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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.4 São Paulo oct./dic 2020  Epub 01-Dic-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i4p1546-1553 

Editorial

A PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS: RESISTÊNCIAS E SUPERAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO DE QUALIDADE SOCIAL, ÍNTEGRA E CIDADÃ

Antonio CHIZZOTTIi 
http://orcid.org/0000-0003-0939-5646

Maria da Graça Moreira da SILVAii 
http://orcid.org/0000-0002-4798-9122

i Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: anchizo@uol.com.br

ii Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: mgraca.moreira@gmail.com.


A Revista e-Curriculum foi surpreendida, neste ano, pelo advento inesperado da pandemia que afetou, profundamente, todas as atividades cotidianas, subverteu o modo de vida, abalou certezas, interrompeu projetos, reconfigurou o ensino e criou um novo estilo de interação social.

A exigência do confinamento, o distanciamento interpessoal e a execução de trabalhos em estilo remoto impuseram imediatas inovações no processo de comunicação e de ensino e aprendizagem, mas, sobretudo, todas as dimensões da vida foram convulsionadas: as relações humanas, a atividade econômica e a vida científica e cultural. As consequências e os efeitos futuros desse surto pandêmico permanecem, ainda, ameaçadores e imprevisíveis.

Paradoxalmente, as divergências no tratamento político da epidemia, longe de contribuírem para o enfrentamento da gravidade do momento, fomentaram discordâncias sobre os meios de superação da tragédia sanitária e colaboraram para agravar as possibilidades de superação das consequências amedrontadoras da pandemia. Por outro lado, a cooperação internacional e os governos locais ainda patinam sobre os meios adequados de debelar a ameaça do vírus: a crescente infestação e sua persistência, presente e futura, na vida humana provocam dúvidas a respeito da sobrevida e da piora da qualidade da existência de grande parte da população, especialmente dos segmentos mais vulneráveis, em razão das condições econômicas e sanitárias que suportam.

O permanente clima de incertezas fomentou fantasmas e boatos, veiculados por fake news, sobre a iminência de um contágio devastador, universal e incontrolável. Os amedrontamentos revelam nossas impotências, os riscos e os prejuízos incontáveis em todas as existências humanas, mas se estancam e se arrefecem diante do grande esforço científico de muitos pesquisadores e de tantos cuidadores, que, afrontando todas as ameaças de um desastre fatal, aplicaram-se em pesquisas fundamentais, biomédicas, acadêmicas e industriais para descobrir, testar e validar vacinas contra o surto pandêmico da Covid-19.

Diante desse ambiente instável e ameaçador, a Revista e-Curriculum empenhou-se, vigorosamente, para manter as atividades de difusão da produção acadêmica, graças à colaboração dos pesquisadores nacionais e internacionais e da equipe de suporte gerencial da revista.

Ao apresentarem a última edição da revista, neste ano tão dramático e desafiador, os editores agradecem a todos os que contribuíram para manter a regularidade das edições.

Este número da Revista e-Curriculum não trata, especificamente, de pesquisas relacionadas à pandemia ou de reflexões decorrentes do contexto vivenciado no ano de 2020, todavia os artigos aqui apresentados trazem abalizados olhares que se embrenham em teorias, conceitos e práticas e suscitam o debate acerca de uma educação de qualidade social, íntegra e cidadã, dimensão totalmente alinhada com as questões trazidas pelo clima e pelas exigências drásticas de uma pandemia.

São 17 artigos da revista de diferentes regiões do Brasil e de Portugal que versam sobre temas relacionados a tecnologias de informação e comunicação nos diferentes níveis da educação, formação de professores, inovação, entre outros assuntos que compõem a sessão de artigos submetidos na dinâmica de fluxo contínuo. Completa a sessão uma entrevista com a Professora Jaqueline Moll sobre educação integral. A revista apresenta, também, um denso dossiê, em colaboração com a Associação Brasileira de Currículo (ABdC), composto de oito artigos notadamente selecionados com a temática Fabulações curriculantes na escola e na universidade.

Os artigos recebidos pelo fluxo contínuo da revista se articulam num todo lógico que atravessa temas relevantes do currículo, da Educação Infantil, da fotografia, da emoção, da cultura digital, da colaboração on-line, passam pela ética, pela criatividade, pelos graves problemas do transporte escolar, pela educação indígena, sendo o currículo suas áreas de busca de consenso e de construção de políticas públicas.

O artigo Cultura de inovação na educação a distância e em rede, de Dias, evidencia a relevância da educação a distância e em rede na sociedade contemporânea. Versa sobre a sustentabilidade do pensamento educacional para as cenarizações do futuro, explicitando o acolhimento, a partilha, a colaboração e a aprendizagem emocional e em rede como dimensões a serem consideradas para a cultura de inovação na sociedade digital.

Blauth e Scherer tematizam a formação continuada de professoras para a integração de tecnologias digitais ao currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Trazem uma narrativa vivenciada de professoras e pesquisadora no processo de integração das tecnologias ao currículo de uma escola de Campo Grande/MS. As autoras concluem que a atuação conjunta da pesquisadora e professoras durante dois anos oportunizou a vivência da integração das tecnologias ao currículo e momentos de formação e aprendizagem.

Santos, Matta e Kowalski, no artigo O processo de autoria acadêmica apoiada pelas tecnologias digitais da informação e comunicação no desenvolvimento de web currículos, enfatizam a autoria acadêmica como potencializadora de web currículos quando suportada pelas tecnologias digitais da informação e comunicação em práticas que valorizam a colaboração e a coautoria. Trata-se de uma pesquisa quantitativa com 117 discentes de graduação.

Tamanini e Souza (RN) partem do estudo de campo sobre os Portais de Ensino de História, produto de um estudo bibliográfico e de campo realizado no âmbito do Mestrado em Ensino da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), desenvolvendo procedimentos de pesquisa para analisar o envolvimento didático e crítico de alunos de escolas públicas de Educação Básica. O intento da pesquisa foi identificar a aprendizagem em ambientes web currículo ou daquilo que nas redes pode ser elemento curricular humanizador.

No sentido de refletir sobre a formação de professores para a cultura digital, Koerich e Lapa (SC) trazem ao debate o protagonismo da escola pública em um estudo de caso para identificar os fatores internos e externos que determinam os processos formativos dos decentes. A pesquisa analisa a experiência de alguns professores com integração de redes sociais no ensino fundamental público, adota a abordagem mídia-educativa que defende a apropriação crítica e criativa das mídias. Entre eles destacam que a pesquisa tem forte marca no apoio dos pares, o apoio da instituição escolar ou da universidade, além da própria percepção do professor como um “aprendiz permanente”.

Rica pesquisa foi produzida por Meyer e Vosgerau (PR), a partir de compartilhamento on-line de salas de aula entre vários professores que se evidenciou como significativa e positiva ação de intercâmbio e ampliação do conhecimento coletivo. Utilizaram-se do método Ground Theory e das narrativas digitais num estudo com 32 professores universitários, cujos resultados não se restringiram ao próprio desenvolvimento profissional e à dimensão pessoal, mas também com rebatimento na melhoria do currículo.

É possível enxergar como ressignificar a docência pela expansão das vivências em ambientes de cultura digital, afirma Lima no artigo Exergames como possibilidade de (re)significação da docência na cultura digital. A partir de estudos na Universidade Federal de São João Del Rei (MG), tais vivências da cultura digital, mesmo com limitações identificadas como restrições do tempo e espaço escolares para as práticas corporais e a precariedade de infraestrutura material para as aulas, ampliam o horizonte da ética e da formação da cidadania. Forma-se assim um novo nicho de cidadania, a digital, com novas e inesperadas dimensões.

A formação de professores, além de todos os percursos por seus fundamentos, pode guardar a perspectiva da aprendizagem criativa. Soares, Brisola e Dias trazem estudos sobre o processo formativo de escolas públicas oferecido pela Diretoria de Políticas e Tecnologias Educacionais da Secretaria de Estado de Educação do Paraná, no período de dois anos, analisados à luz do conceito Aprendizagem Criativa e sobre a teoria dos 4 Ps, destacando as dimensões pedagógicas, conteudistas e tecnológicas, pautando-se pelo modelo teórico Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK). Tal pesquisa concluiu que a ótica da criatividade alterou muito a qualidade da implementação de suas práticas.

“Sacudir a poeira e dar a volta por cima”, como dizia o poeta e biólogo Paulo Vanzolini, é aquilo que o artigo de Silva e Paraíso faz, alegando que as imagens de cinema podem afastar o velho ensino empoeirado e propondo um novo procedimento didático com o apoio do uso das imagens do cinema, seguidas de redes de conversações, que tornam a aprendizagem mais significativa. O artigo nasce de uma pesquisa realizada com professoras de duas escolas de Educação Infantil na capital do Espírito Santo. As conquistas para a melhoria da expressão, experimentação e exploração de aprendizagens, linguagem e fala “impensáveis linhas de vida para a escola”, segundo as autoras.

Silva e Moreira analisam a luta política pela legitimação/significação da disciplina Sociologia no Ensino Médio, fundamentada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e de sua potência para reflexão sobre a diversidade étnico-racial na política curricular. A finalidade da negociação de sentidos visa propiciar modificações nos próprios documentos oficiais, frequentemente distantes das reais necessidades de interlocução para tema tão controverso e descuidado. Os aportes teórico-metodológicos são buscados na teoria do discurso de Laclau e Mouffe e seus interlocutores brasileiros no campo do currículo.

A legislação sobre a educação indígena teve avanços nas últimas duas décadas (ou seja, só no século XXI, ficando, de alguma forma, quase estacionária nos tantos anos de nossa história!), os quais são analisados por Nascimento, que destaca as práticas do ensino de Ciências da Natureza nas escolas e a formação de professores para área tão relevante, sobretudo para indígenas, inseridos em escolas não indígenas. A pesquisa foi realizada na cidade de Manaus e os resultados apresentam a invisibilidade dos alunos indígenas no currículo, revelando um ensino de Ciências da Natureza descontextualizado da cultura indígena, que não é contemplada nas práticas pedagógicas.

A necessidade de inovação na educação percorre todos os meandros da escola brasileira, e nesse artigo ganha voz o estado de Goiás, numa análise da pesquisa feita entre 2014-2018. Na pesquisa de Gabassa, a prática e a formação do professor são focos, sob o aspecto da inovação. O que de fato é ter êxito no processo de melhoria da aprendizagem, do ensino e do currículo escolar? Como constatá-la? Os estudos realizados nos quatro anos de duração da pesquisa mostraram, a partir do testemunho dos alunos, como sujeitos envolvidos, a melhoria de suas aprendizagens de conteúdos escolares, assim como da convivência respeitosa entre eles. Mais estudos precisam ser feitos.

Quais atributos dos programas de medidas socioeducativas voltados a adolescentes julgados pelo cometimento de atos infracionais? Essa contundente questão instigou a reflexão de Leal, Fernandes e Onofre, que analisaram, em produções científicas publicadas de 2003 a 2017, as estratégias metodológicas desenvolvidas no País. Emergiram do levantamento realizado que estratégias metodológicas que contam com maior adesão dos adolescentes são as que proporcionam diálogo com suas trajetórias; apropriação de conhecimentos valorizados; resolução de problemas; e transformação da realidade. Apontam o despropósito do confinamento dos adolescentes e da ausência de políticas de Estado que tratem do tema com a densidade merecida.

Os currículos de cursos de Medicina Veterinária ofertados por 20 universidades federais brasileiras foram analisados detalhadamente por Marin e Miranda. Investigaram os projetos pedagógicos e conteúdos curriculares dos cursos em busca de temáticas que abordassem ou discutissem aspectos da legislação aplicados à medicina veterinária. Evidenciaram, por meio desse estudo, lacunas nos currículos no tocante ao estudo da legislação. Em consequência, os autores sugerem a inclusão de componentes nos cursos que versem sobre o tema em tela.

As definições e as tensões dos papéis do professor regente e do intérprete educacional na inclusão do aluno surdo são tratadas por Pinheiro em uma pesquisa qualitativa que contou com a observação videogravada de aulas de Língua Portuguesa, sessões reflexivas e entrevista com o professor e intérprete. Os resultados apontam que as zonas de conflito no campo de atuação do professor e do intérprete são decorrentes das lacunas identificadas na formação desses profissionais que, somadas a outros fatores, contribuem para uma inclusão-excludente e sinalizam a necessidade de um trabalho colaborativo.

O artigo Balsa escola: educação de tempo integral em uma escola localizada no campo em Humaitá no estado do Amazonas discute as questões e as possibilidades trazidas pela proposta de tempo integral em uma escola do campo da Rede Pública Municipal de Humaitá, Amazonas. Por meio de uma pesquisa qualitativa, Franco, Nogueira e Marques buscaram compreender a construção da proposta curricular e a organização do “tempo integral” na escola em tela. Os resultados revelam que as dificuldades encontradas pela escola, desde o trajeto ao acesso aos recursos tecnológicos, entre outras, interferem no andamento das atividades/do currículo escolar.

Também refletindo sobre a escola em tempo integral, o artigo Concepções de educação integral e em tempo integral no Brasil: reflexões a partir das bases teóricas e legais trata mais especificamente sobre as concepções de educação integral e em tempo integral e suas implicações na melhoria da qualidade da educação pública. Por meio de revisão bibliográfica e estudo documental, Cardoso e Oliveira concluem que a ampliação da jornada por meio da extensão do tempo em espaços externos à escola sobressai-se nas vivências analisadas e recomendam que as políticas de ampliação do tempo escolar estejam atreladas às políticas de fortalecimento das unidades educativas.

Concluindo a sessão de artigos de fluxo contínuo, este número da Revista e-Curriculum apresenta uma entrevista com a Professora Jaqueline Moll, num profícuo diálogo com os entrevistadores Ponce, Ronca e Soares acerca de algumas experiências pedagógicas democráticas exitosas pautadas pela ideia de Educação Integral, que ocorreram de modo intermitente na história do Brasil, a potência de iniciativas contra-hegemônicas e a possibilidade de promoção de uma escola pública onde caibam todos/as e em que a dignidade humana seja a primeira pauta.

O Dossiê Fabulações curriculantes na escola e na universidade, organizado por Maria Inez Carvalho e Rosane Meire Vieira de Jesus, conta com oito “artigos fabulantes” originários de pesquisadores de instituições de ensino de distintas regiões do Brasil e um da Universidade de Cádiz, na Espanha, todos contemplados na apresentação do dossiê. Esse conjunto tece, delicadamente, o fabular sobre currículos nos diferentes níveis da educação, da escola básica à universidade. Versam sobre o fabular como uma experiência, logo, essa experiência a-com-tece discursivamente.

A publicação do número 4 da 18.ª edição da Revista e-Curriculum encerra este ano inusitado, tumultuoso e complexo marcado por uma pandemia que, para além dos contornos de saúde pública, desnudou as enfermidades sociais, políticas e informacionais e revelou acentuados reflexos na produção e comunicação científica nacional.

Neste ano de 2020, assistiu-se ao despertar da sociedade para a centralidade da ciência na busca de explicações e soluções para o enfrentamento das mazelas do cotidiano. Foram analisados em praça pública gráficos, curvas, dados estatísticos, e o vocabulário científico, mais afeito à academia, foi ouvido em diferentes espaços. A comunicação acadêmica foi alçada ao palco de debates sobre o sentido e a significação de uma pesquisa científica, as etapas e a relevância da integração e colaboração entre as instituições e pesquisadores. Para além do embrionário letramento científico da população, ficou evidenciada a dependência do bem-estar social às ciências e suas tecnologias. Desnudaram-se as relações entre a estrutura dos serviços básicos das cidades, ou a falta deles, nas condições de vida, na propagação de doenças, na escola.

A valorização da ciência e da educação (sem esta última não se faz ciência) implica o financiamento para uma escola que respeite o professor, o aluno, as famílias e a comunidade escolar. Se, por um lado, houve uma importante aproximação entre a academia e a sociedade, de outro, há de pontuar os retrocessos registrados decorrentes da adoção da cartilha neoliberal- autoritária em voga no País, que negligencia investimentos em pesquisas científicas, principalmente na área de ciências humanas e sociais.

Assim, mais uma vez, a Revista e-Curriculum agradece a todos os avaliadores que colaboraram na análise e na apreciação crítica dos artigos, viabilizando a produção de mais este número.

Dezembro/2020

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