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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.1 São Paulo ene./marzo 2020  Epub 30-Sep-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i1p10-39 

Artigos

METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: ASPECTOS HISTÓRICOS, PRINCÍPIOS E PROPOSTAS DE IMPLEMENTAÇÃO

ACTIVE LEARNING METHODOLOGIES IN HIGHER EDUCATION: HISTORICAL ASPECTS, PRINCIPLES AND IMPLEMENTATIONS

METODOLOGÍAS ACTIVAS DE APRENDIZAJE EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR: ASPECTOS HISTÓRICOS, PRINCIPIOS E IMPLEMENTACIONES

Thais de Souza SCHLICHTINGi 
http://orcid.org/0000-0002-7777-7868

Marcia Regina Selpa HEINZLEii 
http://orcid.org/0000-0002-2299-8065

1 Doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), bolsista UNIEDU. Professora no Instituto Federal Catarinense - campus Ibirama e na Universidade Regional de Blumenau. E-mail: thais_schlichting@hotmail.com.

i Doutorado em Educação- UNICAMP (2012). Professora na graduação e pós-graduação na Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: selpamarcia@gmail.com.


RESUMO

Transformações tecnológicas e reflexos da globalização são agentes que modificam dinâmicas sociais e profissionais. As formas de (inter)agir em sociedade, especialmente no mundo do trabalho, são reconstruídas ao longo do tempo. Aparecem, assim, novas demandas por perfis profissiográficos que respondam às transformações ocorridas. Reflete-se sobre o papel da educação superior e das perspectivas curriculares na formação desses futuros profissionais de distintas áreas. Ganham espaço nessa discussão, as metodologias ativas de aprendizagem que consideram o estudante o centro do processo de ensino e aprendizagem, aproximando as formações acadêmica e profissional. Nesse contexto, este artigo objetiva compreender aspectos históricos e princípios de dois formatos de metodologias ativas de aprendizagem e sua implementação em processos curriculares de educação superior no Brasil. Para tanto, são resgatados movimentos históricos de teorias e pressupostos que ajudaram na sistematização das seguintes metodologias ativas de aprendizagem: PBL (Problem Based Learning) e PLE (Project Led Education). São discutidos à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos princípios e orientações dessas metodologias, perfis e habilidades profissionais requeridas em projetos curriculares de dois cursos do ensino superior: Medicina e Engenharia, ambos considerados pioneiros na implementação da aprendizagem ativa. Os resultados sinalizam que movimentos históricos e princípios de metodologias ativas orientam novas propostas de desenhos curriculares na educação superior. As instituições analisadas propõem inserir os estudantes na cultura de solução de problemas, enfatizando aspectos de autonomia diante de situações reais no exercício da profissão; promover formação técnico-científica com atitudes ético-humanísticas e capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologias ativas de aprendizagem; PBL; PLE; Educação superior

ABSTRACT

Technological transformations and reflections of globalization are currently agents that modify social and professional dynamics, (inter) acting in society and, especially, in the world of work, are actions reconstructed over time. Thus, new demands appear for professional profiles that respond to the transformations that have occurred. It then reflects on the role of higher education and the curricular perspectives in the education of future professionals in different areas. In this discussion, the active learning methodologies gain space, they consider the student the center in the process of teaching and learning, they also approach the academic and professional formations of these students. In this context, this article aims to understand the historical aspects and principles of two formats of active learning methodologies and their implementation in curricular contexts of higher education in Brazil. In order to do so, historical movements of theories and assumptions that helped to systematize the following active learning methodologies: PBL (Problem Based Learning) and PLE (Project Led Education) are retrieved. The principles and guidelines of such methodologies and Course Curriculum Projects of two Brazilian higher education contexts are also discussed, based on what the National Curricular Guidelines define, one of Medicine and one in Engineering, as these are pioneering areas in the implementation of active learning. The results indicate that historical movements and principles of active methodologies guide new proposals for curricular designs in higher education. Both analyzed institutions propose to insert the students in the culture of solution of problems, emphasizing aspects of autonomy before real problems of their profession. They also provide technical-scientific education with ethical-humanistic attitudes and emphasize the ability to work in multidisciplinary teams.

KEYWORDS: Active learning methodologies; PBL; PLE; Higher education

RESUMEN

Las transformaciones tecnológicas y los reflejos de la globalización son actualmente agentes que modifican dinámicas sociales y profesionales, (inter) accionar en sociedad y, especialmente, en el mundo del trabajo son actuaciones reconstruidas a lo largo del tiempo. Aparecen, así, nuevas demandas por perfiles profesiográficos que respondan a las transformaciones ocurridas. Se reflexiona sobre el papel de la educación superior y las perspectivas curriculares en la formación de estos futuros profesionales de distintas áreas. En esa discusión, metodologías del aprendizaje activo ganan espacio porque consideran al estudiante el centro del proceso de enseñanza y aprendizaje y, aún, acercan las formaciones académica y profesional de estos estudiantes. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo comprender aspectos históricos y principios de dos formatos de metodologías de aprendizaje activo y su implementación en contextos curriculares de educación superior en Brasil. Para ello, se rescatan movimientos históricos de teorías y las conjeturas que contribuyeron para la sistematización de las siguientes metodologías de aprendizaje activo: PBL (Problem Based Learning) y PLE (Project Led Education). Se discuten, a la luz de lo que definen las Directrices Curriculares Nacionales, principios y orientaciones de tales metodologías y son analizados Proyectos Curriculares de Curso de dos contextos de educación superior brasileños, uno del área de la Medicina y uno de la Ingeniería, que se consideran pioneras en la implementación del aprendizaje activo. Los resultados señalan que movimientos históricos y principios de metodologías activas orientan nuevas propuestas de dibujos curriculares en la educación superior. Ambas instituciones analizadas proponen insertar a los estudiantes en la cultura de solución de problemas, enfatizando aspectos de autonomía ante problemas reales de su profesión. Proponen también una formación técnico-científica con actitudes ético-humanísticas y señalan la capacidad de trabajar en equipos multidisciplinarios.

PALABRAS CLAVE: Metodologías activas de aprendizaje; PBL; PLE; Educación universitaria

1 INTRODUÇÃO

As diversas transformações tecnológicas e os reflexos da globalização são agentes modificadores das dinâmicas sociais e, por conseguinte, também profissionais. Assim, os modos de (inter)agir em sociedade e, especialmente, no mundo do trabalho têm sido transformados, visto que a partir de novas demandas, representações sociais de diferentes meios profissionais têm se modificado. Áreas técnicas como a Engenharia e a Medicina, então, embora sejam historicamente compreendidas como espaços de conhecimentos científicos, tecnológicos e instrumentais estritamente ligados ao seu campo, atualmente demandam dos profissionais competências e habilidades, como colaboração em equipes multiprofissionais e autonomia intelectual para resolver problemas nas diferentes situações reais do seu cotidiano.

Cada vez mais, a interação com diferentes pares sociais requer profissionais que saibam atuar em distintas situações, que usem uma linguagem apropriada e acessível para variados interlocutores e que apresentem agilidade na tomada de decisões. Para além disso, com a maior aproximação entre áreas do saber, a capacidade de atuação em equipes multiprofissionais também emerge das necessidades de atuação social em diferentes esferas profissionais, no contexto atual, o que reflete, em certa medida, em ações de gestão, tanto de pessoas quanto de recursos.

Pondera-se, então, sobre as formas como a educação superior está preparando os futuros profissionais para esse meio tecnológico, interacional e profissional, como as demandas sociais refletem (ou não) no modo como está sendo organizada e pensada a educação superior brasileira. Nesse sentido, ganham espaço nas discussões as chamadas teorias e metodologias ativas de aprendizagem. As metodologias ativas de aprendizagem são conjuntos de orientações pedagógico-metodológicas que compreendem o estudante como centro do processo de ensino e aprendizagem, sujeito que deve participar ativamente do seu percurso formativo e interagir integradamente com conhecimentos teóricos e práticos. As metodologias ativas de aprendizagem são aquelas que resultam em uma aproximação entre as formações acadêmica e profissional e compreendem o conhecimento de forma mais complexa e integrada (MORAIS, 2009; RIBEIRO, 2010).

Inserido nesse tema de discussões que ganha cada vez mais espaço nos meios que formalizam os documentos que orientam a educação brasileira (em especial, a educação superior), o presente artigo tem como objetivo compreender aspectos históricos e princípios de dois formatos de metodologias ativas de aprendizagem e experiências curriculares de educação superior no Brasil. Para tanto, focalizam-se as seguintes metodologias: o PBL (Problem Based Learning) e o PLE (Project Led Education). A seleção por essas duas metodologias se deu, em especial, por conta dos movimentos internacionais de implementação do PBL e do PLE e seus resultados significativos, de ponto de vista de feedback dos participantes (acadêmicos e docentes). Vale mencionar, ainda, que na bibliografia e em documentos curriculares, o PBL pode ser referido tanto como metodologia baseada em problemas, quanto em projetos. Para distingui-los, neste artigo, adota-se a nomenclatura utilizada por instituições europeias, que têm sido referências na implementação das metodologias ativas na educação superior brasileira.

Para atingir o objetivo ora proposto, após esta breve introdução, são apresentados acordos metodológicos de construção da pesquisa. Em seguida, discutem-se aspectos históricos de postulados teóricos e metodológicos que, de alguma forma, contribuíram para a constituição das metodologias ativas. Na quarta seção, são debatidos princípios e possibilidades das duas metodologias escolhidas para aprofundamento neste trabalho: PBL e PLE. Então, são analisados aspectos curriculares de Projetos Pedagógicos de Curso (doravante PPC) de dois contextos de educação superior brasileira, a saber: um curso de Engenharia de Produção e um curso de Medicina. A escolha por essas áreas se deu, pois conforme poderá ser observado na seção de histórico deste artigo, são esferas pioneiras na implementação das metodologias ativas de aprendizagem em nível mundial. Ao final deste artigo, apresentam-se as considerações e direcionamentos para novas pesquisas sobre o tema.

2 ACORDOS METODOLÓGICOS

Este estudo de abordagem qualitativa se caracteriza como uma pesquisa documental, visto que são analisados aspectos curriculares de dois PPCs, considerados “documentos institucionais” (GIL, 2010, p. 31). Para este estudo, foram realizados dois percursos investigativos.

O primeiro percurso se refere ao aprofundamento de elementos históricos, teóricos e conceituais, a saber: a) constituição das metodologias ativas; b) princípios e possibilidades da aprendizagem ativa na educação superior1; c) conceitos e orientações de duas metodologias ativas de aprendizagem: o PLE (project led education) e PBL (problem based learning).

O segundo percurso está relacionado à análise de documentos curriculares públicos e institucionais. São eles: dois Projetos Pedagógicos, um do curso de Engenharia e outro do curso de Medicina de duas instituições distintas que trazem evidências de metodologias ativas de aprendizagem.

A escolha dos Projetos ora analisados se deu a partir dos seguintes critérios pré-estabelecidos: a) que constassem as definições de PBL ou PLE no documento, para que fosse possível compreender a orientação teórica que guia a implementação; b) que apresentasse as dimensões pré-definidas para a análise (perfil profissiográfico, competências e habilidades do profissional, características curriculares flexibilizadoras).

A partir de uma busca geral em sites de instituições de ensino superior brasileiras, foram selecionados dois PPCs para a análise mais criteriosa. Aspectos dos contextos estão dispostos no Quadro 01, a seguir:

Quadro 01 Aspectos gerais dos PPCs analisados. 

Instituição 1: Instituição 2:
Curso: Engenharia de Produção Medicina
Metodologia adotada: Ensino baseado em projetos (PLE) Ensino baseado em problemas (PBL)
Caráter: Privada Pública
Região do País: Sudeste Norte
Duração: 6 anos (12 semestres - Noturno) 6 anos (12 semestres - Integral)
Ano de publicação: 2015 2012 - Atualizado em 2014

Fonte: as autoras com base nos PPCs das Instituições 1 e 2.

Conforme se observa no Quadro 01, a análise foi realizada partindo-se das duas metodologias ora discutidas: o PBL e o PLE. Vale ressaltar que este estudo propõe uma análise documental (CELLARD, 2008) a partir da qual se tece uma discussão sobre o currículo da educação superior, de modo a estabelecer um diálogo entre o campo da Educação e da formação em Engenharia e em Medicina, conforme pressupostos teóricos e epistemológicos assumidos pelas pesquisadoras.

Para a discussão dos dados, foram considerados construtos teóricos da área do currículo e também teorias que discutem e embasam as metodologias ativas de aprendizagem. Na próxima seção, são apresentados inicialmente os movimentos históricos de constituição das teorias e metodologias ativas de aprendizagem. Levantamento, este, que sinaliza a vanguarda das áreas da Medicina e da Engenharia no que diz respeito à implementação de metodologias ativas de aprendizagem no âmbito mundial.

3 MOVIMENTOS HISTÓRICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A CONSTITUIÇÃO DAS METODOLOGIAS ATIVAS

A chamada aprendizagem ativa ou significativa tem influência de variados pressupostos teóricos e se trata de uma construção coletiva, empreendida por diferentes mãos e olhares teórico-metodológicos que se voltam a princípios orientadores comuns, especialmente quando se refere ao termo “projeto”.

A literatura é histórica e diversa no que tange ao surgimento do termo “projeto” relacionado a uma ferramenta de ensino e aprendizagem. Knoll (1997 apud ALENCAR; MOURA, 2010, p. 05 grifos do original) relata que

Recentemente, a investigação histórica tem feito grandes progressos na resposta à pergunta de quando e onde o termo ‘projeto’ foi utilizado, no passado, para designar um dispositivo de ensino e aprendizagem. Segundo estes estudos, projeto, ‘como um método de instrução institucionalizada’, não é um filho do movimento de educação industrial e progressista que surgiu nos Estados Unidos no final do século 19. A defesa atual é que ascendeu a partir do movimento de educação da arquitetura e engenharia na Itália, durante o século 16.

Os projetos foram, então, originalmente apresentados como integrantes do processo de ensino e aprendizagem já no século XVI, na educação em Engenharia e Arquitetura. O que ocorre, porém, é que a difusão desse dispositivo de aprendizagem ocorreu apenas anos mais tarde, com a transposição para as áreas da saúde (RIBEIRO, 2010).

No final do século XIX, a Educação Industrial e Progressista nos Estados Unidos ganhou força e evidência, fazendo com que as metodologias de ensino se transformassem e incorporassem elementos da vida cotidiana na formação educacional. Foi nesse período que a Universidade de Harvard instituiu, em seus cursos de Direito, o método de caso. Consistia, basicamente, na resolução de problemas característicos da esfera profissional dos estudantes de Direito, que expunham e trabalhavam os casos ao longo do curso. Dessa forma, foi implementada outra metodologia ativa de aprendizagem: a resolução de problemas, com moldes parecidos aos empreendidos hoje.

Entre 1895 e 1940, John Dewey, pedagogo norte-americano, publicou seus principais trabalhos. Dewey postulou que o conhecimento deveria se construir aliado à experiência, superando as práticas de memorização (DEWEY, 2002; 2011). Sob esse aspecto, o autor é considerado por muitos o precursor da metodologia baseada em projetos, justamente por ser o fundador da primeira escola de aplicação que se preocupava com o fazer da educação.

Anos depois, William Kilpatrick, pedagogo norte-americano, seguindo os pressupostos teóricos de John Dewey, levou para a sala de aula (em 1919), os princípios do pragmatismo deweyano e defendeu que os projetos desenvolvidos no processo de ensino e aprendizagem devem partir de problemas cotidianos. Segundo Barbosa e Moura (2013, p. 61),

John Dewey e William H. Kilpatrick […] são considerados os precursores da Aprendizagem Baseada em Projetos na era contemporânea. Na visão de Kilpatrick, o projeto com fins educacionais teria quatro fases essenciais: intenção, planejamento, execução e julgamento. Dewey considerava que os projetos realizados por alunos demandam necessariamente a ajuda de um professor que pudesse assegurar o processo contínuo de aprendizagem e crescimento.

Pode-se atribuir, assim, no início do século XX, a Dewey, seguido de Kilpatrick, a divulgação da aprendizagem baseada em problemas e projetos.

Concomitante às ações de Dewey e Kilpatrick, em 1910, foi publicado o Relatório Flexner, nos Estados Unidos e no Canadá. O relatório revelava falhas encontradas na formação médica, apontava possiblidades de mudanças no currículo das faculdades de Medicina e propunha que a educação fosse voltada ao estudante e à interdisciplinaridade (BRANDA, 2009). Foi introduzida, dessa forma, a ideia de renovar e atualizar o sistema de ensino na área de saúde. Anos depois, seriam instituídos currículos integrados e práticas educacionais no processo de ensino e aprendizagem em Medicina que refletiriam em muitas organizações educacionais de ensino superior.

Entre os anos de 1940 e 1960, mais especialmente na década de 1960, nos Estados Unidos e na França, surgiram pedagogias que se voltaram para o que chamaram de aprendizagem significativa, isto é, processos de ensino e aprendizagem que consideravam o estudante como um sujeito ativo que construía o seu conhecimento. Entre os principais teóricos desses movimentos, estava David Paul Ausubel.

Da metade dos anos 60 até o início dos 70, o momento histórico foi marcado pelas críticas à pedagogia tradicional, mudanças pedagógicas e de reconstrução nas concepções do processo de ensino e aprendizagem. No Canadá, a Mc Master University Faculty of Health Sciences, mudou o currículo do curso de Medicina e implementou o que hoje se conhece como Problem Based Learning (PBL). Segundo Ribeiro (2010, p. 14),

O PBL originou-se na Escola de Medicina da Universidade Mc Master (Canadá) no final dos anos 1960, inspirado no método de casos da Escola de Direito da Universidade de Harvard (EUA) na década de 1920 e no modelo desenvolvido na Universidade Case Western Reserve (EUA) para o ensino de medicina nos anos 1950.

Compreende-se, assim, a forma como a aprendizagem ativa articula princípios de diferentes orientações teóricas, isto é, os distintos movimentos que se integram e refletem nas orientações de metodologias ativas de aprendizagem. A Mc Master é reconhecida como o marco inicial do PBL em ensino superior, por meio da aprendizagem autodirigida, partindo de experiências que já existiam. O curso de Medicina teve seu currículo reconstruído, o que se caracterizou como um importante passo para a educação superior, não apenas na área da saúde, mas também em outras diversas áreas do saber.

Há de se mencionar, nesse contexto, o princípio da inter/multidisciplinaridade propostas pelas metodologias ativas de aprendizagem. Mais do que uma formação acadêmica/escolar específica, propunha-se a formação complexa, isto é, a que visa ao panorama geral no qual os estudantes estão inseridos.

Já em 1984, o Report of the Panel on the General Professional Education of the Physician and College Preparation for Medicine (GPEP reporter) marcou a disseminação do PBL pelos Estados Unidos e levou diversas universidades a atualizarem seus currículos de Medicina, seguindo a proposta da Mc Master. Esse relatório é compreendido como o responsável pela redução do número de aulas tradicionais e o aumento de metodologias ativas de aprendizagem na Medicina (PASSOS, 2003).

Em se tratando do contexto nacional, mais especificamente no ensino superior de Medicina, em 1990, o Brasil implementou duas propostas de PBL. A Universidade de Marília (São Paulo) e a Universidade de Londrina (Paraná) foram as primeiras instituições a reformularem os currículos dos cursos de Medicina no país, seguindo as orientações coerentes com a aprendizagem ativa (ZANOLLI, 2004).

Entre os anos 1997 e 1998, no Brasil, instaurou-se a Proposta FAMEMA, que era, “para os cursos de medicina e enfermagem, um processo de mudanças curriculares no sentido da integração básico-clínica e da utilização de metodologias ativas” (ZANOLLI, 2004, p. 53). Dessa forma, metodologias ativas de aprendizagem começaram uma nova fase no país: mudanças curriculares que apontavam para a teoria e prática realizadas em conjunto durante a formação acadêmico-profissional. Concomitantemente, os estudantes da área de saúde realizavam atividades teóricas e práticas.

A partir do final do século XX, o PBL foi sendo difundido em diferentes áreas do conhecimento e níveis de educação. Os princípios das teorias ativas de aprendizagem foram sendo implementadas em diferentes metodologias e ganhando espaço em discussões no âmbito das políticas e legislações de ensino.

Nesse contexto surgiu o Processo de Bolonha, embasado e permeado por perspectivas políticas educativas que tiveram como foco das discussões a maior integração e harmonização curricular do ensino superior na Europa. A partir das proposições do Processo de Bolonha, universidades europeias recorreram às metodologias ativas de aprendizagem, a fim de tornar seus currículos adequados àquilo que lhes foi apresentado pelas autoridades no documento. Uma área do conhecimento que tem realizado diferentes práticas baseadas na aprendizagem ativa é a Engenharia. Exemplos de currículos europeus de Engenharia organizados com base em metodologias ativas de aprendizagem, mais especificamente em problemas e projetos, podem ser encontrados na Saxion University (Holanda); Loughborough University (Reino Unido); Nottinghan University (Reino Unido); Aalborg University (Dinamarca) e Universidade do Minho (Portugal) (MOREIRA et al., 2014).

Reconstruídos alguns movimentos históricos de princípios de teorias e metodologias ativas de aprendizagem, compreende-se que não se tratam de concepções novas, mas inovadoras, pautadas em construções históricas que foram, por vezes, repensadas, reformuladas e dialogicamente construídas. Passa-se, então, aos princípios norteadores da aprendizagem ativa de modo a apresentar os reflexos desses movimentos na educação em Medicina e Engenharia no contexto brasileiro.

4 PRINCÍPIOS E POSSIBILIDADES DA APRENDIZAGEM ATIVA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Antes de serem apresentadas as reflexões acerca dos princípios da aprendizagem ativa, vale uma discussão acerca do porquê essas inovações metodológicas podem ser compreendidas como uma boa resposta às demandas profissionais atuais.

Ao se discutir a constituição curricular na educação universitária, é possível se deparar com três ênfases principais de ensino: i) voltado principalmente à ciência e à tecnologia (formação básica); ii) voltado para a cultura geral e cultivo das humanidades (formação geral) e; iii) essencialmente profissionalizante (formação profissionalizante) (PEREIRA, 2010). A escolha por uma ou mais ênfases está ligada às demandas e ideologias nas quais a universidade está inserida.

Reflete-se, assim, sobre a função da universidade como instituição social: seria formar para o mercado de trabalho ou formar um cidadão capaz de atuar no mundo do trabalho? Quais as diferenças entre um e outro?

Compreende-se, neste estudo, a formação geral como a mais coerente com o atual cenário mundial internacionalizado, pois as profissões estão inseridas em contextos diversos de atuação. Ao se ponderar acerca da formação acadêmica, considera-se que a função da universidade é a de “preparar o estudante para a atual sociedade e para este tempo histórico” (PEREIRA, 2010, p. 01). Mais do que formar um profissional, apresenta-se a necessidade de formar um sujeito com potencialidades de integrar-se ao mundo profissional. Aí, adentra-se pela diferença entre mundo e mercado de trabalho, sendo este último mais técnico e o primeiro, mais amplo e flexível.

A relação entre universidade e mundo do trabalho é evidenciada nas práticas baseadas nas teorias ativas de aprendizagem. Essa relação se caracteriza com ênfase na formação geral diante da formação técnica, pois as metodologias ativas têm a orientação de proporcionar que os sujeitos em formação transitem entre essas duas esferas de atuação social constituindo sua identidade de forma ampla.

O mundo do trabalho é compreendido neste artigo como uma esfera de atuação social dialogicamente constitutiva, na qual os sujeitos interagem com o meio em que estão inseridos, constituindo e sendo constituídos por esse meio. É a partir da inserção no âmbito do trabalho que os profissionais se apropriam das práticas características dessa esfera, interagem com diferentes interlocutores e fazem parte de distintas relações de poder. Assim, justifica-se a opção por metodologias ativas para uma formação mais significativa e adequada ao contexto profissional.

Essas mudanças renovadoras no âmbito da educação não são neutras, “pelo contrário, sempre surgem como resultado de um contexto social, de determinada concepção de educação e como respostas a necessidades emergentes para as quais os paradigmas atuais já não oferecem encaminhamentos aceitáveis” (MASETTO, 2012, p. 16). Movimentos de inovação no mundo da educação estão sempre ligados, portanto, às demandas encontradas na sociedade (local e global).

Ao se focalizar a educação superior, em especial, depreende-se que as inovações são respostas às demandas sociais e profissionais encontradas. O perfil do acadêmico que se deseja formar não está descolado das demandas que surgem com as inovações e transformações ocorridas na sociedade. Inovação na educação superior, sob essa ótica, deve ser entendida “como o conjunto de alterações que afetam pontos-chave e eixos constitutivos da organização do ensino universitário provocadas por mudanças na sociedade ou por reflexões sobre concepções intrínsecas à missão da educação superior” (MASETTO, 2004, p. 197). Dessa forma, compreende-se a relação entre as mudanças que ocorrem na sociedade e as inovações empreendidas na educação superior.

É no contexto de inovações e transformações que se inserem as diferentes metodologias ativas de aprendizagem. Embora sejam distintos movimentos metodológicos, os princípios norteadores são compartilhados e partem da compreensão de que o estudante é o centro do seu processo de ensino e aprendizagem. Sob essa perspectiva, o acadêmico é inserido em práticas, nas quais, ao se engajar ativamente, contando com a orientação de professores, constrói sua autonomia ao longo do processo de formação.

Uma das características da aprendizagem ativa na educação superior é a resolução de problemas. Por meio de atividades baseadas em situações reais do mundo profissional, os acadêmicos precisam apresentar respostas a problemas encontrados, articulando as teorias aprendidas na universidade às aplicações práticas.

Outro princípio norteador das metodologias ativas de aprendizagem é o desenvolvimento de capacidades transversais pelos acadêmicos. Como atuam em diferentes práticas e assumem distintos papéis sociais, majoritariamente em equipes, os estudantes desenvolvem características como a gestão de tempo, pessoas e recursos, além de saberem ocupar papéis sociais dentro dessas equipes. Dessa forma, as atividades mais práticas e contextualizadas pautadas na aprendizagem ativa refletem, também, na forma como o estudante vai encarar questões reais no cotidiano de trabalho.

Conforme já salientado na seção anterior, uma das características da aprendizagem ativa é a maior complexidade dos conhecimentos e práticas, pois evita-se a fragmentação do conhecimento, estando este em movimento de (re)construção e integração. Esse princípio está, também, consoante com as demandas sociais que sugerem, cada vez mais, uma aproximação entre as áreas do saber.

Outro princípio das metodologias ativas de aprendizagem é o trabalho pautado na multi ou interdisciplinaridade. Por não focalizar especificamente os conteúdos, mas questões reais, a aprendizagem ativa leva os acadêmicos a articularem os conhecimentos dos diferentes componentes curriculares de forma a visualizarem o panorama mais amplo no qual estão atuando.

As teorias e metodologias ativas de aprendizagem na educação superior são, portanto, aquelas que consideram o estudante como centro do processo de formação. A partir da orientação realizada pelos professores e da participação ativa em atividades situadas e reais do seu (futuro) campo de trabalho, os acadêmicos constituem sua autonomia na esfera acadêmica e participam de práticas características tanto da universidade quanto do mundo do trabalho.

A reflexão até aqui apresentada permite compreender que as metodologias ativas são aquelas que oferecem aos estudantes oportunidades de construir seu conhecimento por meio de atividades teórico-práticas, que instigam maior interação entre estudante, objeto e contexto de estudo, de modo a aproximar a formação acadêmica da atuação profissional.

Se há reflexos para a formação dos estudantes, as metodologias ativas também modificam a atuação dos professores que nelas atuam. Segundo Silva e Cecílio (2007, p. 64),

Em uma concepção inovadora de educação, o professor não se resume apenas àquele que ensina, que transmite o conhecimento, mas é aquele que é capaz de se relacionar com uma diversidade de estudantes, de mobilizar seus interesses e motivações e de, com eles, construir oportunidades de aprender e transformar. Isso significa abertura, capacidade de adaptação a experiências diferentes.

Além das mudanças no cotidiano dos estudantes, as concepções da aprendizagem ativa refletem (e dependem) diretamente da atuação docente. O professor toma um novo espaço no processo de ensino e aprendizagem e precisa estar preparado para novas indagações e descobertas que talvez não fossem recorrentes em contextos de ensino mais tradicional.

As metodologias ativas de aprendizagem orientam e intentam maior integração curricular, no sentido de que os conhecimentos sejam trabalhados de forma espiral, interdisciplinar e integrada. Suas orientações propõem, portanto, novos desenhos curriculares e mudanças metodológicas na forma que se dá o processo de ensino e aprendizagem a partir de projetos ou problema reais do cotidiano profissional. Na educação superior, a principal característica das metodologias ativas é aproximar os acadêmicos de seu (futuro) âmbito profissional. Essa aproximação pode ser feita de diversas formas, conforme já salientado.

O currículo pautado e organizado a partir de metodologias ativas de aprendizagem se apresenta em espiral, isto é, de forma a articular e integrar as práticas entre si. Nesse sentido, os conhecimentos não são trabalhados em uma única disciplina específica dentro de uma grade, mas construídos a partir de desenhos curriculares mais amplos e de forma processual, articulando os diferentes saberes nas distintas esferas sociais. Dentro dessas orientações, portanto, vale apresentar os conceitos e orientações de duas metodologias ativas: o PLE (Project Led Education) e o PBL (Problem Based Learning).

4.1 O PLE (Project Led Education)

O Project Led Education (Aprendizagem Baseada em Projetos) é uma metodologia atualmente bastante difundida em cursos de Engenharia, especialmente em contextos europeus de formação superior. Segundo Powell e Weenk (2003, p. 28), o PLE trata-se de uma

metodologia de caráter ativo e colaborativo, capaz de melhorar o processo de ensino-aprendizagem, numa articulação direta entre a teoria e a prática, através de um projeto que culmina com a apresentação de uma solução para um problema relacionado com uma situação real/profissional.

Por ser uma metodologia ativa de aprendizagem baseada em projetos desenvolvidos a partir de um problema relativo à área de atuação profissional, o PLE permite que o estudante chegue ao campo profissional com algum conhecimento prático, além de capacidades transversais, como já sinalizado. O PLE pode ser desenvolvido exclusivamente dentro da universidade, modelo no qual é proposto um mote inicial, como o desenvolvimento de um produto que resolva um problema da área da Engenharia. Ou pode ser empreendido por meio da inserção de grupos de acadêmicos em empresas, em forma de estágio, no qual devem encontrar e solucionar problemas reais do campo profissional com base nos conhecimentos construídos na academia. Nesse sentido, Bender (2015, p.25) considera a Aprendizagem Baseada em Projetos uma proposta de ensino apropriada para desenvolver competências e habilidades diante dos desafios do século XXI. A proposta, segundo o autor, motiva os estudantes a participarem efetivamente “do planejamento de projetos, pesquisa, investigação e aplicação de conhecimentos novos para que cheguem a uma solução para seu problema”.

O PLE é, portanto, baseado em problemas a serem desenvolvido durante um determinado período de tempo (um semestre, normalmente) e se caracteriza como um projeto grupal e interdisciplinar, discutido e acompanhado pelo corpo docente do curso. Possivelmente, nem todas os componentes curriculares do semestre se encaixem no projeto, o que os caracteriza como disciplinas de apoio indireto. Já as disciplinas de apoio direto, que são aquelas inseridas no projeto, têm suas ementas desenvolvidas de forma que os conteúdos trabalhados em sala de aula sejam utilizados pelos estudantes para chegar à resolução do problema sugerido no projeto.

Como a proposta é que os docentes trabalhem interdisciplinarmente, a abrangência de capacidades acontece de forma integrada e articulada. Além da parte da resolução do problema em si, o PLE estimula a produção de documentos que também são característicos da atuação profissional de áreas como a Medicina e a Engenharia, como relatórios, portfólios e diários de campo.

O PLE sugere o acompanhamento das equipes de estudantes por tutores que auxiliam no processo de resolução das atividades propostas. Os tutores, nesse contexto, são professores que lecionam ou não disciplinas para os estudantes e que acompanham os trabalhos desenvolvidos pelas equipes. A equipe de suporte aos estudantes é maior e além do trabalho diretamente ligado à resolução do problema, os tutores fazem as vias de conselheiros no que tange às relações dentro do grupo.

A título de síntese, o PLE trabalha em torno de um problema a ser resolvido, no qual os estudantes são o centro do processo e são auxiliados por professores (em aula e nas tutorias) que visam à solução do problema e o desenvolvimento de novas habilidades por parte dos acadêmicos.

4.2 O PBL (Problem Based Learning)

O Problem Based Learning (PBL), ou Aprendizagem baseada em problemas (ABP) em tradução literal, tem sido difundido em cursos da área da saúde, com especial destaque para o curso de Medicina e é uma proposta pedagógica que, segundo Berbel (1998, p. 152), “tem como inspiração os princípios da Escola Ativa, do Método Científico, de um Ensino Integrado e Integrador dos conteúdos, dos ciclos de estudo e das diferentes áreas envolvidas”. Nessa perspectiva curricular e metodológica, os estudantes “aprendem a aprender e se preparam para resolver problemas relativos à sua futura profissão”. Da mesma forma, Morais (2009, p. 04) destaca que “o estudante desenvolve atividades como obtenção e organização de dados, o planejamento, a imaginação e a elaboração de hipótese, além da interpretação e tomadas de decisão”.

O trabalho com PBL tem como ponto de partida um problema (real ou simulado) que deve ser resolvido pelos estudantes. Os acadêmicos são organizados em pequenos grupos, entre oito a dez estudantes, tendo como mediador um professor tutor. Assim, no PBL, desenvolve-se uma dinâmica entre a) o problema, e a partir dele se definem os objetivos de aprendizado; b) as discussões em grupos tutoriais, c) e o estudo individual, ou seja, o autoestudo.

Segundo Masson et al. (2012, p. 3), as principais características do PBL são: “1. O aluno é o centro do processo; 2. Desenvolve-se em grupos tutoriais; 3. Caracteriza-se por um processo ativo, cooperativo, integrado e interdisciplinar e orientado para a aprendizagem do aluno”.

Para melhor compreensão da Aprendizagem Baseada em Problemas, apresentam-se os sete passos de um grupo tutorial, segundo De Carvalho (2014, p. 304):

1. Leitura do problema, identificação e esclarecimento de termos desconhecidos.

2. Identificação dos problemas propostos.

3. Formulação de hipóteses (‘brainstorming’).

4. Resumo das hipóteses.

5. Formulação dos objetivos de aprendizagem.

6. Estudo individual dos objetivos de aprendizagem.

7. Rediscussão do problema frente aos novos conhecimentos adquiridos.

Ao refletir sobre as características do PBL, portanto, compreende-se que são seguidos os pressupostos da aprendizagem ativa, o princípio de ensinar o estudante a aprender, ou seja, se possibilita o desenvolvimento da autonomia.

Em relação ao PBL e ao PLE, há especulações sobre a mesma metodologia, com nomes diferentes. Segundo Fernandes, Flores e Lima (2009), porém, o que os diferencia é que, no PBL o problema a ser resolvido é mais restrito, bem como o tempo em que o trabalho é desenvolvido. E no PLE, o problema é de larga escala e o período de tempo é maior (cf. TAVARES; CAMPOS, 2014).

Ainda assim, é possível ver aproximações entre o PBL e o PLE, pois ambos visam mudanças pedagógicas e curriculares, a partir de uma nova organização de tempo e espaço, uma concepção metodológica e avaliativa condizente com a proposta, planejamento integrado com os docentes e que exige apoio pedagógico e institucional.

Para Campos (2011), o PBL tem sido um dos principais focos não apenas em relação à abordagem com metodologias ativas de aprendizagem, mas também como uma alternativa para a elaboração de currículos, a fim de trazer práticas inovadoras para a educação superior no Brasil, pois tem sido a metodologia ativa mais implementada e divulgada no contexto brasileiro de educação superior.

O PBL, portanto, vem se firmando como uma metodologia eficaz, que leva em conta os preceitos da aprendizagem ativa. No Brasil, o PBL é o mais realizado entre as inovadoras metodologias de ensino e aprendizagem, especialmente em contextos de formação superior em Engenharia e Medicina.

Na próxima seção, são discutidos dois conjuntos de aspectos centrais de PPCs de cursos de Medicina e Engenharia, a saber: a) perfil profissional e suas relações com os princípios e possibilidades das metodologias ativas de aprendizagem; e b) indicadores curriculares que sistematizam e orientam, de forma curricular, as metodologias ativas de aprendizagem na educação superior. Essa seleção foi realizada a fim de que possa compreender como são apresentados em seus currículos os pressupostos dessas metodologias e seus reflexos na educação superior, bem como na atuação no mundo do trabalho por parte desses sujeitos formados.

5 PROPOSTAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE PBL E PLE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

Apresentados os movimentos teóricos e metodológicos que contribuíram para a construção das metodologias ativas como são atualmente compreendidas e seus princípios e possibilidades, cabe uma apresentação de implementações que tenham sido empreendidas na educação superior brasileira.

Neste trabalho, são discutidas duas propostas curriculares que se pautam em metodologias ativas de aprendizagem: a) a Instituição 1, por meio de projetos integrados, solicita que os estudantes desenvolvam protótipos para a solução de problemas da área (Engenharia de Produção) e, como apoio, os grupos de estudantes contam com professores, tutores e alunos veteranos do curso; b) a Instituição 2 propõe um currículo pautado na integração dos conhecimentos, não em forma de disciplinas, mas de modo a propor problemas reais, da atenção primária à terciária do campo da saúde, a serem solucionados na interação entre os conhecimentos construídos nas unidades curriculares do curso de medicina.

Antes de seguirem-se as análises, é válido ponderar sobre a centralidade do currículo como documento que organiza e assevera o empreendimento de metodologias ativas de aprendizagem na educação superior. Pesquisas (SCHLICHTING, 2016; LIMA et al, 2011) sinalizam que a maior dificuldade para serem colocadas em prática propostas pautadas na aprendizagem ativa na educação superior é a disponibilidade de docentes para se engajar nas atividades dos projetos. Dessa forma, especialmente no Brasil, as iniciativas de implementação de PBL e PLE na educação superior são, ainda, muitas vezes, isoladas e partem de alguns docentes do curso. Assim, caso os projetos não estejam expressos em documentos curriculares, há a possibilidade de que não sejam mais empreendidos pelos demais docentes do curso. Estudos revelam resultados positivos na avaliação de acadêmicos formados por meio de metodologias ativas quando assumidos integralmente pelos docentes do curso (LIMA et al., 2011). Desse modo, o processo é uma construção política e social do currículo, entendida como “expressão de princípios e teorias de um determinado tempo histórico [...] e as múltiplas leituras e interpretações que se estabelecem” (HEINZLE; BAGNATO, 2015, p. 227).

Nesse sentido, há uma estreita relação entre o desenho curricular e a construção identitária dos docentes e acadêmicos por ele formados. De alguma forma, as práticas vivenciadas podem, em algum momento, refletir na constituição dos sujeitos, pois como defende Silva (1999, p. 150) em sua obra clássica, “o currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade”.

Passe-se a refletir sobre a atual concepção profissional que se projeta sobre o médico e o engenheiro: Qual a sua principal função na sociedade? Com o que ele irá conviver em seu dia a dia profissional? Que áreas, de modo geral, precisa conhecer? Talvez, alguns anos atrás, essas respostas fossem certas e, quem sabe, até óbvias. Entretanto, quando se reflete sobre o panorama atual, compreende-se a afirmativa de Hall (2005): “velhas identidades [...] estão em declínio”, pois a velha identidade tanto do médico quanto do engenheiro não pode ser transportada para a atual sociedade em que vivemos, além disso, esperar que esses profissionais tenham uma identidade estática não é possível.

Segundo Moreira e Macedo (2002, p. 17), o fenômeno da globalização provoca mudanças “na produção e no consumo, contribuindo para o surgimento de novas identidades. O desenvolvimento da tecnologia e dos meios de comunicação coloca em contato direto diferentes tempos e espaços, interconectando áreas geograficamente distantes em frações de segundo”. Dessa forma, vale uma discussão acerca do perfil profissiográfico, da identidade profissional que se deseja formar.

Segundo o PPC da Instituição 1, com base nas orientações expressas pelo Ministério da Educação (MEC), pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) e pela Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO), o perfil do profissional engenheiro que se deseja formar corresponde a:

Um profissional generalista com sólida formação científica e profissional que o capacite a identificar, formular e solucionar problemas ligados às atividades de projeto, operação e gerenciamento do trabalho e de sistemas de produção de bens e/ou serviços, considerando seus aspectos humanos, econômicos, sociais e ambientais, com visão ética e humanista em atendimento às demandas da sociedade. Complementarmente, esse profissional deve ser criativo e flexível, ter espírito crítico, iniciativa, capacidade de julgamento e tomada de decisão, ser apto a liderar e atuar em equipes multidisciplinares, ter habilidade em comunicação oral e escrita e saber valorizar a formação continuada (PPC Instituição 1, grifos nossos).

Depreende-se, do excerto do PPC, que o fundamento do discurso sobre a construção e apresentação do perfil profissional que se deseja formar se aproxima das orientações da aprendizagem ativa e demandam, necessariamente, mudanças nas metodologias empreendidas em sala de aula durante a formação desses sujeitos. Assim, quando são definidos aspectos da formação do acadêmico, defende-se uma formação generalista, para além da formação científica e estritamente profissionalizante (PEREIRA, 2010), mas que frisa a importância dos conhecimentos específicos de área quando salienta a sólida formação científica e profissional. Compreende-se, então, que existe um movimento de formação que abrange aspectos generalistas sem, contudo, que sejam prejudicadas questões relacionadas ao fazer específico do engenheiro. A formação, nesse sentido, expande-se para responder a demandas sociais históricas e contemporâneas que são impressas ao profissional da Engenharia. Dessa forma, a ideia de um acadêmico que atue estritamente na resolução de cálculos e listas de exercícios durante sua formação acadêmica dá espaço para uma nova organização do processo de ensino e aprendizagem no qual, obrigatoriamente, o acadêmico passe a atuar em distintas práticas mediadas pelo professor, muito embora este não seja mais o sujeito central na sala de aula. Essa ampliação de possibilidades metodológicas não quer dizer, porém, que seja abandonada a profundidade de compreensão técnica por parte do estudante em relação ao seu campo de formação. Há, nesse sentido, um duplo processo em relação às práticas empreendidas: uma horizontalização que resulta na ampliação de atividades e uma verticalização que reflete no aprofundamento teórico por meio de vias práticas.

Conforme discutido neste artigo, uma das possibilidades das metodologias ativas de aprendizagem é a maior aproximação entre as formações acadêmica e profissional. A partir dessa efetiva inserção no mundo do trabalho, o acadêmico passa a interagir com pessoas, documentos, recursos e, também, feedbacks das decisões que toma. Tais ações possibilitam que, já durante a formação, ele passe a atuar com aspectos humanos, econômicos, sociais e ambientais, com visão ética e humanista em atendimento às demandas da sociedade. Dessa forma, ao resolver problemas dentro do âmbito de projetos curriculares, o acadêmico tem a possibilidade de compreender melhor a dinâmica na qual está se inserindo e aspectos centrais de sua formação, como a gestão de recursos e pessoas, podem ser trabalhados já durante a formação inicial. Por meio da formação pautada em metodologias ativas de aprendizagem, o acadêmico vai compreendendo como ser engenheiro, pois “o sujeito aprende a ser engenheiro no momento em que entra no mercado de trabalho, até então, estava sendo preparado para isso. [...], mas não se pode esquecer que a formação se conecta amplamente ao trabalho” (HEINIG; FRANZEN, 2013, p. 17).

Dentre as funções do engenheiro, estão as demandas por identificar, formular e solucionar problemas, pois no cotidiano profissional essas questões são recorrentes e não aparecem com prévio aviso. Ao inserir os estudantes na cultura de solução de problemas, seja pelo PBL ou pelo PLE, as metodologias ativas de aprendizagem preparam, de forma prática, para questões que são recorrentes no cotidiano profissional e que, em currículos desenhados por meio de disciplinas individualizadas, muitas vezes não podem ser abordadas por questões como: falta de tempo, ausência de docentes que aceitem redesenhar as ementas de suas disciplinas ou mesmo disponibilidade para rever o método de ensino a fim de abarcar esses aspectos da formação.

Vale destacar, ainda, que o PPC da Instituição 1 define que uma das características do profissional que se desejar formar é alguém que possa atuar em equipes multidisciplinares, ter habilidade em comunicação oral e escrita. Conforme discutido, um dos princípios da aprendizagem ativa é a multidisciplinaridade, justamente por considerar o conhecimento complexo e, portanto, não passível de inúmeras fragmentações. Ao assumir uma construção curricular pautada na aprendizagem ativa, portanto, é necessário considerar como o profissional em formação irá atuar e se inter-relacionar com os demais profissionais no meio. Outro aspecto que chama a atenção nesse excerto é a consideração pela comunicação, pois para além da convivência com outras áreas do saber, é necessário que o profissional saiba com elas interagir, o que é efetivado por meio da linguagem - oral e escrita. Dessa forma, mais do que uma ferramenta, a habilidade de comunicação oral e escrita passou a ser considerada como parte constituinte da atuação profissional do engenheiro (e de toda área do saber), pois se inserir nesses campos especializados é dominar as linguagens que nele circulam (SCHLICHTING, 2016).

Sob o aspecto do perfil do profissional que se deseja formar, a Instituição 2 define, com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais (doravante DCNs) para os cursos de Medicina, o perfil profissiográfico:

Profissionais médicos inseridos na rede de saúde pública do interior do Estado [nome do estado], com forte vinculação à realidade sócio-econômica e cultural das regiões envolvidas e compromisso com a qualificação da assistência em saúde prestada à população. Esses médicos deverão ser capazes de aliar qualificada formação técnico-científica com atitudes ético-humanísticas que os possibilitem trabalhar em conjunto com outros profissionais, atuando nos diversos níveis da atenção à saúde, desde a promoção, prevenção, cura e reabilitação. Por contemplar processo de formação inserido na comunidade e no Sistema Único de Saúde, o curso inclui em sua missão formar profissionais adequados para atuar efetivamente no mercado de trabalho em seus diferentes contextos, com ênfase no contexto rural e fora dos grandes centros urbanos, valorizando sempre as necessidades de saúde da (nossa) população e seus valores éticos e culturais (PPC Instituição 2, grifos nossos).

Verifica-se, nesse excerto, o foco inicial na formação para o contexto no qual a Instituição está inserida, pois é salientada a forte vinculação à realidade sócio-econômica e cultural das regiões envolvidas. Reflete-se, em relação a esse aspecto, sobre a forma como as metodologias ativas de aprendizagem podem, de forma prática, proporcionar ao acadêmico em formação uma compreensão do meio profissional. Por meio de uma aproximação entre a formação acadêmica e profissional, é possível que o estudante já tenha um prévio conhecimento e uma base do meio no qual está se inserindo. Assim, a sua atuação fica mais bem delineada, torna-se mais claro o caminho a ser trilhado, visto que o contexto, a cultura e os costumes de um local podem influenciar na atuação profissional de diferentes áreas, especialmente na Medicina2. Há de se considerar, ainda, que a compreensão dessa realidade local é dependente de uma interação com o meio no qual os acadêmicos irão atuar, um transitar entre as esferas acadêmica e profissional que, conforme exposto neste texto, é um fundamento de metodologias ativas de aprendizagem na educação superior (seja por meio de projetos de inserção no mundo profissional ou pela resolução de problemas característicos desses meios de atuação).

Mais uma vez, são salientados aspectos centrais da aprendizagem ativa como aliar qualificada formação técnico-científica com atitudes ético-humanísticas e a capacidade de trabalhar em conjunto com outros profissionais. Por excelência, o médico atua com outros profissionais da área da saúde e, para além disso, interage como pacientes e familiares, o que demanda um conhecimento ético-humanístico na forma como se relacionar com distintos pares sociais em diferentes situações. Essa interação é mais amplamente difundida em projetos curriculares organizados por meio de metodologias ativas de aprendizagem durante a atuação em equipes para a realização dos projetos ou da resolução dos problemas. A organização dessas equipes de trabalho demanda uma interação mediada pelos professores, mas empreendida pelos acadêmicos, que pode resultar em uma melhora na compreensão dos acadêmicos em formação sobre a atuação em equipes e as demandas que esse trabalho colaborativo representa.

Ainda no que diz respeito ao perfil do profissional que se deseja formar, a Instituição 2 defende que devem ser profissionais adequados para atuar efetivamente no mercado de trabalho em seus diferentes contextos [...] valorizando sempre as necessidades de saúde da (nossa) população e seus valores éticos e culturais. Nesse sentido, salienta-se a capacidade do profissional de se inserir em distintos contextos, diferentes meios de atuação da área, o que requer que o profissional seja adaptável e versátil e que tenha conhecimento desses diferentes meios e possa, sem prejuízo do desempenho, transitar entre os contextos. Reflete-se, assim, sobre como os desenhos curriculares conseguem dar conta dessa formação.

Como as metodologias ativas são empreendidas em grupos de estudantes, as tarefas dos projetos são divididas entre esses acadêmicos (SCHLICHTING, 2016) e, para que a formação seja mais sólida, os graduandos precisam transitar entre essas tarefas, o que possibilita uma atuação mais autônoma nas atividades do projeto. Da mesma forma, no mundo do trabalho, os médicos precisam de autonomia para transitar entre os diferentes contextos da sua área de formação, a fim de que haja a capacidade de tomar decisões com autonomia, mas sem perder de vista o contexto mais amplo no qual se está inserido. Nesse sentido, a rotação nas atividades acadêmicas dos projetos possibilita uma formação no sentido de como realizar essa transição entre atividades e contextos, além da sinalizar as habilidades que o profissional precisa desempenhar em cada um desses meios de modo a valorizar e priorizar as necessidades do público que atende.

Estritamente ligadas ao perfil do profissional que se deseja formar, estão as habilidades que esses profissionais precisam desenvolver. A atuação no mundo do trabalho, dessa forma, depende das habilidades e capacidades que o sujeito apresenta ao desempenhar o seu trabalho. Nesse sentido, as metodologias ativas de aprendizagem demandam dos acadêmicos tanto competências e habilidades específicas da área do saber, quanto competências gerais, que dizem respeito, de forma mais ampla, ao fazer profissional. Neste artigo, debatem-se as competências e habilidades gerais, visto que essas são o diferencial da aprendizagem ativa.

A seguir, são apresentadas as competências e capacidades esperadas pelos profissionais da Instituição 1 e da Instituição 2, as informações contidas nos PPCs foram sintetizadas e sistematizadas em forma dos Quadros 02 e 03. A discussão é empreendida de forma articulada, a fim de que o texto não se torne repetitivo.

Quadro 02 Competências e capacidades curso de Engenharia Instituição 1 

Competências gerais: Capacidades demandadas:
Criatividade Buscar soluções inovadoras.
Flexibilidade Adaptar-se a novas situações.
Espírito crítico Abertura para mudanças de paradigmas.
Iniciativa Antecipar fatos.
Tomada de decisão Solucionar diversos problemas.
Liderança Incentivar e influenciar seus colaboradores.
Comunicação Transmitir informações e ideias de forma eficaz a vários interlocutores.
Valorização da formação continuada Identificar e aprimorar suas necessidades educacionais.

Fonte: as autoras com base no PPC Instituição 1.

Muito embora, conforme sinalizado no Quadro 01, o PPC da Instituição 1 ora discutido tenha sido publicado em 2015, o documento mostra estar coerente com demandas apresentadas pelas Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia publicadas em 2019. Atualmente, as DCNs defendem que:

A formação em Engenharia deve ser vista principalmente como um processo. Um processo que envolve as pessoas, suas necessidades, suas expectativas, seus comportamentos e que requer empatia, interesse pelo usuário, além da utilização de técnicas que permitam transformar a observação em formulação do problema a ser resolvido, com a aplicação da tecnologia (BRASIL, 2019, p. 29).

Ao refletir-se sobre essa necessidade de mudança na formação em Engenharia apresentada pelas DCN no tópico intitulado “foco na formação através do desenvolvimento das competências”, compreende-se que já em 2015 a Instituição 1 caminhava ao encontro daquilo que foi documentado e padronizado anos depois por conta de uma tendência internacional à formação generalista do engenheiro e que veio a refletir nos documentos que regulamentam e orientam os cursos superiores em engenharia.

Ao estimar as competências e respectivas capacidades apresentadas no Quadro 02, a Instituição 1 sinaliza uma mudança na identidade do engenheiro que se pretende formar e aponta para uma atuação mais flexível do profissional da Engenharia. Essa formação também apresenta uma ruptura com o que historicamente é compreendido como a educação em Engenharia ao demandar um profissional criativo, flexível e crítico (não apenas alguém que executa exercícios de repetição); alguém que tenha iniciativa e capacidade de tomar decisões (de forma prática e autônoma); um engenheiro que se apresente como um bom líder e que saiba se comunicar (muito embora, historicamente, o profissional da engenharia não fosse visto como alguém atuante em situações nas quais práticas de leitura, escrita e oralidade - como argumentação - fossem centrais). E, muito relevante ainda, alguém que compreenda a formação como um processo que não se finda com a graduação.

Quadro 03 Competências e capacidades do curso de Medicina na Instituição 2 

Competências gerais: Capacidades demandas:
Atenção à saúde Promover ações de prevenção, proteção e reabilitação da saúde de forma integrada às demais instâncias do sistema de saúde.
Tomada de decisões Avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas.
Comunicação Desenvolver comunicação verbal, não verbal; escrita e leitura; dominar pelo menos uma língua estrangeira e tecnologias de comunicação e informação.
Liderança Assumir compromisso, responsabilidade e empatia, tomar decisões, comunicar e gerenciar de forma efetiva e eficaz.
Administração e gerenciamento Tomar iniciativa, gerenciar força de trabalho e recursos, exercer liderança em equipes de saúde.
Educação permanente Aprender continuamente tanto na formação quanto na prática.

Fonte: as autoras com base no PPC Instituição 2.

O PPC da Instituição 2, ora analisado, foi publicado em 2012 e sofreu uma atualização em 2014 que mantém a maior parte do texto base e mostra maior consonância com as DCNs do Curso de Graduação em Medicina publicadas em 2014. Neste artigo, atualizou-se a análise, considerando ambas as publicações do documento.

Em relação às competências e habilidades previstas no PPC da Instituição 2, percebe-se consonância com o já preconizado pelas DCNs do Curso de Graduação em Medicina, na Resolução n.º 4.2001, e que foi atualizado e aprofundado nas DCNs Resolução CNE/CES 3/2014. Esta alteração também sinaliza uma tendência que vem, processualmente, sendo colocada em prática no contexto de educação superior brasileiro: a articulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes, para o futuro exercício profissional do médico, prevista posteriormente na Resolução n.º 3/2014. Há de se destacar o que diz o Art. 32, dessa mesma Resolução: “o Curso de Graduação em Medicina deverá utilizar metodologias ativas e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso [...]” (BRASIL, 2014, p. 46), pois fortalece as propostas curriculares inovadoras em processo.

De acordo com Heinzle (2012), é no contexto do ideário da flexibilização que foram promulgadas as Diretrizes Curriculares Nacionais na área da saúde enfatizando a possibilidade de utilizar diferentes cenários de prática, permitindo ao acadêmico conhecer e vivenciar situações variadas de vida e do trabalho em equipe multiprofissional.

A representação social e a identidade do profissional de Medicina, que está representada no PPC da Instituição 2, também aponta para uma mudança de paradigma de demanda social reflete diretamente no conhecimento e na forma como esse conhecimento é abordado na educação superior na área da saúde. A exemplo da formação em Engenharia, as competências exigidas do profissional da área médica transcendem o conhecimento técnico (muito tempo focado em doenças) e se expande a conhecimentos que contemplem a saúde de modo mais geral. Ademais, são solicitadas capacidades desenvolvidas no âmbito de metodologias ativas de aprendizagem, como: tomada de decisão (necessária na tentativa de resolver um problema que não tem apenas uma resposta padronizada em gabarito); comunicação; liderança; gestão (fundamentais na atuação em equipes durante os projetos) e, mais uma vez, a compreensão de que a formação não se finda no curso de graduação, mas é um processo ativo no qual o sujeito precisa se engajar.

Ao serem analisadas de forma coletiva, as habilidades, capacidades e competências gerais demandadas a médicos e engenheiros, de alguma forma, dialogam entre si. Aspectos como tomada de decisões, liderança, comunicação, formação continuada e permanente e iniciativa para administração e gerenciamento são capacidades demandadas em ambos os contextos de atuação. Compreende-se que essas competências gerais comuns são esperadas de profissionais formados por esses currículos debatidos neste trabalho. Entretanto, tais demandas também são impostas aos profissionais formados por meio de outros desenhos curriculares.

Há a necessidade de refletir, assim, sobre a centralidade dessas competências no cotidiano de diferentes áreas do saber, para além da Engenharia e da Medicina. Não seriam essas competências comuns a distintas esferas profissionais nas quais o profissional tem um mínimo de autonomia?

Mais profundamente, é válida a reflexão de que essas capacidades e competências demandadas aos profissionais fazem parte de uma formação complementar que, nem sempre, está defendida nos currículos, mas que recorrentemente é solicitada dos profissionais. Assim, compreende-se que as metodologias ativas de aprendizagem são um possível caminho para uma formação mais abrangente e que prepara os futuros profissionais de modo a sinalizar potencialidades necessárias para a sua atuação, constituindo identidades coerentes com as demandas sociais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme ressaltado, este artigo foi orientado pelo objetivo de compreender aspectos históricos e princípios de dois formatos de metodologias ativas de aprendizagem e aspectos em contextos curriculares de educação superior no Brasil. Para tanto, foram pesquisados aspectos históricos de constituição das metodologias ativas de aprendizagem e analisados PPCs de cursos superiores de Engenharia e Medicina no Brasil, com metodologias PLE e PBL.

Embora não haja consenso sobre como foram historicamente constituídas as metodologias ativas de aprendizagem, há pressupostos e movimentos que, analisados em conjunto, sinalizam a pluralidade da constituição dessas metodologias. Existem diversos movimentos de educação básica e acadêmica que compreendem o estudante como o centro do processo de ensino e aprendizagem e ponderam acerca da complexidade dos conhecimentos e da ampla articulação entre os saberes construídos e aplicados.

As variadas metodologias ativas de aprendizagem podem ser implementadas e empreendidas de diversas formas. São múltiplos os caminhos que podem ser seguidos. Todas essas metodologias, porém, são orientadas pelo papel central do acadêmico. A avaliação é processual; há desenvolvimento articulado entre formação acadêmica e profissional; existe aprofundamento de capacidades como gestão de tempo, pessoas e recursos, para além da formação técnica; além de maior articulação entre os conhecimentos.

Toda inovação responde a demandas apresentadas e impostas pela sociedade. As inovações educacionais não são diferentes. Mais do que formar profissionais para o mercado do trabalho, as metodologias ativas de aprendizagem são uma possibilidade para a formação de sujeitos dinâmicos, pragmáticos e ativos no mundo profissional, que, cada vez mais, é cheio de mudanças, inovações e transformações.

Compreende-se as metodologias ativas como uma resposta satisfatória às demandas apresentadas pela sociedade ao perfil profissiográfico do engenheiro e do médico. Salienta-se, porém, a centralidade do papel de desenhos curriculares que respaldem e defendam a efetiva prática das metodologias nos cursos de educação superior, a fim de que as tentativas de trabalho com projetos e resolução de problemas não fiquem isoladas.

A partir do discutido neste texto, emerge a possibilidade de se aprofundarem as pesquisas com egressos de contextos curriculares organizados por metodologias ativas que estejam atuando em sua área no Brasil. Essas possíveis pesquisas futuras podem mostrar como os profissionais analisam sua formação e seus conhecimentos tendo por base sua atuação profissional.3

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NOTAS

1 Neste texto, em alguns pontos usamos o termo “aprendizagem ativa” como forma sintetizada de “metodologia ativa de aprendizagem” como recurso de não repetição e para diferir do conceito de aprendizagem como concebido nas metodologias consideradas mais tradicionais.

2 Casos como religiões que não permitem a transfusão de sangue, grupos que não aceitam a ressuscitação são questões culturais, religiosas e contextuais que precisam ser conhecidas pelos profissionais, pois refletem, diretamente, na atuação do médico.

3 As autoras agradecem à CAPES e à UNIEDU pelo financiamento à pesquisa.

Recebido: 05 de Fevereiro de 2018; Aceito: 02 de Março de 2020

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