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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.3 São Paulo jul./sept 2020  Epub 01-Dic-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i3p1447-1465 

Artigos

ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?

HIGH SCHOOL AND DISTANCE EDUCACTION: IS A RELATIONSHIP POSSIBLE?

ESCUELA SECUNDARIA Y EDUCACIÓN A DISTANCIA: ¿UNA RELACIÓN POSIBLE?

Ana Lara CASAGRANDEi 
http://orcid.org/0000-0002-6912-6424

Kátia Morosov ALONSOii 
http://orcid.org/0000-0002-7125-664X

i Doutorado e Pós-doutorado em Educação. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso, Departamento de Ensino e Organização Escolar. E-mail: analaracg@gmail.com.

ii Doutorado em Educação. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da UFMT. Líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Sobre Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação. E-mail: katia.ufmt@gmail.com.


RESUMO

Este texto aborda a Educação a Distância (EaD) como estratégia de ensino a ser adotada parcialmente no Ensino Médio, conforme as novas Diretrizes Curriculares Nacionais voltadas a essa etapa (até 20% no período diurno e 30% no noturno). O Novo Ensino Médio foi proposto pela Lei n.º 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases, estabelecendo uma mudança em sua arquitetura: ampliação do tempo mínimo do estudante na escola para 1.000 horas anuais (até o ano de 2022) e nova organização curricular, flexível, que contempla a Base Nacional Comum Curricular e a oferta de diferentes itinerários formativos. Objetivamos, então, problematizar a relação entre a etapa final da Educação Básica e a EaD. Concluímos que não é viável para este momento a adoção da educação remota no Ensino Médio, pois coaduna mais com um modo de precarização da Educação, dado que a justificativa central parece assentar-se nos custos, além de desprezar o percurso ainda a ser consolidado da modalidade na Educação Superior em nosso país, visto que sua institucionalização não é considerada um processo acabado.

PALAVRAS-CHAVE: Novo Ensino Médio; Educação a Distância; Política educacional.

ABSTRACT

This text discusses Distance Education (DE) as a teaching strategy to be partially adopted in High School, according to the new National Curriculum Guidelines aimed at this stage (up to 20% during the day and 30% at night). The New High School was proposed with Law n.º 13.415/2017, which altered the Law of Guidelines and Bases, establishing a change in its structure: expansion of the minimum student time at school to 1.000 annual hours (until the year 2022) and new curricular organization, flexible, which includes the National Common Curricular Base and the offer of different training itineraries. We aim, therefore, to problematize the relationship between the final stage of Basic Education and Distance Education. We conclude that it is not feasible for this moment to adopt remote education in high school, as it is more related with a precarious way of education, given that the central justification seems to be based on costs, in addition to neglecting the path yet to be consolidated of the modality in higher education in our country, as its institutionalization isn´t considered a finished process.

KEYWORDS: New High School; Distance Education; Educational politics

RESUMEN

Este texto aborda la Educación a Distancia (ED) como una estrategia de enseñanza que se adoptará parcialmente en la Escuela Secundaria, de acuerdo con las nuevas Directrices Curriculares Nacionales destinadas a esta etapa (hasta un 20% durante el día y un 30% por la noche). La Nueva Escuela Secundaria se propuso con la Ley n.º 13.415/2017, que cambió la Ley de Pautas y Bases, estableciendo un cambio en su arquitectura: expansión del tiempo mínimo del estudiante en la escuela a 1.000 horas anuales (hasta el año 2022) y nueva organización curricular, flexible, que incluye la Base Curricular Común Nacional y la oferta de diferentes itinerarios de capacitación. Nuestro objetivo, por lo tanto, es problematizar la relación entre la etapa final de la Educación Básica y la Educación a Distancia. Llegamos a la conclusión de que no es factible en este momento la adopción de la educación remota en la Escuela Secundaria, ya que corresponde a una forma de precariedad en la educación, dado que la justificación central parece ser los costos, además de descuidar del camino aún por consolidar de la modalidad en la educación superior en nuestro país, ya que su institucionalización no se considera un proceso terminado.

PALABRAS CLAVE: Nueva escuela secundaria; Educación a distancia; Política educativa

1 INTRODUÇÃO

No primeiro semestre do ano de 2020, com a instituição da Lei Federal n.º 13.979/2020 - que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus (Covid-19), regulamentada pela Portaria do Ministério da Saúde n.º 356, de 11 de março de 2020 -, vimos crescer o interesse pela Educação a Distância (EaD) diante das orientações para que as pessoas se mantivessem em casa. Escolas de Educação Básica, centros universitários, faculdades e universidades (públicas e privadas) passaram a considerar a possibilidade de dar continuidade às formações educacionais mediadas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), visto que a presencialidade estaria inviabilizada pelo necessário distanciamento social.

Quanto às instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino, a Portaria n.º 343, em 17 de março de 2020, autorizou, excepcionalmente, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, de que trata o art. 2.º do Decreto n.º 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Em nota, o Grupo de Trabalho (GT) Educação e Comunicação da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped) Centro-Oeste alertou para a importância: de uma formação pedagógica específica para os docentes planejarem atividades on-line que garantam participação, diálogo e interação entre professores/as e estudantes; de orientações operacionais, comunicacionais e informacionais para todos/as os/as discentes e docentes poderem interagir on-line de forma responsável, ética e equânime; de garantir acesso domiciliar a equipamentos, softwares e internet de banda larga de elevado fluxo de dados para todos/as os/as docentes e discentes; de servidores (equipamentos tecnológicos) com ampla capacidade de armazenamento de dados na universidade.

Nosso foco neste texto está na relação entre Ensino Médio e EaD, mas a Educação Superior vem à cena devido ao percurso histórico na oferta de cursos e programas de EaD, que dão parâmetros às reflexões aqui preconizadas. Trazemos tal contexto, então, para evidenciar como a EaD foi tomada como possibilidade para um momento problemático da educação brasileira, embora seu processo de institucionalização não esteja completo e, como modalidade de ensino, seja considerada menor, “desprestigiada socialmente por conta de seu menor custo e de sua aderência em classes sociais mais baixas” (CORREA, 2019, p. 5). Não é a primeira vez que a EaD surge como miragem no deserto; também foi pensada como possibilidade para a última etapa da Educação Básica, com duração mínima de três anos (art. 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, Lei n.º 9.394/1996), o Ensino Médio. Enfatizamos a necessária distinção entre EaD e ensino remoto.

Com a homologação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, por parte do Ministério da Educação (MEC), em dezembro do ano de 2018, estipulou-se que até 20% dessa etapa pode dar-se via o que chamam de EaD no período diurno e 30% no noturno. Ficou estabelecido com a Resolução CNE/CEB n.º 3/2018 que a formação geral básica do Ensino Médio está composta por competências e habilidades, previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e que as instituições e redes escolares podem adotá-la em seus currículos, com as formas de organização e com as propostas de progressão que julgarem pertinentes ao seu contexto, atendidos todos os direitos e objetivos de aprendizagem instituídos na BNCC do Ensino Médio, isto é, a regularização da oferta e aplicação cabe aos conselhos de educação de cada Estado.

Nesse cenário e por meio de um estudo baseado em documentos das políticas de currículo atuais, objetivamos problematizar: a EaD como um paraíso em meio ao deserto, como estratégia entre as soluções paliativas, enquanto sua institucionalização, valorização de suas especificidades, maior visibilidade e reconhecimento do necessário investimento para a sua consolidação na política educacional não se concretizam; os desafios de um Ensino Médio a ser reformado por meio de estratégias que mereceriam ser mais bem debatidas (sobretudo com os Estados que majoritariamente ofertam as vagas dessa etapa educacional), como o estabelecimento de itinerários formativos, o que inclui a Formação Técnica e Profissional e demais alterações decorrentes da Lei n.º 13.415/2017 (conversão da Medida Provisória n.º 746/2016).

2 A RACIONALIDADE QUE ENVOLVE O ENSINO MÉDIO: BREVE NOTA

Ao abordar o Ensino Médio, última etapa da Educação Básica (formada também pela Educação Infantil e Ensino Fundamental, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, Lei n.º 9.394/1996), não se pode desconsiderar o contexto no qual as políticas públicas direcionadas à etapa se desenvolvem, ligadas às questões econômicas e sociais, que interferem no papel vislumbrado para ele.

Há uma disputa histórica sobre o papel da escola, e os teóricos reprodutivistas alertaram para a influência que essa instituição recebe ao abordarem a função ideológica do sistema de ensino e como atua como legitimadora das desigualdades que lhe circundam, reproduzindo a estrutura das relações de classe (conservação social); ao mesmo tempo que tem uma autonomia, a qual Bourdieu e Passeron (1975, p. 205) chamam de relativa: “poder de reinterpretar as exigências externas e tirar partido das ocasiões históricas para realizar sua lógica interna”. Logo, há um paradoxo, pois é preciso reconhecer o papel da escola no questionamento do status quo, não apenas como prerrogativa da burguesia para dissimular o privilégio supremo dos abonados em não aparecer como tais, que inculca nos deserdados a ideia de “que eles devem seu destino escolar e social à sua ausência de dons ou de méritos” (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 218), mas também de ser o único espaço no qual seja possível que os desprivilegiados pensem criticamente sobre a tendência à conservação do sistema, conforme os parâmetros dos interesses das classes dominantes e da cultura que elas valorizam.

No caso do Ensino Médio, isso fica ainda mais latente, por guardar um público que comporá a mão de obra jovem imediata na sociedade. Organismos internacionais fazem alertas sobre a proficiência mínima em leitura e escrita, por estarem preocupados exatamente com a qualificação da mão de obra para o mercado de trabalho. Nesse ponto, vale discernirmos mundo do trabalho e mercado de trabalho, e Frigotto (2005, p. 2) colabora com essa tarefa ao afirmar que não se deve “confundir o trabalho na sua essência e generalidade ontocriativa (Lukacs, 1978), com certas formas históricas que o trabalho vai assumir - entre elas a servil, a escrava e a assalariada, sendo que nesta última é comum se confundir trabalho com emprego”. Quando se fala em mundo do trabalho, está-se justamente reconhecendo a necessidade e o direito do ser humano, “em relação e acordo solidário com outros seres humanos, de apropriar-se, transformar, criar e recriar pelo trabalho” (FRIGOTTO, 2005, p. 2).

Muito já se explanou sobre a influência dos ideais neoliberais no campo educacional (MEZOMO, 1999; GENTILI; SILVA, 2007; FRIGOTTO, 2003), justamente por ser impossível ignorá-los, pelo fato de a criação das situações de mercado e produção do elogio à educação empresarial interferir na concepção de formação dos sujeitos, é dizer, há uma redefinição do sujeito referencial dentro da racionalidade neoliberal, ligada ao “efeito disciplinador da concorrência como estímulo ao bom desempenho” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 290). Nesse sentido, “a racionalidade neoliberal produz o sujeito de que necessita ordenando os meios de governá-lo para que ele se conduza realmente como uma entidade em competição” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 328). No entanto, o homem-empresa, nos termos de Dardot e Laval (2016), direcionado à maximização de sua produtividade e à exaustão, vê crescer exponencialmente as doenças psíquicas, na perspectiva da “liberdade e responsabilidade de desempenho que ignora os condicionantes pessoais e sociais, inerente ao empresariamento de si e a um ethos neoliberal de valorização econômica e consumo” (CORRÊA, 2019, p. 143).

A partir do momento que os sujeitos são inseridos na lógica da competitividade, o padrão de gestão ideal é o do setor privado (o que implica ignorar as especificidades da gestão pública) e a educação é descortinada como um campo potencial para o lucro e benefícios econômicos, seu papel e objetivos passam a plainar em uma esfera de disputa por concepção e operacionalização, por isso uma análise sobre a educação brasileira que despreze os condicionantes neoliberais é deficiente.

Sinteticamente, pretendemos, então, marcar o percurso da guinada neoliberal. Os dogmas liberais do século XIX foram questionados (sobretudo o laissez-faire), mas deram lugar a um sistema mais aperfeiçoado para realizar os fins da civilização liberal, chamado de “novo liberalismo”, “mais consciente das realidades sociais e econômicas procurava definir havia muito tempo uma nova maneira de compreender os princípios do liberalismo, que emprestaria certas críticas do socialismo, mas para melhor realizar os fins da civilização liberal” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 57). Nesse momento, tem início a constatação sobre os dogmas liberais acerca da intervenção estatal. Mais tarde, vem o neoliberalismo e finca o entendimento de que a atuação do Estado era interessante e necessária: “ainda que admitam a necessidade de uma intervenção do Estado e rejeitem a pura passividade governamental, os neoliberais opõem-se a qualquer ação que entrave o jogo da concorrência entre interesses privados” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 69), claro, conforme seus princípios ideológicos, isto é, trata-se de “um reengajamento político do Estado sobre novas bases, novos métodos e novos objetivos” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 190), articulados à globalização e financeirização do capitalismo. De acordo com os determinantes sócio-histórico-econômicos, então, o Ensino Médio deve ser considerado. Um neoEnsino Médio para um neoliberalismo?

3 O NOVO ENSINO MÉDIO E A EAD: EXPECTATIVA E REALIDADE

O Plano Nacional de Educação (PNE) tinha como expectativa, meta n.º 03, universalizar, até 2016, o atendimento escolar (corresponde à proporção de adolescentes que frequentam a escola em relação ao total dessa faixa etária) para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do seu período de vigência, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85% (BRASIL, 2014). Tal meta evidencia desafios do Ensino Médio na conjuntura atual, isso porque, conforme o indicador calculado pelo Todos pela Educação, a partir dos dados do 2.º trimestre da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil não conseguiu cumprir o propósito da universalização até o ano de 2016, período em que o percentual foi de 90,7%. No ano de 2018, a média nacional de atendimento no Ensino Médio atingiu a marca de 91,5% e em 2019 cresceu 1%, ficando em 92,5% a porcentagem de jovens de 15 a 17 anos na escola (OBSERVATÓRIO DO PNE, 2019 1).

Com o objetivo de renovar o Ensino Médio, foi promulgada a Lei n.º 13.415/2017, que alterou a LDB, estabelecendo uma mudança em sua estrutura. O tempo mínimo de permanência dos estudantes na escola tem previsão de ampliação até o ano de 2022, distribuídas por um mínimo de 200 dias de efetivo trabalho escolar, de 800 horas para 1.000 horas anuais. Além disso, foi definida uma nova organização curricular, mais flexível, que contemple uma BNCC e a oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional. Tal organização curricular, segundo Kuenzer (2017, p. 334), “obedece ao princípio da flexibilidade, com redução de custos, o que contradiz a expansão da duração”.

Essa Lei foi precedida, como apontado na Introdução, pela Medida Provisória n.º 746/2016, o que denotou uma urgência por parte do Presidente da República à época, Michel Temer - que assumiu após um controverso processo de impeachment de Dilma Rousseff, da qual era vice -, com as providências para a reformulação do Ensino Médio. Ao apresentar a proposta, o Ministro Mendonça Filho, à frente do Ministério da Educação, afirmou: “As crianças e os jovens do Brasil têm pressa. A educação precisa avançar” (MEC, 2019a). Estabelece-se na referida Lei que a carga horária mínima anual deverá ser ampliada, de forma progressiva, para 1.400 horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos 1.000 horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017 (BRASIL, 2017, art. 1.º).

Conforme o MEC declara em seu endereço eletrônico oficial, no espaço Novo Ensino Médio - perguntas e respostas, as mudanças empreendidas trazem em si a expectativa de garantir a oferta de educação de qualidade a todos os jovens brasileiros e aproximar as escolas da realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas demandas e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade. Na mesma página, reitera-se que “o Novo Ensino Médio pretende atender às necessidades e às expectativas dos jovens, fortalecendo o protagonismo juvenil” (MEC, 2019b - grifos nossos). Kuenzer (2017, p. 336) lembra que a extensão de jornada pode restringir o acesso de boa parte dos estudantes de hoje, já que “considerável parcela da população jovem trabalha [...], o que não é compatível com a permanência na escola por tempo integral”.

A Lei n.º 13.415/2017 estabelece a língua inglesa como obrigatória desde o 6.º ano do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Os sistemas de ensino poderão ofertar outras línguas estrangeiras, se assim desejarem, preferencialmente o espanhol (BRASIL, 2017, art. 2.º).

Uma alteração fundante no chamado Novo Ensino Médio está no currículo, que será composto pela BNCC e por itinerários formativos, organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino: Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da natureza e suas tecnologias; Ciências humanas e sociais aplicadas; Formação técnica e profissional (BRASIL, 2017, art. 4.º).

Quanto à formação técnica e profissional, na realidade, esteve historicamente ligada aos pobres, de maneira que o ensino profissionalizante se direcionava para a população pobre e o privilégio do Ensino Secundário intelectual para a população abastada, como aponta Souza (2015). A Reforma Capanema de 1942, que estruturou o ensino industrial e reformou o ensino comercial, exemplifica tal dualidade ao estabelecer o Ensino Secundário clássico e científico com três anos de duração de preparação para o Ensino Superior para as elites, e para as classes populares uma formação profissional ligada ao agrotécnico, o comercial técnico, o industrial técnico e o normal, que não propiciavam acesso ao Ensino Superior (GRABOWSKI, 2006). A equivalência entre os cursos técnicos e o Ensino Secundário viria com a LDB - Lei n.º 4.024/1961. Claro que a popularização do acesso à Educação Superior por concluintes do Ensino Técnico em áreas correlatas não foi tolerada pelo grupo conservador (RAMOS, 2017).

O Decreto n.º 2.208/1997 regulamentou a Educação Profissional e criou o Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep), estabelecendo que a Educação Profissional de nível técnico teria organização curricular própria e independente do Ensino Médio, oferecida de forma concomitante, em paralelo com o Ensino Médio, ou sequencial, após a conclusão deste (art. 5.º).

Para cumprir as exigências curriculares do Ensino Médio, a Lei que institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral estabelece que os sistemas de ensino possam reconhecer competências e firmar convênios com instituições de Educação a Distância (EaD), com notório reconhecimento, mediante as formas de comprovação: demonstração prática; experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar; atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino credenciadas; cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais; estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; cursos realizados por meio de EaD ou educação presencial mediada por tecnologias (BRASIL, 2017, art. 4.º - grifos nossos).

Se o notório reconhecimento é problemático conceitualmente, porque vago, a atuação de profissionais no quinto itinerário, Formação Técnica e Profissional, é ainda mais. A Lei n.º 13.415/2017 permite que profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino ministrem conteúdos de áreas afins a sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V docaputdo art. 36 - sobre a formação técnica e profissional (BRASIL, 2017, art. 6.º - grifos nossos).

Para Macedo (2017, p. 1242), o estabelecimento do notório saber como requisito para a docência, no âmbito da Lei n.º 13.415/2017, colabora para a desprofissionalização do trabalho docente, a partir do princípio de que os indivíduos autogerem sua própria formação e atualização profissional. Assim, a autora conclui que “a formação em nível superior deve ser o lócus privilegiado de formação para o trabalho docente na educação básica, por possibilitar, dentre outras coisas, uma formação de caráter omnilateral”, ou seja, que transcenda a visão limitada do mercado, estando voltada para a formação do indivíduo em todas as dimensões humanas, emancipado e comprometido com a educação da classe trabalhadora.

Oliveira (2013, p. 60-1) afirma que, com a compreensão de que a formação é uma peça-chave para a profissão docente, “as entidades acadêmicas têm defendido por meio de suas representações a formação em nível superior, em cursos presenciais e preferencialmente em universidades públicas”, o que evidencia uma indireta conclusão sobre a atuação de profissionais que nem sequer se prepararam para o exercício da docência. Essa observação parte do princípio básico de que não significa que por ser um excelente torneiro mecânico, por exemplo, o indivíduo seja um bom professor de tornearia mecânica. Fica mais evidente se afirmarmos que uma pessoa que cuida de um familiar enfermo por anos não se converte automaticamente em uma profissional da enfermagem, apta a atuar com as equipes em hospitais. Pensar assim significa desconsiderar todo o aporte didático essencial à profissão docente e trabalhado nos cursos especificamente voltados à formação de professores no Brasil. Não fica claro, e novamente enfatiza-se o problema daí oriundo, como se dará o reconhecimento, pelos respectivos sistemas de ensino, desse chamado notório saber.

No mesmo esteio, chamamos a atenção para a formação dos professores do Ensino Médio para atuarem no ensino remoto. Nas universidades, os educadores que desempenham atividade na EaD têm uma expertise nas funções e elementos de mediação via tecnologias digitais e funcionamento da plataforma Moodle. É fundamental pensar uma formação específica para lidar com a EaD e ferramentas a ela correlatas, para que se proponha um fórum, um laboratório de avaliação, uma pesquisa, um chat, um questionário, a construção de uma base de dados, entre outros recursos, para que, de fato, haja EaD, e não o transplante de aulas presenciais para o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), pois isso não é EaD. É de suma importância uma formação intelectualmente sólida, que envolva amplo domínio dos conhecimentos e habilidades para atuar na EaD, dentro da carga horária dos educadores, e não que essa formação fique a cargo de cada um, ao sabor de suas condições individuais.

Fica instituída, então, com o Novo Ensino Médio, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, que prevê o repasse de recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal pelo prazo de dez anos por escola, contado da data de início da implementação do Ensino Médio integral na respectiva escola, de acordo com termo de compromisso a ser formalizado entre as partes, que deverá conter, no mínimo: identificação e delimitação das ações a serem financiadas; metas quantitativas; cronograma de execução físico-financeira; e previsão de início e fim de execução das ações e da conclusão das etapas ou fases programadas (BRASIL, 2017, art. 13 - grifos nossos). Esses recursos correrão (como explicitado no art. 20 da Lei n.º 13.415/2017) à conta de dotação consignada nos orçamentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Ministério da Educação, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual.

As transferências de recursos da União para os Estados e para o Distrito Federal são obrigatórias, desde que cumpridos os critérios de elegibilidade estabelecidos nessa Lei e no regulamento, com a finalidade de prestar apoio financeiro para o atendimento de escolas públicas de Ensino Médio em Tempo Integral cadastradas no Censo Escolar da Educação Básica, que tenham iniciado a oferta de atendimento em tempo integral a partir da vigência da Lei n.º 13.415/2017 e tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao disposto na LDB. Tais transferências serão realizadas com base no número de matrículas cadastradas pelos Estados e pelo Distrito Federal no Censo Escolar da Educação Básica, realizadas anualmente, a partir de valor único por aluno (BRASIL, 2017, art. 14).

Falar em financiamento da educação no Brasil é um desafio, porque há uma complexidade na compilação dos dados: “não obstante os avanços feitos pelos órgãos públicos no levantamento e disseminação de informações de gastos educacionais, ainda não existe uma confiabilidade plena nos dados disponibilizados” (PINTO; AMARAL; CASTRO, 2011, p. 643). De modo geral, é possível afirmar que ainda precisamos bradar pelo aumento de recursos destinados à educação, pois as diretrizes da Conferência Nacional de Educação (Conae) determinavam que o gasto de 10% do PIB deveria ocorrer desde 2014 e que a distribuição fosse equânime entre os gastos por aluno com o Ensino Médio. Embora essa discrepância seja menor, ainda é significativa para alguns Estados, como apontam Pinto, Amaral e Castro (2011).

Sobre a EaD, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio estipulam que até 20% dessa etapa poderia ocorrer via EaD (chamamos a atenção para o mais adequado para o que se propõe: ensino remoto) no período diurno e até 30% no noturno. Além das dúvidas acerca dessa operacionalização, preocupa-nos o eixo central do interesse na proposição: diminuição de custos. Desde a campanha presidencial ocorrida em outubro de 2018, a EaD foi apontada como uma estratégia para redução dos custos da educação. O então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, ao ser questionado sobre as propostas para a educação, afirmou, em entrevista a jornalistas na Câmara dos Deputados,2 que a EaD permitiria “combater o marxismo. E você pode começar a fazer o ensino a distância uma vez por semana. Você ajuda a baratear o ensino no Brasil, e nesse dia talvez seja integral” (FERNANDES, 2018 - grifos nossos).

A EaD tem suas especificidades, como Preti (2009) evidencia: educandos e educadores não estão no mesmo tempo e/ou espaço; há canais (humanos e tecnológicos) que viabilizam a interatividade entre eles; há uma estrutura organizacional complexa a serviço do educando, um sistema de EaD com rede integrando comunicação, orientação acadêmica (tutoria), produção de material didático, gestão, avaliação, entre outros aspectos; a aprendizagem é um processo de construção autônoma e coletiva, por meio de interações sociais (com os colegas de curso, os orientadores acadêmicos, os professores, os autores do material didático). Fica claro que não se trata de uma ferramenta para substituir a presencialidade, mas uma efetiva reconfiguração da noção de presencialidade e construção de aparatos administrativos, pedagógicos e processos formativos próprios da modalidade.

No Plano de Governo do atual Presidente da República, na ocasião em que ainda pleiteava o cargo da autoridade máxima do Executivo do Estado, constava que a EaD “deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais”. Aborda-se o Ensino Médio, citando dados do Censo Escolar 2016, divulgado pelo Inep, chamando a atenção para os 2,8 milhões de crianças e adolescentes que estão fora da escola, sendo a maior parte os jovens entre 15 a 17 anos. O documento está disponível no site de Jair Bolsonaro (BOLSONARO [on-line]).

Poderíamos retomar todos os alertas apresentados em nota pelo GT Educação e Comunicação da Anped Centro-Oeste, porque eles destacam o fato de a EaD não dever ser a miragem em tempos de sede. Nesse sentido, o que nos preocupa profundamente nessa proposta de interseção entre EaD e Ensino Médio é a garantia de infraestrutura tecnológica necessária para estudantes e escolas que optem por adotar práticas pedagógicas mediadas pelas TIC no Ensino Médio, conforme permitido legalmente; a questão da autonomia requerida do público do Ensino Médio para desenvolver parte dos estudos a distância; a formação dos professores para atuarem com as especificidades da EaD. A modalidade presente no Ensino Superior tem seus próprios desafios a serem superados, um dos mais sérios: a sua institucionalização, “definida como o estabelecimento de uma prática ou ação num sistema humano e caracterizada pela rotina diária dentro de uma instituição de forma difundida e legitimada, esperada, apoiada e permanente” (LIMA; FARIA, 2016, p. 35).

Trazemos o caso da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), instituição que tem a EaD presente há muito tempo. Essa universidade participou do projeto de “Interiorização da UFMT”, oferecendo o curso de Pedagogia, desde os anos 1970, com o Centro de Letras Ciências Humanas (CLCH), por meio de seu Departamento de Educação (DE), é dizer, desenvolveu, historicamente, uma série de atividades acadêmicas no interior do Estado de Mato Grosso. Petter (2019), em sua tese, constatou um processo complexo de institucionalização na UFMT, apesar dos avanços políticos obtidos ao longo dos anos. Alguns dos desafios para a sua consolidação, segundo a autora, residem na baixa capilarização da EaD na instituição, em uma resistência à modalidade e na necessidade de fortalecer a participação do estudante da EaD nos conselhos superiores e nas eleições, bem como prover formas de auxílio estudantil. Adicionamos a premência de ampliar a participação dos estudantes de cursos dessa natureza na vida da universidade, na qual há uma parte do processo formativo implicada.

No início de 1992, a UFMT recebeu uma missão da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que instigou uma equipe formada por professores da UFMT e técnicos da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) a elaborar um projeto de formação docente desenvolvido no âmbito da Amazônia Legal. A opção de oferecer um curso de licenciatura na modalidade EaD veio após a constatação feita pelo grupo de que era grande a demanda de professores a serem formados na Educação Superior. Nesse contexto, é criado o Núcleo de Educação Aberta e a Distância (Nead) - antigo Núcleo de Estudos para a Formação do Professor (Nepro), que discutia a política de formação docente - com o objetivo primeiro de promover a formação superior de docentes em exercício nas escolas públicas por meio da EaD. Posteriormente, o Núcleo não se restringiu aos cursos de graduação e estendeu sua ação na oferta de cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão (PETTER, 2019).

A primeira fase da EaD na UFMT, então, vigorou no período de 1992 a 2006 e teve início com a inserção da EaD na instituição e com a criação do NEAD no Instituto de Educação. Atualmente, o Nead oferece o curso de Pedagogia EaD em quatro polos: Água Boa, Canarana, Juara e Primavera do Leste. A segunda fase começa com a oferta do curso Bacharelado em Administração Piloto e, efetivamente, com a adesão da UFMT ao Programa UAB. A terceira fase é marcada pela criação da Secretaria de Tecnologia Educacional (Setec), em 2016, cujos objetivos eram: ampliar o lastro de atuação não somente ofertando cursos EaD, também desenvolvendo projetos voltados para a implementação de Recursos Educacionais Abertos; e fomentar o blended learning, que combina atividades presenciais e atividades educacionais a distância, realizadas por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação (PETTER, 2019).

Com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), instituída pelo Decreto n.º 5.800/2006, a EaD conseguiu um fôlego na medida em que foram previstos recursos para o desenvolvimento da EaD, via editais. A finalidade central foi expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de Educação Superior no Brasil. Conforme consta no Portal da Fundação Capes, a UAB fomenta a modalidade de educação a distância nas instituições públicas de Ensino Superior, apoia pesquisas em metodologias inovadoras de Ensino Superior respaldadas em tecnologias de informação e comunicação e incentiva a colaboração entre a União e os entes federativos e estimula a criação de centros de formação permanentes, por meio dos polos de EaD em localidades estratégicas. Afirma-se, ainda, que a expectativa, a meta prioritária, é contribuir para a Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação. Assim, as ofertas de vagas são prioritariamente voltadas para a formação inicial de professores da Educação Básica (CAPES, 2019).

De fato, a UAB contribuiu amplamente para a democratização do acesso ao Ensino Superior e “é uma referência para a análise e discussão do processo de institucionalização da EaD” (PETTER, 2019, p. 64). No entanto, no ano de 2019, em um cenário de cortes de verbas na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsável pelo financiamento dos cursos do Sistema UAB, muitos dos cursos em vigência precisaram adaptar-se em face da redução do financiamento per capita, alguns optaram por não entregar aos educandos o material didático, chamado de fascículo, impresso, por exemplo. Como funciona por meio de editais, não se garante uma oferta contínua dos cursos nas Instituições de Ensino Superior. É um exemplo que permite questionar se, efetivamente, há um processo consolidado de institucionalização da EaD na Educação Superior e parte dos desafios que a modalidade deve enfrentar antes de ser a alternativa para aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem no Ensino Médio.

Especificamente quanto ao Ensino Médio, antes da pandemia ou de a legislação propor sua mais recente reforma, Lopes (2004) desenvolveu uma experiência interessante de trabalho com um curso de Geometria totalmente a distância (com seis semanas de duração), via plataforma TelEduc, em três escolas privadas do Estado de São Paulo. Tratou-se do Projeto Transformações, viabilizado por meio da parceria entre pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e escolas particulares de Ensino Médio, cujo objetivo era “possibilitar uma vivência de EaD, explorando um ambiente interativo e de aprendizagem colaborativa” (LOPES, 2004, p. 52).

Essa experiência de operacionalização da temática das transformações geométricas a distância expõe a contradição de uma geração conectada, para a qual as tecnologias digitais trazem uma ressignificação do aprendizado localizado na educação presencial e faz com que tenhamos a dimensão da complexidade da temática exposta neste texto. Um desafio relatado, por conta da plataforma utilizada no curso, diz respeito ao desenvolvimento de atividades síncronas, de maneira que “os alunos mantinham o computador com ‘meia’ tela no ‘Bate-papo’ e a outra metade da tela aberta com o arquivo da figura Cabri3 correspondente” (LOPES, 2004, p. 122), para que pudessem manter contato simultâneo enquanto editavam a atividade posposta. Na análise empreendida, Lopes (2004) observou que se construiu um ambiente de aprendizagem colaborativo, no qual os estudantes efetivamente trabalharam em grupo. Salvaguardadas as especificidades desse exemplo de trabalho colaborativo que aborda um tópico da Geometria realizado em ambiente virtual, nota-se que os espaços de aprendizagem podem ser ampliados, exponencializados. Moran (2013, p. 35) considera que: “Os próximos passos na educação estarão cada vez mais interligados à mobilidade, à flexibilidade e à facilidade de uso que os tablets e iPods oferecem”. Se o futuro da educação caminha por aí, não podemos desconsiderar os inúmeros contratempos observados para projetar o Ensino Médio público a essa extensão temporal.

4 CONCLUSÃO

A pergunta realizada no título deste texto não tem, ainda, uma resposta exata, porque a temática tem ramificações que a tornam complexa. Não parece uma relação possível neste momento, em um estágio de necessária institucionalização da EaD, à mercê de programas de governo (políticas temporárias que se afirmam durante a gestão), e não ainda constituída uma política de Estado (cuja base institucional é permanente), que tornam incertas as políticas de financiamento e oferta dos cursos EaD sob a circunspecção das Instituições de Ensino Superior, apesar de ser importante reconhecer o papel da Universidade Aberta do Brasil na democratização do acesso à universidade pública. Não o é na atual ocasião, considerando a carência de suporte estrutural e de formação dos profissionais para que o Ensino Médio se operacionalize nesse cenário de reforma, de intensas mudanças curriculares e arquiteturais. Há insegurança por toda parte quanto à reforma do Ensino Médio, as parcerias com instituições para oferta do itinerário relativo à formação técnica e profissional são incertas, bem como a atuação de profissionais com notório reconhecimento na escola.

Ao mesmo tempo, cabe sinalizar a contradição presente em algumas potencialidades da relação entre Ensino Médio e EaD, diante das novas realidades apresentadas pelos desafios da formação no contemporâneo. Sem uma análise aprofundada de tais desafios, pode parecer que a reforma do Ensino Médio e as novas Diretrizes empreendem um esforço de aproximar a instituição escolar do universo digital, por meio da permissão do que chamam de incorporação da EaD na Educação Básica, de maneira que o jovem estudante do Ensino Médio a protagonize. Entretanto, é fundamental considerar as condições, a realidade encontrada nas escolas brasileiras, desiguais e contrastantes entre Estados, municípios e regiões do País (Os educandos têm suporte para participar das atividades acadêmicas realizadas a distância? Pensamos naqueles em situação de vulnerabilidade social? As próprias escolas têm acesso à internet ou dispositivos digitais disponíveis para educandos?) e entender que a prática grita a necessidade de mais investimentos, de infraestrutura e formação dos educadores. O mínimo é preciso para que se implementem estratégias de ensino-aprendizagem mediadas pelas TIC: conexão em banda larga e a apreensão da EaD como modalidade de ensino, e não estratégia de não presencialidade esvaziada de sentido. É dizer, a EaD não deve ser estigmatizada como estratégia contingencial ou de modernização/otimização dos custos do Ensino Médio.

É preciso investimento de toda ordem, não o contrário, o barateamento dos custos, que, inclusive, confronta com a perspectiva de investimento progressivo em educação determinada pelo Plano Nacional de Educação vigente. É necessário ampliar a compreensão sobre o que a EaD realmente significa, difundir suas especificidades e o trabalho que vem sendo realizado na Educação Superior, em universidades públicas e comunitárias, com seus desafios e avanços no âmbito da democratização do acesso com qualidade social. É essencial intensificar o debate sobre a fundamental institucionalização da EaD.

É imprescindível alinhar as políticas de formação de professores da Educação Básica para atuarem com as TIC, de maneira que compreendam que não se trata de promover transposições didáticas do ensino presencial, que o planejamento docente requer especificidades, inclusive no tocante à produção de material didático, utilização de recursos abertos. Nossa resposta negativa neste momento para a relação entre Ensino Médio e EaD (é dizer, ensino remoto) como uma política pública, como proposto na reforma discutida, é um alerta: a EaD não é um oásis em meio ao deserto. E isso é fundamental para evitar tardiamente (o que implica a formação de um contingente de jovens) a constatação de que se tratava apenas de uma miragem, uma vertigem oriunda da falta de compreensão de que reformas devem ser propostas fundamentadas em diálogo com os especialistas em Educação, com os que fazem Educação e Educação a Distância.

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NOTAS

1 Plataforma digital construída, em 2013, para acompanhamento acerca do cumprimento das metas estabelecidas no PNE.

2 Em 7 de agosto de 2018, o candidato estava vinculado ao Partido Social Liberal, hoje, na Presidência da República, não é filiado a nenhum partido político.

3Software Cabri-Geomètre II, “programa computacional que permite construir todas as figuras da Geometria elementar que podem ser traçadas com uso de régua e compasso” (LOPES, 2004, p. 57).

Recebido: 31 de Março de 2020; Aceito: 16 de Julho de 2020

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