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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.4 São Paulo oct./dic 2020  Epub 01-Dic-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i4p1554-1558 

Apresentação

DOSSIÊ ABdC 2020: FABULAÇÕES CURRICULANTES NA ESCOLA E NA UNIVERSIDADE

Maria Inez CARVALHOi 
http://orcid.org/0000-0002-8032-072X

Rosane Meire Vieira de JESUSii 
http://orcid.org/0000-0002-2920-6913

i Doutorado em Educação pelo Programa de Pós-graduação e Pesquisa em Educação da UFBA. Professora Titular da Faculdade de Educação, vinculada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, Universidade Federal da Bahia. E-mail: miscarvalho2809@gmail.com.

ii Doutorado em Educação pelo Programa de Pós-graduação e Pesquisa em Educação da UFBA. Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação e Diversidade, Mestrado Profissional em Educação e Diversidade da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: rosanevieiraj@gmail.com.


Inventado com a intenção de problematizar as atualizações dos currículos naqueles atípicos geomomentos nos quais as leis da natureza se tornam menos universais e a intensidade das flutuações remete a uma potencialização da percepção dos comportamentos probabilísticos do evento, nesse caso, do evento curricular, o dossiê Fabulações curriculantes na escola e na universidade se concretiza em oito artigos fabulantes.

Fabulações engendradas pelo desejo de responder à pergunta: quais as possíveis fabulações curriculantes, em diversas escalas, para esses momentos de bifurcação? Momento de bifurcação é o nome dado pela física quântica a esses atípicos geomomentos, aqui pensados como hiatos curriculares, nos quais a fabulação se torna um dispositivo relevante para aproximação das probabilidades discursivas de ser para além das assunções institucionais propostas com o propósito de conservação do lugar institucional da escola e da universidade.

Nietzscheanamente, fabulação não é uma oposição à verdade, mas ao verdadeiro quando entendido como sinônimo de realidade. Trata-se de compreender a verdade como uma criação situada contingencialmente, pois verdade preexistente, independente e objetiva é uma idealização; fabular é uma experiência, logo a-com-tece discursivamente. Nesse sentido, o currículo como fabulação assume os jogos de performatividades de poder na escritura curricular, uma vez que dilui a ideia de transparência discursiva e de um sujeito social pré- discursivo que tem em si a chave da emancipação. Tudo é ilusão!

Para tanto, cabe aos curriculistas a compreensão de como se articulam os agenciamentos coletivos de fabulações, diante das imprevisibilidades, que são capazes de redirecionar as escrituras curriculares para outras atualizações. Esses artigos fabulantes mobilizam discussões em torno de alguns questionamentos: a valorização da dimensão existencialista exclui a presença física da escola e da universidade, mas não sua pre-sença? A escola/universidade que acontece ordinariamente pode ser trazida para o espaço privado, apesar do imaginário escolar e do medo da traição a tradições escolares/universitárias? As experiências escolares/universitárias não incluem, necessariamente, a formalidade do que possa vir a aparecer? Como um hiato curricular “ativo” pode abrir outras possibilidades de se fazer currículo? O virtual entra em cena como mediação tecnológica. Isso seria uma simplificação da potência das virtualidades?

Há um “caldo de potência” que permite a precipitação de arranjos singulares nesses hiatos curriculares. Berenice, uma das cidades femininas do livro Cidades invisíveis de Ítalo Calvino, é uma cidade que alterna tempos de justiça com tempos de injustiça e a Berenice injusta possui dentro de si a semente da Berenice justa, e o contrário também pode acontecer, e acontece. Indo além de Calvino que adjetiva Berenice como justa ou injusta, podemos suspender esse juízo de valor. São (simplesmente?) atualizações, fabulações.

O verdadeiro como sinônimo de realidade apriorística tenta, sem sucesso, o controle. E quando as coisas - contingência, não essencialismo, provisoriedade - teimam em emergir são encaradas, pelas abordagens essencialistas, como fábulas que nos contaram, inventadas para nos enredar. Operar com a contingência, não essencialismo, provisoriedade como não permissores do controle é um entendimento de funcionamento do mundo, e não característica do inimigo. Aqui, nietzscheanamente, fábulas são uma verdade, são valências para mim, para meus amigos, para meus inimigos.

Ancorados, ainda, em formações essencialistas, a desconstrução da ideia de fábula como uma simples e, muitas vezes, antiética ilusão é tarefa que exige muita atenção; a coragem de certo voo pela existência do território educacional e algum desprendimento de tantas e tamanhas ancoragens. Esperamos que as fabulações dos artigos fabulantes deste dossiê possibilitem leituras potentes para hiatos curriculares.

São artigos fabulantes de instituições localizadas em diferentes regiões do País - Universidade Federal do Espírito Santo, Universidade Federal do Acre, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Estadual de Campinas, Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Tocantins, Universidade do Estado da Bahia, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal do Pará -, bem como um artigo oriundo da Universidade de Cádiz, na Espanha.

O artigo da universidade espanhola é intitulado Currículo y educación, sociedad y tecnología. Ideas para iniciar un debate en educación primaria. Produzido por Antonio Rueda Mateos e Víctor Amar Rodríguez, o texto assume a dimensão fabuladora do currículo ao trazer a experiência, na rede de educação de Andaluzia (Espanha), da disciplina “Cultura e prática digital”. Numa correlação currículo e contemporaneidade, os autores fabulam as redes digitais como motores do processo e da aprendizagem.

Na contaminação da fabulação deleuziana com a perspectiva cotidianista dos currículos, o artigo Currículo-fabulação: biblioteca escolar entre-linhas de fuga, escrito por Carlos Eduardo Ferraço e Fabiano de Oliveira Moraes, fabula as oficinas literárias realizadas em uma biblioteca escolar, em Vitória-ES, como conversações entre leituras, literaturas, currículos-fabulações e linhas de fuga traçadas com os cotidianos.

Em Narrativa de um professor Huni Kuin: a condição de ser o “outro” na escola da cidade, Valda Inês Fontenele Pessoa e Márcia Barroso Loureto apresentam as discussões realizadas no Laboratório de Interculturalidade (Labinter/UFAC), que se voltam para a compreensão das narrativas sobre a trajetória de formação, por meio de atividades avaliativas de disciplinas universitárias, denominadas história de vida/vida escolar. As fabulações acontecem a partir da narrativa de José Domingos Kaxinawá, originário dos povos Huni Kuin do Rio Envira - Acre.

Como questões sociais se transformam em questões curriculares? De que maneira o uso do cinema na educação possibilita a criação de novas redes educativas, a partir das redes que formamos e nas quais somos formados? “Cineconversas” e fabulações curriculantes: o uso de filmes e a potência das conversas como metodologia de pesquisa em educação resulta, na perspectiva dos estudos com os cotidianos, de conversas entre quatro pesquisadoras que, a partir do filme O pagador de promessas (1962), apresentam questões acerca de polifonia cultural, fabulações curriculantes, “potência do falso” e intolerância religiosa. Rosa Helena de Mendonça, Joana Ribeiro dos Santos, Noale Toja e Maria Morais fabulam metodologia de pesquisa para a formação de professores.

Em Os impactos da Base Nacional Comum Curricular na construção do currículo piracicabano, Eduardo Fernando Francini e Maria Alejandra Moreno-Pizani tentam expor os impactos da implantação de uma matriz única para a Educação Básica no contexto local da cidade paulista de Piracicaba. As fabulações giram em torno das construções curriculares em que o aluno (suas habilidades e atitudes) e a resolução de problemas (competências) são a centralidade da ação educativa e os professores são protagonistas que concretizam tal currículo. Vanessa Lessio Diniz e Osmar Oliveira de Moura escreveram o artigo Interlocuções sobre currículo e a implementação da BNCC de geografia: buscando pedagogias decoloniais para o contexto amazônico, que, a partir da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, analisam os discursos produzidos no Projeto de Extensão “Interlocuções sobre a implementação da BNCC de Geografia: construindo práticas educativas regionais”, apresentando as disputas discursivas em torno dos rastros de colonialidade. As fabulações aparecem na proposição de pedagogias decoloniais, que constrói outras formas de representações, sentidos e saberes geográficos diante dos conteúdos programáticos prescritos no documento curricular.

Professoralidade: perspectivas em fabulação, escrito por nós, organizadoras do Dossiê, apresenta um estudo sobre o termo professoralidade, parte do léxico de dois grupos baianos de pesquisa em Educação. Tal termo é investigado com a intenção de compreender como ele tem sido operado conceitualmente nos trabalhos produzidos nos programas de pós- graduação stricto sensu no Brasil. São cartografadas as desconstruções presentes nas perspectivas de professoralidade fabuladas por diversos autores.

E, finalmente, há o artigo Para uma pedagogia cultural: o currículo e sua relação com a educação ribeirinha na Amazônia, de Leticia Santos Furtado e Eraldo Souza do Carmo, que discute as práticas desenvolvidas pelos professores de turmas multisseriadas de escolas ribeirinhas na Amazônia. Como os professores dispõem de saberes socioculturais seculares da região amazônica de modo que colabore para a valorização da identidade e da diversidade sociocultural dessa região? Ao acionar a relação íntima entre currículo e cultura, os autores fabulam como se constituem as noções de cultura nas práticas curriculares na educação do campo.

Nesse sentido, o Dossiê Fabulações curriculantes na escola e na universidade intenta dar visibilidade à tradução do ordinário tecido pelos vários coletivos que compõem a escola e a universidade. Longe da ideia de extraordinário, voltamos para os estados de mudança no presente, capturando o instante e o deixando ir. Apesar da ambição das normalizações hegemônicas de evitar acontecimentos que perturbem uma ordem dada, a conservação da mesmidade se torna impossível diante de geomomentos de bifurcação e a fabulação é um risco discursivo de estar no plano acontecimental.

Organizadoras do Dossiê

Dezembro/2020

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