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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.2 São Paulo abr./jun 2020  Epub 15-Oct-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i2p739-760 

Dossiê Temático 2020: Web Currículo: Educação e humanismo

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS REMIXADAS: RELAÇÕES ENTRE ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DA CULTURA DIGITAL E FORMAÇÃO DOCENTE1

REMIXED PEDAGOGICAL PRACTICES: RELATIONSHIP BETWEEN PEDAGOGICAL STRATEGIES OF DIGITAL CULTURE AND TEACHING TRAINING

PRÁCTICAS PEDAGÓGICAS REMIXAS:RELACIÓN ENTRE ESTRATEGIAS PEDAGÓGICAS DE LA CULTURA DIGITAL Y FORMACIÓN DOCENTE

Cristina MARTINSi 
http://orcid.org/0000-0003-2984-1906

Lucia Maria Martins GIRAFFAii 
http://orcid.org/0000-0001-8062-3483

i Doutora em Educação pela PUC-RS. Tem experiência nas seguintes áreas: Docência no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestão Educacional, Informática na Educação, Tecnologia Educacional, Educação a Distância, Formação de Professores e Psicopedagogia Clínica e Institucional. E-mail: crismmolina@gmail.com.

ii Doutora em Ciências da Computação pela UFRGS e Pós-Doutorado na Universidade do Texas (Austin) no College of Education. Professora titular da Escola Politécnica-Computação da PUC-RS. Pesquisadora e Professora permanente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação – Escola de Humanidades, da PUC-RS. E-mail: giraffa@pucrs.br.


RESUMO

Neste artigo apresentamos o resultado de uma pesquisa de cunho qualitativo-descritiva onde investigamos aspectos da formação docente relacionados às emergências da cultura digital. Esta cultura se estabelece num mundo digital, em que as tecnologias mudam relações, concepções e comportamentos da sociedade como um todo, ficando premente a necessidade de uma educação digital para compreender e atuar nesse novo contexto. Nesse cenário, a questão que se põe (e não é nova) está relacionada à formação docente, especificamente no que diz respeito aos desafios e às possibilidades para criar práticas pedagógicas que contemplem as expectativas e as necessidades de formação dos estudantes. Considerando tal problemática, propomos que o fazer docente adote práticas pedagógica remixadas, entendida como uma prática que se usa de duas ou mais estratégias pedagógicas baseadas em tendências emergentes da cultura digital. A fim de ilustrar a operacionalização desta proposta, optou-se por três estratégias: pensamento computacional, cultura maker e gamificação, as quais foram denominadas de Tríade Educacional Contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Digital; Práticas pedagógicas remixadas; Pensamento Computacional; Cultura Maker; Gamificação.

ABSTRACT

This paper presents the results of qualitative-descriptive research investigates aspects of teacher education related to emergencies of digital culture. This culture is established in a digital world, where technologies change relationships, conceptions, and behaviors of society as a whole and the need for digital education to understand and act in this new context is pressing. In this scenario, the question that arises (and it is not new) is related to teacher education, specifically with regards to the challenges and possibilities for creating pedagogical practices that address the expectations and training needs of students. Considering this problem, this thesis proposes that teachers should adopt a remixed pedagogical practices, understood as a practice that uses two or more pedagogical strategies based on emerging trends in digital culture. In order to illustrate the operationalization of this proposal, we opted for three strategies: computational thinking, maker culture and gamification, which were called the Contemporary Educational.

KEYWORDS: Digital Education; Remixed pedagogical practices; Computational thinking; Maker culture; Gamification.

RESUMEN

En este artículo presentamos el resultado de una investigación cualitativa-descriptiva riptiva donde investigamos aspectos de la formación docente relacionados con las emergencias de la cultura digital. Esta cultura se establece en un mundo digital, en el que las tecnologías cambian las relaciones, las concepciones y los comportamientos de la sociedad en su conjunto, y la necesidad de que la educación digital comprenda y actúe en este nuevo contexto es apremiante. En este escenario, la pregunta que surge (y no es nueva) está relacionada con la formación del profesorado, específicamente con respecto a los desafíos y las posibilidades de crear prácticas pedagógicas que aborden las expectativas y las necesidades de formación de los estudiantes. Considerando este problema, proponemos que las prácticas de enseñanza adopten prácticas pedagógicas remezcladas, entendidas como una práctica que utiliza dos o más estrategias pedagógicas basadas en tendencias emergentes en la cultura digital. Para ilustrar la operacionalización de esta propuesta, se eligieron tres estrategias: pensamiento computacional, cultura del creador y gamificación, que se llamaron la Tríada Educativa Contemporánea.

PALABRAS CLAVE: Educación digital; Prácticas pedagógicas remezcladas; Pensamiento computacional; Creador de cultura; Gamificación.

1 INTRODUÇÃO

Vivenciamos tempos estranhos e desafiadores em função da pandemia instalada, devido a um vírus letal que obrigou todos setores da sociedade a repensar a forma como realizam suas atividades e, principalmente, a forma como nos relacionamos. Em caráter emergencial migramos de estudos presenciais para aulas virtuais em curto espaço de tempo. A organização estudos domiciliares na Educação Básica nos impele para adoção de práticas pedagógicas diferenciadas criando uma oportunidade para ressignificarmos nosso fazer docente em face deste contexto digital que é imposto de forma abrupta. Nunca foi tão importante (re)inventar as práticas pedagógicas para atender as demandas de grupos tão heterogêneos tanto em termos de infraestrutura para estudar online, bem como maturidade para se auto organizar e trabalhar com a disciplina que a distância presencial impõe. E tempos de Educação Digital emerge a demanda por criarmos “práticas pedagógicas remixadas” (MARTINS, 2020)2.

Práticas pedagógicas remixadas é um conceito que cunhamos baseado na ideia do “remix”, usado na música. Ou seja, a criação de diferentes composições a partir de conexões e de aspectos comuns que podem estar ligados a um mesmo fenômeno. Sobre o remix, Diaz et al. (2009) salientam que o conceito sempre existiu, mas que, com a Internet, ele se potencializou; trata-se, para eles, do fato de coletar amostras materiais pré-existentes para combiná-las e transformá-las em novas formas, de acordo com o gosto pessoal de cada sujeito. Desse modo, os autores caracterizam o remix como um paradigma cultural potencializado pelo digital, um palimpsesto infinito, tal como o trabalho de um DJ (Disc Jockey, termo em inglês, que caracteriza o artista faz a seleção para reproduzir as mais diferentes composições) e as atividades de copiar e colar, de compartilhar ideias, o ato de doar, o aprender e o desaprender ou mesmo o vincular para desvincular.

Toda esta multiplicidade de características envoltas no remix propõe diferentes misturas atreladas a um fenômeno ou a uma coisa, focando na criação/produção por meio de processos e experiências, o que está alinhado com a cultura digital e que demanda certa versatilidade das pessoas. No vídeo “Everything is a remix”3, de Kirby Ferguson, remix é definido como: “combinar ou editar material já existente para produzir algo novo”. Ou seja, envolve a escolha de um determinado material já existente para combiná-lo, adaptá-lo, transformá-lo, rearranjá-lo, etc., desenvolvendo algo a partir de um processo criativo, em algum grau até inovador. Cabe destacar ainda que a remixagem requer influências de base sólida para que então possa surgir uma nova criação.

Dessa maneira, defendemos um “remix na Educação” como uma forma de juntar/conectar diferentes ideias, teorias, práticas pedagógicas em um todo que se torne significativo no contexto da cibercultura e que traga significação para quem está aprendendo (professor ativo-mediador, estudante ativo). É como quando ouvimos um remix musical significativo a nós, percebemos que ele traz elementos de diferentes músicas de que gostamos e, ao mesmo tempo, torna-se algo novo e agradável, abrindo outras possibilidades de sensações e emoções proporcionadas pela música. É disso que precisamos na Educação, um todo que nos faça sentido, porque o mundo é complexo e trabalhá-lo de uma forma fragmentada já não é mais significativo.

Entendemos que os docentes precisam de alternativas e caminhos para (re)significar suas práticas e atuar em um cenário de cultura digital, em tempos abundantes de alternativas, onde a remixagem dos elementos da prática docente é uma possibilidade para desenvolver oportunidades de aprendizagem. Razão pela qual propusemos o conceito de práticas pedagógicas remixadas. Ainda, destacamos, como pano de fundo a questão da formação docente inicial e continuada, cada vez mais necessária posto que a construção da fluência digital depende de maturidade e experimentação continuada para o professor. Taimalu e Luik (2019) e Coll e Monereo (2010) destacam que as opções pedagógica dos professores na constituição de suas práticas pedagógicas, como por exemplo, as que integram as TD nos processos de ensino, estão relacionadas às crenças pedagógicas, crenças essas, são constituídas ao longo da vida do sujeito, em especial dos professores, quando estão na posição de estudantes, bem como quando estão no papel profissional.

2 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS REMIXADAS

As práticas pedagógicas são o conjunto de ações didáticas organizadas pelos professores para intervir nos processos de ensino e de aprendizagem, junto aos seus estudantes. Essas práticas estão fortemente embasadas e articuladas pelo ecossistema escolar e seus atores, bem como pelas crenças e teorias de aprendizagem que o professor possui e professa. Já as práticas pedagógicas remixadas são criadas a partir da composição de duas ou mais estratégias pedagógicas baseadas em tendências emergentes da cultura digital, as quais devem promover metodologias ativas, o desenvolvimento de processos de aprender a aprender, bem como propiciar um ambiente de aprendizagem que fomente processos criativos; características essas que, conforme acreditamos, estão alinhadas com as necessidades atuais de educação. (MARTINS, 2020).

Dessa maneira, o adjetivo “remixadas” sugere que façamos diferentes misturas atreladas a um fenômeno ou a uma situação, focando na criação/produção, por meio de processos e experiências, estando intimamente alinhado com a cultura digital, que demanda certa versatilidade de quem faz a remixagem. Para remixar é preciso reproduzir (algo já existente e sobre o qual se tenha conhecimento) para adaptar, combinar, rearranjar e transformar, criando, assim, algo diferente e novo que pode ser inclusive inovador, dependo da originalidade do processo criativo, desenvolver algo inovador.

Para construir o conceito das práticas pedagógicas remixadas, consideramos o alinhamento das estratégias pedagógicas com as oportunidades geradas pela cultura digital, condicionadas pelas Tecnologias Digitais (TD) emergentes, no caso consideramos para nosso estudo de caso (delimitação do estudo) a Tríade Educacional Contemporânea: Pensamento Computacional (PC), Cultura Maker (CM) e Gamificação, para exemplificar a composição de uma prática remix. As estratégias pedagógicas da tríade não foram escolhidas ao acaso, e sim pouco pelo fato de estarem em evidência e muito utilizadas nas escolas. Elas foram selecionadas por conta das suas características, potencialidades pedagógicas e habilidades que podem ser trabalhadas com os estudantes.

Dessa forma, destacamos brevemente algumas de suas características que nos levaram a considerá-las em nosso estudo:

  • o PC, termo cunhado por Wing (2006), é uma nova roupagem de algo defendido há décadas por Papert (1980) por meio da linguagem Logo: o uso dos conceitos e recursos computacionais na Educação como meio do construcionismo.

  • a CM ou nos diversos termos que vêm sendo chamada: aprendizagem por meio da experimentação, aprender fazendo, do it yourself (faça você mesmo), etc.; consideramos uma “releitura” do método ativo defendido por Piaget (2003) e por Papert (1980), que postulam o estudante ativo em seu processo de construção de conhecimento e resolução de problemas.

  • a Gamificação consiste na readequação da ludicidade, na Educação, aos hábitos e comportamentos da cultura digital, por meio da inclusão de elementos de jogos digitais em práticas pedagógicas (não significa criar um jogo ou jogar), favorecendo a experiência, e não a competição ou a recompensa. (MARTINS; GIRAFFA, 2018).

Além disso, a aplicação em práticas pedagógicas remixadas necessita que haja pelo menos um elemento comum entre todas as práticas selecionadas. No caso desta tríade identificamos:

  • a possibilidade de serem desenvolvidas por meio de metodologias ativas, definidas por Bacich e Moran (2017, p. 181-182) através da “[...] inter-relação entre educação, cultura, sociedade, política e escola, sendo desenvolvida por meio de métodos ativos e criativos, centrados na atividade do aluno com a intenção de propiciar a aprendizagem”. Em outras palavras, as práticas pedagógicas remixadas colocam o estudante à frente de seu processo de aprendizagem, como o protagonista da construção do conhecimento, sem deixar de lado o papel relevante do ensino associado à aprendizagem.

  • a defesa prioritária de uma postura e de um papel docente enquanto curador do conhecimento, empoderado do processo de ensino, mas mostrando ao estudante a necessidade de seu protagonismo no seu processo de aprendizagem, ou seja, desacomodando o discente, propondo desafios e engajando-o em vivências que lhe exigem fazer e pensar sobre o fazer, propiciando-lhe trabalhar em colaboração a fim de desenvolver também sua autonomia nas tomadas de decisão (BACICH; MORAN, 2017). Essa postura supera o papel do docente transmissor de conhecimento, aquele que considera que todos os estudantes possuem as mesmas necessidades de aprendizagem e acredita que todos constroem conhecimentos de forma uníssona.

  • a oportunidade de trabalhar, privilegiando o processo de aprendizagem do estudante, sendo o resultado desse processo uma consequência. Isso também desconstrói com o estudante o entendimento mais comum de “erro” - visto comumente como falha e fracasso - e o reconstrói, a partir da percepção de “erro” como parte do processo de aprendizagem, que auxilia e faz parte desse processo. Papert (1980) defende essa ideia quando diz que não se pode acertar sem errar e o professor precisa mediar os processos de ensino e de aprendizagem. O que reforça a importância do papel docente no processo de ensino, atuando enquanto um curador do conhecimento a ser construído pelo estudante, prestando-lhe auxílio e fazendo intervenções adequadas, sempre que forem oportunas.

  • o desenvolvimento da consciência do estudante e da compreensão de suas estratégias de aprendizagem. Isso acontece, porque são lançados problemas com aporte relacionados ao ensino que precisam ser resolvidos pelos estudantes, os quais podem mobilizar conhecimentos prévios já consolidados, mas precisam buscar novas fontes de conhecimentos, o que implica ao professor exercer sua curadoria, ou seja, estar ativo no processo de ensinar para, como consequência, possibilitar o desenvolver do aprender a aprender. Como diz Papert (1980), é muito importante o desenvolvimento de ambientes intelectuais que estimulem a pensar sobre o pensar, aprender a falar sobre o que estão aprendendo e a testar suas ideias, por meio da exteriorização. Dessa maneira, apoia-se a compreensão dos estudantes sobre como constroem o conhecimento e isso só é possível por meio de metodologias que privilegiem o aprender fazendo. Quando falamos em aprender a aprender, cabe salientar que não se trata de desqualificar o professor do processo educativo, afirmando que devemos fazer com que o estudante siga um caminho de autoaprendizagem de maneira solitária. Pelo contrário, o que queremos destacar é mais uma incumbência a ser assumida professor e que o ensino tradicional nem sempre dá conta: a de desenvolver habilidades relacionadas a habilidades socioemocionais, tais como, curiosidade, resiliência, tolerância, frustração e metacognição (reconhecimento de estratégias de aprendizagem), já que, ao concluir os estudos da Educação Básica, seguindo ou não no Ensino Superior, o sujeito enfrentará desafios e problemáticas de uma sociedade complexa, dinâmica, inconstante, com evoluções tecnológicas constantes que influenciam hábitos, comportamentos, a configuração das profissões, etc. Cabe salientar, que neste cenário de pandemia que estamos vivenciando esta habilidade (aprender a aprender) está sendo praticamente fundamental em diferentes situações do cotidiano e da vida escola/acadêmica.

  • a viabilização de um ambiente de aprendizagem que fomente processos criativos, que dê liberdade ao estudante de cocriarão, a partir do aprender fazendo, da aplicação prática de conhecimentos teóricos, instigando a busca de soluções empreendedoras que poderão ser encontradas de acordo também com a proposição e a estratégia docente utilizada na sua aplicação desse ambiente. Pode-se criar um espaço imersivo de colaboração e de compartilhamento de saberes entre estudantes e professores que “[...] aprendam a partir de situações concretas, desafios, jogos, experiências, vivências, problemas, projetos, com os recursos que têm em mãos: materiais simples ou sofisticados, tecnologias básicas ou avançadas” (BACICH; MORAN, 2017, p. 458-462). Os autores ainda destacam que, a partir de metodologias ativas, tais como a tríade que defendemos, o importante “[...] é estimular a criatividade de cada um, a percepção de que todos podem evoluir como pesquisadores, descobridores, realizadores; que conseguem assumir riscos, aprender com os colegas, descobrir seus potenciais” (BACICH; MORAN, 2017, p. 458-462). Desse modo, é possível também desenvolver processos que favoreçam a colaboração entre estudantes, principalmente por meio do trabalho em equipe.

  • a preparação para atuar em uma sociedade complexa, o que exige a ampliação do modo de olhar para as problemáticas atuais, sobretudo considerando a fragmentação dos saberes advinda da lógica clássica de Descartes, em que todo conhecimento era compartimentado e binário, limitando as possibilidades de atuação no cenário contemporâneo. Logo, a transversalidade dos saberes, a partir da articulação entre referências diversas ou de um remix, assegura a amplitude necessária para viver e atuar na caótica e híbrida realidade contemporânea. Para Santos (2008, p. 76), trata-se de um desafio necessário “[...] transitar pela diversidade dos conhecimentos (biologia, antropologia, física, química, matemática, filosofia, economia, sociologia). Isso requer um espírito livre de preconceitos e de fronteiras epistemológicas rígidas”. Nesse sentido, vemos que o remix está relacionado com a perspectiva transversal dos saberes, uma vez que a fronteira entre uma coisa e outra podem ser tênues a tal ponto que se misturam (SANTOS, 2008), existem referências que formam um “outro”. O autor, quando trata do conhecimento transdisciplinar, que dialoga com a escola, afirma também que “[...] o conhecimento transdisciplinar associa-se à dinâmica da multiplicidade das dimensões da realidade e apoia-se no próprio conhecimento disciplinar” (SANTOS, 2008, p. 75). Podemos, portanto, relacionar a transdisciplinaridade com Piaget, pois ele cunhou o termo, em 1970, no I Seminário Internacional sobre a Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice (França) (SOMMERMAN, 2006). Na sua fala, Piaget deu a entender que a transdisciplinaridade decorreria das práticas interdisciplinares, transpassando o nível de interações e fazendo ligações sem uma fronteira estável, ou seja, algo remixado, com multirreferencial e multidimensional, exatamente como os problemas complexos da sociedade contemporânea.

Então, de maneira isolada, essas estratégias pedagógicas demostram grande potencial pedagógico, e combinadas (remixadas) são potencializadas criando caminhos alternativos resolver problemas diversos. Acreditamos que composição de práticas gera uma proposta flexível e multifacetada que permitirá atender a diferentes estilos cognitivos dos estudantes. E neste sentido, se faz necessário trazer a pauta a discussão da formação docente, pois faz relação direta ao remixar práticas, uma vez que de acordo com o conceito é preciso o professor vivencie práticas diferenciadas, que não se restrinjam ao modelo tradicional a fim de que construa referências que o auxiliem quando estiver em serviço.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A investigação se caracteriza como uma pesquisa qualitativa descritiva, baseada em um estudo de caso (YIN, 2005), que se desenvolveu em duas escolas numa rede de ensino privada.

O lócus investigado nesta pesquisa se constituiu de duas escolas privadas vinculadas a uma rede de ensino privado, ambas localizadas no município de Porto Alegre/RS, em instituições de Educação Básica, atendendo estudantes da Educação Infantil ao Ensino Médio. Essa rede de ensino foi intencionalmente selecionada por sua reputação em termos de qualidade das práticas adotadas, incentivo a inovação e propostas pedagógicas intencionalmente associadas às emergências da cultura digital. As escolas investigadas foram indicadas pelos gestores da rede (mantenedora) por terem projetos afins à nossa investigação. Cabe ressaltar que em cada escola foram investigados projetos distintos, mas que possuíam especificidades de cada instituição, apesar de fazerem parte da mesma rede. Na escola 1 observamos dois projetos:

  • Oficina Digital: segundo o diretor educacional, esta oficina tinha os objetivos de integrar os estudantes aos meios tecnológicos e informatizados, trabalhar os diversos recursos disponíveis nos espaços tecnológicos e aprofundar a ludicidade, a partir de jogos e desafios. Por meio de sites lúdicos e pedagógicos, de aplicativos, de jogos e de materiais de Robótica foram realizadas produções individuais e coletivas. Essa atividade teve periodicidade semanal e foi direcionada para todas as turmas do turno integral (atividades extracurriculares no colégio que acontecem no turno inverso ao das aulas), atendendo às turmas de Educação Infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental. No desenvolvimento dessa atividade, nós investigamos duas turmas, a T2 (equivale a 2º e 3º anos dos Anos Iniciais), com 15 estudantes, e a T3 (equivale a 4º e 5º anos dos Anos Iniciais), com cinco estudantes. Neste caso, as oficinas foram conduzidas pelo profissional de TE (Tecnologia Educacional).

  • Projeto de Pensamento Computacional no currículo: conforme o diretor educacional, esta atividade curricular de Pensamento Computacional era voltada aos 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, consistindo numa forma de estruturar soluções de problemas, a partir da utilização de conceitos e conhecimentos da computação. Esse trabalho possibilita ao estudante não apenas consumir, como também criar e personalizar tecnologia, desenvolvendo uma série de habilidades aliadas à criatividade e à lógica. Essas atividades, ou aulas de PC, aconteceram semanalmente, em um período de 50 minutos. Elas foram conduzidas por um profissional de TE em parceria com os professores titulares das turmas e nós investigamos duas turmas de 5º ano, sendo que cada uma continha, aproximadamente, 30 estudantes.

Na escola 2 observamos 1 projeto: aulas de robótica integradas no componente curricular da matemática. Elas ocorrem desde 2018 com as turmas de 6º, 7 e 8º anos do Ensino Fundamental de um professor de matemática específico, o qual foi nosso sujeito de pesquisa. Essas aulas são uma iniciativa do professor em parceria com o profissional de TE. Os conteúdos e os projetos desenvolvidos são alinhados entre eles com base nas competências previstas no currículo do componente curricular da matemática previsto para cada trimestre de cada ano escolar. A ideia de incorporar a robótica surgiu da identificação de fragilidades na aprendizagem de matemática pelos estudantes, principalmente na criação das abstrações necessárias, bem como de uma percepção de desconhecimentos dos estudantes no uso de TD consideradas básicas para o desenvolvimento de atividades escolares, tais como o uso do ambiente virtual de aprendizagem, de editor de texto, de editor de planilhas, etc. As aulas de robótica acontecem em um período semanal de 50 minutos e são organizadas em um projeto trimestral, que compõe a nota da disciplina de matemática. Desse projeto, fizeram parte de nossa pesquisa os períodos semanais com uma turma de 7º ano e com outra de 8º ano. A turma de 7º ano era composta por 30 estudantes e, dado ao volume maior, eles foram divididos em dois grandes grupos de 15 alunos, sendo que cada grupo era atendido em um período diferente. Desse modo, enquanto um grupo estava no laboratório de robótica, com um profissional de TE e um estagiário do componente curricular da matemática, o outro grupo ficava com o professor de matemática em sala de aula, desenvolvendo atividades paralelas. A turma de 8º ano era composta por 25 estudantes, número que permitia ser atendida em sua totalidade por um único período. Durante as atividades da robótica desenvolvidas, os estudantes eram organizados em grupos menores de quatro integrantes e, a cada trimestre, os grupos eram refeitos a fim de que os alunos pudessem circular entre os grupos, pois uma das preocupações do professor era justamente a de desenvolver habilidades relacionadas ao trabalho em equipe e às relações intra/interpessoais. A proposta desse professor de matemática consistiu em, no 1º e no 2º trimestre letivo, os estudantes desenvolveram projetos relacionados diretamente ao conteúdo e, no 3º trimestre, eles deveriam escolher o projeto que iriam desenvolver a partir das suas aprendizagens e de seus interesses. Algumas das dinâmicas estabelecidas solicitavam determinadas tarefas, como a entrega de um relatório, formalizando as aprendizagens e o trabalho desenvolvido ao final de cada aula, e uma autoavaliação (do desempenho individual, do desempenho de cada grupo assim como do desenvolvimento das atividades) para ser entregue ao final do trimestre.

Os sujeitos da pesquisa foram: três profissionais de Tecnologia Educacional (TE), sendo dois da escola 1 e um da escola 2 e três professores, sendo dois da escola 1 e um da escola 2. Como destacamos, cada escola possuía suas especificidades, mesmo ambas estando vinculadas a uma mesma rede de ensino. Logo, isto justifica a diferença na quantidade de sujeitos em cada escola. Ressaltamos, que um achado da pesquisa, que será evidenciado nos resultados, é que uma das características da rede de ensino era ter no seu quadro de colaboradores o profissional de TE, trabalhando em parceria com os professores, nos resultados abordaremos esta questão.

O instrumento de pesquisa pelo qual optamos foi a observação, a partir do método de não-participação com observação estruturada, no qual, conforme Lankshear e Knobel (2008), o pesquisador planeja antecipadamente e cuidadosamente o que deve ser observado e afasta-se o máximo possível do envolvimento direto dentro do contexto observado. Com esse instrumento de pesquisa, queríamos verificar in loco como práticas pedagógicas se constituem e são executadas no ecossistema escolar, a partir de estratégias docentes remixadas, baseadas em tendências da cultura digital, em especial, na tríade educacional contemporânea. Como recurso de coleta de dados, fizemos anotações de campo, por meio de diários de pesquisa, definido por Zabalza (2007), como narrações autobiográficas em formato textual que se constituem em documentos nos quais o pesquisador anota suas impressões acerca do que foi observado ao longo da investigação por ocasião da observação não participante. Nesses diários, possuíamos os dados pré-estabelecidos a serem observados, conforme nossa concepção teórica de prática pedagógica remixada, e espaço para escrita, em que descrevemos nossas percepções e impressões sobre o fenômeno. Para tanto, estruturamos um protocolo de observação, baseado nas concepções teóricas que nos levaram ao conceito de práticas pedagógicas remixadas, bem a partir dos projetos selecionados que contemplavam a Tríade Educacional Contemporânea, para que pudéssemos observar o fenômeno, conforme apresentamos:

  • aspectos do planejamento/sistematização da atividade (sequência didática, métodos e procedimentos, organização do espaço-tempo [ambiente criativo], recursos/estratégias de utilização);

  • estratégias docentes utilizadas (contemplou PC/CM/G);

  • elementos de PC/CM/G que foram integrados na prática e que se articulam entre si (remix);

  • atuação/participação/envolvimento/interação do professor e do TE na prática;

  • a prática desenvolvida:

  • - demonstrou fazer sentido/ser significativa, mobilizando os estudantes (motivação/engajamento);

  • - privilegiou o processo e a experiência;

  • - possibilitou a participação do estudante na construção de seu conhecimento;

  • - possibilitou ao estudante ser protagonista ativo do seu aprender;

  • - possibilitou a interação entre professor-estudante e estudante-estudantes;

  • - auxiliou no estabelecimento de vínculos entre conhecimentos prévios e novos conhecimentos;

  • - desenvolveu processos ligados à metacognição (regular e refletir sobre a própria aprendizagem);

  • - trabalhou a resolução de problemas (planejamento, identificação, aplicação, avaliação e transferência);

  • - permitiu ao estudante expressar-se por meio da tecnologia;

  • - o confrontou crenças e expectativas prévias x realidade.

As observações, em princípio, foram definidas para ocorrer dentro do período de um mês em cada escola, ou antes, se atingíssemos o critério de saturação de dados, ou seja, quando novas informações não fossem mais coletadas.

Respeitamos os devidos rigores relacionados à Ética na pesquisa, especialmente os estabelecidos pelas normativas nacionais na Resolução CNS 510, de 07 de abril de 2016.

4 RESULTADOS

Seguindo o protocolo de observação coletamos os dados, que serão apresentados em formato de registros de observação. Como metodologia de análise de dados optamos pela Análise Textual Discursiva de Moraes e Galiazzi (2011). Justificamos que, ao optarmos por apresentar os dados neste formato (registro das observações), apoiamo-nos nos autores que dizem que “[...] é no limite do caos que se encontram a criatividade e originalidade. É na turbulência desse espaço que são possibilitadas a emergência do novo e a criação de hipóteses e argumentos originais” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 107).

Neste caso, o sujeito de pesquisa que discursa de maneira textual são as pesquisadoras, por meio de seu olhar subjetivo e imerso ao contexto, no esforço do paradoxo da pesquisa da imparcialidade, buscando em suas análises o rigor necessário na pesquisa qualitativa. Ainda, conforme os autores:

[...] O pesquisador precisa estar consciente de que, ao examinar e analisar seu “corpus”, é influenciado por todo esse conjunto de vozes, ainda que sempre fazendo leituras a partir de seus próprios referenciais. Assim, assume-se que toda leitura de um texto é uma interpretação. Não há possibilidade de uma leitura objetiva e neutra. Fazer análises qualitativas de materiais textuais [acrescentamos materiais observacionais] implica assumir interpretações de enunciados dos discursos, a partir dos quais os textos [observações] são produzidos, tendo consciência de que isso sempre envolve a própria subjetividade. [...] (MORAES; GALLIAZI, 2001, p. 113).

Portanto, o processo de desconstrução, de categorização e o processo de escrita dos metatextos foi feito implicitamente e de maneira remix, já que a própria teorização está presente nos extratos, de maneira auto-organizada, ou seja, a partir das transcrições das anotações (escritas desorganizadas realizadas em campo, que reorganizamos por ocasião da reescrita nos diários).

Antes de apresentarmos os extratos dos registros de observação, cabe apresentar e contextualizar um achado do estudo que está relacionado com a formação dos professores, no caso o “profissional de TE (Tecnologia Educacional). Nas duas escolas investigadas haviam profissionais de TE envolvidos nos projetos selecionados, seu de foco de atuação era dinamizar o processo de aprendizagem curricular no tocante às TD disponíveis na escola. Então, eles orientavam os estudantes na construção e compreensão das TD, apoiavam os professores no desenvolvimento de práticas e na escolha de recursos adequados, organizavam o gerenciamento operacional das TD disponíveis na escola, envolviam-se em atividades de formação continuada focadas na sua própria atuação e na capacitação dos professores assim como desenvolviam pesquisas relacionas às TD. A articulação deste profissional com o professor demonstra a importância da sua presença nas escolas, no cenário atual, para apoiar o professor nas fragilidades da formação docente inicial em relação integração das TD nas práticas pedagógicas (MARTINS, 2020).

4.1 Extrato do registro da observação 1 associado à oficina digital na escola 1:

Nesta prática da Oficina Digital, os estudantes continuaram a construção de um guindaste com o kit Atto. Os estudantes já estavam apropriados da proposta, a qual já havia sido trabalhada em oficinas anteriores. O profissional de TE apenas retomou a proposta com os estudantes, que com autonomia iniciaram a atividade. Então, em grupo eles iniciaram a resolução do problema, no caso a finalização da construção do guindaste. Aqui, observei elementos de PC, com recursos desplugado, e de CM pois estavam construindo algo com peças do kit de robótica, no caso peças plásticas de encaixe. A proposta da montagem do guindaste não utilizava elementos de computação plugada. Esta atividade demonstrou a autonomia dos estudantes em seu processo de aprendizagem. Mais uma vez observamos uma prática remixada que articulou as estratégias de PC e CM, num nível de maior complexidade, pois envolvimento na construção do guindaste pressupôs a resolução de problemas envolvendo decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmos, bem como uma produção em interação e colaboração com o outro. Os estudantes estavam motivados foram ativos e protagonistas e a atividade privilegiou o processo e a experiência (OESC1).

4.2 Extrato do registro da observação 2 associado à oficina digital na escola 1:

Nesta prática da Oficina Digital, os estudantes foram desafiados a fazer um desenho no app TuxPaint e reproduzi-lo (desenho) por meio da montagem de peças do kit de robótica Atto. Por conta da quantidade de estudantes, alguns começaram pela montagem de algo para depois desenhá-lo. Esta atividade articulou elementos de PC e CM. CM pelo fato de desenvolverem uma produção digital e fazerem a experimentação de reproduzir seu desenho de forma concreta por meio da montagem, ou vice-versa. O PC foi desenvolvido por meio da resolução de problemas, pois a atividade envolveu decomposição e reconhecimento de padrões. A atividade se desenvolveu a partir de uma metodologia ativa, pois foi lançado o desafio aos estudantes e a partir disto eles foram atrás de uma solução. O profissional de TE atuou como mediador, fazendo intervenções pontuais. As estratégias de CM e PC estavam articuladas, pois envolveu a resolução de um problema que implicitamente foi resolvido com algumas técnicas de PC, ao mesmo tempo estavam fazendo experimentações e buscando uma forma de resolver este problema por meio da criação/produção digital e com elementos desplugados. A prática pode ser considerada remixada, pois ela também possibilitou um ambiente criativo, em que os estudantes se expressaram pela imaginação e criação de algo. As práticas remixadas podem ser desenvolvidas de maneira simples, mas fica claro que as referências são importantes. O profissional de TE já tinha experiência com robótica educacional, logo, intencionalmente houve a mistura elementos maker e de PC no desenvolvimento da atividade. Houve interação e colaboração entre os estudantes, principalmente na montagem. Eles protagonizaram o processo de aprender, escolheram algo que lhes era significativo para desenhar ou fazer a montagem e depois reproduzi-lo em outro formato. Eles estavam engajados e motivados. O processo foi mais significativo, bem como a experiência, era importante chegar em um resultado, mas houve muito envolvimento ao longo da atividade: escolher as peças adequadas, imaginar como poderia ser feito o desenho em mente por meio do encaixe das peças, compreender a viabilidade daquela montagem, fazer adaptações para chegar à montagem esperada. Os estudantes participaram na construção da atividade quando puderam optar pela sua criação/produção e se expressaram por meio da tecnologia digital e desplugada. Neste caso o processo aprender a aprender não foi observado. Apesar disso é possível observar a autonomia dos estudantes em usar seus conhecimentos para desenvolver a atividade e na interação com o outro. A intervenção do profissional de TE é importante para direcionar e dar intencionalidade a atividade, bem como sistematizar a atividade (OESC1).

4.3 Extrato do registro da observação 3 associado ao projeto de pensamento computacional no currículo na escola 1:

Na atividade de hoje o profissional de TE propôs a mesma atividade da aula anterior (estacionamento algorítmico) de uma maneira diferente. Foram formados grupos de 5 estudantes, sendo que o professor auxiliou na organização da atividade. O profissional de TE então anunciou as regras do "jogo" (atividade). A regras definiam a pontuação, no caso o grupo que resolvesse o desafio primeiro tinha a pontuação máxima, se errasse havia desconto de pontos. Todos que acertavam ganhavam pontos, mas eram descontados conforme a ordem de conclusão. Conversando com o profissional de TE foi explicado que há uma interação com os professores, por e-mail, prévia ao desenvolvimento da atividade. Nesta prática podemos observar duas estratégias simples de PC e Gamificação. A Gamificação está explicitada por elementos como a formação de equipes, regras e pontuação, não é usada de uma maneira mais complexa, como defendemos, mas está presente. No momento em que fica claro para os estudantes há elementos de jogos presentes, eles interagem e colaboram entre si de maneira mais organizada. Na aula anterior percebi a interação e a colaboração de forma mais aleatória e conforme a necessidade de cada um. Os elementos de gamificação foram intencionais no sentido de direcionar a interação e colaboração do grupo. O PC está presente na atividade como estratégia para a resolução de problemas. Trazer a estratégia da Gamificação para a atividade cria uma atmosfera de jogo e os estudantes se engajam e se motivam mais no desenvolvimento da solução para o desafio. A criatividade aparece na maneira como os estudantes pensam as soluções para os desafios. Consideramos está uma prática remixada, pois os estudantes discutem estratégias que pensaram para resolver o problema, logo, acreditamos que autorregularam suas aprendizagens. Neste ponto aparece o aprender a aprender. Também, utiliza mais que uma estratégia pedagógica, ambas estão articuladas, no caso, PC e Gamificação. O profissional de TE e o professor fizeram intervenções para organizar a atividade e mediações a partir das regras definidas, deram espaço para os estudantes terem autonomia na resolução dos desafios propostos. Logo, os estudantes foram protagonistas das suas aprendizagens. No momento em que elementos de jogos foram incorporados como estratégia da atividade, tornou-a mais significativa para os estudantes. O jogo faz parte dos seus hábitos, então a atividade estava contextualizada. Os estudantes não participaram da construção da atividade. Mas puderam se expressar por meio das soluções que construíam, até porque não havia uma solução única. A pontuação gerou alguns conflitos de ideias entre os estudantes, então nesse momento o professor fez uma intervenção. Comparando a aula anterior com esta em que o conteúdo era o mesmo, a remixagem de estratégias pedagógicas fez diferença, os estudantes se mostraram mais interessados e engajados em resolver os desafios. Foi possível observar os estudantes discutindo nos grupos possibilidades para resolver os desafios, explicitando suas estratégias e buscando a melhor forma de solucioná-los. O profissional de TE retoma ao final a experiência na resolução dos problemas. Foram discutidas as regras dos jogos pelo professor e pelo profissional de TE com os estudantes. O objetivo foi repensar em uma próxima oportunidade a atividade gamificada, assim envolvendo os estudantes em sua construção. Foi um ótimo espaço reflexivo entre professores e estudantes. Neste caso, o profissional de TE parece ser o agente impulsionador de práticas pedagógicas remixadas no contexto das atividades observadas. Por fim, a prática remixada tem se mostrado promissora para motivar e engajar os estudantes em seu processo de aprendizagem. Quando se usa mais de uma estratégia pedagógica alinhada com a cultura digital, com uma metodologia ativa, favorecendo o protagonismo do estudante em um ambiente criativo, percebemos nos estudantes: autonomia, engajamento, motivação e outros elementos facilitadores da construção do conhecimento (OESC1).

4.4 Extrato do registro da observação 4 associado às aulas de robótica integradas ao componente curricular da matemática na escola 2:

No início o professor de matemática retomou algumas orientações sobre a entrega dos relatórios. Após o profissional de TE deu as orientações da atividade a ser desenvolvida. Nesta aula os estudantes continuariam trabalhando com a atividade da aula anterior, que trabalha ângulos, eles deveriam fazer o robô EV3 se movimentar numa determinada trajetória proposta pelos professores, formando ângulos de 90°. Para programar o robô os estudantes usaram o ambiente de programação em linguagem de blocos da LEGO MINDSTORMS Education EV3, ou seja, PC plugado. Os estudantes acessaram os desafios no ambiente virtual de aprendizagem Moodle e com seus grupos iniciaram as atividades. Em um papel pardo deveriam traçar a rota do robô usando como tapete de testes. Podemos considerar a prática remixada pois envolveu um ambiente criativo de aprendizagem - os estudantes realizaram a atividade por meio da prática e da experimentação. As estratégias de CM e PC foram articuladas numa mesma prática. O PC foi trabalhado por meio da computação plugada - desenvolveram na atividade decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmos e a CM permeou a atividade na construção do tapete, botar a mão na massa e se expressar por meio da tecnologia (programação), além das experimentações, que foram desenvolvidas ao longo da atividade. Os estudantes se mostraram muito motivados quando conseguiam solucionar um desafio, comemoram, se engajam e passam a auxiliar os outros colegas. Eles projetam suas estratégias de solução e discutem com seu grupo. É possível identificar indícios da metacognição por meio da autorregulação e reflexão dos conhecimentos que verbalizam nas suas falas: “tem que ir treinando, testando isso aqui” - fala de um estudante para seus colegas. A interação entre eles contribui para a resolução de problemas, há uma troca constante entre eles. Cabe destacar, que todos receberam uma orientação comum e o mesmo desafio, mas cada grupo desenvolve uma solução diferente - a espaço para criação e aqui percebemos indícios do desenvolvimento “fora da caixa” em que a criatividade de cada grupo pode ser observada, a expressão pela tecnologia pode ser constatada neste processo. É possível perceber também, vinculações do que foi aprendido na teoria e na prática, fazem comentários sobre essa conclusão. Por este motivo entendo que a atividade se mostrou significativa e os mobilizou na busca de soluções. O professor de matemática faz intervenções pontuais, assim como o profissional de TE. Os estudantes puderam participaram da construção da atividade na medida que surgiram necessidades de aprendizagem e os professores fizeram intervenções e o planejamento da atividade da próxima semana. Os estudantes protagonizaram o processo de aprendizagem, principalmente, quando demostraram autonomia na elaboração do relatório, ali formalizaram suas estratégias, processo de construção da solução e conhecimentos construídos. A metacognição é trabalhado o tempo todo, a medida que verbalizam suas estratégias de resolução do desafio, alimentam a construção do conhecimento do outro e se percebem como aprendentes regulando e refletindo constantemente sobre o que estão fazendo (OESC2).

4.5 Extrato do registro da observação 5 associado às aulas de robótica integradas ao componente curricular da matemática na escola 2:

Nesta atividade o profissional de TE lança o desafio aos estudantes, que ainda não foram introduzidos ao conteúdo de ângulos e o desafio propõem que o robô faça a trajetória de um triângulo. Assim, terão contato com este conhecimento antes de terem trabalhado em uma aula teórica ou convencional. Ou seja, neste caso a prática vem antes da teoria. O TE lança o desafio e os estudantes precisam resolvê-lo com seu ferramental intelectual - conhecimentos prévios de programação e matemática. No caso, o TE só deu a medida (distância) de dois lados do triângulo, o lado restante deveria ser definido por cada grupo, logo cada um terá uma solução diferente. Para o TE este é o desafio: a descoberta dos ângulos. Assim, como na atividade com a turma 183, foi usado como recurso papel pardo para desenhar a trajetória do robô e testar as soluções programadas. Os estudantes trabalharam em um ambiente descontraído e interagiram a todo momento. Esta interação entre os integrantes dos grupos se mostra como um suporte para a construção do conhecimento e para os processos de ensino e de aprendizagem. Eles fazem muitas experimentações para chegar e trocam muitas ideias entre si. Fala de um estudante: “eu sinto que o erro está na velocidade”. Outra fala de um estudante: “pera aí tive uma ideia”. Outro estudante: “Faz a mesma trajetória, mas tira de graus e coloca normal” - no caso rotação em graus ou em número de voltas que a roda deve executar. Este estudante explica com bastante propriedade como chegou a esta conclusão evidenciando indícios da metacognição e da abstração daquele conhecimento, que até então via só no concreto. A relação de professor/curador também impulsiona os estudantes a motivarem-se e engajarem-se na busca de estratégias de solução para o desafio. Quando se veem a frente do processo se sentem mais responsáveis e se tornam mais autônomos. Esta é uma construção do professor de matemática com a turma, por meio de um “contrato pedagógico”. Percebemos que a construção desse protagonismo com os estudantes é característica basilar de uma prática pedagógica remixada. (Entendo que esta é uma prática pedagógica com estratégias remixadas porque assim como a anterior aborda o PC e a CM).No relatório os estudantes descreveram o desafio, a proposta de solução através da escrita científica, o profissional de TE frisa (não podem ser opiniões), deve ser baseado no processo que desenvolveram na construção da solução. Os estudantes já possuíam um bom conhecimento prévio da linguagem de programação, resolveram o desafio com certa facilidade. E por terem liberdade de construírem uma solução para o problema conseguem se expressar por meio da tecnologia. Em alguns grupos houve uma divisão mais clara dos papéis assumidos por cada integrante, um assumia a programação, outro assumia a escrita do relatório etc. Foi possível perceber também a dificuldade dos estudantes de sair do padrão, esperavam uma atividade com todos os valores dos lados do triângulo determinados, quando se dão conta que devem definir uma medida de um dos lados ficam reticentes e questionam o profissional de TE, mas depois se apropriam do processo, o que lhes dá mais confiança e autonomia. As atividades dos professores são feitas aula a aula e o planejamento é flexível. A composição do projeto é uma experimentação que vem mostrando resultado nas avaliações de matemática - reflete nos resultados das avalições convencionais, bem como no processo de aprendizagem subjetivo e percebido qualitativamente, segundo os professores. Podemos dizer que é uma iniciativa inovadora, a inovações como entendo se compõem nas pequenas ações criativas, por vezes autocontidas, mas que devido ao sucesso são ampliadas, extrapolam o espaço de experimentações. O remix aparece fortemente nesta iniciativa, uso de ideias já conhecidas, que combinadas (conhecimentos do profissional de TE do professor de matemática) configuram o “novo” (OESC2).

A teoria alimentou o olhar subjetivo das pesquisadoras e o olhar no campo sobre a prática em campo fez emergir esse conceito que legitimamos e que nos levou a essa jornada que perpassou a reflexão das tendências da cultura digital e de como elas desafiam as escolas. Dessa maneira, foi possível também tratarmos da influência que essas práticas remixadas exercem no ecossistema escolar por meio de seus atores, ou seja, os gestores, os professores e os profissionais de TE.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desta reflexão resultante de nossa investigação não seremos prescritivas, porque acreditamos não saber, ao certo, o que efetivamente é necessário fazer, por vivenciarmos este novo paradigma, mas entendemos que fomentar processos criativos e desenvolver práticas pedagógicas com base no remix pode colaborar para que alunos experienciem aprendizagens desafiadoras. Dentre as alternativas de estratégias pedagógicas que foram selecionadas, optamos pelo Pensamento Computacional (PC), pela Cultura Maker (CM) e pela Gamificação, os quais não são as únicas possíveis, mas que nos guiaram a encontrar as características necessárias para a composição das práticas pedagógicas remixadas, denominadas de Tríade Educacional Contemporânea.

Então, a resposta à nossa indicação é incentivar o professor a buscar/reconhecer possibilidades ofertadas pelo ecossistema escolar relacionadas às estratégias pedagógicas remixadas, já que isso pode contribuir para melhor prepará-lo para ensinar no cenário desafiador e dinâmico da cultura digital, a fim de que se estabeleçam práticas pedagógicas oportunas e coerentes com o novo contexto em que estão inseridos os seus estudantes. No remix, vislumbramos uma alternativa potencial que pudemos compreender e que nos permitiu ainda constatar oportunidades e desafios da cultura digital para as escolas, tais como:

  • o remixar estratégias docentes contemporâneas, a partir da proposição da nossa tríade apoiada na contextualização da realidade do mundo com a sala de aula;

  • o observar de que, apesar de políticas públicas norteadoras que consideram a importância da cultura digital na formação do estudante, as escolas brasileiras ainda se encontram na transição de um modelo do uso tradicional e em reestruturação pedagógica das estratégias para a integração das TD nas práticas pedagógicas. Revisitar currículos de formação docente inicial também deve estar em pauta, em especial a inclusão transversal do tema cultura digital;

  • a conclusão, quanto ao professor do século XXI, de que sua postura e suas habilidades atitudinais frente ao novo e ao desafio são decisivas na incorporação das diferentes TD em suas práticas pedagógicas. É preciso, portanto, que os docentes construam um entendimento, frente às possibilidades pedagógicas, para a composição de práticas remixadas. Isso também tem ligação com as crenças pedagógicas que o professor adquiriu ao longo de sua vida.

Entendemos, então, a necessidade do professor receber uma formação na sua graduação que se articule com as demandas da cultura digital e que o ensine a, naturalmente, planejar suas práticas com estratégias pedagógicas alinhadas às metodologias ativas que se utilizam das TD. Isso não significa que o docente deva substituir algo que pode ser feito sem as TD, mas que seja capaz de utilizá-las sempre que necessárias.

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NOTAS

1 Agradecemos ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

2 A versão eletrônica com texto completo está homologada pela PUCRS. O atraso na publicação, se deve à suspensão das atividades presenciais da universidade por ocasião da pandemia.

3 Disponível em: https://www.everythingisaremix.info/. Acesso em: 05 set. 18.

Recebido: 15 de Abril de 2020; Aceito: 08 de Junho de 2020

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