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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.3 São Paulo jul./sept 2020  Epub 01-Dic-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i3p1045-1051 

APRESENTAÇÃO

DOSSIÊ TEMÁTICO DESAFIOS CURRICULARES: DIVERSIDADE E INOVAÇÕES NA CONTEMPORANEIDADE

Marina Graziela FELDMANNi 
http://orcid.org/0000-0003-3008-2636

Marcos Tarciso MASETTOii 
http://orcid.org/0000-0002-9892-3959

i Doutorado em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Titular da Faculdade de Educação da PUC-SP. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) Formação de Professores e Cotidiano Escolar. E-mail: feldmnn@uol.com.br.

ii Doutorado em Psicologia Educacional (PUCSP) e Livre Docente em Didática (USP). Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde mantêm cursos de formação de professores para o ensino superior em nível e Pós-Graduação, orientação e supervisão de pesquisas nos Cursos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós Graduação Educação: Currículo. E-mail: mmasetto@gmail.com.


O presente número da Revista e-Curriculum abre espaço para a publicação do Dossiê, que traz em seu bojo o entendimento de que as concepções sobre currículos, as inovações e os processos formativos acontecem e se produzem na prática dos educadores, materializando-se em uma relação de dialeticidade nas intersubjetividades, imprimindo, assim, os significados aos diversos movimentos curriculares expressos no ato educativo.

Os tempos tão fluidos, revestidos de incertezas e perplexidades, convidam-nos a dar voz aos diferentes sujeitos da e na educação para abordar a questão dos desafios curriculares que perpassa pela diversidade e inovações na contemporaneidade, na qual as lógicas e as práticas curriculares se expandem para distintas modalidades educativas e múltiplos contextos e culturas.

O currículo, sob o prisma da diversidade e da busca de práticas curriculares diferenciadas, no contexto da sociedade atual, marcada pelo neoliberalismo, mundialização, contradições, conflitos, desigualdade social exacerbada, políticas autoritárias de formação, contribui para a construção do processo educativo como espaço vivo de constante formação dos educadores, que se expressa, conforme referido por Matos (1999, p. 8), na

(...) valorização da experiência vivida como um processo intersubjetivo, cujos ingredientes, materiais e simbólicos, relevando, embora, dos contextos socio- institucionais que constituem a matéria prima da formação, representam as condições de possibilidade para sua própria transformação, quando reflectidos como objectivados nos próprios contextos socio-institucionais e práticas de trabalho de que são, simultaneamente, condição e emanação.

No território do currículo - lugar onde os interesses, as relações de poder e os projetos são disputados -, a diversidade se mostra como uma realidade dialética, multiforme e contraditória. Nesse movimento, o currículo configura-se num processo social, relacional e contextual. Um dispositivo cultural, um organismo vivo, pulsante, tensional, e não um manual de prescrições.

Conforme colocado por Gimeno Sacristán (2002, p. 225):

A diversidade é para a educação uma narrativa, no sentido de formar em torno dela um enfoque da educação, uma maneira de analisá-la, de entender seus objetivos, de abordar os conteúdos do currículo, os métodos pedagógicos, a organização das instituições e a estrutura dos sistemas educacionais. Uma narrativa que deve sintetizar, por um lado, os imperativos éticos da individuação e, por outro, a necessidade de unirmos indivíduos em uma rede de interdependências cognitivas, de projetos e de sentimentos que criem comunidade.

Assim, por se constituir multirreferenciado epistemológica e politicamente, constatam- se inúmeras produções curriculares, nas quais se evidencia o embasamento de vários aportes teóricos, de olhares diferenciados e experiências de vida que se articulam em torno de questões inquietantes. Nelas coexistem diversos movimentos socioculturais e tendências teóricas, dando forma às relações interpessoais e institucionais entre os sujeitos do currículo - sujeitos históricos e sociais. Questões que nos desassossegam e, ao mesmo tempo, nos impulsionam a decifrar o ato curricular, a narrativa curricular como possibilidade de liberdade e emancipação humana, embora reconheçamos a marcante presença de lógicas e práticas curriculares circunscritas a um modelo hegemônico e excludente de sociedade.

Os inúmeros desafios impostos ao processo de construção de currículos fazem-no delimitado por várias forças em conflito e por processos de significações em diferentes contextos, que se realizam pela negociação de sentidos entre os sujeitos curriculares ao envolverem conhecimentos, valores, saberes e atitudes produzidos no intercruzamento de muitas culturas presentes.

Com essas interrogações em mente, a Linha de Pesquisa Formação de Educadores do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo pretendeu dar voz a estudos acadêmicos cujo foco são as questões em tela, a partir das pesquisas desenvolvidas pelos autores que aceitaram o convite, apresentando seus artigos para o presente número.

Os doze artigos nacionais e dois internacionais constituintes do dossiê evidenciam a diversidade de leituras, concepções, lógicas e práticas curriculares, marcando a impossibilidade de uma leitura única, em face da complexidade e da multidimensionalidade existentes quando se trata de currículo.

Abrimos o Dossiê com o texto de Fernando Hernández-Hernández e Juana María Sancho-Gil, nomeado “Pensar la praxis del campo del currículo como un entramado rizomático de relaciones y derivas”, em que apresentam um percurso por meio da abordagem do campo do currículo para colocá-lo como um espaço de relação não só entre saberes, mas, sobretudo, entre disciplinas. Na segunda parte, ampliam essa perspectiva, cruzando-a com alguns conceitos geofilosóficos de Deleuze e Guattari, para delinear o que poderia ser um rizocurriculum, que vai além do normativo e favorece as experimentações e os afetos que se geram no futuro e transformam os indivíduos e a vida. Finalizam convidando a vivenciar um sentido imanente do currículo, mais atento às possibilidades do que aos limites, mais pendente para favorecer o estabelecimento de relações do que para determinar caminhos homogeneizadores.

Na sequência, Joaquín Paredes-Labra apresenta-nos o artigo intitulado “Innovación conflictiva en la docencia universitaria española: formación de maestros innovadores. Estudio evaluativo y biográfico”, em que analisa as dificuldades de promover transformações no ensino universitário, ao descrever e refletir sobre o desenvolvimento da disciplina “Tecnologías de información y la comunicación para la sociedad digital”, na Universidade Autónoma de Madrid. Por meio da metodologia avaliativa e biográfico-narrativa, baseada em evidências coletadas ao longo de uma carreira profissional como docente, o autor destaca como um dos principais resultados a experiência docente que leva a questionar as potencialidades e as dificuldades para praticar inovações com pedagogias abertas e pós-formais.

No artigo “‘Fabricação social de indivíduos” e a educação: um diálogo crítico entre Cornelius Castoriadis e Paulo Freire”, Denise Simões Rodrigues e Ivanilde Apoluceno de Oliveira discutem a construção da “fabricação social” e a possibilidade de sua desconstrução à luz do conceito de autonomia de Cornelius Castoriadis e de Paulo Freire, questionando sobre qual o papel da educação e do currículo no processo de construção dessa fabricação social de sujeitos. Entre os resultados apontam para uma educação criativa, humanista e crítica, que possibilite a práxis e as mudanças sociais, rompendo com práticas educacionais que fabricam indivíduos alienados, superando ideologias fatalistas de sociedade e de mundo.

“Currículos e programas em educação profissional”, artigo de autoria de Renan Antônio da Silva e Pedro Demo, é apresentada uma discussão sobre a disciplina Currículos e Programas em Educação Profissional, em que se consideram aspectos culturais a educação formal e a não formal, ministradas em um programa de pós-graduação profissional. O objetivo foi discutir os diferentes entendimentos e avanços anunciados para as questões curriculares com base na concepção das políticas atuais da educação brasileira, quanto à formação técnica e tecnológica, e analisar propostas de projetos transversais em práticas de extensão, que evidenciavam características da educação não formal. Como resultado, expõe-se uma discussão acerca de uma prática de responsabilidade social e educação não formal no currículo de ensino superior tecnológico.

No artigo “Desafios e superações do contínuo processo de implementação político- pedagógica da UFPR Litoral”, os autores Rodrigo Rosi Mengarelli e Valdo José Cavallet, a partir de suas vivências na Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral, e da leitura crítica do projeto político-pedagógico institucional, à luz da teoria, discutem os impactos sofridos e superados no processo de implementação da proposta político-pedagógica da UFPR Litoral. Enfatizam, em suas reflexões, as questões da constituição da equipe, formação contínua, singularidades das universidades públicas, planejamento de práticas integradas e avaliação permanente com elementos integrantes da inovação curricular. Como resultado, salientam o resgate dos princípios fundantes do projeto institucional.

Lucila Pesce, Edna Martins e Regina Cândida Gualtieri, no artigo “Curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo: avanços e desafios”, analisam o projeto do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo e os impactos causados pelas dificuldades enfrentadas com a implantação de políticas públicas, principalmente as Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, Licenciatura, instituídas em 2006, e as Diretrizes da Política Nacional do REUNI, estabelecidas em 2007. Utilizando a pesquisa documental, apresentam como resultado o apontamento das ações empreendidas na implantação de um currículo inovador como um diferencial nos processos formativos do licenciando em Pedagogia.

José Garcez Ghirardi, em artigo intitulado “O desafio de institucionalizar inovações no ensino superior: a experiência da FGV Direito SP”, verifica, por meio da abordagem qualitativa e pesquisa bibliográfica, o embate entre propostas inovadoras e estruturas tradicionais, forças de acomodação e resistência que dificultam a legitimação de novas práticas. Ressalta também o processo de preparação da equipe para o enfrentamento dos desafios e a formação de um ethos de debate permanente sobre questões pedagógicas e de colegialidade na tomada de decisões. Aponta como resultados revelados as dificuldades em renovar um curso inserido em uma moldura institucional preestabelecida e assinala a necessidade de formar os sujeitos responsáveis pela implementação da nova proposta.

No artigo “Formação continuada de professores e interculturalidade: reflexões sobre aspectos multiétnicos no ensino em Língua Portuguesa”, Carmem Vera Nunes Spotti e Maria Rejane Lima Brandim abordam como os aspectos multiétnicos e multilinguísticos presentes nas salas de aula tornam o ensino/aprendizagem dos diversos conteúdos curriculares um desafio pedagógico para os professores do Estado de Roraima. Concluem que as características das escolas de Roraima são um lócus importantíssimo para o reconhecimento do impacto da diversidade cultural e linguística no trabalho pedagógico dos professores e que apenas a formação inicial desse profissional não é suficiente para que ele possa enfrentar esse desafio. Consideram que a formação continuada dos professores baseada na perspectiva da interculturalidade é essencial para que os professores possam identificar, reconhecer e trabalhar com as diversidades presentes em suas salas de aula.

Cecília Damas Gaeta trata, em seu artigo “O permanente ciclo da inovação curricular no Ensino Superior”, do processo contínuo de construção e reconstrução do currículo como parte intrínseca do processo de inovar. Exemplifica, relacionando o processo descrito no artigo por meio de pesquisa exploratória, com o ciclo de implantação e manutenção de um curso de especialização lato sensu em docência no ensino superior de um centro universitário de São Paulo. Os resultados evidenciam que a renovação curricular, a partir da gestão sistêmica que ocorre em ciclos, é a estratégia para a manutenção da inovação em contexto de contínua transformação.

Carmen Eurydice Calheiros Gomes Ribeiro, Jefferson de Souza Bernardes e Sylvia Helena de Souza da Silva Batista, no artigo intitulado “Desafios e encaminhamentos relacionados ao enfrentamento dos/as professores/as a um currículo inovador - o curso médico de uma universidade pública”, apresentam um estudo de caso, com entrevistas individuais e foco na análise dos incidentes críticos e repertórios linguísticos sobre o processo de mudança curricular, adentrando no universo do corpo docente de um curso de medicina. Refletem sobre a influência das culturas institucional, de gestão e pedagógica, analisam os embates, as resistências e a sensibilização dos envolvidos e sugerem como encaminhamento a formação das “redes de prática” que compreendem projetos de formação e participação docente, gestão de conflitos, entre outros.

Osvaldo Shigueru Nakao, no artigo “Desafios na implantação e manutenção de um curso cooperativo na USP”, versa sobre a experiência dos cursos em Engenharia de Computação, Engenharia de Produção e Engenharia Química da Escola Politécnica da USP. Analisa, por meio da pesquisa bibliográfica, as dificuldades de implantação e as adaptações necessárias para a oferta de um currículo inovador que pretende integrar a formação acadêmica com a prática profissional, ressignificando os estágios na área de Engenharia. Apresenta como resultados os benefícios alcançados tendo a educação cooperativa como norteadora do currículo.

As professoras Ana Lúcia Nunes Pereira, Helga Porto Miranda e Maria do Socorro Castro Hage, no artigo “Cultura e currículo: um diálogo a partir do contexto nos estágios supervisionados em espaços educativos não escolares”, analisam a importância do diálogo entre a cultura e o currículo, no contexto dos estágios supervisionados em espaços educativos não escolares. O estudo demonstrou que o diálogo entre a cultura e o currículo no contexto dos estágios supervisionados em espaços educativos não escolares são processos inter-relacionados e integrados. Como um campo que integra múltiplas e diferentes culturas contribuiu para a construção de um processo formativo que considera a amplitude da formação do humano, apontando possibilidades de aprendizagem fundamentais para formação e atuação do pedagogo. Marcos Tarciso Masetto, no artigo “Inovação no ensino superior e formação por competências”, discute a formação do profissional competente, por meio do planejamento e realização de dois cursos em nível de Pós-Graduação Stricto Sensu, adotando a pesquisa exploratória para analisar a experiência docente e discente vivenciada nos cursos. Os resultados indicam que a formação de profissionais competentes se construiu tendo como eixos fortes o conceito do agir competente e a parceria entre professor e alunos.

O artigo “Educação quilombola: análise de um projeto de extensão”, de autoria de Marina Graziela Feldmann e Andréia Regina Silva Cabral-Libório, retrata como a educação não formal pode contribuir para o resgate da história e memória de uma comunidade de remanescentes de quilombo ao promover a valorização da cultura e o protagonismo quilombola. Os resultados evidenciaram que o protagonismo quilombola é importante para a valorização e para a reafirmação do sentimento de pertença ao território e identidade quilombola. A educação não formal pode ser uma aliada essencial na luta pela valorização étnico-cultural desse povo.

O objetivo deste Dossiê foi compreender e colocar em discussão experiências sobre concepções, metodologias, relatos e resultados de pesquisas que tematizassem e ampliassem os debates acerca da diversidade e inovação curricular por meio do diálogo e da crítica fundamentada, abrindo-se para novas perspectivas que colaborem para o avanço dos estudos sobre as concepções, práticas curriculares e de formação dos sujeitos curriculares em busca de uma educação humanizadora, includente e emancipatória.

Os pesquisadores, professores e gestores presentes neste Dossiê expuseram sua vivência em currículos com características de diversidade e inovação curricular, em confronto com a realidade e as expectativas dos sujeitos envolvidos, dificuldades, encaminhamentos e sucessos. Refletiram e analisaram suas experiências, evidenciaram seus comprometimentos e ousadias em inovar para responder aos desafios presentes da educação brasileira, trilhas de enfrentamento e superação dos impactos e obstáculos encontrados para a manutenção e fortalecimento dos processos e resultados obtidos. A esperança de todos nós é que essa semente lançada conjuntamente neste Dossiê produza seus frutos em novos projetos ousados, diversificados e inovadores para a educação brasileira.

Setembro/2020

REFERÊNCIAS

GIMENO SACRISTÁN, José. Educar e conviver na cultura global: as exigências da cidadania. Porto Alegre: Artmed, 2002. [ Links ]

MATOS, Manuel Santos e. Teorias e práticas de formação: contributos para a reabilitação do trabalho pedagógico. Porto: ASA, 1999. [ Links ]

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