1 INTRODUÇÃO
O ofício de ensinar Psicologia da Educação em cursos de licenciatura nas ciências humanas, biológicas e exatas vem acompanhado de inúmeros desafios; dentre estes, um dos mais proeminentes é motivar os alunos a compreenderem a importância e as contribuições potenciais das teorias psicológicas para o futuro docente. De fato, a formação de professores e sua prática pressupõem uma reflexão a respeito das crenças relacionadas à docência nos seus diversos aspectos. Um dos temas estudados na disciplina Psicologia da Educação nos cursos de formação de professores são as crenças de autoeficácia, suas fontes e sua relação com a motivação. O conhecimento a respeito desse assunto faz com que haja uma reflexão por parte dos alunos quanto às suas próprias crenças de autoeficácia e a influência desta em sua motivação e desempenho nas tarefas acadêmicas.
O presente trabalho partiu, então, de uma inquietação que vem da sala de aula e de uma curiosidade epistemológica sobre o que a pesquisa científica nacional aponta como contribuições e lacunas a respeito das crenças de autoeficácia e suas relações com as questões da docência. Considerando a importância das crenças de autoeficácia no processo de ensino e de aprendizagem, o presente artigo possui como propósito apresentar uma revisão sistemática das publicações de teses e dissertações sobre crenças de autoeficácia e educação apresentadas para defesa no período 2007-2017 e catalogadas na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Além disso, serão apresentadas a análise e a síntese qualitativas preliminares sobre os resultados dos estudos nacionais a respeito das crenças de autoeficácia em docentes que atuam na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino médio, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Ensino Superior (Graduação e Pós-Graduação), na educação familiar, especial e na área organizacional. Pretende-se indicar contribuições, tendências e lacunas acerca de investigações sobre crenças de autoeficácia no Brasil na área da educação e da docência.
O artigo inicia-se com algumas considerações teóricas sobre as crenças de autoeficácia e docência no Brasil, passando à explicação sobre a metodologia da revisão sistemática, seguindo para os resultados quanti e qualitativos. Finaliza-se com as considerações acerca das contribuições e das lacunas nessa área de pesquisa.
2 CRENÇAS DE AUTOEFICÁCIA E DOCÊNCIA NO BRASIL
A Psicologia da Educação é uma das áreas que se dedica ao estudo científico dos saberes produzidos a respeito do fenômeno psicológico presente no processo de ensino e de aprendizagem e que incrementam a formação e a atuação dos educadores (ANTUNES, 2008). Dentre as teorias psicológicas que trazem contribuições à Educação, o presente estudo investigou, na realidade brasileira, um dos constructos presentes na Teoria Social Cognitiva, as crenças de autoeficácia. A Teoria Social Cognitiva (TSC) constitui-se como uma abordagem psicológica, desenvolvida na década de 1970 por Albert Bandura, que busca explicar o “desenvolvimento e as ações humanas” (AZZI, 2014, p. 28). De acordo com sua perspectiva, o indivíduo constitui-se pela interação com o meio. Nesse sentido, ele é produto e produtor de seu próprio ambiente e sistema social (AZZI, 2014). Bandura (1998) explica o comportamento humano dentro de um modelo de interação entre fatores pessoais, ambientais e comportamentais, denominado por ele de reciprocidade triádica. Assim sendo, o indivíduo “[...] determina parcialmente seu ambiente e dele recebe influência” (AZZI, 2014, p. 29). Ainda segundo a autora, o indivíduo possui a possibilidade de atuar sobre seu ambiente devido à presença de quatro capacidades: a intencionalidade, o pensamento antecipatório, a autorreatividade e a autorreflexividade. Tal processo pode ser visualizado na Figura 1 que segue:
Mediante as trocas sujeito-meio, inicia-se a constituição das crenças de autoeficácia, as quais se relacionam com as crenças que a pessoa possui sobre sua própria capacidade de controlar a si mesma e os eventos de sua vida. Mais especificamente: organizar e executar cursos de ação exigidos para desempenhar uma tarefa ou atividade específica. A autoeficácia refere-se às crenças que uma pessoa possui a respeito de sua capacidade de organizar e executar cursos de ação requeridos a fim de produzir determinadas tarefas específicas em diversas áreas. A autoeficácia regula o comportamento humano, sendo mediadora entre cognição, emoção e motivação. No presente trabalho, adotar-se-á o conceito de autoeficácia como as crenças na capacidade de executar comportamentos para atingir os resultados pretendidos pelos professores, em tarefas específicas, sem desistir no percurso (BZUNECK; GUIMARAES, 2003), bem como acessar os processos cognitivos e controlar as situações advindas do meio social. Na área da docência, as crenças de autoeficácia afetam a seleção de atividades, o nível de esforço, a motivação e a perseverança face aos obstáculos, assim como os sentimentos evidenciados em situações difíceis, como, por exemplo, turmas numerosas, baixa cooperação da família, ausência de apoio da administração e dos pares, dentre outros. Woolfolk (2007) diferencia crenças de ensino e crenças de eficácia pessoal. Enquanto a primeira diz respeito às expectativas dos docentes sobre os resultados a serem alcançados por eles antecipadamente em determinada atividade em sala de aula, as crenças de eficácia pessoal referem-se ao julgamento de suas próprias capacidades para executar ações que favoreçam o rendimento de seus alunos (BZUNECK, 1996).
Vale esclarecer que as crenças são dinâmicas. Nesse sentido, variam conforme a situação vivenciada. O indivíduo sofre oscilação em seus níveis, podendo mais de uma fonte influenciar a maneira como a crença de autoeficácia é percebida e formada. Segundo a TSC, as crenças de autoeficácia são desenvolvidas a partir de quatro fontes de informação: experiências diretas, experiências vicárias, persuasão social e estados fisiológicos e afetivos (BANDURA, 1997). Enquanto as experiências diretas estão relacionadas a vivências de sucesso, as experiências vicárias referem-se à observação de indivíduos similares a si com êxito na gestão de tarefas. A persuasão verbal estimula a pessoa a acreditar em suas capacidades a fim de obter sucesso em determinadas atividades. Os sintomas somáticos e emocionais sinalizam as forças e as vulnerabilidades do indivíduo. Diante disso, um senso de autoeficácia robusta ajuda a sustentar a perseverança rumo ao sucesso.
3 METODOLOGIA
Neste trabalho, aplicou-se o modelo de revisão sistemática da literatura, buscando-se conhecer os trabalhos de pesquisa realizados nos programas de Pós-Graduação de universidades brasileiras, incluindo teses e dissertações defendidas no período de 2007 a 2017, disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes (http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/).
3.1 Sobre revisão sistemática
A revisão sistemática tem como intuito prover a análise e a síntese da literatura existente em determinada área ou tópico (GOUGH, 2007). Segundo Briner e Denyer (2012), a revisão sistemática busca responder a uma pergunta explícita sobre a literatura, utilizando métodos transparentes para a realização de uma pesquisa minuciosa e completa e a apreciação crítica de estudos individuais, buscando extrair conclusões sobre o que se sabe e o que não se sabe sobre determinado tópico. O termo “sistemática” significa que os autores seguem um design de pesquisa que não é necessariamente padrão, nem rígido, e comunicam como fizeram, quais procedimentos utilizaram na pesquisa (GOUGH, 2007; BRINER; DENYER, 2012; KITCHENHAM, 2004; GRANT; BOOTH, 2009). Gough (2007) chama atenção para a necessidade de esclarecer quando a comunicação de uma revisão de literatura foi feita de modo sistemático, ou não. As revisões sistemáticas diferem-se das revisões narrativas convencionais por adotarem um processo transparente, o que possibilita a sua replicação. E, ainda, segundo os mesmos autores, a revisão sistemática, por ter seu método explícito, possibilita que seja lida e avaliada criticamente (BRINER; DENYER, 2012).
Briner e Denyer (2012, p. 115) esclarecem que a revisão sistemática envolve cinco passos, sendo eles: “1) Planejar a revisão; 2) Localizar os estudos; 3) Avaliar as contribuições dos trabalhos; 4) Analisar e sintetizar as informações; 5) Relatar os resultados1.” Ainda conforme esses autores, além de seguir esses cinco passos descritos, uma revisão sistemática deve se basear nos seguintes princípios: sistematização; transparência; replicabilidade e atualização; síntese.
Ao planejar uma revisão sistemática é necessário elaborar um protocolo de pesquisa (KITCHENHAM, 2004; GOUGH, 2007; BRINER; DENYER, 2012; RAMOS; FARIA; FARIA, 2014) que, segundo Briner e Denyer (2012), assemelha-se ao design de pesquisa usualmente utilizado na pesquisa primária. A importância do protocolo é garantir segurança, clareza e possibilidade de replicação da revisão. É essencial que cada trabalho seja analisado de maneira rigorosa para que atenda aos critérios definidos no protocolo. Esse procedimento fará com que os resultados da revisão estabeleçam claramente os níveis de qualidade dos trabalhos incluídos na revisão (BRINER; DENYER, 2012).
A pesquisa científica mostra que grande parte dos trabalhos de revisão sistemática é realizada na área da medicina (GOUGH et al., 2011). Entretanto, quando há necessidade de utilizar essa metodologia em outras áreas, não se pode simplesmente copiar os princípios e os métodos dos estudos realizados no campo da medicina e outras áreas da saúde. Briner e Denyer (2012) aconselham que os métodos sejam adaptados para adequar a questão que a pesquisa está tratando e também as suas premissas (subjacentes) ou pressuposições.
Segundo Ramos, Faria e Faria (2014), Brasil e Portugal não possuem tradição na investigação científica relacionada aos métodos de revisão sistemática voltados à área da educação, fato constatado na presente pesquisa. Daí o compromisso de pesquisadores brasileiros no desenvolvimento deste tipo de estudo e sua divulgação, no intuito de contribuir com a comunidade acadêmica em nosso país.
3.2 Procedimentos utilizados na pesquisa
Em primeiro lugar, optou-se por realizar a coleta de dados em um site abrangente em nível nacional. Nesse sentido, fez-se a opção pelo Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, que se caracteriza por ser um sistema de busca bibliográfica, que reúne registros desde 1987. Possui como referência aPortaria nº 13/2006, que instituiu a divulgação digital das teses e das dissertações produzidas pelos programas de Doutorado e Mestrado reconhecidos. O anteriormente denominado Banco de Teses e Dissertações começou a ser alimentado pelo aplicativo Coleta em 1987. A partir de 1996, continuou a ser atualizado pelo aplicativo eletrônico chamado Cadastro de Discentes. Atualmente, tanto os metadados quanto os arquivos completos das teses e das dissertações são informados diretamente à Capes pelos programas de Pós-Graduação, que se responsabilizam pela veracidade dos dados, naPlataforma Sucupira, e sincronizados periodicamente com o Catálogo. O catálogo pode ser acessado pelo endereço http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/, no qual é possível realizar a busca por autor, título e/ou palavra-chave. Essa base de dados foi escolhida por integrar a totalidade da produção nas áreas de Psicologia e de Educação indexada no país.
Posteriormente à escolha do site de pesquisa, procedeu-se à coleta de dados, utilizando para a busca por título os seguintes descritores: crenças de auto-eficácia, crenças de auto eficácia, auto-eficácia, autoeficácia. Vale esclarecer que foram utilizadas as palavras crenças de autoeficácia com e sem hífen, pois os dois termos são utilizados nas pesquisas nessa temática.
A partir dos descritores, pesquisaram-se as publicações de 2007 a 2017, um ano de cada vez. Após a coleta das dissertações e das teses de cada ano, procedeu-se, no próprio site, às seguintes etapas: leitura do título do trabalho e das palavras-chave, caso contivessem algum dos descritores no título e/ou nas palavras-chave, o trabalho atendia ao primeiro critério de inclusão. Caso surgisse dúvida, procedia-se à leitura do resumo do trabalho, a fim de verificar a presença ou a ausência do arcabouço teórico da Teoria Social Cognitiva de Bandura. Os trabalhos que atendiam aos critérios de inclusão eram baixados e organizados em pastas para uso nos estudos quantitativos e qualitativos. Quando alguma pesquisa não estava à disposição para download no site da Capes, utilizava-se o Google Acadêmico ou o repositório da biblioteca digital da própria Universidade. A coleta de dados foi realizada nos meses de maio a julho de 2018.
Para a expressão crenças de auto-eficácia, com hífen, surgiram 1.069.213 teses e dissertações. Para crenças de autoeficácia, sem hífen, surgiram 1.069.210 resultados. Para o termo autoeficácia sem e com hífen surgiram 464 e 48.142 resultados, respectivamente. A partir dos trabalhos exibidos em cada ano, aplicou-se o filtro grande área de conhecimento Ciências Humanas e surgiram 169 trabalhos de pesquisa.
Após a coleta e a seleção preliminar das pesquisas, procedeu-se à leitura e à análise quantitativa e qualitativa dos dados. Vale esclarecer que as etapas da coleta e da seleção dos estudos presentes no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes foram repetidas durante três semanas e chegou-se ao final com 104 trabalhos coletados. Mediante o procedimento recursivo, incluiu-se mais quatro trabalhos, ficando um total de 108 investigações; a leitura e a análise das investigações resultaram em 92 pesquisas selecionadas.
3.3 Critérios de inclusão, exclusão e validade metodológica
Os critérios de inclusão basearam-se em pesquisas que utilizassem o arcabouço teórico da Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, especificamente as crenças de autoeficácia na área de educação, publicadas no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, entre os anos de 2007 e 2017. A definição operacional de Educação baseou-se em critérios que envolviam investigações desenvolvidas junto a alunos, docentes, coordenadores e pais. Nesse sentido, a Educação podia referir-se a qualquer nível: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, EJA, Ensino Superior (Graduação e Pós-Graduação), educação familiar, especial e na área organizacional.
Foram excluídos documentos que estivessem apresentados em duplicata entre as bases, além daqueles cujo tema não contemplasse o objetivo proposto neste estudo, ou os que não estivessem disponíveis no meio digital. Também se excluiu teses e dissertações presentes no catálogo da Capes anteriores ao ano de 2007 e posteriores a 2017. Como o foco do estudo eram pesquisas nacionais na área de educação, estudos internacionais, mesmo de autores brasileiros, e pesquisas com temas que não se relacionavam à educação, como estudos na área da saúde, técnicas desportivas e geriatria, dentre outras, foram descartados por fugirem ao escopo delimitado. Em síntese, 16 trabalhos foram excluídos, ficando a leitura final com 92 pesquisas. Os motivos da exclusão foram: quatro estudos por não utilizarem o arcabouço teórico de Bandura; três por objetivarem validação e análise psicométrica de escalas de autoeficácia; um por possuir entrada duplicada: quatro por falta de acesso ao trabalho na íntegra; e quatro pela falta de clareza dos resultados alcançados, não sendo possível tirar conclusões úteis para a presente pesquisa.
3.4 Procedimentos para análise de dados
Mediante a coleta e a análise de dados, os resumos foram classificados de acordo com as seguintes categorias: teses e dissertações, ano de defesa (variando de 2007 a 2017), Universidade, região geográfica, segmentos, modalidades ou níveis de escolaridade pesquisados (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior, Educação de Jovens e Adultos, Pós-Graduação), aspectos metodológicos, como abordagem de pesquisa (qualitativa, quantitativa, associação qualitativa/quantitativa), tipo de pesquisa (exploratória, descritiva, correlacional e experimental), e temas associados aos estudos sobre crenças de autoeficácia. A partir das leituras das investigações, fizeram-se também a análise e a síntese preliminar dos principais dados obtidos nas pesquisas na área da docência.
4 RESULTADOS - ANÁLISE QUANTITATIVA
Dos 92 trabalhos selecionados, 62 são dissertações e 30 são teses. O Gráfico 1 a seguir mostra esses números em porcentagem, no período estudado, por universidade. A maioria dos trabalhos é composta por dissertações, representando 67% dos trabalhos selecionados no catálogo de teses e dissertações da Capes, sendo os restantes 33% representados pelas teses. Esses trabalhos foram apresentados em 33 universidades públicas e privadas.

Fonte: As autoras.
Gráfico 1 Total de dissertações e teses sobre Autoeficácia por universidade (2007-2017)
Destaca-se a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com o maior número de trabalhos (26), sendo oito dissertações e 18 teses. Em seguida, tem-se a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com sete dissertações e duas teses, totalizando nove trabalhos apresentados nessa instituição. Em termos quantitativos, na sequência, tem-se outras cinco universidades públicas: Universidade Federal do Paraná - UFPR (oito trabalhos), Universidade Estadual de Londrina - UEL (cinco trabalhos), Universidade de São Paulo - USP (cinco trabalhos), Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE (quatro trabalhos) e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP (três trabalhos). Totalizando as dissertações e as teses dessas sete universidades, tem-se 60 trabalhos, que representam 66% do total. As demais instituições apresentaram um ou dois trabalhos no período pesquisado. Esses resultados mostram a tendência para a pesquisa sobre crenças de autoeficácia em universidades públicas das regiões Sudeste (UNICAMP, USP e UNESP) e Sul (UFRGS, UFPR, UEL e UNOESTE). Apenas nessas sete universidades há o total de 44 trabalhos em universidades da Região Sudeste e 16 da Sul.
Considerando as dissertações e as teses selecionadas no catálogo da Capes, por região geográfica, a região com maior número de universidades com trabalhos sobre crenças de autoeficácia é a Região Sudeste, com 15 universidades, seguida da Região Sul, com oito instituições. No terceiro lugar desse ranking, vem a Região Nordeste com seis, a Centro-Oeste com três e a Norte com uma universidade. Chama atenção a Região Sudeste, com quase a metade das universidades com trabalhos de teses e dissertações (46%) sobre o tema, seguida da Região Sul, representando 24% do total das instituições. No total, dentre as 33 universidades que estão representadas com trabalhos sobre crenças de autoeficácia, seja em dissertações e/ou teses, tem-se 20 universidades públicas (61%) e 13 privadas (39%). Ao longo do período considerado (2007-2017), há uma variação do número de trabalhos apresentados, conforme mostra o Gráfico 2 a seguir.
Em 2007, foram apresentados seis trabalhos; em 2008, esse número caiu para três, voltando a subir em 2009 e 2010, com seis trabalhos em cada ano. Em 2011, subiu para sete o total de trabalhos apresentados. O ano de 2012 foi atípico; nele, houve apenas uma dissertação apresentada sobre crenças de autoeficácia, na UFPR. Em 2013, foram oito os trabalhos apresentados; e, em 2014, foram seis. A partir desse ano, há uma tendência de crescimento no número de dissertações e de teses apresentadas nas universidades pesquisadas, com a seguinte série: 11, 16 e 22 trabalhos, respectivamente para os anos 2015, 2016 e 2017. Uma comparação das tendências, considerando em separado as dissertações e as teses apresentadas ao longo do período analisado, pode ser vista no Gráfico 3 a seguir.

Fonte: As autoras.
Gráfico 4 Dissertações, teses e totais de defesas voltadas à temática Autoeficácia (2007-2017)
Evidencia-se que o número de dissertações tende a crescer mais do que o de teses, considerando o período a partir de 2013, como ilustrado no Gráfico 4 que segue.

Fonte: As autoras.
Gráfico 4 Total de dissertações voltadas à temática Autoeficácia por ano, por universidade (2007-2017)
No período considerado, a maioria das universidades teve uma ou duas dissertações por ano, excetuando-se a UFRGS, que teve cinco dissertações apresentadas em 2017, como mostra o Gráfico 5.
Em cada ano, a maioria das universidades teve uma ou duas teses apresentadas, exceto a UNICAMP, que teve três em cada um dos anos: 2007, 2011 e 2017. Como já destacado neste trabalho, essa universidade teve teses defendidas sobre crenças de autoeficácia em todos os anos do período considerado, com exceção do ano 2012, no qual não houve nenhuma tese apresentada por nenhuma das instituições.
Fez-se também a análise segundo os níveis de ensino pesquisados, . O Gráfico 6 a seguir mostra o número de trabalhos para cada um.

Fonte: As autoras.
Gráfico 6 Segmentos, modalidade e níveis de ensino pesquisados nas dissertações e teses sobre Autoeficácia (2007-2017)
O Gráfico 6 mostra uma quantidade expressiva de pesquisas sobre o Ensino Superior, mais especificamente sobre a Graduação, com um total de 30. Em seguida, vem o Ensino Fundamental com 29 trabalhos e, em terceiro, o Ensino Médio, com 25 trabalhos. Quanto aos demais, foram identificados quatro sobre Educação Infantil, três sobre Pós-Graduação e dois sobre EJA. Foram incluídos ainda outros trabalhos que trataram de ensino particular de música, tendo sido feito um trabalho sobre piano, um sobre violino e um sobre violão.
Os aspectos metodológicos das pesquisas também foram analisados. Foram identificados 83 trabalhos que utilizaram as metodologias quantitativa e qualitativa, a associação quanti/quali e a pesquisa de caráter quase experimental. A maioria expressiva desses trabalhos utilizou pesquisa quantitativa, com um total de 49 trabalhos. A associação quanti/quali vem em segundo lugar, com 15 trabalhos; e, em seguida, a abordagem qualitativa, com 11; e a quase experimental, com oito trabalhos.
Os temas tratados nos trabalhos concentram-se principalmente nas crenças de autoeficácia docente, como pode ser visto no Gráfico 7 a seguir.

Fonte: As autoras.
Gráfico 7 Tipos de crenças de autoeficácia pesquisadas nas teses e dissertações no período 2007-2017 (Catálogo Capes)
Como demonstra o Gráfico 7, as crenças de autoeficácia (CAE) relacionadas à docência foram as mais estudadas nas teses e nas dissertações catalogadas pela Capes no período 2007-2017, perfazendo um total de 23 trabalhos. Em seguida, aparecem as CAE de alunos, com 21 trabalhos. Logo após vêm as CAE associadas ao ensino de disciplinas, sendo realizadas 10 pesquisas de CAE relacionadas ao ensino de Música e oito relacionadas ao ensino de Matemática. Já a transição da vida acadêmica para o mundo do trabalho obteve 10 estudos.
Esses números indicam que a maioria das pesquisas feitas nas teses e nas dissertações foi sobre CAE de professores e alunos. Com relação às CAE associadas ao ensino de disciplinas, observa-se que, além de CAE associadas ao ensino de Música e Matemática, as demais se relacionam à Física e à Educação Física.
5 RESULTADOS - ANÁLISE QUALITATIVA
As pesquisas a respeito das crenças de autoeficácia na área da docência no Brasil revelaram muitas relações pertinentes. As investigações apontaram no Ensino Superior: relações entre crenças de autoeficácia robusta na docência e maior satisfação com o trabalho docente (ROCHA, 2009), percepção de apoio por parte do corpo administrativo (ROCHA, 2009; MACEDO, 2009) e dos colegas (ROCHA, 2009; MACEDO, 2009), mais percepções positivas de si como docentes (ROCHA, 2009), liberdade para expressar ideias (ROCHA, 2009), maior nível de intencionalidade da ação docente e manejo de classe (ROCHA, 2009) e maior carga horária (LIRA, 2017).
No Ensino Médio, quanto maior o tempo de atuação do professor em uma mesma escola, maior a percepção de autoeficácia docente (CASANOVA, 2013), quanto maior a titulação (CASANOVA, 2013), maior o tempo de docência (FERNANDEZ, 2015) e as crenças de autoeficácia. Os docentes relataram uma crença mais robusta no uso de estratégias instrucionais, no manejo de sala de aula e no incremento e engajamento dos alunos. Docentes sem Pós-Graduação apresentaram maior autoeficácia para motivarem alunos (FERNANDEZ, 2015). Já na comparação entre professores com e sem especialização, os primeiros apresentaram autoeficácia mais alta (FERNANDEZ, 2015). Nos Ensinos Fundamental e Médio, docentes com mais de 15 anos de atuação docente, com alto escore no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e com alta percepção de apoio apresentaram nível alto de crenças de autoeficácia coletiva (BOTTI-MANOEL, 2014).
Neves (2017) encontrou crenças de autoeficácia mediana entre professores do Instituto Federal (IF) Sertão-PE que ministravam aulas somente no nível médio e no nível médio e superior. Professores com licenciatura apresentaram crenças de autoeficácia robusta no item domínio de classe (NEVES, 2017).
Docentes do Ensino Fundamental com faixa etária mais avançada (MACEDO, 2009) e maior percepção de apoio da escola (BOTTI-MANOEL, 2014) relataram possuir autoeficácia docente robusta. Na Educação Infantil, a crença de autoeficácia alta relacionou-se com julgamento mais positivo da infraestrutura e menor tamanho de turma. Mais especificamente, classes com menor quantidade de alunos foram apontadas pelos docentes da Educação Infantil como mais favoráveis à construção de crença de autoeficácia docente positiva (FERNANDEZ, 2015).
Alguns estudos encontraram dados relevantes a respeito das crenças de autoeficácia docente em quatro subitens presentes na escala relativos à: intencionalidade da ação docente, manejo de classe, autoeficácia pessoal e autoeficácia no ensino. Maior nível de intencionalidade da ação docente no Ensino Superior (ROCHA, 2009) e no Ensino Fundamental (SILVA, 2016), bem como autoatribuição positiva no manejo de classe no Ensino Superior (ROCHA, 2009), no Ensino Médio (FERNANDEZ, 2015), no Ensino Fundamental (MACEDO, 2009) e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (MACEDO, 2009; SILVA, 2016) foram encontrados correlacionados à CAE robusta entre docentes brasileiros.
No Ensino Médio, os subitens intencionalidade da ação docente e de manejo de classe apareceram relacionados com maior tempo de Graduação (FERREIRA, 2011) e de regência (BOTTI-MANOEL, 2014), percepção de apoio dos pares, da administração (FERREIRA, 2011), liberdade para expressarem ideias, opiniões e apresentação de propostas na instituição em que trabalham (FERREIRA, 2011), bem como percepção de estarem mais preparados para a docência. Quanto maior a faixa etária docente, menor a percepção de autoeficácia no manejo de sala de aula (FERNANDEZ, 2015). Alunos trabalhadores apresentaram maior autoeficácia no manejo de sala de aula do que alunos não trabalhadores (FERNANDEZ, 2015). Vale esclarecer que tais alunos eram docentes trabalhadores participando de um curso de formação em Graduação.
No subitem autoeficácia pessoal, Neves (2017) destaca que, quanto maior o tempo de atuação em uma mesma instituição, maior a crença na autoeficácia pessoal. No Ensino Superior, Domingues (2017) encontrou crença de autoeficácia pessoal robusta entre os docentes por ele pesquisados. Educadores dos Ensinos Médio e Superior apresentaram maior autoeficácia pessoal nos fatores avaliação (NEVES, 2017). Docentes que atuam nos Ensinos Médio e Superior ao mesmo tempo apresentaram maior autoeficácia no ensino (FERNANDEZ, 2017). Macedo (2009) encontrou, entre professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, autoeficácia robusta no item ensino (MACEDO, 2009). Neves (2017) também encontrou, na subescala autoeficácia no ensino, a crença por parte do professor de que os alunos estão dispostos a aprenderem devido à influência do ambiente familiar.
Educadores com maior tempo de atuação no Ensino Superior (ROCHA, 2009; LIRA, 2017), no Ensino Médio (FERNANDEZ, 2015), no Ensino Fundamental (BOTTI-MANOEL, 2014) e na Educação Infantil (FERNANDEZ, 2015) apresentaram crenças de autoeficácia mais robustas do que os com menor tempo. Vale esclarecer que, no estudo de Rocha (2009), foram categorizadas mais crenças de autoeficácia robusta em docentes com mais de 30 anos de magistério; no estudo de Lira (2017) em docentes entre 11 e 20 anos; e no estudo de Fernandez (2015), de 15 a 20 anos. Docentes do Ensino Superior, com jornada de trabalho superior a 40 horas/aula semanais (ROCHA, 2009; LIRA, 2017) e com tamanho de turma menor (menor quantidade de alunos em sala), com pós-doutorado (ROCHA, 2009), que consideravam a infraestrutura suficiente (ROCHA, 2009), relataram altas crenças de autoeficácia.
O estudo de Lira (2017) encontrou entre professores universitários correlação entre CAE rebaixada e maior probabilidade de exaustão emocional e despersonalização e propensão ao burnout (BERNARDINI, 2017), traduzidos em comportamentos tais como: prevalência de cansaço intenso, distúrbios do sono e desânimo. Entre professores dos Ensinos Fundamental e Médio foram encontradas crenças de autoeficácia rebaixada quanto à: avaliação de softwares educacionais, utilização adequada da terminologia de informática, incrementar maneiras criativas de lidar com restrições do sistema, ensinar utilizando a tecnologia, requerer e julgar projetos realizados pelos estudantes usando as tecnologias; avaliar a aprendizagem do aluno quando o conteúdo foi assimilado mediante as tecnologias de informática (ALVARENGA, 2011).
Na área de crenças de autoeficácia computacional docente, os professores dos Ensinos Fundamental e Médio com autoeficácia robusta relataram maior confiança para motivar alunos a participarem de projetos com o uso de tecnologias de informática (ALVARENGA, 2011). Um curso de formação continuada sobre o uso das mídias digitais em sala de aula ofertado para um grupo de professores do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio não mudou de maneira significativa as crenças na área computacional (SCHIMID, 2015).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho apresentou uma revisão sistemática sobre crenças de autoeficácia na educação. Foram analisadas teses e dissertações catalogadas no repositório da Capes, entre 2007 e 2017. Foram encontrados 92 trabalhos (30 teses e 62 dissertações), defendidos em 33 universidades nesse período. Os resultados mostram que a maioria das teses e das dissertações foi defendida em programas de Pós-Graduação de universidades públicas das regiões Sudeste e Sul, com destaque para a Unicamp e a UFRGS. Aparentemente, há uma tendência de crescimento da temática das crenças de autoeficácia nos últimos anos. Na parte qualitativa, destacou-se nos níveis de Ensinos Superior, Médio, Fundamental e Infantil a importância do apoio dos colegas (ROCHA, 2009; MACEDO, 2009), da escola (ROCHA, 2009; MACEDO, 2009; BOTTI-MANOEL, 2014; FERNANDEZ, 2015; FERREIRA, 2011) e o maior tempo de docência (FERNANDEZ, 2015; ROCHA, 2009; LIRA, 2017; BOTTI-MANOEL, 2014) na construção de crenças de autoeficácia docente positivas e robustas, no que diz respeito à intencionalidade da ação docente (ROCHA, 2009; SILVA, 2016), ao manejo de classe (ROCHA, 2009; FERNANDEZ, 2015; MACEDO, 2009; MACEDO, 2009; SILVA, 2016), à autoeficácia pessoal (NEVES, 2017; DOMINGUES, 2017) e à autoeficácia pessoal nos fatores avaliação (NEVES, 2017) e ensino (FERNANDEZ, 2017; MACEDO, 2009; NEVES, 2017).
Como ocorre na proposta da revisão sistemática, os resultados apontam tanto as contribuições da pesquisa, como também suas lacunas. As poucas áreas disciplinares pesquisadas (Matemática, Música, Física, Educação Física e Língua Estrangeira) ilustram essa lacuna e ainda instigam questionamentos.
Há de salientarem-se algumas dificuldades relacionadas ao método de pesquisa escolhido, a revisão sistemática, dado que esse modelo de investigação é utilizado primordialmente em medicina e outras ciências médicas, e sua adaptação para as ciências humanas é ainda incipiente. Houve uma disposição das autoras em explicar minuciosamente os procedimentos de pesquisa, com o intuito de obedecer ao rigor metodológico proposto pela revisão sistemática, principalmente no que tange aos seus princípios básicos.
Considerando-se que o presente estudo privilegia um aspecto panorâmico do objeto de estudo, a investigação sobre as crenças de autoeficácia não se esgota nos resultados apresentados. Um aprofundamento dos temas estudados nas teses e nas dissertações deve ser proposto, com o intuito de trazer à tona as questões relacionadas às crenças de autoeficácia de professores na sua prática docente, na interação com seus alunos, nas indagações acerca de suas motivações e competências, nas suas expectativas profissionais, dentre tantos outros. Por fim, pretende-se, a partir desta investigação, abrir espaços de atuação nas escolas para as contribuições potenciais das crenças de autoeficácia para a formação inicial e continuada de educadores e a aprendizagem dos alunos nos diversos níveis de escolaridade.