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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.4 São Paulo oct./dic 2020  Epub 20-Ene-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i4p2074-2094 

Artigos

CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO INTEGRAL E EM TEMPO INTEGRAL NO BRASIL: REFLEXÕES A PARTIR BASES TEÓRICAS E LEGAIS

CONCEPTIONS OF INTEGRAL AND FULL-TIME EDUCATION IN BRAZIL: REFLECTIONS BASED ON THEORETICAL AND LEGAL BASES

CONCEPCIONES DE EDUCACIÓN INTEGRAL YA TIEMPO COMPLETO EN BRASIL: REFLEXIONES A PARTIR DE BASES TEÓRICAS Y LEGALES

Cintia Aurora Quaresma CARDOSOi 
http://orcid.org/0000-0002-8929-1523

Ney Cristina Monteiro de OLIVEIRAii 
http://orcid.org/0000-0002-8091-5213

1 Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica, pela Universidade Federal do Pará. Professora e Especialista em Educação da Secretaria de Estado de Educação - SEDUC-PA. E-mail: cintiacard@yahoo.com.br.

i Doutorado em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora, Orientadora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB) da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: neycmo@ufpa.br.


RESUMO

O estudo tem como objetivo analisar as concepções de educação integral e em tempo integral existentes no país e suas implicações na melhoria da qualidade da educação pública. Para alcance do objetivo, optamos metodologicamente por uma abordagem qualitativa, por meio de revisão bibliográfica e estudo documental. Os dados revelam que há uma predominância de experiências de ampliação da jornada escolar direcionadas para extensão do tempo em espaços externos à escola, em detrimento de atividades diversas desenvolvidas na escola. Nesse sentido, é fundamental que as políticas de ampliação do tempo escolar estejam atreladas às políticas de fortalecimento das unidades educativas, possibilitando recursos financeiros regulares e suficientes para a educação, melhoria nas condições de trabalho e na infraestrutura física da rede escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Educação integral; Tempo integral; Qualidade da educação

ABSTRACT

The study aims to analyze the concepts of integral and full-time education that exist in the country and their implications in improving the quality of public education. To achieve the objective, we opted methodologically for a qualitative approach, through bibliographic review and documentary study. The data reveal that there is a predominance of experiences of expanding the school day aimed at extending time in spaces outside the school, to the detriment of various activities developed at the school. In this sense, it is essential that policies to increase school time are linked to policies to strengthen educational units, enabling regular and sufficient financial resources for education, improving working conditions and the physical infrastructure of the school network.

KEYWORDS: Integral education; Full-time education; Quality of education

RESUMEN

El estudio tiene como objetivo analizar los conceptos de educación integral y de tiempo completo que existen en el país y sus implicaciones en el mejoramiento de la calidad de la educación pública. Para lograr el objetivo, se optó metodológicamente por un enfoque cualitativo, mediante revisión bibliográfica y estudio documental. Los datos revelan que hay un predominio de experiencias de ampliación de la jornada escolar dirigidas a la ampliación del tiempo en espacios fuera de la escuela, en detrimento de diversas actividades desarrolladas en la escuela. En este sentido, es fundamental que las políticas para incrementar el tiempo escolar estén vinculadas a políticas de fortalecimiento de las unidades educativas, habilitando recursos económicos regulares y suficientes para la educación, mejorando las condiciones laborales y la infraestructura física de la red escolar.

PALABRAS CLAVE: Educación integral; Tiempo integral; Calidad de la educación

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto da pesquisa desenvolvida no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB), da Universidade Federal do Pará (UFPA), e tem como objetivo analisar as concepções de educação integral e em tempo integral engendradas no país e suas implicações na melhoria da qualidade da educação pública. O tema se insere nas discussões contemporâneas do direito à educação pública e da formação integral do sujeito, considerando que a temática da educação integral em tempo integral se apresenta na agenda político-educacional, despertando discussões de ordem pedagógica, administrativa e financeira.

Segundo Parente (2018, p. 420),

[...] é fundamental discorrer sobre como a temática da educação integral em tempo integral apresenta-se na agenda político-educacional e quais alternativas e/ou modelos de ampliação da jornada escolar estão sendo discutidos como possibilidades de uma educação integral em tempo integral.

A temática da educação integral em tempo integral por diversas vezes ocupou a agenda político-educacional, no entanto, a primeira experiência concreta surgiu em 1950, com o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), seguido posteriormente pelo Centro Educacional Elementar (CEE), os Ginásios Vocacionais, passando pelos famosos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), o Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC) e os Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIACs). Tais experiências decorreram do interesse de alguns estados e municípios, por vezes, com a participação de organizações da sociedade civil.

Embora a organização da ampliação do tempo escolar tenha acontecido em algumas regiões de modos diferentes, o que demonstra uma corrente de pensamento divergente em relação ao papel do Estado e da instituição, também, de certa maneira, revela o empenho de alguns governos no aumento do horário escolar e na ampliação das oportunidades educativas, buscando enfrentar o problema da qualidade do ensino, associado à perspectiva da assistência social e da educação como solução para problemas sociais mais amplos.

No ano de 2007, a proposta da educação em tempo integral é retomada no âmbito das políticas de ampliação da jornada educativa dos estudantes da educação básica no Brasil, por meio do Programa Mais Educação (PME), instituído no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) como resposta a uma das metas estabelecidas no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que tem como objetivo a melhoria da educação básica. Em 2016, o PME foi substituído pelo Programa Novo Mais Educação (PNME).

Tendo em vista as concepções de educação integral em tempo integral engendradas no cenário brasileiro, fio condutor de nossas reflexões neste estudo, delineamos para alcançar nosso objetivo o seguinte percurso metodológico: 1) revisão bibliográfica, referenciada nos estudos de Coelho e Portilho (2009), Cavaliere (2007, 2009), Arroyo (2012, 1998), Giolo (2012), Mauricio (2009), Guará (2006), Moll (2012), Menezes (2009), entre outros; 2) estudo documental, baseado na legislação educacional brasileira e nos documentos orientadores do PME e PNME; e 3) análise dos dados, pautada na perspectiva da Análise de Conteúdo de Bardin (2011).

Para organização do texto, o estudo foi dividido em duas seções: Concepções engendradas de educação integral e tempo integral no século XX, que discute sobre matrizes ideológicas diversas de educação integral/em tempo integral surgidas no país; e Educação integral e tempo integral no século XXI: concepções em discussão, onde se discorre sobre as concepções e bases teóricas engendradas no cenário brasileiro atualmente.

2 CONCEPÇÕES ENGENDRADAS DE EDUCAÇÃO INTEGRAL E TEMPO INTEGRAL NO SÉCULO XX

O termo educação integral tem carregado uma polissemia de conceitos e concepções ao longo da história, com diferentes vertentes políticas e ideológicas que defendem a educação integral. Isso pode ser evidenciado nas décadas de 1920 e 1930, quando se apresentou uma efervescência de concepções distintas que defendiam a formação integral do ser. Naquele período, coexistiram pensamentos e matrizes ideológicas diversas que defendiam a educação integral a partir de diferentes propostas teórico-metodológicas, destacando-se três entre essas ideologias políticas: o socialismo, o conservadorismo e o liberalismo (PAIVA; AZEVEDO; COELHO, 2014).

O anarquismo representava um dos expoentes da corrente socialista, “[...] questionavam a ordem social existente e almejavam a formação de outra, considerando a educação como uma estratégia importante neste processo de revolução social” (PAIVA; AZEVEDO; COELHO, 2014, p. 49). Assim, rejeitavam a educação fornecida pelo Estado, pois acreditavam que visava à reprodução de ideologias capitalistas; por isso, defendiam uma educação completa para a classe operária, sendo a questão educacional uma pauta de extrema importância, que ocupava posição de destaque nas discussões e ações cotidianas da luta para atingir a emancipação social, econômica e política. Defendiam que o ensino deveria ser igual para todos, a fim de que não existisse na sociedade uma classe que soubesse mais do que outra, e buscavam a superação da escola tradicional, estatal ou confessional, por meio da educação crítica e emancipadora.

Já os integralistas, representados pelo político conservador Plínio Salgado, defendiam que as bases da educação integral eram a espiritualidade, o nacionalismo cívico, a disciplina (BRASIL, 2009), ideais que podem ser caracterizados como político-conservadores. Para essa corrente, ...

[...] a educação comportava aspectos que visavam ao homem por inteiro, não se limitando às atividades intelectuais. Ao contrário, levava em conta atividades esportivas, de moral e cívica e, ainda, atividades profissionais; os núcleos municipais congregavam diversas atividades socioeducativas, no afã de reproduzir seu ideário, consolidando, assim, uma concepção singular de educação integral.

[...] projeto de educação integral dos integralistas encontra-se no fato de estes prescindirem de um espaço formal para a realização de sua missão socioeducativa (COELHO, 2005, p. 92-93).

O movimento construía a imagem da instituição educativa ideal e da educação voltada para a formação do homem por inteiro, nas dimensões intelectual, esportiva, moral, cívica e laboral, no entanto, atreladas a uma educação conservadora, capaz de formar pessoas obedecentes ao Estado, com um comportamento disciplinar nacionalista, marcado por uma ideologia fortemente idealista embasada na espiritualidade.

Percebemos que, nos últimos anos, ocorreu um avanço e a retomada desse ideário, principalmente, por setores conservadores ligados aos partidos políticos de extrema direita, latifundiários, militares e às igrejas evangélicas, o que coloca em risco os processos democráticos no país, em especial, a partir de 2019.

A concepção liberal foi representada pelo movimento de renovação do ensino denominado Escola Nova, em 1932, também chamados reformadores. Estes buscavam superar os métodos considerados tradicionais, pautados na rigidez e memorização dos conteúdos, propondo uma modificação das ideias e das práticas pedagógicas. Defendiam que a formação da criança deveria ser completa, “[...] calcada em atividades intelectuais, artísticas, profissionais, físicas e de saúde, além daquelas de cunho ético-filosófico (formação de hábitos e atitudes, cultivo de apirações) [...]” (COELHO, 2009, p. 89).

Para Anísio Teixeira, um dos principais pensadores dessa corrente, a escola eficaz seria a de tempo integral, tanto para os alunos, quanto para os professores. Nessas escolas, conforme nos conta Sousa (2015, p. 782), “[...] a concepção curricular implantada baseava-se numa formação integral do homem, mas sem propor uma ruptura com a ordem política, seu compromisso é com a manutenção da ‘ordem para o progresso’, ideal liberal [...]”.

Essa concepção integral idealizada por Anísio Teixeira foi posta em prática nos anos 1950, com a implantação do CECR ou Escola Parque1, em Salvador. O Centro se constituiu como uma referência importante em escola pública de tempo integral. O CECR foi um marco na educação pública do Brasil, pois fazia parte de projeto de reformulação do ensino na Bahia, que tinha como intenção a criação de centros populares de educação em todo o estado, visando proporcionar à criança uma educação integral, mediante atividades educativas, alimentação, cuidado com a higiene e assistência médico-odontológica. Nesse sentido, se considerava importante que a escola oferecesse saúde e alimento à criança, uma vez que é difícil educá-la estando desnutrida e abandonada.

Outras experiências se materializaram com o CEE, em Brasília, em 1966; os Ginásios Vocacionais, de 1961 a 1969, em São Paulo; passando pelos famosos CIEPs, nos anos 1980, no Rio de Janeiro (concebidos por Darcy Ribeiro a partir da experiência de Anísio Teixeira); o PROFIC, em São Paulo, no período de 1986 a 1993; e os CIACs, em 1991, que passaram a se chamar Centros de Atenção Integral à Criança e aos Adolescentes (CAICs) a partir de 1992, em decorrência dos interesses de alguns governos estaduais e municipais na busca por uma educação pública de qualidade e justiça social.

Embora o debate da jornada escolar no Brasil tenha sido presente na literatura educacional desde o início do século XX, a ampliação dessa jornada só foi estabelecida no país a partir da redemocratização pós-ditadura civil-militar (1964-1985), o que possibilitou a renovação das políticas educacionais, adentrando este tema nas discussões como parte indissociável da luta pela qualidade da educação pública (CAVALIERE; COELHO, 2017).

De acordo com Sousa (2016), a educação em tempo integral ganhou força no Brasil nas décadas de 1980 e 1990 devido aos crescentes movimentos sociais em prol de melhorias de qualidade na educação:

Esse movimento impulsionou a criação de políticas e programas educacionais voltadas para garantir a presença da criança na escola e aumentar seu tempo de permanência, tendo em vista o aumento da jornada escolar. Mais Cultura, Escola Integrada, Escola de Tempo Integral, Segundo Tempo e o Programa Mais Educação são exemplos de Programas e ações do Ministério da Educação e Cultura que materializam esta política e se propõem a ampliar a jornada da criança na escola, oferecendo novas oportunidades de educação aos alunos das escolas públicas municipais e estaduais (SOUSA, 2016, p. 16-17).

Vale ressaltar que, em 1987, foi eleita a constituinte brasileira, dando início ao processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, que recebeu contribuições dos diferentes segmentos da sociedade civil. Segundo Vieira (2000, p. 61), as propostas foram geradas no âmbito das “Subcomissões e de Comissões Temáticas, que deram origem ao Anteprojeto de Constituição, elaborado em junho de 1987”. No âmbito da educação,

[...] além das contribuições apresentadas ao Congresso, surgem novas iniciativas. Cria-se o Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito (Fórum, 1987) bloco em favor do ensino público que busca se contrapor às crescentes pressões do setor privado (VIEIRA, 2000, p. 62-63, grifo do autor).

Após receber emendas contemplando vários setores da sociedade, inclusive o popular, as propostas para a nova constituição foram analisadas pelo Congresso Nacional, e foi elaborado o projeto de Carta Magna votado pelo plenário da Assembleia Constituinte, sendo promulgada, em 5 de outubro de 1988, a chamada Constituição Cidadã. Essa abertura no processo constituinte decorreu da forte mobilização social impulsionada pelo descontentamento com o regime militar, sendo conquistado o registro, no texto constitucional, de direitos fundamentais como a educação pública, gestão democrática do ensino público e o ensino fundamental obrigatório e gratuito. Embora não expresse o termo educação integral, a Constituição de 1988 prevê, nos artigos 205 e 227, uma educação capaz de conduzir ao “pleno desenvolvimento da pessoa” (BRASIL, 1988), o que é considerado por Menezes (2009) como uma aproximação conceitual.

Posteriormente, no contexto legal, a educação integral/em tempo integral ganhou força com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) e o Plano Nacional de Educação (PNE I e II) (BRASIL, 1990, 1996, 2001, 2014). Em seu capítulo V, art. 53, o ECA menciona o pleno desenvolvimento da criança, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (BRASIL, 1990).

Concernente ao direito à educação integral/em tempo integral, a LDB/1996 anuncia os esforços para a concretização dessa propositura na educação, especialmente, nos arts. 2º, 5º, 34 e 87. Destaca no art. 2º:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, art. 2º).

Desse modo, a LDB/1996 prevê o que já foi definido na CF/1988 e no ECA/1990, apresentando um avanço legal importante para o pleno desenvolvimento do educando, para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Compreendemos que esse enunciado reforça o que está expresso no art. 205 da Constituição, demonstrando a importância dessa finalidade para a educação brasileira.

Já no art. 34, se determina “[...] a ampliação progressiva da jornada escolar no ensino fundamental [...]” (BRASIL, 1996, art. 34). Mais adiante, no art. 87, fica estabelecido que: “[...] Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral [...]” (BRASIL, 1996, art. 87).

Nessa perspectiva, é possível afirmar que a LDB/1996 prevê a educação integral e a ampliação do tempo escolar no ensino fundamental, propondo às escolas esse desafio. E, embora o aumento do tempo escolar previsto na Lei não signifique que “[...] esteja diretamente relacionado ao objetivo da formação integral do ser humano [...]” (MENEZES, 2009, p. 71), também se enuncia sobre a formação para a cidadania e para o trabalho.

O marco normativo ressalta, ainda, que tal direito à educação não se restringe aos processos de leitura, escrita e cálculos, mas, amplia-se a uma formação plena que envolva os aspectos cognitivo, social e cultural, revelando a intenção de educar não somente para que os alunos aprendam os conteúdos escolares, mas para a construção plena do cidadão.

3 EDUCAÇÃO INTEGRAL E TEMPO INTEGRAL NO SÉCULO XXI: CONCEPÇÕES EM DISCUSSÃO

O debate em torno da educação integral e tempo integral tem se intensificado no Brasil nas últimas décadas, especialmente, a partir da implementação do Programa Mais Educação. Há que se apontar a existência de uma polissemia de conceitos, perspectivas e práticas acerca da educação integral, o que evidencia esse campo como um território de disputas, seja pelas propostas governamentais de ampliação da jornada diária escolar, visando à indução à educação integral, seja pelas reflexões de pesquisadores que se dedicam ao estudo da temática.

Coelho (2009) considera que, na contemporaneidade, a educação integral apresenta caracterizações que podem ser expressas pelos seguintes binômios: educação integral na perspectiva de promover a proteção integral a crianças e adolescentes; educação integral a partir da oferta de um currículo integrado; e educação integral associada ao tempo integral, isto é, à ampliação do tempo em que o aluno permanece na escola realizando atividades diversas, envolvendo múltiplas dimensões de formação do sujeito, aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores e sociais.

Os estudos da pesquisadora Cavaliere (2007) identificam quatro concepções de escola de tempo integral existentes no cenário da educação pública brasileira: assistencialista, autoritária, democrática e a concepção multissetorial de educação integral.

A primeira visão, de cunho assistencialista, de acordo com a referida autora, considera que a escola de tempo integral deve cuidar e proteger os desprivilegiados, substituindo, assim, a função da família. Nessa visão, a escola deve “[...] suprir deficiências gerais da formação dos alunos; uma escola que substitui a família e onde o mais relevante não é o conhecimento e sim a ocupação do tempo e a socialização primária [...]” (p. 1028).

Na segunda concepção, a autoritária, a escola de tempo integral é vista como instituição de prevenção ao crime, pois considera que crianças e adolescentes, ao estarem em tempo integral nas escolas, estarão mais protegidos da violência das ruas. Essa concepção se assemelha com o objetivo dos antigos reformatórios. Nessa lógica, a preocupação não é a formação do sujeito, mas, a ocupação do tempo do aluno em atividades no contraturno, o que demonstra uma proposta convergente com a lógica do mercado, opressora e segregadora.

A terceira concepção, democrática, considera o tempo integral como meio para “[...] proporcionar uma educação mais efetiva do ponto de vista cultural, com o aprofundamento dos conhecimentos, do espírito crítico e das vivências democráticas” (p. 1029). Nessa concepção, a escola funcionaria como uma ferramenta para a emancipação dos sujeitos.

Por fim, a concepção multissetorial de educação integral considera que o tempo integral não precisa estar centralizado em uma instituição escolar, pois a educação pode e deve se fazer também fora da escola, não sendo, assim, necessária a estruturação de uma escola de horário integral. Tal concepção sinaliza que as estruturas de Estado, ao trabalharem de forma isolada, “[...] seriam incapazes de garantir uma educação para o mundo contemporâneo e a ação diversificada, de preferência de setores não-governamentais, é que poderia dar conta de uma educação de qualidade” (p. 1029).

Ainda segundo Cavaliere (2007, p. 1032), o problema dos modelos que fragmentam a oferta das atividades educativas em diferentes ambientes, nos quais a complementação das atividades acontece no contraturno e fora da escola, acaba configurando uma espécie de abdicação, de desistência da escola: um “[...] reconhecimento tácito de que a escola não tem solução”. Isso nos leva a fazer uma constante análise dessas políticas, a fim de verificar sua real importância e como essas outras instâncias públicas podem ou não contribuir para o enriquecimento da educação pública, uma vez que a participação de organizações da sociedade civil e de outras instâncias da administração pública na educação “[...] é desejável e pode ser enriquecedora, desde que isso não signifique pulverização das ações e sim o fortalecimento da instituição escolar” (p. 1032).

Desse modo, compreendemos que, embora haja, pelo menos, quatro concepções de escola de tempo integral no cenário da educação pública, a maioria das experiências em tempo integral materializadas na escola brasileira esteve centrada na concepção multissetorial. Esta tem ganhado força nas políticas federais de ampliação da jornada escolar, dada a precariedade de equipamentos, espaços e de pessoal disponíveis nas escolas públicas brasileiras, as quais acabam buscando parcerias com vários setores da sociedade como forma de suprir essas necessidades, ou com a justificativa “[...] de que, nas sociedades complexas, a educação precisa ser multifacética, incorporando diversos tipos de organizações sociais [...]” (CAVALIERE, 2007, p. 1030).

Arroyo (1988, p. 4, grifo do autor) afirma que um “[...] traço marcante na proposta de educação em tempo integral é o seu caráter preventivo [...]” e de proteção, no qual se emprega o discurso de negação do social, isto é, das relações que a criança tem na rua, na praça, na feira, no trabalho e na família. Nessa lógica, esses espaços são considerados de violência social, lugares dos quais as crianças devem ser afastadas, já que as colocam em risco e contaminam a formação do sujeitos.

Nesse contexto, o autor afirma:

O que importa destacar nos limites destas notas é que, no diagnóstico dos processos de deformação e nas propostas de formação em tempo integral, a verdade verdadeira, a bondade boa não estão, nem se prendem nas fábricas, nas ruas, na materialidade da existência e nas relações sociais onde se tece a trama da história, nem está na pratica social da vida familiar e comunitária dos trabalhadores e da gente comum, mas ao contrário, elas somente se encontram e podem ser adquiridas afastando a criança dessa contextura social, enclausurando-a preventivamente nas academias, mosteiros, seminários, colégios, escolas-oficina, escolas-fazenda, escolas do trabalho, escola de produção, internato ou semi-internatos, enfim, todos os variados tipos de espaços incontaminados de formação integral, em que é pródiga a história da educação, sobretudo a história da educação dos trabalhadores pobres (ARROYO, 1988, p. 5).

Nessa relação de proteção e de prevenção da criança, o autor indica que o Estado assume o papel de anjo protetor do povo, educador dos pobres e dos fracos, e a escola, a de protetora da criança da barbárie do convívio social, tornando necessário alargar o tempo da escola, uma vez que sua função protetora visa garantir instrução, segurança física, moral, afetiva e social das crianças. Já a classe operária, ao contrário do Estado protetor, não defende o isolamento da criança e sua separação do mundo dos adultos, mas, prima por uma educação em tempo integral que garanta mais do que o domínio do saber ou da instrução, que compreenda a importância da organização da produção e da organização social como espaço educativo por excelência (ARROYO, 1988).

De acordo com os escritos de Arroyo (1988, 2012) e Giolo (2012), o movimento de tempo integral nas escolas cresceu nas últimas décadas em decorrência da consciência social dos setores populares, que passaram a reivindicar uma educação de qualidade, e pelo entendimento de que o tempo da escola é muito curto, precisando ser ampliado.

Importa destacar, ainda, que, nos últimos dez anos, se acumulou no Brasil algumas experiências que materializaram o conceito de educação em tempo integral. Nesse contexto, temos o Decreto nº 6.253/2007, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (FUNDEB). O documento assim define a educação em tempo integral:

Para os fins deste Decreto, considera-se educação básica em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total que um mesmo aluno permanece na escola ou em atividades escolares, observado o disposto no art. 20 deste Decreto (BRASIL, 2007a, art. 4º).

Diante dessa definição, entendemos que a educação em tempo integral significa a extensão do tempo escolar de quatro para sete ou mais horas diárias de atividades escolares oferecidas ao aluno, inserindo ou não novas disciplinas no currículo escolar.

Para Moll (2012), o aumento da jornada se faz necessário para que os alunos das classes populares possam usufruir de uma formação que englobe os campos da ciência, das artes, da cultura, do mundo do trabalho, incidindo, assim, na superação das desigualdades sociais existentes e reforçadas pela cultura escolar. Maurício (2009, p. 55) corrobora com essa ideia ao mencionar a necessidade de “[...] tempo de permanência na escola para que as crianças das classes populares tenham igualdades de condições educacionais” e tempo para adquirir diversos conhecimentos, assim como tem a classe média, com acesso a oportunidades em locais variados. No entanto, aponta que a escola em horário integral, primeiramente, não pode ter por objetivo tirar o aluno da rua, pois, para que a educação seja efetivada de modo satisfatório, é fundamental que a criança goste da escola, e não se sinta obrigada por lei a frequentá-la.

Maurício (2009) também defende que a escola precisa ser um laboratório de soluções, uma vez que tensões e conflitos existirão nesse espaço. Além disso, aponta que a escola deve ter como proposta a aprendizagem, e não a reprovação; precisa adotar alternativas de aprendizagem, caso perceba que o objetivo inicial não foi alcançado. Por fim, propõe que, por se tratar de uma política de Estado, não pode ser implantada sem a vontade do governante, uma vez que implica disponibilidade de recursos materiais e humanos, bem como a articulação com várias instituições.

Reforçando esse pensamento, Guará (2006, p. 22) menciona que a extensão do horário da escola esbarra com o custo de implementação e da manutenção do programa, pois, ...

Com a previsão de extensão do horário escolar, há custos complementares com a alimentação, além das despesas de manutenção geral e aquelas decorrentes da contratação de um número maior de educadores ou professores. O partilhamento de despesas e responsabilidades entre os governos estaduais e municipais, bem como entre secretarias e outros parceiros contribuintes, pode vir a ser uma alternativa de viabilização mais rápida dos projetos de educação integral.

A escola em tempo integral demanda pensar, inventar, planejar e agir com todos. Por isso, professores e alunos precisam estar dispostos a inventar essa escola e passar por essa experiência, enfrentar esse desafio. Cavaliere (2009) aponta que o aumento do tempo escolar precisa enriquecer as vivências dos alunos e professores, mas, para isso, é fundamental o (res)significar a vida intraescolar e estabilizar o quadro profissional atuante na instituição; do contrário, poderíamos recair na inconsistência da utilização da ampliação do tempo escolar para a realização atividades diversas, mas, fragmentadas e sem conexão com o Projeto Político Pedagógico (PPP), o que transformaria esses programas em mero atendimento assistencialista.

A escola, ao ofertar novas atividades educacionais no contraturno, quando essas não possuem uma relação com PPP da instituição, recai no “mais do mesmo”, pois não expressa caminhos para a educação integral. Assim, ao ampliar o tempo da escola com atividades de reforço de aprendizagem no contraturno, realizadas por profissionais que não são da escola e, muitas vezes, não possuem preparação adequada, se oferece mais tempo da mesma coisa, o que não garante, de fato, uma educação de qualidade, mas uma educação tradicional, segregadora, conteudista e fragmentada.

Para Cavaliere (2009), a educação integral remete à formação integral do homem em seus aspectos multidimensionais; por isso, defende a centralidade da escola no desenvolvimento dessa educação. Para a autora, o aumento do tempo tem que ser direcionado para formação plena do sujeito. Aumentar o tempo exige pensar no período durante o qual a criança estará sob responsabilidade da escola, devendo a instituição realizar atividades diversificadas, que contribuam para a formação integral dos alunos, as articulando com o PPP.

Em 2001, outro grande passo normativo foi dado com a aprovação do Plano Nacional da Educação. O PNE I (2001-2010), dentre seus objetivos e metas, propunha para o ensino fundamental um modelo de educação em turno integral, e sinalizou para a ampliação da jornada na escola, com o propósito de expandir a escola de tempo integral. Mais tarde, o PNE II (2014-2024), aprovado pela Lei nº 13.005/2014, dá um passo significativo ao estabelecer, na Meta 6: “[...] oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, cinquenta por cento das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, vinte e cinco por cento dos(as) alunos(as) da educação básica” (BRASIL, 2014, sem paginação). Com isso, o PNE traz um avanço para a educação em tempo integral, tornando essa concepção de educação uma meta a ser atingida em todo o território nacional.

É importante ressaltar que, no início do século XXI, vimos surgir novas experiências de educação integral/em tempo integral em alguns estados e municípios. Temos, como exemplos, o Programa de Educação Integral em Apucarana (PR); os Centros Educacionais Unificados (CEUs), em São Paulo; o Programa Escola Integrada (PEI), em Belo Horizonte; o Bairro-Escola, em Nova Iguaçu; e a Escola da Pesca, em Belém (PA).

Para Cavaliere (2007, p. 1016), a partir da virada do século XXI, se intensificou no Brasil o surgimento, “[...] nos sistemas públicos estaduais e municipais, de projetos que envolvem o aumento do tempo diário de permanência das crianças e adolescentes nas escolas”. Tais propostas de educação integral e em tempo integral demonstram a intenção de alguns governos, esferas públicas e da sociedade civil em as implantar em suas localidades, na busca pela melhoria da qualidade da educação. Já em nível federal, emerge o PME, que buscou melhoria da qualidade da educação brasileira por meio da oferta de educação básica em tempo integral.

O PME retomou a educação integral como política de governo no país, tendo como finalidade melhorar a qualidade da educação brasileira e a oferta de educação básica em tempo integral, com a proposta de ampliação de tempo de permanência dos alunos na escola, possibilitando às crianças e adolescentes o acesso a saberes nas diversas áreas do conhecimento - culturais, ambientais, esportivos e tecnológicos, entre outros -, potencializando a dimensão educativa.

De acordo com Portaria Normativa Interministerial nº 17/2007, o PME visava fomentar a educação integral, “[...] por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal [...]” (BRASIL, 2007b, art. 1º), oportunizando a crianças, adolescentes e jovens a participação em atividades socioeducativas nos campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer, meio ambiente, direitos humanos, entre outros, com vistas ao desenvolvimento de potencialidades e melhoria do desempenho educacional. Para isso, buscava expandir tempos, espaços e oportunidades educativas.

Entretanto, apenas a ampliação da jornada escolar com realização de atividades diversas não significa a efetivação da educação integral, pois, conforme afirma Moraes (2009), o PME, ao propor a complementação do tempo escolar com a oferta de arte, cultura, esporte e lazer no contraturno, sem que essas pertençam ao currículo escolar, corrobora para uma visão de educação integral direcionada para o aumento da quantidade de horas que os alunos devem permanecer sob o cuidado da escola, o que afasta a instituição da proposta de formação integral do sujeito e a aproxima mais ainda do paradigma cognitivista e produtivista de educação.

Nesta linha de pensamento, Oliveira e Santos (2013) destacam que a educação integral possui vários conceitos divergentes, mas, que convergem ao compreender o ser humano em sua totalidade, sinalizando para a questão cognitiva, a dimensão corporal, social, afetiva, cultural, entre outros aspectos que constituem o ser humano integral.

Costa (2015) reforça esse entendimento ao dizer que não há homogeneidade quanto à concepção de educação integral e à materialização prática da proposta de como alcançá-la, pois, enquanto alguns defendem a centralidade da escola no desenvolvimento da educação integral/em tempo integral, como Coelho (2009) e Cavaliere (2009), outros questionam essa centralidade e ratificam a necessidade da atribuição de uma função mais assistencialista à instituição escolar, como Moll (2012) e Pegorer (2014), que defendem a educação integral no Brasil como uma questão de justiça social.

Segundo Cavaliere (2007, p. 1029), alguns dos projetos governamentais de escolas de tempo integral surgidos nos país nas últimas decadas têm defendido a concepção multissetorial de educação integral, que considera que o tempo integral não precisa estar centralizado em uma instituição escolar, pois defende a articulação de ações envolvendo diferentes órgãos, como é o caso do programa federal Segundo Tempo2.

Referente à concepção multissetorial de educação integral, esta se justifica, em parte, pelo argumento de que diversas escolas possuem poucos equipamentos, espaço e pessoal disponível para ofertar aos alunos uma educação em tempo ampliado, necessitando de outros recursos para a realização das atividades educativas.

Sobre esse quesito, Cavaliere (2009) afirma que, no Brasil, o modelo de organização para ampliação do tempo escolar foi configurado em duas vertentes, que nomeia de “escola de tempo integral” e “alunos em tempo integral”. A primeira se dá no fortalecimento da instituição escolar, em que esta deveria passar por mudanças no seu interior, criando condições físicas e educacionais para que o aluno permanecesse durante todo o dia nesse espaço, realizando atividades diversificadas. A segunda enfoca na oferta de atividades diversificadas aos alunos no turno alternativo às aulas, fruto da articulação com instituições multissetoriais, sendo que as atividades poderiam acontecer dentro e também fora das unidades escolares, mas, preferencialmente fora delas, haja vista que poderiam utilizar espaços e agentes que não fossem da instituição educacional.

Em relação aos programas federais que buscavam a ampliação do tempo escolar, constatamos que o PME buscou ampliar o tempo diário dos alunos na instituição escolar mediante a oferta de atividades socioeducativas, tendo como premissa a intersetorialidade. Segundo Ribeiro (2017, p. 95), “[...] sua composição e gestão são constituídas por interfaces com vários ministérios do Estado e com pessoas e instituições da sociedade, tornando-se um Programa, de certa forma, complexo, heterogêneo e intersetorial”.

Nos anos de 2016 e 2017, o cenário educacional brasileiro sofreu mudanças que impactaram as estruturas dos programas educacionais existentes, como a instituição da política de fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, na forma da Lei nº 13.4153 (BRASIL, 2017a), e a substituição do PME/2007 pelo PNME/2016.

A substituição do Programa se deu sob alegação de que o PME não avançou no alcance das metas estabelecidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ficando a avaliação sobre o sucesso e insucesso do Programa centrada apenas no aspecto cognitivo. Não foram avaliados outros aspectos da formação humana desenvolvidos pelo referido Programa e também questões que implicam no trabalho desenvolvido pela escola e, consequentemente, na aprendizagem dos alunos, como, por exemplo, as condições físicas, pedagógicas e de qualificação e valorização dos professores das escolas integrantes do PME.

No que se refere ao PNME, a Portaria nº 1.144/2016 destaca como objetivo do Programa a melhoria da aprendizagem dos alunos do ensino fundamental nas disciplinas de língua portuguesa e matemática, “[...] por meio da ampliação da jornada escolar de crianças e adolescentes, mediante a complementação da carga horária de cinco ou quinze horas semanais no turno e contraturno [...]” (BRASIL, 2016a, p. 23).

A realização das atividades de acompanhamento pedagógico e complementares do Programa são estruturadas da seguinte maneira: as intuições que fizeram adesão por cinco horas semanais deveriam obrigatoriamente desenvolver duas atividades de acompanhamento pedagógico, sendo uma de Língua Portuguesa e outra de Matemática; já as instituições que optaram por quinze horas de atividades semanais teriam a oportunidade de realizar as atividades de acompanhamento pedagógico, ambas com carga horária semanal de quatro horas de duração, além das três atividades complementares, nos campos das artes, cultura, esporte e lazer, mas, a serem realizadas nas sete horas restantes. Já o acompanhamento pedagógico seria um campo de caráter obrigatório, objetivando a ampliação das oportunidades de aprendizado, com foco na aprendizagem do aluno em língua portuguesa e matemática (BRASIL, 2017b).

Nesse sentido, entendemos que o PNME se concentra na elevação da aprendizagem dos alunos nas disciplinas de Português e Matemática, o que demonstra uma visão reducionista e fragmentada de educação, na qual o importante é avaliar e quantificar o que o aluno conseguiu aprender, por meio de números pouco representativos, não se reconhecendo o indivíduo como um todo. Isso evidencia um grande distanciamento em relação aos ideais de educação integral.

4 CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao longo dos séculos XX e XXI, coexistiram no cenário brasileiro diferentes acepções e experiências de escola de tempo integral. Dentre essas, se identificou a intensificação, nos últimos anos, de projetos governamentais de escolas de tempo integral pautados na concepção multissetorial, cuja lógica é de que o tempo integral pode e deve acontecer fora da escola, pois, assim, independe da estruturação da instituição. Essa concepção tem ganhado força especialmente nas políticas federais de ampliação da jornada escolar, muitas vezes, pela justificativa da precariedade de equipamentos, espaços e de pessoal disponíveis nas escolas públicas, as quais acabam buscando parcerias com vários setores da sociedade como forma de suprir essas necessidades, ou sob a justificativa da incorporação da educação com os diversos tipos de organização social, possibilitando uma educação “multifacética”.

A concepção multissetorial busca a participação de organizações da sociedade civil e de outras instâncias da administração pública no desenvolvimento de atividades socioeducativas no turno alternativo às aulas, e, embora seja recorrente nas propostas governamentais de ampliação da jornada escolar, pode ser interessante para a escola quando planejada e discutida como ação que colabore para novas vivencias educacionais; caso contrário, ao ser desenvolvida em outros espaços, por outros sujeitos, pode contribuir para o enfraquecimento da unidade escolar, fragmentando ainda mais as atividades, o que se contrapõe à educação integral e pode fomentar o discurso de que a escola pública não tem solução.

Diante da realidade exposta em torno das políticas de ampliação do tempo integral, é necessário repensar a função da instituição escolar na sociedade. Que tipo de formação se almeja na atual conjuntura política brasileira? Isto é: reprodutiva, alienante, protetiva, crítica ou emancipatória? E qual o papel desempenhado pelas instituições escolares diante da ampliação do tempo escolar? É a formação multidimensional? Uma formação na busca pela eficiência nos resultados escolares ou pela adaptação às rotinas da vida contemporânea? E como sair das algemas desse processo de escolarização conteudista e classificatória que ainda centraliza a educação brasileira?

Essas são questões que nos colocam a repensar o papel que a educação tem na formação do sujeito e a importância que pode exercer na mudança de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais, o que nos motiva na luta em defesa da educação pública, gratuita e integral, diante do retrocesso que essa vem sofrendo nos últimos anos, colocando em risco o seu futuro como consequência das políticas de ampliação da jornada escolar no Brasil.

Não podemos esquecer que, embora tenhamos alguns avanços de ordem legal, encontramos ainda muitos desafios para a efetivação de educação integral em tempo integral. A conjuntura política governamental instalada a partir de 2016 provocou golpes desastrosos na vida dos brasileiros, tornando ainda mais complexa a situação da educação pública no que se refere à garantia e efetividade de direitos educacionais, uma vez que vários ataques à educação vem acontecendo diariamente, como, por exemplo, a criação Novo Ensino Médio, Novo Mais Educação, bem como ajustes fiscais como o congelamento dos recursos para a Educação por vinte anos, determinado pela Emenda Constitucional nº 95/2016 (BRASIL, 2016b).

Essa realidade tem se agravado ainda mais desde 2019, com a ameaça de cortes e a redução de gastos para a educação básica e superior, imposta pelo atual presidente, o que ratifica um ataque sem medidas à educação pública e coloca ainda mais em risco do não cumprimento das metas estabelecidas no PNE/2014. Isso demonstra um retrocesso na educação, orquestrado por um governo ultraliberal, conservador e privatizante, que busca a todo momento o enfraquecimento das estruturas públicas nas áreas de educação, ciência e tecnologia, e que objetiva subordinar a sociedade brasileira aos interesses do grande capital financeiro.

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NOTAS

1 O CECR ganhou apelido de Escola Parque, por possuir um conjunto de prédios escolares, entre eles a Escola Parque, que se destaca do ponto de vista arquitetônico e pedagógico.

2 Criado pelo Governo Federal em 2003, destina-se a crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, tem como o objetivo de integrar o indivíduo à sociedade através da prática esportiva e de atividades complementares no turno oposto ao das aulas da escola.

3 Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Recebido: 30 de Junho de 2019; Aceito: 11 de Maio de 2020

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