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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.2 São Paulo abr./jun 2020  Epub 15-Oct-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v18i2p480-487 

Apresentação

DOSSIÊ WEB CURRÍCULO: EDUCAÇÃO E HUMANISMO

Maria Elizabeth Bianconcini de Almeidai 
http://orcid.org/0000-0001-5793-2878

Roseli Zen Cernyii 
http://orcid.org/0000-0001-7882-8551

i Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: bethalmeida@pucsp.br

ii Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. E-mail: rosezencerny@gmail.com


A revista e-Curriculum tem um histórico de publicações sobre currículo e tecnologias desde sua edição inicial, no ano de 2005. A partir de 2011, ela incorporou a publicação de dossiês temáticos com foco em variados aspectos do currículo, entre os quais sua integração com as tecnologias. Assim, os dossiês relacionados a currículo e tecnologias tratam da natureza epistemológica, política e experiencial do tema, aglutinando publicações de autores de distintas instituições brasileiras e internacionais, propiciando a multiplicidade de vozes e olhares sobre diferentes ângulos.

A partir das discussões e homologação das políticas curriculares brasileiras propugnadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o tema currículo e tecnologias adquiriu maior evidência nas pesquisas científicas em virtude do enfoque dado por esse documento ao uso das linguagens midiáticas e tecnologias digitais na formação de estudantes da educação básica. Em que pese esse destaque, as propostas curriculares de redes de ensino apresentam diferentes abordagens relacionadas à integração de tecnologias no currículo, que variam entre a criação de componentes voltados ao ensino de tópicos de computação, como programação e robótica, a integração de tecnologias no currículo de distintas áreas de conhecimento em uma ótica de transversalidade ou a realização de atividades complementares, como o desenvolvimento de projetos com a mediação das tecnologias.

De modo semelhante, as políticas e as práticas curriculares de outros países também incorporaram as tecnologias entre seus temas de estudos, observando-se a existência de grupos de pesquisa de diversas áreas de conhecimento dedicados ao desenvolvimento de investigações sobre as problemáticas que lhes são inerentes.

Resultados de pesquisas evidenciam que a concretização dessas propostas se relaciona com aspectos pouco contemplados na realidade, entre os quais a formação inicial e continuada de professores voltada à apropriação pedagógica das tecnologias, à implementação de condições nas instituições educacionais no que tange à infraestrutura tecnológica, conexão à internet, tempo para o professor explorar as tecnologias, planejar suas aulas e compartilhar experiências com seus pares. Paralelamente, a evolução tecnológica enseja outras questões de investigação e de formação humana a respeito da oferta e adoção acrítica de novos serviços e “tecnologias inovadoras” apresentados como “solução” para os problemas da educação em detrimento da identidade institucional, da singularidade humana e do respeito à diversidade, fragilizando os processos curriculares mais humanistas. Convive-se, assim, com concepções centralizadas de currículo, cuja prática volta-se à implementação de informações do texto prescrito representado por meio de interfaces digitais, em oposição a propostas contextualizadas e dialógicas de currículo reconstruído na prática pedagógica mediada pelas tecnologias, com potencial de criação de redes de partilha de experiências e de convivência com múltiplas culturas, linguagens e letramentos, construção e disseminação de conhecimentos. Dessarte, evidencia-se a relevância dos princípios éticos, estéticos e democráticos apoiados na sensibilidade, racionalidade, reflexão e criticidade, que constituem a educação humanista.

Nesse contexto conturbado, de modo jamais imaginado, o ano de 2020 é abalado pela pandemia causada pelo vírus Covid-19 associada com as orientações erráticas das políticas públicas da educação nacional, agravada com o isolamento social, que tem gerado mudanças drásticas nos processos educacionais que interromperam suas atividades ou foram constrangidos a desenvolvê-las de modo remoto com suporte em plataformas computacionais on-line.

Esse panorama aterrador acarretou a necessidade de permanência das pessoas em seus lares, o que parece ter influenciado o surgimento de problemas de investigação atinentes a currículo e tecnologias, a intensificação na produção de conhecimentos por pesquisadores cujos olhares se voltaram para temas relacionados a currículo, tecnologias e humanismo.

Portanto, o tema do presente dossiê - Web Currículo: Educação e humanismo - despertou o interesse de uma grande massa crítica de pesquisadores, que acolheram o convite público para submissão de trabalhos, ocasionando intenso expediente para emissão de pareceres, diálogo com os autores para a devida revisão e organização do dossiê que ora se apresenta com um ensaio crítico e quatorze artigos.

O tema do dossiê Web Currículo: Educação e humanismo ganhou especial relevância neste momento histórico, marcado pela pandemia que interrompeu ou alterou radicalmente as atividades escolares e escancarou a mais perversa realidade decorrente da estrutura econômico- social profundamente ligada à tecnologia - as enormes diferenças sociais -, excluindo grande parcela de estudantes das atividades de “ensino remoto” propostas pelas redes de ensino. Ao considerar humanismo com o significado de valorizar o ser humano e de criar condições para o acesso e a apropriação crítica das tecnologias como direito humano universal, fortalecendo o preparo das novas gerações para a vida social, o lazer, o trabalho e a dignidade humana, são essenciais ter políticas públicas e ações que assegurem esse direito a todos.

Abrimos o dossiê com um presente aos nossos leitores, com o texto do estimado Professor Antonio Chizzotti, que de modo brilhante traz uma reflexão sobre o tema desta publicação. No ensaio intitulado “Humanismo, educação e tecnologia”, o Professor Antonio Chizzotti nos instiga ao desafio de criar um novo humanismo diante da revolução gerada pelos meios de comunicação e informação. Esperançosamente, acredita num humanismo “como a confiança perene no ser humano - o homem e a mulher - como o centro dos significados e a fonte dos valores dos quais dependem as esperanças e a capacidade de construção da vida”.

Na sequência, a Professora Cristina Ponte nos apresenta o artigo nomeado “Cidadania e escola no contexto digital”, no qual adota como ponto central a dimensão da cidadania e confronta, numa primeira análise, os resultados das pesquisas EU Kids On-line (Portugal) e TIC Kids On-line (Brasil). Na sequência, contrasta as políticas educacionais sobre cidadania em Portugal com as respostas dos jovens estudantes portugueses sobre a formação escolar que receberam no último ano em cidadania digital. A autora conclui que a relevância da escola como instituição social não deve bloquear as oportunidades oferecidas pelo digital nem ignorar seus riscos para uma cidadania plena.

Cidadania é um conceito que ganha especial importância no momento atual, diante do confinamento causado pela Covid-19, e deveria pautar as ações de ensino remoto em desenvolvimento no Brasil, pois, do contrário, corremos o risco de aprofundar as desigualdades sociais.

A parceria dos Professores Paulo Blikstein, José Valente e Éliton Meireles de Moura oportunizou uma reflexão aprofundada sobre como a educação maker pode ser integrada ao currículo do ensino básico, no artigo intitulado “Educação Maker: onde está o currículo?”, utilizando a pesquisa documental e a visita a instituições que estão implantando a educação maker. O material da pesquisa possibilitou a classificação em três grupos de atividades maker:

(a) desenvolvidas na escola, mas não relacionadas com o currículo; (b) as que estão relacionadas com uma ou duas disciplinas do currículo; (c) as que integram diferentes disciplinas do STEM- ampliado. Para os autores, o desafio é que os alunos compreendam os conceitos presentes nos produtos por eles construídos em contraposição a um ensino de conteúdos por meio do maker, contribuindo para romper com um currículo destituído de sentido para os aprendentes.

A partir da perspectiva do “currículo breve” presente na metodologia dos Episódios de Aprendizagem Situada (EAS), Pier Cesare Rivoltella e Monica Fantim, no artigo “Culturas na escola e o currículo breve: episódios de aprendizagem situada na formação”, discutem a possibilidade de práticas curriculares disruptivas, tendo como referência os desafios da complexidade e da cultura digital na escola e no currículo, considerando seus aspectos históricos e culturais. Evidenciam que a EAS pode ser uma abordagem diferente do currículo tradicional, reconceitualizando o discurso pedagógico e abrindo um canal promissor para ambientes educativos colaborativos, envolventes e mais inclusivos.

Por meio de um ciclo de investigação-ação, desenvolvido em contexto escolar numa turma do ensino secundário português, Teresa Ribeirinha e Bento Duarte Silva pretendem avaliar e compreender as percepções dos alunos sobre a Sala de Aula Invertida (SAI). O texto “Avaliando a eficácia da componente on-line da ‘sala de aula invertida’: um estudo de investigação-ação” apresenta e analisa o design e a implementação da SAI, organizada inicialmente em um ambiente on-line, com o uso de vídeos e, na sequência, com conteúdos debatidos e ampliados na aula presencial. As análises demonstraram uma satisfação dos alunos com o ambiente on-line, especialmente sobre a concepção dos vídeos. O desafio lançado pelos autores para experiências similares é a interatividade.

O conceito de diversão é central no artigo de Alessandra Okada e Kieron Sheehy, que problematizam o papel da diversão para estudantes do ensino superior em contextos de aprendizado on-line. No artigo “O valor da diversão na aprendizagem on-line: um estudo apoiado na pesquisa e inovação responsáveis e dados abertos”, a motivação inicial dos autores é contribuir para a redução da evasão, considerando o cenário atual da Covid-19. Na revisão de literatura, demonstram a escassez na literatura de investigações sobre os efeitos da diversão na educação. No estudo exploratório, evidenciaram que 91% dos respondentes de um questionário valorizam a aprendizagem on-line com diversão. No entanto, 19% apontam que a diversão pode tirar o foco dos estudos. Por fim, revelam a ambiguidade nos significados atribuídos à diversão e indicam ações que podem contribuir para incorporar a diversão na aprendizagem.

Uma Revisão Sistemática da Literatura (RSL) para caracterizar a produção científica disponibilizada pela revista e-Curriculum acerca das temáticas que tratam de currículo e tecnologia gerou o artigo de Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Gerlane Romão Fonseca Perrier, Lina Gonçalves e Cleide Maria dos Santos Muñoz, denominado “Currículo e tecnologia: revisão sistemática de literatura no âmbito da revista científica e-Curriculum. Nos 15 anos de existência da revista, foram publicados 571 artigos, dos quais 141 abordaram currículo e tecnologia. Por meio da análise de conteúdo, emergiram quatro categorias: formação e prática docente com projeto; tecnologia e currículo no contexto escolar; cursos, atividades e recursos; aprendizagem e construção do conhecimento. O elevado número de publicações sobre currículo e tecnologia revelou o compromisso da e-Curriculum com temas emergentes na área da Educação, suscitando o interesse em ampliar o período temporal das análises para nelas envolver o período que sucede a pandemia a fim de identificar a possível existência de novas tendências.

Ao lançarem o olhar para a cultura da escola, as autoras Milene Loio, Marina Bazzo Espindola, Roseli Zen Cerny e Nayara Muller Tossati investigaram como as escolas reconfiguram e recontextualizam o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) a partir de seus contextos específicos. Intitulado “A cultura da escola recontextualizando a integração das TDIC no currículo”, o estudo está ancorado nos fundamentos da Teoria Crítica da Tecnologia e, a partir da análise das falas de gestores e professores, evidencia as diferenças significativas que cada escola apresenta em seus contextos, especialmente na relação da gestão de infraestrutura, influenciando o uso das TDIC na escola e ressignificando sua integração no currículo. Os resultados revelam que valorizar as culturas locais e propor práticas pedagógicas a partir da realidade dos sujeitos da escola torna-se um caminho frutífero para uma educação emancipadora.

No texto de número oito com o título “Web currículo e diálogos com as tecnologias digitais no contexto ambiental da cibercultura”, os autores Graça Regina Ferreira e Marco Antônio Barzano se propuseram a dialogar com os saberes dos sujeitos com/no/do contexto ambiental por meio das tecnologias digitais. Essas interações foram ancoradas nos estudos do currículo e tecnologias digitais, com os estudos decoloniais e saberes ambientais, em diálogo com os praticantes curriculares, de forma multirreferencial. Destacam as potencialidades do uso das tecnologias digitais na educação básica, de forma modificadora de um currículo imerso na cibercultura, na qual os sujeitos volatizam a aprendizagem por meio das experiências vivenciadas no contexto ambiental quando articuladas a saberes e cotidianos vividos.

O potencial das tecnologias digitais na educação a distância é o foco do artigo “Aproximações entre as Tecnologias Digitais no ensino a distância e o Discurso Coletivo de Alunos”, dos autores Katia Godoi e Silva e Anderson Teixeira Rolim. O estudo é fruto de uma pesquisa num curso de licenciatura em Geografia, utilizando para análise dos dados o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), revelando que para essa coletividade há diversas razões que justificam a aplicação das tecnologias digitais nas práticas pedagógicas na modalidade a distância. O uso das tecnologias digitais como ferramentas pode favorecer o ensino e potencializar os processos de aprendizagem, portanto deveria ser um direito de todos os cidadãos.

Propondo como desafio para que o humanismo se mantenha como fundamento de nossas relações, Alessandra Rodrigues, no artigo “Narrativas digitais e experiência: exploração de conceitos e implicações para a educação em uma perspectiva humanista”, oferece uma revisão da literatura sobre a temática narrativas digitais. Fundamenta as análises em autores que defendem que as narrativas sejam humanistas e emancipatórias. Para tal, explora dois conceitos: narrativas digitais e experiência para propor caminhos possíveis para integração dessas narrativas à prática docente e aos currículos, procurando resgatar o humanismo como fonte de nossas relações. Os caminhos sugeridos se coadunam com os princípios éticos, estéticos e democráticos, apoiados na articulação entre sensibilidade, racionalidade e reflexividade, que orientam o tema deste dossiê.

Sustentado nos conceitos de currículo, tecnologias e ética, o artigo “Educação Maker e compromisso ético na sociedade da cultura digital”, de Tatiana Sansone Soster, Fernando José de Almeida e Maria da Graça Moreira da Silva, inspirado pelo primeiro programa maker desenvolvido no Brasil, realiza uma análise das produções bibliográficas que abordam os contextos educacionais que desenvolvem o movimento maker. Entre as conclusões, os autores realçam as potencialidades e o valor político-pedagógico que os ambientes maker trazem para a educação, enfatizando o caráter ético que pode estar subjacente aos projetos, em consonância com princípios humanistas.

A formação docente foi a temática eleita pelas autoras Cristina Martins e Lucia Giraffa para o ensaio nomeado “Práticas pedagógicas remixadas: relações entre estratégias pedagógicas da cultura digital e formação docente”. Elas abordam os desafios e as possibilidades para criar práticas pedagógicas que contemplem as expectativas e as necessidades de formação dos estudantes. Propõem uma Tríade Educacional Contemporânea: pensamento computacional, cultura maker e gamificação, sugerindo que o fazer docente adote práticas pedagógicas remixadas e articuladas com a cultura digital. Para favorecer essas práticas, o investimento na formação de professores é essencial. A tríade apresentada pelas autoras pode se constituir como um caminho para práticas docentes embasadas na integração currículo e tecnologias em uma abordagem humanista.

Ana Paula Kuhn e Cristiano Maciel estão presentes neste dossiê com o artigo “O estágio curricular no contexto da EaD: a relação entre teoria e prática na formação do pedagogo”. Os autores tratam um tema amplamente debatido e em contínua tensão na formação de professores: relação teoria e prática nos estágios curriculares, porém com um novo desafio: os estágios ofertados na modalidade a distância. Os resultados da pesquisa apontaram que a vivência do estágio curricular necessita potencializar o exercício da reflexão crítica acerca das práticas de ensinar e do saber docente. A articulação teoria e prática nos processos formativos constitui-se, ainda, um desafio para ambas as modalidades de ensino: presencial e a distância. O estudo oferece subsídios para os desafios concretos dos cursos de licenciatura no que concerne à realização do estágio curricular a distância, acompanhando as escolas que desenvolvem ensino remoto.

Marcos Souza Araújo apresenta o texto “Cultura digital em um curso de licenciatura Letras-Inglês: um estudo de caso”, cujo objetivo foi investigar a percepção dos alunos sobre o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na aprendizagem de Inglês. A pesquisa evidenciou que as TDIC podem contribuir para um comportamento inovador do professor, possibilitando o rompimento com as práticas tradicionais de ensino, nomeadamente de línguas estrangeiras, favorecido pelo conhecimento do professor. Os resultados do estudo oferecem relevantes informações para o ensino de línguas estrangeiras com a mediação das tecnologias digitais.

O conjunto dos artigos deste dossiê propicia-nos uma gama de temas, estudos e perspectivas, mas alguns são recorrentes, evidenciando a relevância de determinados assuntos e problemas e sua convergência com a proposta deste dossiê, entre os quais destacamos a discussão sobre o humanismo em tempos de cultura digital, a valorização dos contextos e cultura locais, a cidadania e o potencial das TDIC para os processos de ensino e de aprendizagem. Esperamos que as reflexões aqui apresentadas sejam inspiradoras de práticas humanizadoras que visem a uma educação emancipadora. Em tempos de confinamento e consequentes ações de ensino remoto, nosso olhar para essas questões é essencial, publicizando os processos de exclusão gerados por essas ações, bem como o potencial de ações realizadas.

Agradecemos a todos os que aceitaram o desafio de participar da construção deste dossiê, à equipe editorial da revista e-Curriculum, com carinho ao Professor Antonio Chizzotti e à Márcia Uchôa. Aos colegas que se dispuseram a compor a equipe de pareceristas, com um trabalho competente e cuidadoso. E, em especial, a todos os pesquisadores que compartilharam conosco suas pesquisas e reflexões, oportunizando um dossiê memorável. Somos muito gratas a todos!

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