jeito de fazer educação. Aqui, na qualidade de proposta deste trabalho, cabe empreender uma análise da influência desses paradigmas na educação e perceber de que modo eles configuram a prática educativa e podem responder às urgências do mundo atual.

3 O PARADIGMA NEWTONIANO-CARTESIANO E POSITIVISTA NA EDUCAÇÃO

O paradigma tradicional na educação apresenta algumas características próprias no modo de entender os valores, os princípios, as posturas, os métodos, até mesmo os interesses na educação. Em um primeiro momento, os postulados teóricos do paradigma tradicional no exercício da educação, hoje, encontram-se fundamentados em premissas de outros paradigmas que foram alicerce para a ciência moderna, como é o caso do paradigma newtoniano-cartesiano e o paradigma positivista.

A partir da análise do modelo tradicional de educação nos pressupostos do paradigma newtoniano-cartesiano e do paradigma positivista, é possível verificar a seguinte prática educativa: partindo do próprio método de fazer ciência em tais concepções, constrói-se um processo de ensino fragmentado e hiperespecializado nos saberes, enfatizando, sobretudo, o conhecimento de natureza objetiva, técnica e racional. Compreendendo o conhecimento como algo estático, pronto, fragmentado, técnico e racional, a didática docente acaba desenvolvendo-se de forma mecânica e transmissiva pela pessoa do professor, entendido, neste paradigma, como o único detentor do saber. O conhecimento é dado como acabado e deve apenas ser acumulado passivamente pelo aluno.

Como se observa, algumas consequências desse tipo de pensamento são, de um lado, levar a uma educação necessariamente mecânica, passiva, repetitiva, técnica; e, por outro lado, levar ao reducionismo e à parcialidade do saber, sem mais nenhuma conexão com o todo da realidade e da própria vida, seja a do aluno, seja a do planeta. Segundo Behrens (2012, p. 147), com base no pensamento cartesiano, “[...] organiza-se, desde o século XVII, a ciência e, por consequência, a educação, na busca da verdade científica e na visão reduzida do universo, como máquina manipulada por homens e mulheres”.

Em uma visão conservadora, a fragmentação e a hiperespecialização do saber, desde a época da organização científica estabelecida por René Descartes e, conseguintemente, próprio dos paradigmas modernos e tradicional, influenciaram necessariamente a forma de fazer educação e a prática educativa dos nossos tempos, o que persiste ainda hoje nas escolas (MORAES, 2012). Embora os imperativos do paradigma tradicional tenham colaborado para o desenvolvimento da educação e tenham correspondido às necessidades históricas e sociais da época, esse paradigma já não atende, necessariamente, às urgências atuais, seja de nível humano ou planetário. Dentre as disparidades a citar, a maneira de entender e lidar com a realidade de forma objetiva, considerando apenas os fatos isolados, tem como consequência uma percepção isolada, racional e técnica dos fatos, em visão reducionista.

Na compreensão de Behrens (2012), tal conjuntura é uma das consequências que impactam a educação. Tendo como característica a fragmentação e a hiperespecialização do saber próprios do paradigma moderno, quando entendido como fundamento da educação, tal paradigma impede que se possa compreender a realidade no seu todo e perceber a lógica de conexão e interdependência de todas as coisas, como necessidade atual e urgente para o mundo em vista de uma formação de todo o homem e do todo o planeta. Por esse ângulo, desenvolve-se uma educação tal qual foi caracterizada anteriormente na condição de ser apenas voltada a uma formação técnica, científica, objetiva, fragmentada, reducionista, o que impede de educar as pessoas para o todo, para a vida, para uma formação integral e focada em reconhecer a importância das várias dimensões da vida e da pessoa que se fazem presentes e estão interconectadas. Sob o imperativo do paradigma da era moderna ou conservador, percebe-se uma educação mais voltada a imperativos ideológicos, que supervalorizam o saber científico, em prol da técnica e da valorização dos interesses econômicos, muitas vezes de viés capitalista, objetivando tão somente produção e resultados. Uma educação assim não é capaz de reconhecer a necessidade de formação voltada ao todo, que permitiria condições de perceber as necessidades globais e as lacunas na ciência e dos imperativos ideológicos dominantes, que visam apenas aos seus próprios interesses.

Como se asseverou anteriormente, embora tenha colaborado para a formação educativa, o paradigma moderno/tradicional, sem ter a noção de reconhecer o todo da vida, também contribuiu para que “[...] a humanidade se apropriasse do universo de maneira racional e com visão reducionista, ocasionando grandes desastres e desdobramentos graves e irreversíveis, como inundações em função do desmatamento e do aquecimento global, entre outros” (BEHRENS, 2012, p. 147).

O desenvolvimento técnico e científico, segundo Edgar Morin (2011), foi configurado nessa fragmentação e hiperespecialização do saber, que impede de compreender o todo, leva à cegueira e à ignorância do conhecimento, justamente porque o saber se torna reduzido, dividido e simplificado, sendo os problemas e a própria realidade sempre complexos e interconectados em suas diferentes dimensões. Para Morin (2011), a realidade complexa não deve ser reduzida ou simplificada à fragmentação ou à especialização do saber, justamente porque, a partir da compreensão do global, se tem condições de resolver os problemas, que nunca são isolados, mas oriundos de totalidade complexa e interconectada, que jamais se fragmenta, pois:

De fato, a hiperespecialização impede de ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui). Ora, os problemas essenciais nunca são parceláveis, os problemas globais são cada vez mais essenciais. Além disso, todos os problemas particulares só podem ser posicionados e pensados corretamente em seus contextos, e o próprio contexto desses problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no contexto planetário (MORIN, 2011, p. 13).

Ainda assim, essa forma paradigmática, que supervaloriza o saber racional e fragmentado, desde as bases do conhecimento científico estabelecidas por Descartes e, posteriormente, reforçada pela visão positivista, estabeleceu as premissas das quais a sociedade, a ciência, a forma de compreender e de intervir no mundo se organizou e, consequentemente, organizou muito a estruturar a forma e os objetivos da educação moderna.

4 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

A passagem no século XX do paradigma tradicional, fragmentado, reduzido, que contempla apenas o técnico-científico, para um paradigma que compreende o todo, que acolhe a visão holística e sistêmica da realidade, parte de uma compreensão de que a própria realidade é uma teia complexa, em que os diferentes elementos se complementam e se conectam e outras formas de relação e de interação com a realidade são aceitas, ou pelo menos são passíveis de discussão; eis, pois, a proposta a ser pensada, refletida e debatida como meio para lidar com as questões da vida, independentemente de quais sejam. Esse paradigma inovador permite a educação voltada à formação e ao reconhecimento das dimensões da vida e, ao mesmo tempo, busca matrizes e meios globais de fazer educação e supera as formas fragmentadas, específicas e técnicas dos processos de ensino e de aprendizagem.

O termo “complexus”, segundo Morin (2011), significa aquilo que foi tecido junto. Assim, os elementos constitutivos, embora únicos e diferentes, são inseparáveis e fazem parte do todo. As diversas partes não estão separadas ou fragmentadas; pelo contrário, o todo deve ser sempre considerado para que as partes possam ser compreendidas. Assim, para Morin (2011), o aspecto multidimensional, dada a realidade complexa, deve ser levado em conta ao entender a realidade e propor soluções para os problemas. As dimensões do real estão interconectadas e, nas palavras de Morin (2011), elas são inter-retroativas, isto é, além de estarem ligadas a si mesmas, agem entre si, e é assim nas diferentes dimensões. As dimensões de que aqui se fala podem ser diversas, uma vez que dizem respeito a uma circunstância, conjuntura ou estado referentes a uma realidade ou à vida em seu todo. Nesse sentido, podem ser citadas algumas dimensões que são valorizadas no desenvolvimento integral do ser humano e no que tange ao contexto social. Por exemplo, as dimensões que fazem parte da realidade humana podem ser a dimensão pessoal e físico-biológica, corporal e sexual, intelectual e comunicativa, espiritual e transcendente, afetiva e psicológica, sociorrelacional e ética. No contexto social, tem-se, por exemplo, a dimensão de cidadania e de política, econômica e sociológica, ecológica e planetária, cultural e normativa. Assim, o pensamento complexo, além de considerar as coisas em seu contexto, interessa-se em reconhecer todas as dimensões da vida, para identificar como se conectam entre si, como se interagem e retroagem, como estão interligadas, como se modificam nos diversos contextos em constante movimento, a partir das multirrelações, produzindo o pensamento “ecologizante”. Isso se denomina, no pensamento complexo, o conhecimento que é situado, contextualizado e em constante relação com seu ambiente, na interação do todo para as partes, das partes para o todo, na percepção da unidade no diverso e do diverso na unidade, formando o conhecimento realmente pertinente e complexo. Segundo Morin:

Um tal pensamento torna-se, inevitavelmente, um pensamento complexo, pois não basta inscrever todas as coisas ou acontecimentos em um “quadro” ou uma “perspectiva”. Trata-se de procurar sempre as relações e inter-retroações entre cada fenômeno e seu contexto, as relações de reciprocidade, todo/partes: como uma modificação local repercute sobre o todo e como uma modificação do todo repercute sobre as partes (MORIN, 2015, p. 25).

Nesse sentido, quando se toma o conjunto da sociedade, no envolver da história, a economia, a sociedade, a política, a cultura, a religião, entre outros, percebe-se que, embora sejam realidades distintas, não apenas não são realidades separáveis entre si, como são também realidades interdependentes. A compreensão mais real dessa realidade depende de que se leve em conta todas as suas dimensões e suas relações em seu contexto complexo, multidimensional e globalizante, levando ao que Morin denomina de conhecimento pertinente. O conhecimento pertinente, para Morin (2011), é aquele que não é fragmentado nem reduzido, senão aquele que tem condições de apreender o todo da realidade complexa, pois

[...] o conhecimento pertinente é o que é capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita. Podemos dizer até que o conhecimento progride não tanto por sofisticação, formalização e abstração, mas, principalmente, pela capacidade de contextualizar e globalizar (MORIN, 2015, p. 15).

Por isso mesmo, quando se toma a questão da educação, segundo Morin (2011), caberia a esta promover uma formação capaz de assegurar a apreensão do real, a partir da totalidade, de modo a possibilitar um conhecimento pertinente. Diferentemente do que prescrevia o paradigma tradicional, com bases nos pressupostos newtoniano-cartesiano e positivista, a escola deve dar condições formativas para que os alunos possam apreender o contexto, o complexo, entender a realidade na sua totalidade. O paradigma da complexidade, em suas premissas, parte do princípio de que só é possível entender as situações atuais e com elas lidar, quando se considera o complexo, o modo dimensional e a concepção global do contexto. No entanto, ainda que se busque a compreensão plena da realidade, na dinâmica e entranhada teia de relações desta, nem sempre há condições para que se logre esse intento de se apreender, continuamente, o todo complexo do real e da vida, seja no que diz respeito às contingências do real, seja nas possibilidades humanas, tanto culturais, estruturais como cognitivas. Para uma possibilidade efetiva e factual da compreensão complexa, essa dificuldade, que acarreta a apreensão parcial da realidade, exige continuamente uma consciência aberta ao diálogo, à compreensão e à racionalidade. Nos termos de Morin, essas ideias se expressam em contraposição ao que exclui, separa e reduz.

Nessas ideias, o paradigma da complexidade, segundo Moraes (2012), traz características propositivas de multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, que começa a impregnar a educação, com ênfase no século XXI, como forma de superar a lógica do paradigma tradicional na educação. Essas características do pensamento complexo, em vista da unificação dos conhecimentos e da apreensão global da realidade, pretendem propor ligações e interconexões dos conhecimentos, formando uma visão da totalidade complexa e integrativa da realidade. Essa atitude diferente da lógica cartesiana e positivista de apreensão do real, segundo Moraes (2004), transgrede aquela forma dual proposta pelo paradigma tradicional fundamentada nos aspectos binário, redutor e simplificador. O pensamento complexo, pelo contrário, é capaz de articular as diferentes dimensões sujeito/objeto, subjetividade/objetividade, matéria/consciência, simplicidade/complexidade, unidade/diversidade, uma vez que tudo está conectado e permite uma consciência holística da realidade que, segundo Weil,

[...] implica um alargamento progressivo das fronteiras humanas. Começamos pela pessoa, cujas características egocentradas diminuem quando ela se abre para a sociedade em que vive. Já é uma evolução, mas pode-se ir além. Progressivamente, esse indivíduo descobre que sua vida e a de seus semelhantes dependem de um delicado equilíbrio ecológico: a consciência sociocentrada se desdobra então em consciência planetária (1993, p. 37).

Esse equilíbrio de que fala Weil (1993) e essa consciência desdobrada na realidade humanitária e planetária são necessários para repensar a educação, hoje, com base nas premissas do paradigma da complexidade, de modo a garantir uma transdisciplinaridade que, dentro do espaço escolar, possa atender à abordagem holística ou sistêmica da realidade.

Na educação, é principalmente pela transdisciplinaridade que é possível empreender aquilo que Morin (2011) dizia a respeito de que a educação geral, capaz de lidar com os problemas gerados pelo desenvolvimento de competências multifacetadas, simplistas, disjuntivas e reducionistas que impedem a consciência do todo. Para Capra (1996, p. 41), embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, essas partes não são isoladas; a natureza do todo é sempre diferente da soma das partes; é a transdisciplinaridade que transcende aquilo que se encontra no paradigma tradicional, ou seja, as dualidades, a fragmentação, a disjunção; então propõe o grande reencontro entre as várias dimensões da vida, sejam elas as humanas ou sociais.

Não obstante, cabe investigar de que maneira, dentro do paradigma da complexidade, é possível empreender a educação voltada ao todo, capaz de superar os pressupostos do paradigma tradicional. Os pressupostos do paradigma da complexidade, quando presentes no espaço escolar e na formação docente, levam a empreender uma educação pela qual os alunos, no seu processo de aprendizagem, podem estar atentos às necessidades e às urgências planetárias e humanitárias e a desenvolverem uma perspectiva integral. Ao mesmo tempo, vão permitir diferentes estratégias de ensino e de aprendizagem, considerando a realidade pessoal e contextual do aluno.

Importante dizer que os princípios do paradigma da complexidade não incidem apenas no processo de ensino, mas também dizem respeito a outros elementos presentes no contexto educacional como professor, aluno, avaliação e a própria escola, no contraponto de forma de se fazer educação com base no paradigma tradicional.

5 OS PARADIGMAS INOVADORES - DO PARADIGMA CONSERVADOR PARA O PARADIGMA COMPLEXO NA EDUCAÇÃO

A proposta de desenvolver uma educação amparada nas bases do paradigma da complexidade, em outras palavras, sustentada na premissa da visão que contempla o todo de uma consciência global, contextual e complexa, vai construir nova concepção sobre o que venha a ser e a entender o ser humano: conhecimento e educação, eis o que o paradigma inovador na educação “[...] instiga os professores a buscarem uma prática pedagógica que supere a fragmentação e a reprodução do conhecimento” (BEHRENS, 2013, p. 55). Ao mesmo tempo, procura-se empreender uma educação capaz de garantir os meios educativos para ser capaz de construir o saber de forma autônoma, responsável, crítica e consciente para intervir no espaço onde vive. Nesse sentido, segundo Behrens (2013, p. 55), cumpre repensar a forma de conceber o aluno e de garantir o processo de ensino e de aprendizagem, diferentemente das proposições sugeridas pelo paradigma tradicional. Assim:

A exigência de tornar o sujeito cognoscente valoriza a reflexão, a ação, a curiosidade, o espírito crítico, a incerteza, a provisioriedade, o questionamento, e exige reconstruir a prática educativa proposta em sala de aula. A produção de conhecimento com autonomia, com criatividade, com criticidade e espírito investigativo provoca a interpretação do conhecimento e não apenas a sua aceitação (BEHRENS, 2013, p. 55).

Nessa lógica, para possibilitar uma educação que, de fato, atenda às necessidades complexas da realidade do ser humano e do mundo, considera-se que, na visão sistêmica e complexa, seja possível apontar caminhos para repensar o papel da escola e justificar sua importância na real condição complexa do próprio ensino.

6 CONSTRUTOS PARA REPENSAR A EDUCAÇÃO DA CONCEPÇÃO DA ESCOLA NOVA PARA O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

Uma vez compreendidos os pressupostos que fundamentam o que vem a ser o paradigma da complexidade, este trabalho deter-se-á em refletir de que maneira se pode empreender a educação em perspectiva complexa. Dê-se, pois, maior destaque à maneira de como se pode apontar construtos para desenvolver a educação com base nos princípios da complexidade, tanto para repensar o papel da escola quanto para ser elemento formativo para a docência.

Nesse intuito, convém esclarecer, antes de mais nada, algo realmente importante. Aquilo que este trabalho procura refletir e trazer, a partir de agora, não quer constituir proposições cristalizadas e dogmáticas, em uma expressão corriqueira, em um “receituário pragmático” de pistas e de princípios norteadores a serem introduzidos e operacionalizados no contexto escolar, como fórmulas aplicáveis para a obtenção de resultados calculáveis e certos. Como construtos para pistas pertinentes a um singular e inovador pensamento acerca do papel da escola, no decurso da Escola Nova até as ideias do Paradigma da Complexidade, recusa-se todo pensamento fechado, uma vez que o paradigma da complexidade compreende a realidade humana, social e escolar como dinâmica, aberta, transdisciplinar, articulada em rede, contextualizada e relacional. Assim, alicerçada em tais ideias, este estudo não visa se apegar a determinismos teóricos, já que as teorias são também expressões de época, frutos do seu contexto. Almeida declara que “[...] as teorias e concepções do mundo exibem, ao mesmo tempo, as propriedades de dependência e autonomia em relação às sociedades das quais emergem e às quais retornam. Recusando os determinismos estreitos, sejam eles sociológicos ou noológicos [...]” (ALMEIDA, 2012, p. 4). Eis porque é pertinente e cabível reconhecer que aquilo que será refletido e apresentado não são ideias definidas e convicções de solução. Por assim dizer, entende-se que há esta interdependência das teorias e dos seus contextos pelos quais a reflexão e a crítica podem circular e dialogar, interagir e construir. Por fim, ainda que não se pretenda partir de premissas definidas e fechadas, para considerar o diálogo, a abertura e a interação, a coerência e a logicidade, por sua vez, não podem ser supressas em face do desenvolvimento do pensamento e das ideias. Cumpre, outrossim, esclarecer que não será a combinação ou a mistura casual, precipitada e irrefletida de diferentes pensamentos, teorias e abordagens, que será possível repensar o papel da escola. Cair nesse desvario do bom senso, impedirá encontrar caminhos viáveis para uma escola que deveras eduque e ensine para bem atender às necessidades humanas, sociais e planetárias. Tendo sido essas questões devidamente esclarecidas, seguem-se, de forma mais sensata e refletida, as cogitações aqui propostas no que se pretende dedicar este trabalho.

A abordagem complexa compreende o ensino que considere o todo. Não obstante, partirá de concepções próprias acerca da pessoa do aluno, da sua realidade e do conhecimento para fundamentar suas proposições educativas. O conhecimento sempre é construído por meio de uma multiplicidade de recurso. Toma-se o princípio da dúvida para o processo do próprio conhecimento, porque este jamais é estático, fechado, pronto e determinado. Está sempre em processo, em constante relação, em construção. Diferentemente da concepção tradicional, o conhecimento, não é transmitido como algo que possa ser acumulado e dado como certo, não sendo passível de questionamento e crítica, mas como algo que possa ser dinamizado, contextualizado, problematizado, refletido e indagado. A partir dessa visão de conhecimento, há mudança nas premissas pedagógicas de como empreender o processo de ensino e de aprendizagem. Não torna o conhecimento como algo a ser assimilado passivamente pelo aluno, mas algo a ser trabalhado; para isso, o professor assegura os meios para que o aluno tenha condições de problematizar, contextualizar, significar aquilo que lhe é passado, procurando formar o estudante para que tenha, como Morin (2015, p. 21) diz, uma “cabeça bem-feita” e não uma “cabeça bem cheia”. O autor defende:

O significado de “uma cabeça bem cheia” é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. “Uma cabeça bem-feita” significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido (MORIN, 2015, p. 21).

A compreensão de aluno também ganha outra conotação e que implica, igualmente, outra forma de empreender o processo de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, essa abordagem dá também importância ao desenvolvimento da pessoa do aluno, de modo a ser integral; as relações interpessoais são valorizadas e são viabilizados os meios para que o aluno possa empreender processos de uma organização, para construção e atuação na realidade.

A reforma de pensamento (MORIN, 2011) com a proposição do paradigma da complexidade, envolve acolher as boas contribuições das concepções que foram apresentadas ao longo da história educacional. Proposições como as que fundamentaram a Escola Nova se aproximam de algumas premissas próprias da complexidade. Exemplo disso está (MIZUKAMI, 1986, p. 37) no fato de que, tanto na abordagem complexa quanto na Escola Nova, se ressalta a importância quanto à “[...] vida psicológica e emocional do indivíduo e à preocupação com sua orientação interna, com o autoconhecimento, com o desenvolvimento de uma visão autêntica de si mesmo, orientada para a realidade individual e grupal”. Nessa sequência, alia-se à necessidade de conectar e religar saberes da vida psicológica com a vida social, do indivíduo consigo mesmo e seu papel como cidadão na visão planetária.

Diferentemente de uma concepção tradicional de aluno, o discente é o “arquiteto de si mesmo”. Toma consciência de que é um indivíduo em processo de formação, tanto no que diz respeito a si mesmo quanto ao mundo exterior; nesse processo, ele se entende como capaz de intervir e ser agente transformador da realidade e da sociedade. Toma-se tal proposta pedagógica, na qual Mizukami (1986, p. 37) já defendia para a concepção da Escola Nova, mas que pode ser recuperada como construtos pertinentes, entre outros, para subsidiar e realizar uma releitura para a visão da complexidade, pois considera que, no processo de ensino e de aprendizagem:

O professor em si não transmite o conteúdo, dá assistência sendo um facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias experiências dos alunos. A atividade é considerada um processo natural que se realiza através da interação com o meio. O conteúdo da educação deveria consistir em experiências que o aluno reconstrói. O professor não ensina: apenas cria condições para que os alunos aprendam (MIZUKAMI, 1986, p. 37).

Embora apresente o papel de facilitador, hoje denominado como mediador, torna-se importante perceber que as experiências pessoal e subjetiva são a base na qual o conhecimento é construído, já que “[...] a pessoa é considerada em processo contínuo de descoberta de seu próprio ser, ligando-se a outras pessoas e grupos” (MIZUKAMI, 1986, p. 37). Assim, não existem modelos prontos e o processo de ensino e aprendizagem é dinâmico e centrado na pessoa do aluno, pois ele compreende em contínuo processo de vir-a-ser. Essa concepção da Escola Nova, quando aceita, passa a adensar a significação de toda a postura pedagógica no processo de ensino e de aprendizagem mediante o paradigma da complexidade, pois ao aluno é garantida toda a condição para a realização de suas potencialidades, sejam elas cognitivas, afetivas, sociais ou psicológicas. A mesma autora acrescenta: “Em cada indivíduo, há uma consciência autônoma e interna que lhe permite significar e optar, e a educação deverá criar condições para que essa consciência se preserve e cresça” (MIZUKAMI, 1986, p. 41). Assim, para Petraglia (2011, p. 70), o aluno na Escola Nova é compreendido nas mesmas premissas em que se propõe a abordagem da complexidade, pois compreende o ser humano em seu processo formativo. A autora complementa:

[...] o humano é um ser livre. A liberdade não é tão somente uma qualidade, mas é uma emergência da pessoa. Supõe a identificação da necessidade e do desejo, a capacidade de elaborar hipóteses, estratégias e metodologias para sua realização, como também supõe possibilidades de escolha e de poder de decisão (PETRAGLIA, 2011, p. 70).

Assim, alinhada aos pressupostos do paradigma da complexidade, a educação assume significado amplo, considera a liberdade e a autonomia do aluno, procura formá-lo em todas as suas condições humanas de vida, não apenas no contexto escolar e, tampouco, para a inserção ao mercado de trabalho para produção, mas na própria realidade social e de vida no qual se insere.

Considerando esses princípios básicos, a partir dos pressupostos do paradigma da complexidade, percebe-se que a escola possibilita condições em que os alunos podem ser formados para todas as situações da vida. Nessas ideias, Mizukami (1986, p. 45) aponta, de forma significativa, os objetivos da educação na Escola Nova religadas e alicerçadas nas prerrogativas do paradigma da complexidade a partir deste viés humanista:

A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem a aprendizagem do aluno e, como objetivo básico liberar a sua capacidade de autoaprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto emocional. Seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo. Seria enfim, a criação de condições nas quais o aluno pudesse tornar-se pessoa que soubesse colaborar, com os outros, sem por isso deixar de ser indivíduo (MIZUKAMI, 1986, p. 45).

Assim, a partir disso, a escola respeita o aluno como ele é, oferece condições para que o aluno desenvolva a autonomia, possa conviver entre pares e possa desenvolver-se em seu processo de vir-a-ser. O professor, por sua vez, permite que o aluno entre em contato com os problemas da realidade de vida do aluno. Autêntico e integrado, o professor, assume, para isso, o papel de mediador do processo de ensino e de aprendizagem, que deve ser construído pelo aluno; aceita o aluno tal como é e compreende os sentimentos que ele possui. O aluno, assim, é um indivíduo em condições de se formar plenamente e empreender o processo de construção, tanto do conhecimento quanto das demais dimensões da vida. A escola e o professor, bem como todos os demais recursos pedagógicos e metodológicos, devem contribuir para este tipo de processo de ensino e de aprendizagem realizado de forma autônoma.

Para atingir a abordagem da complexidade, os docentes precisam refletir e repensar constantemente sua prática pedagógica, no sentido de empreender uma formação que supere os imperativos do paradigma tradicional. Para isso, o processo de ensino e de aprendizagem é focado, sobretudo, na pessoa do aluno considerada em seu grupo. A educação procura garantir a formação plena e não apenas pautada no conteúdo e na reprodução do conhecimento. O docente visualiza o aluno em sua totalidade e compreende que todas as dimensões da vida devem ser contempladas no processo de educar. Todas as dimensões da vida do aluno são compreendidas como potencialidades a serem desenvolvidas; o professor, na sua prática pedagógica, leva em conta essa potencialidade. Para isso, segundo Behrens:

Com a visão sistêmica, os docentes precisam instigar seus alunos para a recuperação de valores perdidos na sociedade moderna, buscando a justiça plena e ampla a todas as camadas sociais e provocando a formação de valores imprescindíveis como a paz, a harmonia, a solidariedade, a igualdade e, principalmente, a honestidade. O docente terá de repensar “para que” e “por que” está formando os estudantes (2013, p. 62).

A visão sistêmica ou da complexidade propõe uma formação para a paz, a harmonia, a solidariedade, a igualdade, a justiça, a ética, a cidadania, entre outras, que tem sido deixada de lado, como a intuição, a sensibilidade, a criatividade, a estética, o sentimento. Para Cardoso (1995, p. 51), educar em uma visão holística “[...] é estimular no aluno o desenvolvimento harmonioso das dimensões da totalidade pessoal: física, intelectual, emocional e espiritual. Este, por sua vez, participa de outros planos de totalidade: o comunitário, o social, o planetário e o cósmico”.

Para tanto, a visão sistêmica, ou holística, na educação, compreende o aluno como ser complexo e em um mundo de relações. Percebe o aluno com potencialidade para desenvolver todas as suas dimensões. Para isso, o processo de ensino e de aprendizagem, nessa abordagem, considera o aluno em sua humanidade, em seu contexto, em suas forças e fraquezas. Por isso, organiza o processo de ensino e de aprendizagem de modo a ser significativo dentro das condições do aluno. No entanto, isso é um verdadeiro desafio, dadas as condições para o ensino que a escola enfrenta. Não obstante, para além disso, muitos outros obstáculos dificultam desenvolver o processo de ensino e de aprendizagem que garanta formação plena nas diferentes dimensões da vida e da pessoa do aluno. Muitas dessas dificuldades se encontram na postura do próprio professor que, na sua prática pedagógica, não considera o aluno enquanto um ser de múltiplas dimensões, mas, muitas vezes, a partir de uma percepção fragmentada, seja na realidade da qual este aluno faz parte, seja nas suas próprias condições de aprendizagem, seja na sua própria condição humana e social. O aprendizado fica restrito ao conteúdo porque este é preconizado quando o ato de aprender e de ensinar não considera outras possibilidades formativas da vida humana, como a cidadania, a justiça, a amizade, a intuição, a criatividade, entre outros. O docente, em uma visão fragmentada e reduzida, corre o risco de não ressignificar sua prática docente, de contextualizá-la, conectá-la à realidade e às possibilidades de aprendizagem do aluno, o que poderia garantir uma condição propícia para o aprender, respeitando as potencialidades e o tempo de cada aluno.

O professor, nessa abordagem complexa, também assume uma postura em que sua prática de ensino possa dispor de meios para a construção da autonomia do aluno e a sua participação no espaço escolar. Nesse ponto de vista, para Behrens o professor, cuja prática pedagógica se assenta nessa proposta,

[...] estabelece uma relação horizontal com os alunos e busca no diálogo sua fonte empreendedora na produção do conhecimento. [...]. O docente, sem impor suas ideias e concepções, procura estar a serviço do aluno superando a visão do aluno objeto, portanto, nega toda forma de repressão no processo e possibilita a vivência grupal (BEHRENS, 2013, p. 73).

Assim, o professor precisa ser parceiro do aluno na caminhada que este desenvolve no processo de aprendizagem; por isso, respeita o aluno e acredita que é capaz de construir suas próprias histórias, fazer escolhas e trilhar caminhos reflexivos, críticos e criativos.

Atento à visão do todo, o professor leva em conta as realidades que dizem respeito à vida social, política e cultural de seus alunos, fazendo, assim, seu papel de mediador do saber e não simplesmente um transmissor. Nesse sentido, por viabilizar um saber que está conectado com a vida e a interação com ela, o professor, nessa abordagem, não entende que o processo de ensino e aprendizagem se dá unicamente a partir da proposta curricular, muitas vezes “distante” da realidade dos alunos. Pelo contrário, considera todos os elementos possíveis da realidade de vida e existência para que aluno e professor possam construir um conhecimento significativo, enquanto produto dos processos sociais, históricos e culturais. Nessa abordagem, a complexidade alia-se à concepção progressista proposta por Freire, na qual a figura do professor supera a ideia de que o conhecimento seja algo acabado para ser passado, como resultado pronto. Nas palavras de Freire (1979, p. 80), o professor, perante o saber, faz-se “o educador-problematizador”, que possibilita meios para a construção do saber a partir da interação do seu saber no saber e na experiência de vida dos alunos, e como ele mesmo diz, os alunos “[...] em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também” (FREIRE, 1979, p. 80). O espaço escolar deveria possibilitar aos alunos condições para que fossem desenvolvidas todas essas dimensões da vida e da pessoa humana; o professor tem papel relevante para garantir esse processo.

O docente precisa apropriar-se de uma metodologia, constantemente refletida, em que o aluno é motivado a desenvolver suas inteligências múltiplas, desenvolver práticas educativas, em que trabalham em parcerias significativas com os seus, em um ensino de melhor qualidade, mediante uma prática pedagógica crítica, produtiva, reflexiva e transformadora. Ao mesmo tempo, possibilita meios para que os próprios alunos possam acessar o conhecimento, de modo que possam ser éticos, críticos e construtores de uma sociedade justa e igualitária. A metodologia nessa abordagem paradigmática considera as diferentes formas de diálogo, permite que o aluno desenvolva o espírito crítico, exigente e coerente, para estar em condições para a liberdade de expressão segura e consciente e para a participação efetiva na transformação social.

Todo o conhecimento visa a uma reflexão crítica em vista de uma percepção mais globalizada do real e as relações sociais construídas a partir do respeito pelas diferenças e pelo princípio democrático na gestão e na construção do saber. Esse saber apreendido na sala de aula não é descontextualizado da realidade social e existencial do aluno; por isso, é problematizado e relacionado com a dinâmica e as situações da vida e do espaço em que se insere, de modo a propiciar aprendizagem significativa e meios para se assegurar como construtor da própria história.

Na visão da complexidade, a educação precisa considerar a possibilidade de oferecer os meios para que o aluno faça uma conexão entre os diferentes saberes e que seja capaz de ver o todo. Essa educação a partir da abordagem holística, sistêmica ou complexa não se dá apenas em uma formação técnica, acadêmica e científica, mas também valoriza essa formação para a ética, para a construção de uma sociedade justa e igualitária, justamente por entender a necessidade de uma formação para o todo. Para Cardoso (1995), no ato de aprender, é fundamental

[...] um processo de autoconhecimento em busca da realização plena do homem, no sentido ético único [...]. Na abordagem holística, a aprendizagem implica em mudanças de valores. A aprendizagem é uma conversão. A compreensão do universo só tem sentido ético se levar o homem a uma maior compreensão de si mesmo... O saber para poder é meio, o saber para ser é fim (CARDOSO, 1995, p. 56).

O currículo na escola, na visão complexa, não é reduzido e fragmentado. Por isso, oferece uma proposta curricular que acolhe a religação dos saberes que propiciem uma visão do todo. As disciplinas com seus programas e conteúdos passam a se integrar e se complementar em processo de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Diferentemente do que acontece em uma abordagem tradicional, em que a proposta pouco favorece a comunicação e o diálogo entre os saberes, a relação do conteúdo com a vida e com as dimensões da existência e com as dimensões próprias da sociedade, há a dificuldade de uma construção do conhecimento que seja pertinente e significativa, contextualizada e integradora. Na abordagem tradicional, conforme Morin:

As crianças aprendem a história, a geografia, a química, a física dentro de categorias isoladas, sem saber que a história sempre se situa dentro de espaços geográficos, e que cada paisagem geográfica é fruto de uma história terrestre; sem saber que a química e a microfísica têm o mesmo objeto, porém, em escalas diferentes. As crianças aprendem a conhecer os objetos isolando-os, quando também seria preciso recolocá-los em seu próprio ambiente para melhor conhecê-los, sabendo que todo ser vivo só pode ser conhecido na sua relação com o meio que o cerca, onde vai buscar energia e organização (MORIN, 19921apudPETRAGLIA, 2011, p. 68).

O mesmo autor acrescenta que “[...] o retalhamento das disciplinas torna impossível aprender ‘o que é tecido junto’, isto é o complexo” (MORIN, 2015, p. 14).

Nos contextos escolares de acordo com a epistemologia da complexidade, é imprescindível que se desenvolva uma visão de transdisciplinaridade presente na proposta curricular, sendo capaz de envolver em seu seio interligações de sujeito-objeto-ambiente. Segundo Petraglia (2011):

Define-se então “interdisciplinaridade” como colaboração e comunicação entre as disciplinas, guardadas as especificidades e particularidades de cada uma. Já por “transdisciplinaridade” entende o intercâmbio e as articulações entre elas. Na transdisciplinaridade há a superação e o desmoronamento de toda e qualquer fronteira que inibe ou reprime, reduzindo e fragmentando o saber e isolando o conhecimento em territórios delimitados (2011, p. 83).

Assim, são valorizadas as relações entre os conteúdos de uma disciplina e outra disciplina; entre as disciplinas e o curso; igualmente, entre as disciplinas e a vida, de modo que se supere a visão linear dos conhecimentos, “[...] ao mesmo tempo, supere uma compreensão parcelada, disjuntiva e fragmentada do saber, mas promove a construção de um saber uno, com visão conjunta e de um todo” (PETRAGLIA, 2011, p. 84). Nesse sentido, pelo pensamento de Morin (apud PETRAGLIA, 2011, p. 84), “[...] é fundamental que na escola fiquem claras algumas distinções de prática pedagógica cotidiana: distinguir e não separar ou disjuntar; associar e interligar e não reduzir ou isolar; complexificar e não simplificar”.

O pensamento complexo procura trazer para a realidade educacional e da formação outras dimensões da vida e da existência que foram deixadas de lado pelo paradigma conservador. Por tais motivos, afirma Morin (2015, p. 25) que “[...] o desenvolvimento interior das disciplinas científicas, tendo fragmentado e compartimentado mais e mais o campo do saber, demoliu as entidades naturais sobre as quais sempre incidiram as grandes interrogações humanas: o cosmo, a natureza, a vida, a rigor, o ser humano”. Caberia ao pensamento complexo resgatar outrora aquilo que fora relegado pelo tecnicismo e pelo progresso científico para empreender uma formação pertinente e em vista da compreensão de uma realidade sistêmica e complexa em todos os espaços escolares.

Cabe aqui apresentar algumas ideias de como poderia ser uma avaliação dentro de uma prática pedagógica que acolha a abordagem complexa. A avaliação é prática comumente usada nos espaços escolares e aplicada de diferentes formas. Em alguns casos, tende a ser significativa e positiva para o aprendizado do aluno, servindo para diagnosticar as dificuldades no processo de aprendizagem do aluno e ser um recurso capaz de fazer o professor repensar a própria prática pedagógica. Em outros casos, pode ser simplesmente um instrumento mecânico, que privilegia a repetição e a memorização, como desenvolvida no paradigma tradicional, sem condições de possibilitar uma reflexão crítica, uma construção do saber de maneira criativa e autônoma.

Na visão complexa, a avaliação é prática importante; contudo, apresenta características próprias e bem diferentes das avaliações convencionais feitas, a partir da abordagem tradicional. Segundo Behrens, a avaliação na abordagem sistêmica/holística:

[...] visa a um processo, ao crescimento gradativo e respeita o aluno como pessoa em suas inteligências múltiplas, com seus limites e qualidades. O processo avaliativo está a serviço da construção do conhecimento, da harmonia, da conciliação, da aceitação dos diferentes, tendo como premissa uma melhor qualidade de vida (2013, p. 68).

As avaliações, em tal abordagem, devem permitir que o aluno reconheça seus avanços e suas fragilidades durante toda a aprendizagem, justamente por ser gradativa e processual. O erro é condição para o acerto e repensar posturas, desafiando o aluno a encontrar novas estratégias para aprender. Essa aprendizagem, todavia, não se faz só, mas é compartilhada com os saberes dos demais colegas, em uma busca em conjunto de novas possibilidades e soluções. Atualmente, devido a uma formação voltada ao preparo somente para as avaliações de larga escala, como o Processo Seletivo Simplificado (PSS), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Vestibular, como meio de ingresso à universidade, os alunos pouco desenvolvem suas competências rumo à construção do conhecimento em conjunto ou de forma crítica. O trabalho em equipe, a cooperação mútua e a superação dos desafios corresponsavelmente são deixados de lado em nome de uma formação que leva ao individualismo, à concorrência e à competição entre os alunos. Por conta de deixar de lado uma visão global do saber em favor de um saber fragmentado que não leva em conta o todo, prioriza-se o conteúdo e não as relações. Nas palavras de Morin:

O enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade - cada um tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada -, bem como ao enfraquecimento da solidariedade - ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos (2015, p. 18).

No que diz respeito à avaliação, esta perde o caráter punitivo, pelo contrário, visa dar meios para que o aluno possa ser criativo, reflexivo, participativo, sendo contínua, processual e transformadora. Por fim, não está presa somente ao conteúdo, mas considera o aluno na sua totalidade e o aprendizado nas diferentes dimensões da vida.

A educação nessa perspectiva paradigmática considera o aluno como o indivíduo em condições de construir sua própria história. Para isso, a escola procura ser um espaço onde possa ocorrer a troca, o diálogo, o crescimento mútuo, a intervenção e a transformação dos espaços, a construção coletiva, a participação democrática e a reflexão crítica. Como a proposta é formar o aluno protagonista da sua história e atuante no meio social; a escola necessita, segundo Behrens (2013, p. 73), instigar “[...] a participação do aluno e do professor para a reflexão num contexto histórico e provocar a intervenção para a transformação social”.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo envolveu um estudo capaz de apontar encaminhamentos para repensar o papel da escola e o desenvolvimento de uma prática docente mais contextualizada para a educação hoje, à luz do paradigma da complexidade. Para atingir esse objetivo, seguiu-se um estudo sobre os paradigmas presentes na educação contemporânea de modo a entendê-los em seus mecanismos de funcionamento e sua influência no desenvolvimento educacional. Por isso, ao tratar-se de escola e, portanto, considerando os espaços, as pessoas e as iniciativas educativas, foram levados em conta os elementos básicos da escola como professor, aluno, metodologia, avaliação e a própria escola, para melhor perceber a influência dos paradigmas presentes na educação, aqui, o paradigma conservador e o paradigma da complexidade.

Este trabalho procurou apontar e discutir novos caminhos para o desenvolvimento de uma prática pedagógica que possa ser viável no processo de ensino e de aprendizagem nos dias atuais, considerando as concepções paradigmáticas que vêm fazendo-se presentes na construção dos modelos e das estruturas educacionais. Discussões e reflexões que pudessem ser igualmente relevantes para a formação docente fizeram parte diante de todo este estudo, atendendo ao objetivo desta pesquisa em se apontar algumas pistas que poderiam encaminhar a uma reflexão da própria prática docente.

Nesse sentido, a partir de uma conceituação terminológica sobre paradigma, procurou-se, antes de tudo, mostrar de que maneira os paradigmas podem exercer sua influência na educação. Ao longo da história, a educação não escapa de tal influência. Por isso, desenvolve-se, estrutura-se e organiza-se a partir dos ditames do paradigma vigente. Não obstante, os paradigmas não são estáticos, mas, sim, suscetíveis a mudanças e a transformações. Desenvolvidos em certas épocas, passam a atender determinadas situações de contexto; entretanto, podem tornar-se obsoletos em outras, quando já não respondem de forma a atender necessidades que são próprias de outra época.

O estudo sobre os paradigmas deixa claro que, no presente momento, a sociedade se encontra diante de um contexto cujas necessidades e urgências já não são respondidas pelo paradigma vigente, reducionista e fragmentário; sobretudo, quando se volta o olhar reflexivo à educação. A educação atual, principalmente na conjuntura brasileira, desenvolve-se em seu papel social, na forma de empreender-se o processo de ensino e de aprendizagem, na prática pedagógica, na organização de suas diretrizes e de seus currículos, na estruturação de seus edifícios e de sua proposta de ensino, na formação docente, desde as licenciaturas, nas proposições de um paradigma que, hoje, não atende necessariamente às urgências planetárias e humanitárias. Isso se torna definitivamente um problema, pois, enquanto o contexto de época é outro, são empreendidas as mesmas formas de lidar com a realidade, entendê-la e intervir nela. Tais formas não contribuem para uma harmonia nas relações do ser humano entre seus pares e com o planeta; muitas das tragédias ocorrentes no mundo são decorrentes de uma forma de pensar que contradiz os problemas enfrentados pelo ser humano hoje.

Quando se fala de um paradigma que não atende mais às urgências atuais, realizou-se uma reflexão crítica sobre o paradigma newtoniano-cartesiano e positivista em sua lógica tecnicista, racionalista, cientificista, reducionista e fragmentada de compreender a realidade e de intervir nela. Embora não se discutam os progressos e o desenvolvimento tecnológico atribuídos a esse paradigma - nem mesmo é a pretensão de responsabilizá-los pelas situações conflitantes atuais -, reconhece-se a necessidade de novas formas de compreender a realidade e de intervir nela.

Na educação, encontra-se o espaço propício para repensar a realidade de forma crítica e em condições de empreender uma transformação que garanta a dignidade do ser humano e a defesa da vida no planeta. Não obstante, essa forma de fazer educação, pautada pelos valores paradigmáticos da abordagem tradicional, impossibilita que haja avanços na forma de repensar o mundo, o ser humano, o conhecimento e, conseguintemente, todo o papel da escola e a prática pedagógica.

Para tal mudança, como se ponderou, enquanto o paradigma conservador se assenta em proposições que remontam tão somente ao tecnicismo, ao racionalismo, à redução, à disjunção e à fragmentação do saber e das dimensões da vida, propõe-se uma nova forma de pensar, a partir de um paradigma que já se faz presente, embora não necessariamente reconhecido: o paradigma da complexidade, capaz de agregar tudo aquilo que o paradigma conservador descartou do processo do saber e do desenvolvimento humano, a fim de ter uma visão e compreensão do mundo e do ser humano, a partir da totalidade.

Dentro do mundo da educação, uma compreensão da realidade e do ser humano a partir do todo faz necessário sentido para ressignificar concepções, rever conceitos e posturas em todo o processo de ensino e de aprendizagem e nas finalidades preconizadas e entendidas como papel da escola em sua missão educativa e formativa na sociedade. Pelo paradigma conservador, analisa-se e compreende-se o mundo de forma fragmentada e hiperespecializada; o paradigma da complexidade percebe esse mesmo mundo como um universo complexo, em que tudo está interconectado e entrelaçado. A condição de interdependência das coisas leva a repensar as posturas de dominação e de submissão nas relações humanas e planetárias. A visão do todo permite perceber os processos, o global, o contexto, os sistemas, dando maiores condições para uma intervenção na realidade de forma ética, justa e equilibrada. O mesmo se passa na educação quando se pensa na estruturação e no papel da escola na formação de indivíduos para o contexto social, bem como a própria postura do professor e do aluno no processo de ensino e de aprendizagem.

Para se repensar a educação, em todo o seu contexto, a partir do paradigma complexo a fim de superar os imperativos do modelo tradicional, tomou-se a proposição defendida por Morin (2015, p. 14): “[...] todos os problemas particulares só podem ser posicionados e pensados corretamente em seus contextos; o próprio contexto desses problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no contexto planetário”. As proposições elencadas pelo autor, a partir do pensamento complexo, reconfiguram o modo de fazer a educação, uma vez que supera os imperativos do modelo tradicional ao buscar a não-fragmentação do conhecimento, resgatar o indivíduo na totalidade do seu ser, considerando o homem em suas diferentes dimensões, bem como nas dimensões da própria vida. Para o autor, com “[...] o retalhamento das disciplinas torna impossível aprender ‘o que é tecido junto’, isto é o complexo” (MORIN, 2015, p. 14), e, assim, garantir tanto a formação profissional quanto a formação ética, em vista de uma relação que seja justa e solidária entre os seus pares e com o planeta; que busque empreender uma formação cuja intenção é garantir uma aprendizagem significativa a favor de transformação social e humana; que procure motivar e empreender o diálogo, a discussão coletiva, as parcerias e a participação crítica e reflexiva dos alunos e dos professores.

Além de apontar construtos no intuito de provocar a superação da reprodução para a produção do conhecimento, a partir de uma formação caracterizada pela autonomia, espírito crítico e investigativo em que professor e aluno são sujeitos ativos e parceiros no processo do aprendizado e na dinâmica da própria vida, buscar uma formação integral da pessoa do aluno, que envolva todas as dimensões da sua existência e da vida. Como dizia Morin (2015), faz parte do desafio da globalidade o desafio da complexidade. Existe complexidade, de fato, e os componentes que constituem um todo são, de fato, inseparáveis ao mesmo tempo que existe entre eles um tecido independente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes. Uma inteligência pode tornar-se cega e fechada quando se apresenta incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário na relação entre o todo e as partes e as partes e o todo, pois “[...] os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais frequência, com os desafios da complexidade” (MORIN, 2015, p. 14). A educação, hoje, precisa ir além desse saber reducionista e fragmentado sob pena de também converter-se em uma instituição cega e fechada aos princípios da ideologia dominante.

Para este trabalho, considerou-se que seria relevante apresentar o paradigma da complexidade como possível alternativa de apontar construtos para a formação docente, ao voltar para a dimensão do todo e, necessariamente, na pessoa do ser humano em toda sua multiplicidade. Assim, ao acreditar que a solução dos problemas sociais e planetários depende do ser humano, que exige um olhar com atenção e carinho para a própria pessoa do ser humano em seu processo formativo, não há como negar que o começo da mudança se dá, principalmente, no contexto do espaço escolar.

A superação de visão paradigmática conservadora e cartesiana demanda uma visão complexa da vida e do todo para ressignificar a relação do ser humano com a vida, consigo mesmo e com o planeta. É preciso sair, como apontara Moraes (2012), dessas “gaiolas epistemológicas” que impedem de perceber o todo e de como a vida está interconectada. Por isso, uma renovação paradigmática faz-se necessária para uma nova reestruturação da escola e da formação docente para ser possível garantir uma formação que seja integral e plena e que contemple todas as dimensões da vida, da existência e da própria educação.

A mudança paradigmática dentro dos espaços educacionais depende, sobretudo, daqueles que, comprometidos com uma educação mais humana, que se dedicarão de fato para que toda a educação seja sempre uma educação em favor da vida, que considere como construtos do acolhimento do paradigma da complexidade, a visão da vida como um todo, que busque a unidade na diversidade, que abrigue os diferentes, que opte pela inclusão legítima como um direito e não como um favor. Nessa direção, estende-se ainda a necessidade de considerar os construtos, no qual o aluno possa, junto ao professor, encontrar meios para ser construtor do seu saber, mas tendo uma postura de entender a urgência da religação dos saberes que fazem sentido e, assim, buscar a construção de uma sociedade justa e igualitária, na qual a humanidade considere mais o ser do que o ter, que legitime a responsabilidade consigo mesmo, com seus pares e com o planeta.

Por fim, no estudo do que vem a ser a complexidade, e naquilo que entende ser a vida e a realidade no seu fenômeno complexo, dinâmico e fluido, é relevante esclarecer que qualquer pista aceita para a formação docente evolui, da mesma forma, neste movimento em que encontra o paradoxo do certo e do incerto, do provável e do improvável, do simétrico e do assimétrico, da ordem e da desordem. Para dizer, os conceitos básicos da complexidade para a formação dos professores permitem entender que as proposições afirmadas, como relevantes para a docência, passam constantemente por mutações e não podem converter-se, de modo algum, em pragmatismo, em cristalização de conceitos, ainda que sejam proposições refletidas e pensadas a partir da base epistemológica complexa.

Mesmo tomando por base as ideias fundamentais da complexidade, também não seria correto cogitar que qualquer reflexão desenvolvida fosse uma mistura indistinta de noções e de conceitos, como uma conexão e uma interação de ideias em “qualquer” jeito, em “qualquer” meio, qualidade ou possibilidade. A formação docente, a partir do Paradigma de Complexidade, não significa uma mistura indistinta de tudo. Não pode cair no equívoco do pragmatismo dogmático e estático. Não pode sujeitar-se à mixórdia e à mescla dos conceitos, das abordagens e das teorias. Nas palavras de Almeida (2012, p. 3), “[...] toda nova concepção de ciência depende da atmosfera de um tempo e de interrogações novas suscitadas por fenômenos naturais e sociais, que apresentam expressões ainda desconhecidas”. Por isso, repensar a formação docente implica que toda proposição formativa depende desta atmosfera que compreende, significativamente, a realidade fenomênica atual, as inquietações socioculturais e planetárias correntes, bem como outras questões. Importa que tal cuidado assim se tome para as possíveis reflexões que visam à formação do professor. Repensar o papel da educação e, consequentemente, o melhor preparo para a prática e o saber docente comporta uma abertura e um diálogo com a realidade e com o contexto em que a educação se realiza.

REFERÊNCIAS

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NOTA

1Texto não publicado, de 1992, de Edgar Morin - Le doigt dans l’Emile: notes éparses pour um Emili Contemporain (ver PETRAGLIA, 2011).

Recebido: 18 de Junho de 2018; Aceito: 25 de Setembro de 2019

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