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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.4 São Paulo oct./dic. 2019  Epub 27-Ene-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i4p1930-1935 

Resenhas

RESENHA: “A ESCOLA COMO CULTURA: EXPERIÊNCIA, MEMÓRIA E ARQUEOLOGIA”

Lucas Henrique Silva GONÇALVESi 

Marineide de Oliveira GOMESii 

i Mestre em Educação (UNISANTOS) e Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Santos. E-mail: lucas.9339@hotmail.com.

ii Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP, com Pós-Doutoramento pela Universidade Católica Portuguesa. Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Católica de Santos. E-mail: neide.ogomes@gmail.com.

BENITO, Agustín Escolano. A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Rocha, Heloísa Helena Pimenta; Silva, Vera Lucia Gaspar da. Campinas: Alínea, 2017.


[...] o autor apresenta-nos uma reflexão notável sobre a escola como cultura, um ensaio de grande liberdade e inteligência, uma das obras mais brilhantes escritas no campo da história da educação.

Antonio Nóvoa1

Agustín Escolano Benito é professor catedrático da Universidade de Valladolid, Espanha, e fundador-diretor do Centro Internacional da Cultura Escolar. A resenha, que ora apresentamos, intenciona inspirar educadores em geral a melhor compreendê-lo.

A leitura da obra A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia instiga-nos a buscar informações nos campos da Filosofia e da Educação, já que discute perspectivas conceituais de pesquisas e apresenta categorias de análise para historiadores da Educação, etnógrafos, educadores, sociólogos e outros profissionais de áreas afins, em busca de lógicas subjacentes às práticas que Escolano Benito observava cotidianamente em salas de aula.

O livro foi escrito originalmente em espanhol e a tradução para a língua portuguesa foi realizada por duas especialistas da área da História da Educação, que aproximam o texto do imaginário do leitor brasileiro com notas de tradução - o que torna o texto agradável e sugestivo, produzindo identificações ao longo da sua leitura. O prefácio, escrito por Diana Vidal (professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), convida-nos à leitura do texto. Partindo de situações cotidianas, com claro rigor acadêmico, o autor discorre desde conceitos da Filosofia antiga aos conceitos contemporâneos para demonstrar a importância da pesquisa do cotidiano das escolas e da sala de aula. Para Benito Escolano (2017, p. 8): “Ela (a pesquisa) se alicerça na concepção de que o olhar sobre o contorno subjetivo da práxis permite decifrar a cultura escolar”.

Na Introdução, o autor conta sobre sua vida profissional e pessoal e de que forma se interessou pelos campos da Pedagogia e da História, mais especificamente seu objetivo era compreender e interpretar sentidos que operavam os discursos pedagógicos. Em outras palavras, buscava estudar a instituição educacional do passado, com base na materialidade da escola do presente, sendo a sala de aula seu foco de pesquisa, expressando a prática como cultura e a cultura como prática. Não a cultura presente nas teorias e nas normas legais, mas o contexto interior e o interior prático da sala de aula. Para isso, ele transitou nos campos da Sociologia, da Filosofia, da Antropologia e da História, encontrando na Arqueologia suas fontes principais.

O livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, o autor questiona o significado de experiência e de prática e como elas se organizam na escola. A experiência, para Benito Escolano, dá novos significados a uma cultura escolar concretizada em ações, discursos, sujeitos e objetos. Ele apresenta o dia a dia escolar com rituais próximos ao tedioso e frio ambiente escolar. Tece críticas ao “quartel escolar”, citando romances e livros poéticos sobre escola, nos quais, em geral, é retratada como um local frio, onde reina o medo, a ordem e a disciplina. Cita Harry Potter (um livro popular de ficção) que mostra os anos escolares de um jovem bruxo em uma escola repressiva e de cotidiano acentuadamente monótono e que caminhava na contramão das necessidades do jovem Potter, curioso e inquieto. Coloca-se contrário aos estudos historiográficos sobre a escola que desmerecem as dimensões da experiência, desviando-se do mundo prático que ali se apresenta.

No segundo capítulo, Benito Escolano enfatiza o tema da cultura e denomina “práxis escolar” como cultura, apresentando as três culturas que movem a escola e que estão inseridas no mundo da vida para então apresentar a convergência das três culturas da escola, a saber: a cultura empírica, a cultura científica e a cultura política. É na convergência dessas três culturas que se encontra a “caixa-preta da escola”. O autor observa que os rituais escolares se reproduzem nas escolas, independentemente do nível socioeconômico dos estudantes.

As constantes reproduções de modelos ritualizados são influências da cultura política, considerada a principal cultura, pois normatiza a instituição, define objetivos da cultura acadêmica, além de definir o que deve ser ensinado e como se organiza o processo formativo e a cultura empírica em si. Essa “caixa-preta da escola”, local de concretização da gramática escolar, torna possível compreender, a partir da análise do que ali ocorre, se uma política ou teoria acadêmica é efetiva ou não. Benito Escolano traz os conceitos de cultura de Stuart Hall e Anthony Guiddens, juntamente ao conceito de habitus de Pierre Bordieu e Norbert Elias e alcança a ideia da gramática da escolarização e do tato pedagógico, com base em Cuban, Tyack, Kerchensteiner, Gadamer e Van Manen.

No terceiro capítulo, o autor problematiza o sentido da escola como memória, expressa em linguagem narrativa, e ressalta a importância do ensino da cultura escolar na formação dos professores, uma vez que a escola, segundo o autor, deveria cultivar a sua memória para que possa se transformar. Ele valoriza os estudos dos campos da História Cultural e dos estudos etnográficos e hermenêuticos e, para discutir o conceito de “techné”, trata das habilidades sociais que são apreendidas no dia a dia na escola, imprescindíveis para a convivência coletiva, limitando a agressividade dos sujeitos, ao oferecer um quadro de interações seguras, determinadas pelos costumes e pela autoridade, como um treino social, não sendo o ritual um comportamento fixo, mas em constante evolução. A cultura empírica da escola é, portanto, formada por rituais internos de interação, condicionados pelas realidades do mundo da vida, que são contextualizadas e compreendidas como construções sociais de normas feitas pelas famílias e pelo local de convívio dos estudantes, ressaltando que todos trazem um pouco da escola dentro de nós.

No quarto capítulo, o autor trata da arqueologia da escola pela forma como se lida com os seus arquivos, com a documentação e a importância destes para a compreensão de suas práticas e os vestígios materiais da escola com significados privilegiados para a compreensão dos saberes que ali circulam. Benito Escolano acentua a importância da aprendizagem pela história, que é constituída de materialidades e imaterialidades, considerando o patrimônio como representação de uma teoria empírica acerca do passado, a partir, por exemplo, de bens materiais guardados em forma de museu da própria escola. O autor enfatiza, nesse sentido, que em um objeto é possível compreender toda sua memória e seu contexto envolvidos.

É por meio desse olhar que o autor propõe pesquisas que pautam a sala de aula como ponto de partida de análise e considera que é nesse local que subjazem os programas de distintas administrações, com claros indícios das provas da eficiência ou ineficiência dessa ou daquela política. Ele se pergunta: De que modo as perspectivas teóricas aparecem na prática escolar? Que interações ocorrem entre a cultura empírica dos professores e a cultura que se expressa nas normas? Como os professores lidam com as normas e com as teorias acadêmicas em suas práticas? O autor apresenta a investigação etnográfica como abordagem pautada na empiria e na teoria fundamentada na nova história cultural escolar.

Benito Escolano propõe uma análise hermenêutica da memória como meio para a compreensão do passado e sustenta o reconhecimento da cultura material escolar como criação, entendida também como categoria disciplinar. Para ele, a Pedagogia Científica, que se reconhecia como progressista, se isolou das práticas, adotou preconceitos intelectuais e subestimou a educação patrimonial - considerando-a ingênua e selvagem. Isso resultou na desconsideração dos bens do cotidiano e uma visão de história que se baseia em fatos e obras notáveis, ignorando as tradições e as culturas do dia a dia.

Na última parte do livro, em forma de Conclusão, o autor apresenta perspectivas para o futuro da educação e da escola. Ele entende que a formação dos profissionais do ensino deveria basear-se na cultura escolar, na educação patrimonial e na lógica dedutiva: Para o autor: “[...] a educação patrimonial dos cidadãos e dos profissionais da educação se realiza fazendo falar as coisas estimulando leituras e interpretações formativas das materialidades visíveis” (BENITO ESCOLANO, 2017, p. 278).

Vários são os autores que buscam responder quais os sentidos que a escola teve (no passado) e tem nos dias atuais, o que supõe compreender o sentido da escola e o sentido da educação (que se apresenta como princípio da escola), pelo modo como o homem se constitui (FERNANDES, 2012). Desde o sentido original do skolé, como tempo livre, como comunidade de vida coletiva, ambiente de liberdade criativa ou do ócio (na antiguidade grega, arcaica e clássica), a escola evoluiu com formas padronizadas de organização com tempos e rituais rígidos, fragmentados e dispersos, mas que guarda possibilidades de desenvolvimento da experiência (pessoal e intransferível), na dimensão transformadora do conhecimento, como espaço de expressão do público e do comum e, nesse sentido, a escola da atualidade, precisaria ser reinventada. No dizer de Masschelein e Simon (2014, p. 11): “[...] encontrar formas concretas no mundo de hoje para fornecer ‘tempo livre’ e para reunir os jovens em torno de uma ‘coisa’ comum [...]”, cultivando interesses e atenções visando mais a igualdade e menos as desigualdades que se formam em torno da forma escolar, tal qual a conhecemos, de valorização do desempenho de uma suposta aprendizagem e sua utilidade (que se restringe privilegiadamente aos conteúdos de ensino, ou às formas instrucionais de ensinar e de aprender).

As luzes trazidas pela obra ao indicar que a formação de professores necessita considerar a cultura escolar e a educação patrimonial por uma lógica indutiva levam-nos a refletir sobre as dificuldades de concretização da unidade entre teoria e prática nas escolas (em todos os níveis educacionais), desde a forma de definição das Políticas Públicas Educacionais, passando pela organização dos cursos que formam professores até as salas de aula, locais prenhes de simbolismos e códigos (que tão bem o autor procurou demonstrar na obra).

Nesse aspecto, as relações entre ensinar e apreender e a dimensão curricular são frutíferas para aprofundarmos o sentido da escola contemporânea como cultura, como florescimento de liberdades, como possibilidades de ser e ter, de enriquecimento da experiência humana, de tornar comum o que é público, como lugar privilegiado da palavra, da expressão e da produção de sentidos para os que dela fazem parte. Tais relações são construídas na convivência (no viver com o outro - iguais e diferentes) no confronto das diversidades, na alteridade, na apropriação do que de fato colabora na constituição de cada um como humano e como sujeito.

A ênfase dada pelo autor para o desvelamento da escola por meio de sua materialidade, pelos vestígios identificados nas “gramáticas” ali presentes e pela análise hermenêutica da memória encontrada nas narrativas dos sujeitos e na cultura escolar, de modo a construir sua arqueologia - privilegiando, nesse caso, o estudo dos arquivos e as formas de documentação como um conjunto de códigos e vestígios presentes na escola -, são aspectos que podem se traduzir em “objetos informadores”. Isso traz novos elementos para a análise de instituições escolares, das práticas docentes e discentes e das teorias que as informam, como contraponto a uma visão unilateral, abstracionista e idealizada de escola, desconectada do cotidiano que a cerca.

A obra contribui para os esforços de reinvenção da escola atual, como instituição complexa e, ao mesmo tempo, singular, levando-nos a refletir, em especial, sobre a dupla responsabilidade dos educadores (sejam os professores e gestores nas escolas ou os formuladores de políticas públicas na área) pela vida e pelo desenvolvimento na teia de relações que representa o mundo e pela responsabilidade sobre o mundo, diante do novo que é trazido pelas crianças (ARENDT, 2001).

Diante da histórica “crise” que a educação brasileira, especialmente a escola básica, atravessa, o quadro conhecido da baixa qualidade se coloca a nu com as instigantes contribuições de Benito Escolano acerca da escola e das culturas ali presentes. O autor ajuda-nos a pensar na crise da escola como possibilidade, ao apropriarmo-nos de sua materialidade e de sua história. Ao mesmo tempo, aproxima-nos de uma escola real, com sentido e significado, concreta e localizada (com endereço e vizinhança), com uma funcionalidade própria (diferente dos valores de uso e de troca do mundo capitalista) e, sobretudo, uma escola entendida como experiência formativa que contribui para transformar sujeitos.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hanna. A crise na Educação. In: ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001. p. 221-247. [ Links ]

BENITO ESCOLANO, Agustín. A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Tradução de Heloísa Helena Pimenta Rocha e Vera Lucia Gaspar da Silva. Campinas: Alínea, 2017. [ Links ]

FERNANDES, Marcos Aurélio. Skolé: o sentido fundante da escola. In: COELHO, Ildeu Moreira (Org.). Escritos sobre o sentido da escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2012. p. 33-58. [ Links ]

MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Marteen. Em defesa da escola: uma questão pública. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. [ Links ]

NOTA

1Texto contido na contracapa da obra de Agustín Escolano Benito - A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia.

Recebido: 11 de Setembro de 2018; Aceito: 21 de Setembro de 2019

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