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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.4 São Paulo out./dez 2020  Epub 20-Jan-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i4p1857-1878 

Artigos

EXERGAMES COMO POSSIBILIDADE DE RESSIGNIFICAÇÃO DA DOCÊNCIA NA CULTURA DIGITAL

VIDEOJUEGOS CON EXERGAMES COMO POSIBILIDAD DE FORMACIÓN DE SIGNIFICADOS PARA LA ENSEÑANZA EN LA CULTURA DIGITAL

Marcio Roberto de LIMAi 
http://orcid.org/0000-0003-3790-1104

i Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Adjunto da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) em seu Departamento de Ciências da Educação (Deced). E-mail: marcinholima@ufsj.edu.br.


RESUMO

A Pesquisa-Ação aqui sintetizada discute a incorporação pedagógica de exergames (EXG) nas aulas de Educação Física Escolar (EFE) de uma escola pública urbana. Contando com a colaboração de um professor do Ensino Médio, o estudo objetivou identificar e discutir ressignificações da ação docente a partir da adoção dos EXG nas aulas. A pesquisa teve como instrumentos de geração de dados observações de campo e uma entrevista semiestruturada com o professor colaborador. Com o auxílio do software ATLAS.ti, esses dados foram estruturados e submetidos a uma Análise de Conteúdo (AC). A experiência foi sinalizada como um encontro fértil entre as práticas da EFE e a cultura digital, consolidando uma participação discente maior nas aulas e uma expansão das vivências corporais na unidade curricular. As limitações identificadas foram associadas às restrições do tempo e espaço escolares para as práticas corporais e à precariedade de infraestrutura material para as aulas. Inferiu-se que, aliado à necessidade de formação continuada do professor, o processo de desenvolvimento da cultura digital escolar transcende a presença de tecnologias e precisa ser balizado por discussões éticas que favoreçam a formação da cidadania na cultura contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: Exergames; Educação física escolar; Docência; Cultura digital; ATLAS.ti

RESUMEN

La investigación-acción sintetizada aquí analiza el uso pedagógico de los con exergames en las clases de educación física escolar (EFE) de una escuela pública urbana. Contando con la colaboración con un maestro de secundaria, el estudio tuvo como objetivo identificar y discutir los significados de la acción docente a partir de la adopción de exergames en las clases. La investigación tuvo como instrumentos de generación de datos observaciones de campo y una entrevista semiestructurada con el profesor colaborador. Con la ayuda del software ATLAS.ti, estos datos se estructuraron y se enviaron a un análisis de contenido. La experiencia se señaló como un encuentro fértil entre las prácticas de EFE y la cultura digital, consolidando una mayor participación de los estudiantes en las clases y la expansión de las experiencias corporales en el curso. Las limitaciones identificadas se asociaron con las restricciones de tiempo y espacio escolar para las prácticas corporales y la precariedad de la infraestructura material para las clases. Se infirió que, aliado a la necesidad de una formación continua del profesorado, el proceso de desarrollo de la cultura escolar digital trasciende la presencia de tecnologías y debe estar marcado por debates éticos que favorezcan la formación de ciudadanía en la cultura contemporánea.

PALABRAS CLAVE: Exergames; Educación física escolar; Enseñanza; Cultura digital; ATLAS.ti

ABSTRACT

This paper synthesizes an Action Research with the theme of the pedagogical use of exergames in School Physical Education. From the collaboration of a high school teacher, the study identified and discussed the teaching action with exergames in classes. The data generation instruments were field observations and a semi-structured interview with the collaborating teacher. In ATLAS.ti software these data were structured and submitted to a Content Analysis. The experience was signaled as a fertile meeting between the practices of school physical education and digital culture, consolidating a greater student participation in classes and expansion of body experiences. The limitations identified were associated with restrictions on school time and space for body practices and precarious material infrastructure for classes. It was inferred that, allied to the need for continued teacher training, the process of developing digital school culture transcends the presence of technologies and needs to be marked by ethical discussions that favor the formation of citizenship in contemporary culture.

KEYWORDS: Exergames; School physical education; Teaching; Digital culture; ATLAS.ti

1 APRESENTAÇÃO

Nosso cotidiano tem como uma de suas principais características a presença e a apropriação social das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Uma dinâmica contínua de reconfigurações mediadas por essas tecnologias pode ser presenciada nos mais diferentes ramos de atuação humana, interpondo uma série de desafios aos processos produtivos em sociedade. Desse cenário de transformações, emergem problematizações que envolvem questões éticas, políticas, trabalhistas, econômicas, ambientais, científicas, educacionais, de segurança e privacidade de dados etc., e que colocam em discussão a necessidade de melhor compreensão do espírito desse tempo.

Assim, pode-se dizer que o cenário sociotécnico contemporâneo tipifica uma cultura digital1 (LEMOS, 2020), cujos processos de comunicação, criação, produção e movimentação de mercadorias, de bens e de valores são mediados pelas TDIC em rede e ambientes virtuais. Situamos o desenvolvimento dessa cultura a partir de uma “[...] revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação [a qual] começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado” (CASTELLS, 1999, p. 39), tendo em vista os avanços científico-tecnológicos no campo da eletrônica, que marcaram as cinco últimas décadas do século XX.

De maneira específica, decorre dessa reconfiguração sociocultural a necessidade de situar a educação e seus processos nesse contexto de constantes transformações. Assim, esta pesquisa envolveu a introdução de exergames (EXG) em práticas pedagógicas e buscou sistematizar ressignificações da ação docente a partir dessa experiência. O trabalho de pesquisa de campo foi realizado em uma escola pública urbana do interior de Minas Gerais e contou com o apoio da gestão escolar, com a adesão voluntária de um professor de Educação Física Escolar (EFE) e de alunos de duas turmas de 1º ano do Ensino Médio. O bom acolhimento do projeto de pesquisa/intervenção pelos profissionais da escola e as condições de guarda/segurança de equipamentos foram fatores que nortearam a escolha da escola como lócus de pesquisa.

Cabe o registro de que, nesta pesquisa, entendemos os EXG como jogos digitais capazes de captar movimentos reais dos usuários e simulá-los em um ambiente virtualizado para o desenvolvimento de ações em games. Em outras palavras, de maneira distinta dos jogos digitais tradicionais - que, muitas vezes, são associados a comportamentos sedentários (CUSTÓDIO et al., 2019) -, os EXG, ao converterem a movimentação corporal real para um “[...] ambiente virtual, [possibilitam] que os usuários [...] pratiquem esportes virtuais, exercícios de fitness e/ou outras atividades físicas [...]” (MEDEIROS et al., 2017, p. 465).

Assumimos como hipótese que os EXG poderiam se apresentar como artefatos culturais capazes de propiciar ao professor de EFE oportunidades de reconfiguração de estratégias pedagógicas na cultura digital. Embora a experiência tenha envolvido diferentes sujeitos escolares, este artigo dedica-se às contribuições colhidas junto ao professor de EFE, as quais nos permitiram avançar na compreensão de ressignificações docentes associadas à incorporação pedagógica de EXG.

2 MATERIAIS, MÉTODO E PROCEDIMENTOS

Nosso propósito de pesquisa, também, considerou a necessidade de aproximar uma/a escola pública das práticas da cultura digital. Dessa forma, assumimos as aulas de EFE como espaço privilegiado para fomentar reflexões acerca da virtualização do movimento (corporal) em práticas pedagógicas com EXG.

Registramos que a pesquisa aqui sintetizada utilizou dois videogames Xbox One com sensores Kinect (Microsoft®) e dois televisores LED de 55 polegadas. Esses equipamentos foram financiados pela Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais e foram imprescindíveis para o desenvolvimento satisfatório das ações planejadas no estudo. Paralelamente ao uso dos EXG, a equipe construiu/disponibilizou materiais adaptados (arco e flecha de bambu, alvo de papelão para prática de Tiro ao Alvo; garrafas pet e bola de futebol de salão para prática de Boliche) em atividades na quadra esportiva da escola.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa seguiu a perspectiva qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), consolidou uma Pesquisa-Ação (THIOLLENT, 1996), que parte do princípio de colaboração com membros da comunidade escolar, em especial com professores, in loco, e focalizou práticas pedagógicas. Nesse sentido, consideramos as pesquisas de intervenção pedagógicas como: meios para conquistar mudanças de atitudes e comportamentos nos indivíduos e grupos participantes; momento de formação em serviço; e oportunidade de revisão da prática pedagógica a partir de processos reflexivos. Para isso, elaboramos uma estratégia pedagógica de intervenção escolar em parceria com um professor de EFE da escola, um bolsista de iniciação científica, uma bolsista de mestrado e dois professores orientadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

2.1 Breve resgate do planejamento da intervenção em campo

O plano de ações de intervenção no contexto escolar ocorreu no segundo semestre de 2018 e compreendeu 11 aulas de 50 minutos no seguinte formato: Apresentação da equipe e observação das turmas (duas aulas); Discussão do tema “Jogos digitais” (uma aula); Apresentação do projeto com os EXG (uma aula); Prática da modalidade Boliche (duas aulas); Prática da modalidade Tiro ao Alvo (duas aulas); Experimentação livre (duas aulas); e Avaliação e encerramento (uma aula).

As aulas foram planejadas a partir da divisão da turma em oito grupos de cinco alunos e de maneira de que todos os alunos pudessem ter a oportunidade de utilizar os EXG. Durante uma aula, concomitantemente, quatro grupos trabalhavam com os EXG e os grupos restantes trabalhavam na quadra esportiva da escola. Na aula subsequente, os grupos se alternavam nos espaços com EXG e quadra esportiva. Assim, todos os envolvidos experimentaram práticas virtualizadas e adaptadas à quadra da escola em três aulas. Como avaliação da intervenção, os discentes produziram um relatório explicitando suas percepções relativas à experiência.

A intervenção realizada na escola foi coletiva e teve apoio da equipe de pesquisadores junto com o professor durante todo o projeto. Registramos que o professor da escola não assumiu um papel secundário na configuração implementada, emergindo uma dinâmica colaborativa entre pesquisadores-professor na efetivação do planejamento junto com os alunos.

2.2 Metodologia em ação: sistematização dos dados empíricos no ATLAS.ti

Além das observações e registros em notas de campo elaboradas durante todo o período de intervenção, a produção de dados empíricos teve como principal instrumento gerador uma entrevista semiestruturada realizada com o professor da unidade curricular. Essa entrevista foi gravada em áudio digital e transcrita. Esse material constituiu a base de uma Análise de Conteúdo (AC) (BARDIN, 2016) estruturada no software ATLAS.ti, que nos auxiliou no processo de tratamento, relacionamento e inferências dos/com os dados.

No software, o trabalho de AC se iniciou com a leitura flutuante de nossos dados empíricos. Esse procedimento, em conformidade ao proposto por Bardin (2016), possibilitou um momento de imersão no conteúdo e a identificação de temáticas semelhantes na entrevista do professor. Na sequência, procedemos a uma leitura aprofundada do material e, nesse processo, efetuamos a referenciação (indexação/codificação) do conteúdo com o uso de índices, que no ATLAS.ti são tratados como códigos (codes). Ao final dessa etapa, o software processou o resultado da referenciação e calculou sua frequência de ocorrência no texto (indicadores da AC), conforme ilustrado na Figura 1.

Fonte: Captura de tela do software ATLAS.ti.

Figura 1 Resultado da referenciação dos dados empíricos 

Como pode ser visto na Figura 1, foram criados 18 índices (códigos), que sumarizaram informações importantes em núcleos de interesse em conformidade ao objetivo da pesquisa. Esses índices e seus indicadores (campo Magnitude - Figura 1) nos sugeriram a tendência da análise. A etapa sequente do procedimento analítico compreendeu o agrupamento semântico dos códigos formando as categorias empíricas da AC (BARDIN, 2016). No ATLAS.ti, essas categorias são representadas pelos “Grupos de Códigos”, que, na prática, são famílias de códigos reunidos em conformidade à sua afinidade temática. Para o trabalho em questão, foram sistematizadas quatro categorias empíricas conforme a Tabela 1.

Tabela 1 Categorias empíricas 

Categoria Descrição
Intervenção de pesquisa Significados associados à intervenção pedagógica
Experiência Significados associados à experiência com EXG
Exergames Significados associados aos EXG
Cultura Digital Significados associados à cultura digital na escola

Fonte: Planejamento de pesquisa.

A AC preconiza a definição das unidades de registro e contexto referentes ao material em estudo. Nessa perspectiva, Franco (2005, p. 37) nos esclarece que as unidades de registro devem ser definidas considerando “[...] a menor parte do conteúdo cuja ocorrência é registrada de acordo com as categorias levantadas”. A autora diz, também, que a definição dessas unidades de registro é típica de cada investigação, envolvendo características definidoras específicas. Para nosso estudo, escolhemos como unidade de registro o “tema” presente nas considerações do professor, o qual era relacionado a uma categoria empírica. Ainda, é preciso considerar que

a unidade de contexto deve ser considerada e tratada como a unidade básica para a compreensão da codificação da unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registro) são excelentes para a compreensão do significado exato da unidade de registro (FRANCO, 2005, p. 44, grifo nosso).

Como utilizamos o ATLAS.ti para proceder à estruturação da AC, ao realizarmos a referenciação do conteúdo, os índices criados (códigos) foram associados a trechos do discurso do professor. Dessa forma, o processo analítico foi agilizado, pois nossa unidade de registro (tema) concerne ao índice criado, o qual sempre é associado a um excerto textual (unidade de contexto). Na Figura 2, é possível ver, por exemplo, que o índice “Desdobramentos” encontra-se relacionado a uma citação (quotation) da fala do professor colaborador (seleção de cor azul na figura).

Fonte: Captura de tela do software ATLAS.ti.

Figura 2 Referenciação do conteúdo no ATLAS.ti (índices e contexto de ocorrência) 

Lembramos que uma unidade de registro assume sentido na explicitação do contexto de sua ocorrência (BARDIN, 2016). Especificamente, esse é um ponto de grande utilidade do ATLAS.ti, pois todas as referências a trechos de significação comum podem ser facilmente reunidas e acessadas a partir dos índices (códigos). Como exemplo dessa funcionalidade, a Figura 3 ilustra as 10 ocorrências do índice “Desdobramentos”, as quais podem ser facilmente acessadas para análise e discussão.

Figura 3 Ocorrências do índice “Desdobramentos” reunidas 

Fonte: captura de tela do software ATLAS.ti.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Incialmente, é importante esclarecer que a mediação do software ATLAS.ti parte de um rigoroso planejamento de pesquisa, que considera o método e as bases teóricas relacionadas ao objeto em investigação. Desse modo, no que diz respeito à AC, registramos que o software não é autossuficiente na construção dos índices, no processo de referenciação, na organização de categorias empíricas etc. Todos esses procedimentos consideram os propósitos de pesquisa e são dependentes das ações do pesquisador, que estrutura os dados no ATLAS.ti de maneira orientada.

A seguir, colocamos em foco nossas quatro categorias empíricas (Tabela 1). As subseções trazem excertos das falas do professor Paulo2 - levantados por meio de uma entrevista semiestruturada - acompanhados de discussão analítica subsidiada por articulações com referenciais teóricos. Visando a compor a apresentação dos principais termos recorrentes das contribuições do docente, adotamos o seguinte sistema de representação: a) a fim de explicitar a frequência de ocorrência de um termo no discurso, lançamos mão de um número entre colchetes; b) nas discussões analíticas, para referenciar um termo recorrente, nós o destacamos entre chaves.

3.1 Intervenção de pesquisa

Por se tratar de uma investigação que envolveu uma Pesquisa-Ação, buscamos identificar, nas contribuições do professor Paulo, os sentidos formados a partir de nossa proposta de trabalho. Inicialmente, considerando apenas as ocorrências da categoria empírica “Intervenção de pesquisa”, identificamos os termos recorrentes nos índices dessa categoria e tivemos como resultado: o pronome “nós” [8]; os verbos “estudar” [2], “abandonar” [2] e “construir” [2]; os substantivos “exergames” [5] e “quadra” [3]; e o adjetivo “interessante” [2].

Os termos sugerem uma intervenção: (a) positiva {interessante}; (b) que consolidou uma proposta colaborativa {nós/construir}; (c) que envolveu uma tecnologia digital {exergames} e espaços tradicionais da EFE {quadra}; e (d) que incentivou o professor a conhecer uma nova forma de atuar pedagogicamente {estudar}, porém sem a necessidade de substituir as práticas pedagógicas tradicionais {abandonar}. Registramos que a categoria empírica “Intervenção de pesquisa” foi formada a partir dos índices presentes na rede da Figura 4.

Fonte: Dados de pesquisa estruturados no ATLAS.ti.

Figura 4 Categoria empírica “Intervenção de pesquisa” em formato de rede semântica 

Em suas considerações, o professor Paulo sintetizou a proposta de nosso trabalho como uma “[...] ideia [...] que a gente construiu, coletivamente [...]” e que o incentivou a ter de “[...] pesquisar um pouco [sobre o tema dos jogos digitais...]”. Isso para que se pudesse explorar “[...] a cultura virtualizada, a cultura corporal dentro dos exergames” pelo qual foi possível “[...] experimentar algumas modalidades [esportivas...] e vivenciá-las no plano virtual” sem abandonar “[...] o que a gente fazia antes [... ou seja,] a prática esportiva de quadra. Nós reelaboramos a prática” (PROFESSOR PAULO).

Partindo das falas do professor Paulo, confirmamos a prerrogativa de um trabalho coletivo/colaborativo, no qual o docente teve acesso aos EXG para uso pedagógico com seus alunos (que foram organizados em grupos, conforme já explicitado na subseção 2.1). Para além das questões que envolvem a disponibilização dos EXG para as aulas, o docente, também, contou com a presença e o apoio pedagógico da equipe de pesquisadores durante todo o tempo do projeto. Em nossa compreensão, isso constitui um incentivo ao “[...] desenvolvimento de novos contextos de aprendizagem com base na prática social compartilhada, na produção colaborativa de conhecimentos e na reflexão sobre essa própria prática” (ALMEIDA; PRADO, 2011, p. 14).

Nesse aspecto, temos clareza de que a ação do professor Paulo envolveu muito mais do que a concessão do tempo e do espaço da aula para a experiência com os EXG. Seu campo de atuação se ressignificou com a proposta, o que lhe exigiu pesquisa e estudo sobre a temática dos “jogos digitais” e sua utilização como uma forma de expressão da cultura corporal de movimento3 (BETTI, 2001). Portanto, não se tratava de utilizar uma tecnologia a qualquer custo, mas de promover reflexões, acerca de sua incorporação pedagógica em um processo de ensino, que incentivassem revisões no campo de ação do docente.

Por fim, retomando a fala do professor Paulo, podemos perceber que a proposta de intervenção representou uma imbricação entre a experiência corporal virtualizada e a costumeiramente explorada nos espaços de lugar tradicionais da EFE (majoritariamente, a quadra esportiva). Nesse particular, compreendemos a virtualização como uma dinâmica potencialmente criativa, ou seja: um caminho de conjunção entre possibilidades de se trabalhar pedagogicamente, não havendo substituição, mas coexistência, complementação e atualização (LIMA, 2015).

3.2 Experiência

A categoria empírica “experiência” integrou as contribuições do professor Paulo relativas ao que foi vivenciado com a introdução dos EXG nas aulas. Identificamos como termos expressivos e recorrentes nos índices dessa categoria: os substantivos “exergames” [7], “experiência” [5], “aulas” [5] e “alunos” [4]; e o verbo “motivar” [2].

Partindo desses termos, notamos perfeita sintonia com a temática geral da pesquisa, que problematiza a incorporação pedagógica de EXG em um processo de ensino. Interessante inferência ocorre no contexto do verbo “motivar”, que aparece associado a uma percepção de maior interesse e participação dos discentes nas aulas. A categoria empírica “Experiência” foi formada a partir dos índices presentes na rede representada na Figura 5.

Fonte: Dados de pesquisa estruturados no ATLAS.ti.

Figura 5 Categoria empírica “Experiência” em formato de rede semântica 

Em sua entrevista, o docente nos participou que “[...] nunca tinha trabalhado com [...] o Xbox [...]”, mas que já havia jogado na “[...] casa de amigos, mas simplesmente como lazer!” Dessa forma, o professor não havia pensado “[...] em utilizá-lo em uma aula!” É admissível que a experiência pode ter favorecido a incorporação pedagógica dos EXG às práticas de Paulo, que assumiu a oportunidade como uma formação continuada: “Até porque [a experiência] me capacitou” (PROFESSOR PAULO).

A questão envolvendo o “ineditismo” vivenciado na experiência de incorporação dos EXG às práticas de ensino do professor chama atenção. Essa indicação nos colocou frente a um paradoxo: se tal particularidade possibilita uma frente de construção de novos sentidos pedagógicos com os EXG, ao mesmo tempo, pode ser considerada como um indício da falta de harmonia entre os processos educacionais e a cultura digital. Nessa perspectiva, a negligência dessa cultura como contexto da educação estaria reforçando “[...] processos de ensino-aprendizagem deficientes, ultrapassados e desconexos da realidade” (LIMA, 2012, p. 26).

De certa forma, esse panorama foi reforçado pelo professor, quem nos indicou que considerou o projeto como um momento de formação continuada. Nossa experiência de intervenção viabilizou reflexões e revisão das ações pedagógicas: “E agora, a partir dessas experiências que eu tive com vocês, eu consigo traçar algumas estratégias pra poder, depois, trabalhar outros conteúdos, ou o mesmo conteúdo com outras turmas. [...] Porque eu não tinha [...] a experiência [...] E agora eu tenho [...]” (PROFESSOR PAULO).

Esse foi um dos desdobramentos identificados junto ao docente e que sugere a necessidade de se ampliarem as oportunidades de discussões envolvendo as TDIC como elementos que se integram à pedagogia, substanciando-a. Isso não se consegue sem abertura de espírito e a clareza de que “[...] precisamos criar um clima favorável à mudança, tendo coragem de quebrar algumas regras de vez em quando, mostrando aos alunos e [...] professores que é bom se arriscar a fazer algo diferente” (BARCELOS, 2007, p. 131).

Também, identificamos junto ao professor, que a experiência empreendida acarretou um deslocamento associado à presença e uso de TDIC em seu processo de ensino: “Antes, eu via, por exemplo, a tecnologia, na minha aula, muito mais limitada ao uso do datashow pro computador, pra passar as informações; meramente reproduzir algo. Agora, tenho visto a tecnologia como algo de criação” (PROFESSOR PAULO). Essa reconfiguração no ponto de vista do docente sugere que a intervenção realizada lhe permitiu conhecer e tomar para si “algo novo”, integrando-o ao seu modo de ser professor e de empreender seu processo de ensino. Consideramos que esse é um movimento crucial em um cenário de reconfiguração pedagógica, pois podem decorrer daí alterações de comportamento e ressignificações, potencializando uma dinâmica de readaptação de costumes, valores, crenças e atitudes (LIMA, 2015; LIMA; ANDRADE, 2019).

A experiência empreendida, ainda, repercutiu favoravelmente entre os discentes (e na escola como um todo). O professor percebeu que “[...] os meninos se motivaram [...]”, pois “[...] alunos [...] que antes não faziam [Educação Física] agora estão fazendo [...]”. Além disso “[...] os meninos das outras turmas, que não tiveram acesso ao projeto, pediram pra que a gente fizesse. Então, motivou, e não motivou só a turma, motivou a escola, movimentou a escola” (PROFESSOR PAULO).

Nesse particular, associadas às falas de Paulo, as observações realizadas ao longo do período de intervenção escolar nos sugeriram que os EXG podem se configurar como aliados da ação didática dos professores, fomentando maior envolvimento discente. Essas tecnologias se configurariam no processo como uma opção alternativa às práticas tradicionais, contextualizando-as e expandindo suas possibilidades. Isso não deve ser encarado como um determinismo tecnológico no campo educacional, uma vez que os desdobramentos sugeridos na motivação discente não decorrem diretamente da presença dos EXG nas aulas. Lembramos que empreendemos uma integração didaticamente planejada dos EXG no processo de ensino, a qual contou com a colaboração e adesão esclarecida do professor, da gestão escolar e da equipe de pesquisadores. Assim, advogamos que foi o conjunto desses fatores que colaboraram com a instauração de um ambiente produtivo e favorável aos logros alcançados e reconhecidos por Paulo.

Ampliando esta análise, durante a avaliação do projeto, Paulo alegou: “[...] não consigo ver um ponto negativo nessa experiência! Eu não consigo ver!”. E, também, considerou o projeto “[...] muito interessante, muito positivo, [pois] contemplou de forma bem ampla os objetivos que a gente tinha [...]”. Apesar da avaliação positiva do docente, registramos a percepção de limitadores da experiência ligados à organização do espaço escolar (que gerou disputas no agendamento de salas), na configuração do horário escolar (aulas de 50 minutos) e, não menos, na necessidade de um planejamento logístico que antecede o início das aulas e continua após seu término (preparar os espaços com os EXG, procedendo à montagem e desmontagem). Vale o registro de que, pela configuração colaborativa entre pesquisadores e professor, esses limitadores da experiência foram minimizados.

3.3 Exergames

A categoria empírica “exergames”, também, foi identificada entre as contribuições do professor Paulo e integrou potencialidades e uma visão pedagógica dessa tecnologia. Destacamos como termos expressivos e recorrentes nos índices dessa categoria: os substantivos “meninos” [9], “ambiente” [6], “aulas” [4], “chance” [4], “experiência” [4], “prática” [4], “possibilidade” [4], “movimento” [3] e “recurso” [3]; o adjetivo “virtualizado” [6]; e o verbo “experimentar” [4].

Essa síntese de ocorrências léxicas nos permitiu hipotetizar que os EXG, enquanto {recurso} pedagógico, oportunizaram {chance/possibilidade} aos alunos {meninos} {experimentarem} práticas de {movimento} em um {ambiente virtualizado} durante as {aulas}. A categoria empírica “exergames” integrou os índices presentes na rede ilustrada na Figura 6.

Fonte: Dados de pesquisa estruturados no ATLAS.ti.

Figura 6 Categoria empírica “exergames” em formato de rede semântica 

Inicialmente, Paulo explicitou sua visão pedagógica quanto à incorporação dos EXG à sua prática como “[...] uma forma de complementar o que eu fazia antes, de ampliar o que eu fazia antes [...], não é que vai substituir, [...] vai ser mais uma ferramenta que eu vou ter pra utilizar”. No início de seu posicionamento, quando o professor assume um “ampliar” de seu fazer pedagógico, pode ser identificada uma percepção sobre os EXG, que transcende a transposição de um método ou de uma técnica de sua forma tradicionalmente trabalhada para o formato virtualizado. Nessa ótica, os EXG permitiriam a Paulo “ir além” em sua pedagogia. Por outro lado, no final de sua fala, a associação dos EXG a “ferramentas” evidencia os primeiros momentos de uma aproximação entre o docente e aquela tecnologia. Seria cedo para assumir os EXG como objetos socioculturais integrantes da cultura escolar e que, como outras TDIC, medeiam a produção e socialização de conhecimentos.

Mesmo assim, tendo em mente as reconfigurações típicas da cultura digital e o planejamento pedagógico desenvolvido para as aulas com os EXG, entendemos que podem emergir dessa imbricação novas formas de ensinar e de aprender. Em tempo, Paulo repudiou a “lógica da substituição”, e isso converge com o pensamento de que “a perspectiva da substituição negligencia a análise das práticas sociais efetivas e parece cega à abertura de novos planos de existência, que são acrescentados aos dispositivos anteriores ou os complexificam em vez de substituí-los” (LÉVY, 1999, p. 211).

Também, buscamos identificar nas falas do professor Paulo pontos em que os EXG poderiam favorecer sua atuação pedagógica. Sobre aquela primeira experiência com os EXG, o professor explicitou um movimento de

[...] ampliação do leque de possibilidades com os meninos, de tematizar os conteúdos, né? Por exemplo, a gente tem a chance de oferecer pra eles uma experimentação diferenciada da prática, da mesma modalidade, e algumas modalidades que a gente não tem como vivenciar na prática [escolar...] Então, eu acho que é a chance de experimentar, principalmente, dentro da cultura corporal, um novo formato, mas principalmente novas [...] modalidades [...]. Então, acho que [isso] potencializou muito a minha ação enquanto professor, porque abriu mais um campo! (PROFESSOR PAULO)

O excerto da fala do professor contextualiza a potencialização da prática pedagógica com EXG. O que Paulo caracterizou como “ampliação do leque de possibilidades” diz respeito à simulação de atividades esportivas atípicas ao ambiente escolar com os EXG. Modalidades virtuais de escalada, tiro ao alvo e jet ski, por exemplo, puderam passar a integrar entre os temas de estudo da EFE. Ainda que essa perspectiva se atenha - inicialmente - a uma eficácia associada aos EXG para a expansão de conteúdos de referência, pudemos observar que aquela “experimentação diferenciada” foi provocadora de discussões entre os discentes e o professor. Em diferentes momentos, essas reflexões envolveram: os jogos digitais como campo de conhecimento a ser debatido nas aulas de EFE, a contextualização de regras oficiais por intermédio da modalidade virtualizada nos games e as percepções discentes acerca da fadiga muscular durante a prática do movimento virtualizado entre outras.

Compreendemos o “novo formato” indicado pelo professor com uma referência à virtualização do movimento corporal nos exergames. Entendemos que essa virtualização é “[...] uma dinâmica fecunda, potencializadora de realizações e que permite novas formas de criação (LIMA, 2015, p. 42). E vale salientar que, ao assumir a integração dos EXG às suas aulas, Paulo não apenas lançou “[...] mão da nova mídia para potencializar a aprendizagem de um conteúdo curricular, mas contribui pedagogicamente para a inclusão desse aprendiz no espírito do nosso tempo sociotécnico” (SILVA, 2010, p. 38).

Reforçamos, aqui, uma nova consideração relativa à percepção de um maior envolvimento dos discentes nas aulas de EFE: “[...] teve muita gente que eu achava que eu não conseguia trazer pras minhas aulas e com as experiências dos exergames eu tô tendo os meninos nas minhas aulas, inclusive nas aulas práticas de quadra depois! E nas aulas teóricas em sala também!” (PROFESSOR PAULO).

Essa particularidade é relevante ao considerarmos que “[...] nem todos os alunos têm as mesmas razões para participar [das aulas de EFE], nem os mesmos objetivos, [...] senão o de passar uma hora longe da pressão do trabalho escolar” (FLORENCE, 2000, p. 18, livre tradução). Nessa configuração, não ignoramos que, como um objeto cultural, os EXG podem constituir aliados do professor para estimular a participação discente nas práticas da EFE, provocando construção de significados e novas configurações da cultura de movimento (MENDES; NÓBREGA, 2009) na cultura digital.

Por fim, cabe a ressalva de que não advogamos perspectiva na qual os EXG se configurariam “[...] como uma espécie de doce junto com o remédio; e as crianças, com rapidez, desenvolvem a habilidade de roubar o doce enquanto deixam o remédio para trás” (BUCKINGHAM, 2010, p. 47). Não se trata, portanto, de travestir o processo de ensino-aprendizagem com artefatos de vanguarda. Ao contrário, defendemos a construção de uma compreensão desses jogos digitais como elementos capazes de substanciar uma relação mais intensa entre a cultura digital, o currículo da EFE (e, portanto, da cultura corporal de movimento), a cultura escolar, seus processos e sujeitos.

3.4 Cultura digital

A categoria empírica “cultura digital” sumarizou as considerações de nosso colaborador no que envolveu nosso esforço de pesquisa com foco à aproximação da escola, de seus sujeitos e ações das práticas virtualizadas. Essa categoria extrapolou, intencionalmente, a questão da incorporação dos EXG nas práticas docentes. Os termos mais expressivos da categoria “cultura digital” foram: o pronome “nós” [11]; os advérbios “ainda” [7] e “longe” [3]; os substantivos “sala” [4], “educação” [3] e “material” [3]; e os verbos “ter” [5] e “conseguir” [2].

Considerando isoladamente essas ocorrências, percebemos que o professor Paulo se integrou/identificou ao/com seu espaço de trabalho ao utilizar o “nós” para tratar de aspectos da cultura digital na escola. A ideia principal envolveu a consciência de que os processos e espaços escolares {educação, sala} não estão {ainda} integrados ao contexto da cultura digital. As questões de ordem de infraestrutura {material} configuram-se como a primeira condição para se reduzir {conseguir/ter} a distância {longe} entre educação e as práticas da cultura digital. Entretanto, outros elementos integram esse panorama e estão ilustrados na rede semântica da Figura 7.

Fonte: Dados de pesquisa estruturados no ATLAS.ti.

Figura 7 Categoria empírica “cultura digital” em formato de rede semântica 

Ao comentar as questões que envolvem a infraestrutura material para as aulas de EFE, Paulo alegou que

[...] a gente ainda tá muito longe, dentro da educação pública estadual, de conseguir ter acesso a esses materiais [exergames], a não ser que seja por experiências que vocês oportunizaram pra gente [projeto de intervenção e pesquisa]. Porque, eu vou falar de outros ambientes que eu já estive, às vezes, nem o material tradicional, [... que tem um] valor menor [...] é admitido [...] como material de educação física (PROFESSOR PAULO).

Ao se posicionar, o professor anuncia uma precariedade envolvendo os materiais disponíveis para a ação pedagógica na unidade curricular de Educação Física. Os EXG são considerados com uma possibilidade remota entre o rol de opções para a exploração das práticas corporais, tendo em vista que mesmo os “materiais tradicionais” são de difícil acesso. Assumimos essa defasagem material como um dos fatores que asseveram o distanciamento escola-cultura digital. Obviamente, não estamos defendendo aqui que as TDIC são capazes de resolver todos os inúmeros e complexos problemas que permeiam o processo de ensino-aprendizado. Muito menos, pretendemos

[...] transformar as escolas em lan houses, até por que são espaços de aprendizagem diferenciados e com lógicas distintas, mas criar um espaço para os professores identificarem, nos discursos interativos dos games, questões éticas, políticas, ideológicas, culturais etc., que podem ser exploradas e discutidas com os discentes, ouvindo e compreendendo as relações que os jogadores, nossos alunos, estabelecem com estas mídias, questionando, intervindo, mediando a construção de novos sentidos [...]. Ou ainda, aprender com estes sujeitos novas formas de ver e compreender esses artefatos culturais (ALVES, 2008, p. 8).

Nessa configuração, nossas proposições assumem essas tecnologias como meios de fomentar uma educação mais sensível ao universo da cultura contemporânea, consolidando o espaço escolar como um lócus privilegiado para se discutirem novas linguagens, as diferentes formas de atuação/autoria em rede, o discurso midiático emanado no ciberespaço e o próprio sentido atribuído aos dispositivos digitais.

Quando questionado - para além do que a intervenção permitiu a sua unidade curricular - sobre eventuais práticas que envolveriam o uso do ciberespaço no cotidiano escolar, o docente afirmou que acontecia o uso das “[...] redes sociais, em comunhão com os alunos, pra complementar o que é passado em sala de aula”; entretanto, ponderou: [...] tem muito pra ampliar, pra galgar, né? Degraus pra gente subir? Tem. Mas eu já vejo um caminhar inicial, mas que ainda está longe do que é a sociedade” (PROFESSOR PAULO).

Os excertos anteriores podem simbolizar uma aproximação das práticas que acontecem na escola das possibilidades que integram o ciberespaço, no caso, com redes sociais representando uma virtualização de relacionamentos típicos de uma sala de aula. O sentido de “complementar” pode representar uma extensão da comunicação entre professores e alunos, que passam a contar com a fluidez da rede digital para opinar, questionar, fazer proposições, divulgar informações e materiais etc. Aqui, identificamos o princípio de liberação da emissão em rede (LEMOS; LÉVY, 2010), oportunizando uma reconfiguração do tempo e comunicação escolares em um ciberespaço interativo, para além das fronteiras físicas da organização da escola, e potencializando um espaço de comunicação transversal entre os sujeitos da educação.

Ainda que, no final de sua fala, Paulo tenha assumido a prática como incipiente, estamos diante de uma postura que integra flexibilidade de tempo e espaço para fomentar a aprendizagem e que utiliza ambientes motivadores, rápidos, organizados, dinâmicos e típicos da cultura digital. Inegavelmente, ao metaforizar sua iniciativa como um “caminhar inicial”, Paulo, também, admite que empreende esforços para suprir uma demanda de aproximação de suas práticas das linguagens típicas da sociedade informacional, evidenciando um descompasso cronológico da escola frente às reconfigurações inerentes à cultura digital.

Reiteramos que o cenário contemporâneo evidencia que as TDIC assumem um lugar de importância enquanto mediadoras de atividades sociais e, portanto, constituem-se como uma dimensão da cultura (PINTO, 2005). Consequentemente, a cultura digital traz “[...] consigo representações não só na vida cotidiana, mas, também, no que se refere às formas e possibilidades de aprendizagem acadêmica” (MORAES; LIMA, 2018, p. 300). Nessa perspectiva, entendemos que as iniciativas com as TDIC na escola não podem se configurar como atitudes isoladas e/ou episódicas, sendo necessário evoluir para práticas mais sistêmicas e que favoreçam o desenvolvimento das propostas curriculares.

Para isso, é indispensável se pensar na formação do professor para a incorporação pedagógica dessas TDIC. Ao comentar dificuldades relacionadas à docência na cultura digital, Paulo admitiu: “[...] tem muita coisa que tá muito distante pra mim”. Nesse sentido, novas ordenações são impostas às universidades enquanto núcleos responsáveis pela formação de professores. É indispensável que esses espaços formativos estejam sensíveis às exigências da cultura digital, reestruturando as licenciaturas como cursos que articulam competências técnicas e pedagógicas consonantes com a cultura digital (LIMA, 2015).

Paulo, também, destacou como um limitador da formação da cultura digital na escola a maturidade dos alunos:

[...] vamos contextualizar o celular, nesse caso, na maioria das vezes ele é usado pra distração. [...] Vamos citar um exemplo claro: [um aluno] tira uma foto do colega numa posição, às vezes, dentro de uma atividade de Educação Física, numa posição de quatro apoios. Em cima daquilo, cria uma... transforma em meme, cria uma montagem e aquilo potencializa, negativamente [viraliza]. [...] você já perde o aluno da prática, porque ele quer ficar só naquilo [celular] que você liberou ali. E depois, você pode ter problema com a família (PROFESSOR PAULO).

O professor elencou fatores que desafiam a docência na cultura contemporânea. O docente não condena o uso de dispositivos no contexto escolar, mas pondera que seu uso precisa ser encarado pelos discentes de maneira diferente e de modo compatível com o ambiente de ensino. As considerações do professor sintetizam a inegável necessidade de se vencerem dilemas e discutir o uso ético das TDIC, favorecendo a formação de uma cidadania na cultura digital.

Pedagogicamente, reconhecemos que a subutilização dos recursos possibilizados pelas TIDC é frustrante. Quando o potencial dialógico do ambiente virtualizado perde território para a propagação de futilidades, cede-se espaço à imbecilidade. Em contrapartida, a educação passa a ter um papel fundamental para provocar reflexões envolvendo uso ético e responsável da rede e, não menos, na formação do cidadão. Essa é mais uma dimensão da educação na cultura digital, na qual a escolarização formal pode se consolidar como uma oportunidade de adoção esclarecida e inteligente do ciberespaço. Decerto, tudo isso envolve descobertas e apropriação dos recursos digitais, o que tem seu tempo e exige esforços, mas que não pode ser silenciado na composição da trama curricular.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta Pesquisa-Ação, buscamos contribuir e substanciar as práticas pedagógicas de um professor do Ensino Médio aproximando-as da cultura digital. Ao incentivarmos a aproximação docente-EXG, buscamos identificar as ressignificações do professor colaborador do estudo quanto ao processo da integração daquelas tecnologias às suas práticas de ensino. Notamos que nossa intervenção de pesquisa seguiu um modelo de atuação colaborativa, que envolveu o planejamento e as realizações de aulas em espaços tradicionais da EFE e com EXG. Esse arranjo possibilitou ao docente experimentar uma nova forma de atuar pedagogicamente, porém sem a necessidade de substituir/extinguir as práticas pedagógicas já consolidadas. Entre as percepções elencadas no estudo, podemos destacar: a) maior motivação discente para a participação das aulas de EFE; b) expansão das práticas de movimento considerando a virtualização oportunizada pelos EXG; e c) integração pedagógica dos EXG ao processo de ensino como um caminho para incentivar a ressignificação da prática docente na cultura digital.

Os limitadores da intervenção envolveram o tempo escolar e a logística relacionada aos momentos que antecedem e sucedem a realização de aulas com os EXG (montagem, configuração, desmontagem e guarda dos equipamentos). Também, sobressaiu a indicação de que é indispensável dedicar atenção à formação do professor como um dos pilares que sustentam a reconfiguração da docência na cultura digital. Aliado a esses aspectos, o desenvolvimento dessa cultura na escola foi associado a um processo que transcende a presença de tecnologias no cotidiano escolar e que precisa ser balizado por discussões éticas, a fim de fomentar um uso responsável e que favoreça a cidadania na cultura digital.

Finalmente, registramos ciência de que as ações projetadas e empreendidas nesta pesquisa constituíram uma micropossibilidade de reflexão para a mudança do cotidiano pedagógico do professor Paulo e de seus alunos. Temos em mente que os desdobramentos observados não decorreram de um efeito tecnológico e envolveu a abertura de espírito e capacidade crítica do professor, o apoio da gestão escolar à pesquisa e a presença constante e contínua da equipe de pesquisadores. Nesta empreitada, constatamos que os EXG proporcionaram inter-relações relevantes no tocante à aproximação EFE-cultura digital e, portanto, esses artefatos podem ser considerados meios valiosos para se pensar a atuação diferenciada do professor em tal contexto.

FINANCIAMENTO DA PESQUISA

O presente artigo é um recorte da pesquisa intitulada “Uso pedagógico de exergames como potencializadores da cultura digital escolar e da motivação discente”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) - Edital Universal nº 01/2016 (Processo nº: CHE - APQ-02192-16).

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 A expansão e a consolidação da cultura digital apresentam muitos desafios nas áreas de inclusão, vigilância, segurança de dados pessoais, modulação de comportamentos em redes etc.

2 A fim de preservar a identidade do professor colaborador deste estudo, adotamos ficticiamente o nome Paulo. Tal anonimato é assegurado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de participação na pesquisa, o qual foi assinado pelo docente.

3 A cultura corporal de movimento compreende atividades que envolvem o exercício da motricidade humana como: esporte, brincadeiras populares, luta, dança, ginástica etc., as quais integram temas curriculares da Educação Física Escolar. A expressão “cultura corporal de movimento“ caracteriza o conhecimento específico da Educação Física e, também, é adotada na Base Nacional Comum Curricular.

Recebido: 03 de Janeiro de 2020; Aceito: 19 de Agosto de 2020

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