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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.2 São Paulo abr./jun 2020  Epub 15-Oct-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i2p473-479 

Editorial

A REVISTA E-CURRICULUM EM TEMPOS DE PANDEMIA

Antonio Chizzottii 
http://orcid.org/0000-0003-0939-5646

Maria Elizabeth Bianconcini de Almeidaii 
http://orcid.org/0000-0001-5793-2878

i Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: anchizo@uol.com.br

ii Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: bethalmeida@pucsp.br


A edição de número 2 do volume 18 da Revista e-Curriculum resultou de um grande empenho de pesquisadores e colaboradores, em período tenso e singular, com a expansão da pandemia da Covid-19.

O advento inesperado da pandemia, seus efeitos incertos e suas consequências imprevisíveis afetaram profundamente todos os aspectos da vida humana com o urgente confinamento da vida cotidiana, a delimitação sanitária das relações interpessoais, a interrupção das atividades econômicas e culturais, a suspensão do lazer, a remodelação do curso da educação, especialmente a educação básica. Em suma: não foram os aspectos e as atividades da vida diária que mudaram. A vida humana mudou.

O tratamento político paradoxal da pandemia agravou as incertezas sobre o vírus e seu controle, fomentou dúvidas acerca das providências saneadoras. A retórica oficial da União, contraditória e conflitiva, as diatribes políticas, a pândega presidencial e a instabilidade ministerial no campo da saúde contagiaram o imaginário social: despertaram fantasmas, criaram duendes e demônios, produziram e disseminaram rumores e fake news, que perturbaram, gravemente, o enfrentamento dos riscos e das consequências da pandemia.

Essas condições adversas e inesperadas acentuam a necessidade de resistência e ampliação das publicações decorrentes da pesquisa científica. Com esse propósito, a Revista e-Curriculum tem a satisfação de dispor ao público a edição de número 2 do volume 18 com artigos científicos da demanda contínua e do dossiê temático Web Currículo: Educação e humanismo, contribuindo para disseminar a produção da área de educação, revigorar a cultura de acesso aberto ao conhecimento disponibilizado na Internet e a circulação de questões, metodologias e resultados de investigação, respeitando os direitos autorais.

Além disso, esta edição contém novidades que intensificam a qualificação da Revista com a expansão de autores estrangeiros, a publicação de artigos em duas línguas - Português e Inglês - e o lançamento de uma nova sessão intitulada Ensaios Críticos para realçar artigos com essa característica, inaugurada com um artigo de Antonio Chizzotti, que convoca a reflexão sobre a retomada do humanismo diante da forte presença dos meios de comunicação digital na vida e na educação.

O tema adotado pelo dossiê Web Currículo contempla o eixo articulador do seminário homônimo realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no ano de 2019. Assim, educação e humanismo permeiam as reflexões sobre a integração entre o currículo e as tecnologias, nomeadamente as tecnologias digitais de informação e comunicação, consideradas linguagem e instrumentos da cultura, criadas e ressignificadas conforme as intencionalidades humanas. Tratar de web currículo significa considerar o desenvolvimento do currículo imbricado com as funcionalidades das tecnologias, as semioses, as linguagens, as mídias e os múltiplos letramentos mobilizados em processos de interação, criação, atribuição de significados e sentidos a informações, conhecimentos e valores advindos do diálogo intercultural.

No momento em que a sociedade convive com o isolamento social e apoia-se fortemente nas tecnologias digitais, sobretudo as da web, como mediadoras das relações sociais, serviços e manutenção das atividades pedagógicas, a instituição educacional começa a ser identificada também como um conceito abstrato para além do lugar físico frequentado em determinado tempo, onde se realizam os processos de ensinar, aprender, investigar e construir conhecimentos. Espaços educativos presenciais e virtuais se entrelaçam e se vinculam com outros espaços de conhecimento formais, não formais e informais, reconfigurados continuamente em função das intenções educativas associadas com necessidades, interesses, valores e relações estabelecidas entre pessoas, tecnologias, linguagens e objetos de conhecimento.

Ao mesmo tempo que a tecnologia digital impulsiona o movimento de reconhecimento do web currículo e de valorização da instituição educadora como um contexto fluido de vinculação entre distintos contextos acoplados com a sociedade, ela acentua e escancara o fosso digital, a perversidade e a desigualdade social, alijando da participação das atividades educativas os segmentos mais desassistidos dos serviços e bens culturais, que permanecem destituídos desse direito humano.

Ademais, a realidade conectada demanda a conscientização dos riscos, benefícios e desafios advindos da ubiquidade das tecnologias, que penetram nos relacionamentos, nos espaços domésticos e de trabalho e interferem nos modos como se aprende, se buscam dados e informações em distintos sistemas computacionais distribuídos, como os disponíveis nas bases de dados científicos com mecanismos automáticos para localizar publicações em diferentes fontes e veículos da Internet, agrupá-las e organizá-las em um novo espaço ou ambiente pessoal. Decorre daí a necessidade de reflexão a respeito do compromisso ético individual e coletivo com criticidade e responsabilidade sobre os dilemas provocados pela geração, localização, uso e disseminação de informações.

Essas considerações iniciais expressam a relevância do papel atribuído ao humanismo nas relações entre os homens e as tecnologias e especificamente entre o currículo e as tecnologias digitais, conforme referido no dossiê Web Currículo: Educação e humanismo, apresentado pelas organizadoras Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida e Roseli Zen Cerny. Vale registrar que a submissão de trabalhos a este dossiê extrapolou todas as expectativas das organizadoras, evidenciando a preocupação dos pesquisadores com as questões conclamadas pela chamada pública do dossiê.

Por sua vez, a demanda contínua contempla onze artigos avaliados por notáveis pareceristas com rigorosos critérios científicos e organizados de modo a garantir a diversidade de abordagens e autorias, ampla abrangência de regiões e instituições e aglutinados em torno das temáticas: Currículo e políticas curriculares; Currículo e ensino superior; Formação de educadores; Currículo e tecnologias; Educação profissional.

Os autores Carlos Cariacás e César Augusto Pérez Jimenez desenvolvem um estudo comparativo sobre o currículo dos cursos de Filosofia da Universidade Federal do Amapá (Unifap, Brasil) e da Universidad del Zulia (LUZ, Venezuela) com relação à educação para a cidadania. Os resultados denotam que o currículo de LUZ prioriza o diálogo com questões atinentes à cidadania, enquanto o currículo da Unifap tem como foco a profissionalização do aluno, em detrimento de problemáticas de cunho social. Compreender o lugar da cidadania no currículo da formação permite reconhecer a visão de homem e de profissional que as universidades estão preparando para o futuro.

O artigo de Marcos Garcia Neira, embasado no pós-estruturalismo, trata dos conteúdos do currículo cultural da Educação Física por meio de relatos da experiência de professores da educação básica que informam adotar essa abordagem. Os resultados revelam que os conteúdos englobam discursos verbais e não verbais concernentes às práticas corporais em atividades pedagógicas diversificadas, que problematizam as narrativas hegemônicas, com anúncio de uma ruptura com a visão tradicional do conhecimento e a valorização da diferença. O estudo poderia ser ampliado em novas etapas com intuito de tratar das experiências de professores sem identificar a priori a perspectiva que adotam.

As autoras Marilene Alves Fernandes e Leila Maria Camargo discorrem sobre as concepções curriculares dos professores indígenas que participam do Projeto do Magistério Indígena Tami’kan, de iniciativa da Secretaria de Estado da Educação de Roraima, por meio de uma pesquisa-ação desenvolvida a partir de uma oficina de intervenção com o propósito de analisar o entendimento dos professores a respeito do currículo intercultural e obter elementos para pensar as políticas de formação continuada voltadas ao currículo na prática das Escolas Indígenas do Estado de Roraima. As reflexões permitem compreender a necessidade de os formadores terem abertura ao diálogo intercultural e comunitário e respeitar o universo cultural dos professores indígenas. As considerações emanadas da pesquisa revelam elementos a considerar nos currículos da fronteira norte do Brasil e em outros contextos multiculturais.

Graziella Souza dos Santos, Simone Costa Moreira e Luís Armando Gandin analisam os desafios de uma experiência da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RMEPOA) para preservar a herança de um projeto contra-hegemônico, amparados em pesquisas desenvolvidas em escolas sobre as lutas por justiça social e curricular. Os resultados mostram que a rede de ensino enfrenta profundas transformações decorrentes de políticas que fragilizam a estrutura do projeto Escola Cidadã desenvolvido entre 1989 e 2004, mas há escolas que continuam com suas lutas e resistências. Essas escolas que se orientam pela herança do projeto Escola Cidadã acrescentam e engrandecem a herança para novas gerações.

O Programa de Residência Pedagógica adotado no estágio curricular obrigatório da Universidade Federal de São Paulo é estudado por Claudia Panizzolo e Marineide de Oliveira Gomes por meio de uma análise documental. Os resultados assinalam que a inter-relação entre formação inicial de professores, prática pedagógica e preceptoria da universidade, propiciada pelo estágio, coloca em diálogo teorias e práticas experienciadas e indica o potencial do Programa para desenvolver a formação de futuros professores segundo uma concepção reflexiva e emancipatória. Há evidências de que a Residência Pedagógica enseja a articulação entre a teoria e a prática autêntica vivenciada na realidade e cria uma sinergia de realimentação recíproca entre os agentes envolvidos.

O estágio curricular obrigatório na Licenciatura em Pedagogia também é tema do artigo de Valdeniza Maria Lopes da Barra, que dialoga com pesquisas sobre a configuração desse curso de ensino superior, conforme preconizado pela LDB 9.394/1996, e a atuação do pedagogo, identificando as implicações resultantes que evidenciam os sentidos atribuídos pela oposição entre docência como base da formação nas licenciaturas versus herança do bacharelado. Como resultado, detecta um possível hiato entre o pressuposto da docência como base identitária da formação do professor mediante o estágio realizado. Enfim, o estudo sugere a prevalência de questões velhas e novas que giram em torno do estágio curricular caracterizado como um divisor de águas entre o cumprimento de uma exigência obrigatória e a criação de um espaço de inter-relação entre teoria e prática.

Os autores Maurício Cesar Vitória Fagundes e Elisa Daniele de Andrade analisam a formação continuada de docentes, membros dos Conselhos Escolares e comunidade escolar de Unidades Educacionais do Campo do município de Araucária, considerada uma experiência democrática e emancipatória da Educação do Campo. Como resultados, identificam a necessidade de ampliar a oferta de formação continuada específica, o reconhecimento pelos participantes do poder e da capacidade profissional de realizar formação nessa perspectiva e propõem condições concretas para o exercício profissional docente. Tais conclusões indicam a coerência entre os fundamentos e intenções da formação e os efeitos alcançados.

O estudo de Ernandes Rodrigues do Nascimento, Isabel Pauline Lima de Brito e Maria Auxiliadora Soares Padilha versa sobre metodologias ativas no ensino superior com intuito de compreender como os docentes de dois cursos superiores se envolvem em uma mudança metodológica e descrever como os estudantes percebem esse engajamento ao experienciarem a implementação de tais metodologias, nomeadamente ensino híbrido, aprendizagem por projetos e por problemas. Por meio da análise teórica e descritiva, obtêm resultados da participação ativa de docentes no processo de transição metodológica, contudo 20% deles consideram que eram mais felizes no modelo tradicional de ensino, mostrando desconforto com as metodologias ativas. A pesquisa suscita reflexões acerca da pertinência da adoção de metodologias que acentuam o protagonismo do estudante por professores com outras preferências, concepções e crenças sobre o significado do ensino.

A avaliação da aprendizagem matemática em processo é enfatizada em artigo de Vera Mônica Ribeiro e Nielce Meneguelo Lobo da Costa a respeito de uma investigação desenvolvida por meio da verificação de documentos oficiais da rede de ensino do Estado de São Paulo, que são norteadores para a prática avaliativa do professor de Matemática na Educação Básica. Os resultados oferecem referências para a compreensão da análise da aprendizagem em processo, bem como sobre sua implantação, evolução e relevância para examinar a aprendizagem da Matemática em escolas dessa rede de ensino. Entende-se que a avaliação da aprendizagem em processo poderia se constituir como uma importante referência para outras áreas de conhecimento e componentes do Currículo paulista.

Fundamentados em estudos críticos e na própria experiência em pesquisa e docência em educação e tecnologia, os autores Giselle Martins dos Santos Ferreira, Jaciara de Sá Carvalho, Márcio Silveira Lemgruber e Luiz Alexandre da Silva Rosado estabelecem uma discussão teórica sobre recursos e estratégias pedagógicas de uso de tecnologias digitais em contextos educacionais. Para se contraporem às resistências fundadas em concepções simplistas sobre a relação educação-tecnologia, os autores desafiam essa polarização e propõem o enfrentamento das condições potencialmente adversas aos valores de uma educação voltada à formação de cidadãos críticos. Desse modo, desvelam a ideia de inovação subjacente ao mercado de artefatos digitais produzidos para fins educacionais.

A educação profissional no Estado do Ceará, segundo a crítica marxista, é tema do estudo de Ellen Cristine dos Santos Ribeiro, Thiago Chaves Sabino, José Deribaldo Gomes dos Santos e Betânea Moreira de Moraes em uma pesquisa teórico-bibliográfica. Os autores analisam os princípios, diretrizes, metas e objetivos dessa modalidade de educação, bem como investigam a relação entre formação do estudante e fortalecimento da qualificação profissional e da empregabilidade. O debate produzido propicia a compreensão crítica sobre o projeto de fortalecimento das Escolas Estaduais de Educação Profissional e Tecnológica visando ao desenvolvimento econômico-social do Estado e do País e apontando a debilidade do modelo inspirado pela lógica empresarial.

Enfim, a diversidade de temas, questões, fundamentos teóricos e metodologias evidenciadas nos artigos desta edição da Revista e-Curriculum convida à leitura e ao diálogo com ideias e estudos sobre currículo inter-relacionado com políticas curriculares, diferentes níveis e modalidades educacionais, tecnologias e formação de educadores.

O envolvimento com a urgência de obter os meios indispensáveis ao desenvolvimento científico absorveu as energias de muitos pesquisadores, entre os quais destacam-se os autores que submeteram seus artigos, os pareceristas, a equipe técnica e o conselho editorial, de modo a viabilizar a publicação desta edição no tempo programado. A Revista agradece, pois, a todos os que contribuíram com esta edição.

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