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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.1 São Paulo jan./mar 2021  Epub 10-Maio-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i1p278-300 

Artigos

CORPOS QUE DESASSOSSEGAM O CURRÍCULO DE BIOLOGIA: (DES)CLASSIFICAÇÕES ACERCA DE SEXUALIDADE E GÊNERO

BODIES THAT DISRUPT THE BIOLOGY CURRICULUM: CLASSIFICATIONS AND DECLASSIFICATIONS ABOUT SEXUALITY AND GENDER

CUERPOS QUE INTERRUMPEN EL PLAN DE ESTUDIOS DE BIOLOGÍA: CLASIFICACIONES Y DESCLASIFICACIONES SOBRE SEXUALIDAD Y GÉNERO

Elaine de Jesus SOUZAi 
http://orcid.org/0000-0003-3931-0025

Priscila Gomes DORNELLESii 
http://orcid.org/0000-0002-1897-2436

Dagmar Elisabeth Estermann MEYERiii 
http://orcid.org/0000-0003-4182-3938

i Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professora Adjunta do Instituto de Formação de Educadores (IFE) na Universidade Federal do Cariri (UFCA). E-mail: elaine.js.sd@hotmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0003-3931-0025.

ii Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professora do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: prisciladornelles@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1897-2436.

iii Pós-Doutorado no Departamento de Medicina Preventiva da USP, Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: dagmaremeyer@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0003-4182-3938.


RESUMO

O artigo é parte de uma pesquisa que analisou discursos sobre sexualidade, gênero e corpo em um currículo de Licenciatura em Biologia de uma Universidade pública, a partir da incorporação da Educação Sexual na matriz curricular. Fundamenta-se nos estudos culturais e feministas pós-estruturalistas e nosso objetivo, aqui, é problematizar discursos essencialistas e (des)classificações acerca de sexualidade, gênero e corpo que são veiculados nesse currículo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que envolveu a realização de grupos focais e entrevistas semiestruturadas com licenciandos/as e egressos/as desse curso. Com a análise foucaultiana do discurso, evidenciamos o tensionamento da “natureza” do corpo e do sexo, no currículo, argumentando que isso produz outros modos de compreensão conceitual e política de gênero e sexualidade, contribuindo para uma formação docente comprometida com a vida e(m) democracia.

PALAVRAS-CHAVE: Sexualidade; Gênero; Corpo; Currículo; Biologia

ABSTRACT

The article is part of a research that analyzed speeches about sexuality, gender and body in a Biology Degree curriculum at a public University, based on the incorporation of Sexual Education in the curricular matrix. It is based on post-structuralist cultural and feminist studies and our objective here is to problematize essentialist (dis) classifications about sexuality, gender and body that are conveyed in this curriculum. It is a qualitative research that involved the realization of focus groups and semi-structured interviews with graduates and graduates of this course. With the Foucaultian discourse analysis, we highlight the tension of the “nature” of the body and sex, in the curriculum, arguing that this produces other ways of conceptual and political understanding of gender and sexuality, contributing to a teacher education committed to life and (in) democracy.

KEYWORDS: Sexuality; Gender; Body; Curriculum; Biology

RESUMEN

El artículo es parte de una investigación que analizó discursos sobre sexualidad, género y cuerpo en un plan de estudios de Licenciatura en Biología en una universidad pública, basado en la incorporación de la Educación Sexual en la matriz curricular. Se basa en estudios culturales y feministas postestructuralistas y nuestro objetivo aquí es problematizar las (des) clasificaciones esencialistas sobre sexualidad, género y cuerpo que se transmiten en este plan de estudios. Es una investigación cualitativa que involucró la realización de grupos focales y entrevistas semiestructuradas con graduados y graduados de este curso. Con el análisis del discurso foucaultiano, destacamos la tensión de la "naturaleza" del cuerpo y el sexo en el plan de estudios, argumentando que esto produce otras formas de comprensión conceptual y política de género y sexualidad, contribuyendo a una educación docente comprometida con la vida y (en) democracia.

PALABRAS CLAVE: Sexualidad; Género; Cuerpo; Plan de estudios; Biología

1 INTRODUÇÃO

Este artigo, que deriva de uma tese de doutorado1, cujo objetivo é problematizar de que modo(s) o currículo veicula discursos que produzem essencialismos e (des)classificações acerca de sexualidade, gênero e corpo em um curso de Licenciatura em Biologia. Assim, interessa-nos visibilizar um currículo de Biologia com “algo a mais” do que, usualmente, costumamos rotular e enquadrar. Para tanto, dialogamos com teorizações foucaultianas que reconhecem o currículo como um artefato cultural produtivo para compreender os efeitos de saber e poder gênero-sexualizados, bem como assumimos sua contribuição no âmbito da constituição dos sujeitos na (pós) modernidade.

Currículos de Licenciatura em Biologia dificilmente são associados com discussões socioculturais sobre corpo, gênero e sexualidade, uma vez que a ênfase no discurso biológico continua sendo um referente primário e, talvez, único dessa formação e constituidor do objeto de ensino dos/as futuros/as professores/as. Aqui, assumimos os estudos culturais e feministas articulados à teorização foucaultiana como referência para problematizar discursos acerca de gênero, sexualidade e corpo, considerando as inúmeras possibilidades de compreendermos e vivenciarmos tais dimensões, ao acionar um plano epistemológico que disputa e rasura as noções biologicistas desses conceitos. Priorizamos o exercício político de considerar diferentes modos e possibilidades gênero-sexualizadas para os corpos, analisando de que modos “[...] a abordagem das temáticas de corpos, gêneros e sexualidades concorrem para os processos de subjetivação e o privilégio da representação de determinadas posições-de-sujeito” (CARVALHO FILHO; MAKNAMARA, 2018, p. 351). E, de forma mais pontual, orientamos nossa discussão pela seguinte questão: De que modo(s) o currículo veicula discursos que produzem (des)classificações acerca de sexualidade, gênero e corpo?

2 DAS ALIANÇAS TEÓRICAS

Maknamara (2011) ressalta que reconhecer o currículo como um artefato político e cultural que produz saberes e sujeitos costuma causar certo estranhamento porque

[...] ainda circulam em diferentes espaços escolares e não escolares, assim como em universidades e diferentes faculdades, enunciações que se referem ao currículo como uma “grade” a ser definida burocraticamente por uma cúpula de legisladores/as e técnicos/as em diferentes níveis de ensino (MAKNAMARA, 2011, p. 14).

A proposta de analisar o currículo de um curso de formação docente em Biologia e suas tramas de poder-saber na produção de referentes de inteligibilidade e suas táticas de produção de corpos, gênero e sexualidades implica indicar como compreendemos o currículo nos debates constituídos no campo da educação. Aqui, tomamos o currículo com seus saberes e suas práticas como um artefato cultural generificado e sexualizado, veiculando discursos que organizam, orientam e compõem referentes heteronormativos acerca de sexualidade, gênero e corpo (COSTA, 2005; SILVA, 2014; PARAÍSO, 2010). O currículo funciona, assim, como um campo de exercício de poder-saber, compondo referentes normativos de gênero e de sexualidade que, no plano da heteronormatividade, legitimam: a) uma única forma de vivenciar a sexualidade - a heterossexualidade; b) uma lógica binária de definição do que é um corpo baseada na polaridade masculinidade - feminilidade, ambas hegemônicas. Essas relações de poder-saber, entretanto, também acionam um campo de resistências, logo, questionar de que modo(s) o currículo veicula discursos que produzem (des)classificações acerca de sexualidade, gênero e corpo é priorizar tanto aquilo que se (re)produz e se reforça quanto o que resiste e escapa às estratégias de uma política cotidiana da (hetero)norma em um curso de Biologia.

Silva (2015) salienta que o currículo, ao privilegiar determinado tipo de conhecimento vigente na sociedade, institui uma operação de poder que “reflete a epistemologia dominante” e esta “é a expressão da cosmovisão masculina. [...]” (SILVA, 2015, p. 94). Ao ser produzido na e pela cultura, o currículo reflete “formas de compreender o mundo social, de torná-lo inteligível” (SILVA, 2010, p. 17). E, nessa linha, “[...] o currículo, tal como a cultura, é compreendido como: 1) uma prática de significação; 2) uma prática produtiva; 3) uma relação social; 4) uma relação de poder; 5) uma prática que produz identidades sociais” (SILVA, 2010, p. 17). Ele é, pois, o resultado de um processo de construção discursiva e cultural alicerçado em relações de poder que produzem identidades e diferenças, e entendê-lo dessa forma permite-nos questionar o modo como estas costumam ser naturalizadas e disseminadas nos distintos espaços e processos educativos (SILVA, 2015). Entretanto, o currículo também abrange saberes, práticas e (re)criações que possibilitam a construção de novas aprendizagens e a desconstrução de verdades e prescrições (PARAÍSO, 2010). Reside aí a relevância de problematizar o currículo de Licenciatura em Biologia e, nesse contexto, os discursos biologicistas acerca da sexualidade e gênero que tentam restringir identidades e diferenças, classificar corpos e determinar formas hegemônicas de masculinidade e feminilidades.

Sexualidade e gênero são aqui entendidos como constructos socioculturais produzidos por distintos discursos e redes de poder-saber. Sexualidade, nessa perspectiva, constitui a vida de múltiplas formas, englobando corpos, prazeres, desejos, relações, identidades e diferenças construídas histórica e socioculturalmente (LOURO, 2000). Isso significa que a sexualidade não pode “se reduzir totalmente a um ‘efeito’ desta ou daquela operação de poder” (BUTLER, 2006, p. 33 - tradução nossa), mas consiste em uma ampla “rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências encandeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder” (FOUCAULT, 2015c, p. 115). Nessa rede, o sexo e a sexualidade funcionam como definidores e elementos classificatórios dos sujeitos. O sexo é assumido como referente e, inexoravelmente, produzem-se classificações dos sujeitos sociais com base nesse “princípio de inteligibilidade para os seres humanos” (BUTLER, 2008, p. 100). Sua produção é relacional aos movimentos de circunscrição das ciências da reprodução ou daquelas que investem nesses saberes, as quais, em certa medida, colocam/colocaram em jogo ligações supostamente inequívocas entre sexo, gênero e sexualidade. E, aqui, podemos pontuar as contribuições de um currículo da área de Biologia.

Assim como a sexualidade, o gênero não decorre da biologia dos corpos. Ele tem sido usado, desde os anos 70 do século passado, para focalizar o caráter fundamentalmente social e linguístico das distinções entre homens e mulheres, permitindo problematizar tanto noções essencialistas que remetem a modos de ser, sentir e de viver feminilidades e masculinidades, no plural, quanto noções biologicistas de corpo, sexo e sexualidade. Gênero, neste artigo, remete a todas as formas de construção social, cultural e linguística implicadas com processos que produzem corpos, para distingui-los, nomeá-los e hierarquizá-los como corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade (LOURO, 2017; MEYER, 2004; NICHOLSON, 2000; SCOTT, 2012). Scott (2012, p. 332) sinaliza que uma “‘análise de gênero’ constitui nosso compromisso crítico com estes significados e nossa tentativa de revelar suas contradições e instabilidades [com as quais] se manifestam nas vidas” das pessoas.

O reconhecimento de gênero como um constructo histórico e sociocultural implica assumir que o corpo também é produzido na e pela cultura. O corpo é a evidência da relação eficiência-resistência de gênero, por isso torna-se um desafio desnaturalizá-lo, rompendo com o olhar biologicista utilizado para explicar e classificar corpos que não se enquadram em um padrão heteronormativo. Logo, assim como gênero, “o corpo é uma construção sobre a qual são conferidas diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais” que o tornam “[...] suscetível a inúmeras intervenções consoante o desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura, bem como suas leis, seus códigos morais, as representações que cria sobre os corpos, os discursos que sobre ele produz e reproduz” (GOELLNER, 2013, p. 30).

Tratar o corpo como uma produção cultural significa articular-se ao tensionamento do pensamento dicotômico instituidor do sexo (em sua dimensão biológica - macho ou fêmea) como referente originário para o gênero e para a sexualidade, permitindo, assim, rasurar a relação unívoca e naturalizada entre sexo, gênero e sexualidade que constitui a inteligibilidade e operacionalidade da heteronormatividade. Judith Butler posiciona

[...] a invenção do caráter pré-discursivo do sexo e a consequente relação originária entre o sexo (produto natural) e o gênero (produto cultural) como alicerce do regime heteronormativo, o qual, performativamente, produz o par identitário masculino-feminino de forma complementar e, inevitavelmente, heterossexual (DORNELLES, 2013, p. 41).

Portanto, os discursos biológicos que sustentam o sexo como a priori do corpo são fundamentais para a sustentação desse regime de poder-saber compreendido como heteronormatividade.

É, pois, com a articulação desses conceitos-ferramentas que investimos neste exercício de “estranhar o currículo”, como nos provoca Louro (2016), ao problematizar o modo como tal política e pedagogia curriculares têm sido empregadas para (des)construir padrões socioculturalmente legitimados nos campos de sexualidade, corpo e gênero, que norteiam a proposta de Educação Sexual em uma formação docente em Biologia. Descrevemos, a seguir, os caminhos metodológicos que possibilitaram a produção do material empírico aqui analisado.

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Este artigo é desdobramento de uma pesquisa qualitativa que visou problematizar discursos sobre sexualidade, gênero e corpo constituidores do currículo de Licenciatura em Biologia de uma universidade pública brasileira. O material empírico resulta da realização de grupos focais e entrevistas semiestruturadas com (futuros/as) biólogos/as que já haviam cursado as disciplinas Corpo, Gênero e Sexualidade (CGS) e Perspectivas Culturais no Ensino de Biologia e Educação (PCEBE).

Os grupos focais foram organizados em três encontros, os dois primeiros realizados em junho e o terceiro em julho de 2017, cada qual com sete participantes (três licenciandos/as e quatro egressos/as) e duração de 90 minutos. A primeira autora atuou como moderadora e teve a colaboração de dois observadores que auxiliaram nas anotações e na filmagem/gravação2 das reuniões. A agenda dos grupos focais contemplou a execução de atividades com diferentes artefatos culturais - músicas, imagens, vídeos (cenas de filmes e novela), textos de revistas - para provocar questionamentos e incitar uma análise crítica dos discursos acerca de sexualidade, gênero e corpo que permeiam a proposta de Educação Sexual na formação docente em Biologia.

Após a realização dos grupos focais, sua transcrição e leitura detalhada, foram feitas 14 entrevistas semiestruturadas, nos meses de julho, agosto e setembro de 2017, das quais sete foram efetuadas com os/as mesmos/as participantes dos grupos focais, visando ao aprofundamento de questões que não haviam sido suficientemente discutidas. Para explorar mais aspectos e vivências curriculares sobre o tema, contamos com outros/as sete participantes (quatro licenciandos/as e três egressos/as) que se disponibilizaram somente para as entrevistas.

A análise foucaultiana do discurso foi empregada para examinar os ditos dos/as (futuros/as) biólogos/as. Nessa perspectiva, entende-se que uma análise precisaria explicar como se instauram as condições de emergência e de produção do discurso, ou seja, a análise procura descrever relações entre distintos enunciados que constituem o discurso. De modo resumido, o enunciado pode ser compreendido como uma modalidade relacional que prescreve uma posição de sujeito por meio de uma materialidade repetível (FOUCAULT, 2015a).

O trabalho do/a pesquisador/a consiste em constituir unidades a partir da dispersão dos enunciados, observando como determinados enunciados surgem e se distribuem no interior de um conjunto discursivo. A construção de unidades analíticas não implica uma operação de simplificação de enunciados desorganizados, mas traduz-se em um trabalho de multiplicação da realidade discursiva. Para o/a analista, de modo sintético, o discurso é o lugar da multiplicação de sentidos e de sujeitos (FISCHER, 2001; MEYER, 2014), uma vez que, por meio da análise, consegue-se problematizar o modo como os discursos foram produzidos, historicamente, com fundamento em distintas formações discursivas.

Nesse horizonte, os procedimentos de investigação e de análise adotados constituem alguns dos exercícios para (re)construir caminhos metodológicos que incitam a fala, a participação e a interação dos sujeitos da pesquisa.

4 “MANIA DE QUERER CLASSIFICAR TUDO!”: CORPOS QUE DESASSOSSEGAM DISCURSOS SOBRE SEXUALIDADE E GÊNERO

Esse currículo de Licenciatura em Biologia apresenta abordagens socioculturais de sexualidade, corpo e gênero, incluídas na Educação Sexual, as quais tensionam e disputam os mecanismos e efeitos de discursos que disseminam classificações fixas e essencialistas em torno dessas dimensões. Assim, é possível constituir espaços no currículo para analisar criticamente o modo como as relações de poder-saber produzem identidades e diferenças, reconhecendo que os distintos corpos são nomeados e posicionados por meio de processos culturais, nos quais sua inteligibilidade é constituída a partir de significados propostos para a sexualidade e para o gênero, por exemplo.

Para provocar uma análise crítica do currículo, no terceiro/último encontro do grupo focal, alguns vídeos foram utilizados para estimular a discussão sobre a temática gênero. Foram exibidas, por exemplo, duas cenas da/o personagem Ivana/Ivan3 (em frente ao espelho) na novela global “A força do querer” (2017). Essas cenas provocaram inquietações nos/as participantes e levantaram a seguinte questão: qual a identidade sexual de Ivana? Assexual, gay...? “é como se ela fosse diferente”.

Essa preocupação com a fixação de uma identidade para a personagem transgênero realça a necessidade quase incontrolável de classificar e/ou “identificar as pessoas”, que os discursos biológicos provocam quando se localizam como referentes primários na definição dos corpos, o que se dá por meio de conhecimentos científicos, disciplinas (Anatomia, Fisiologia, Evolução, Taxonomia) e processos investigativos que nutrem esse desejo de agrupar, organizar e nomear os seres de acordo com características semelhantes. Há, assim, uma trama epistemológica do currículo do curso de Licenciatura em Biologia que permite uma política das classificações como prática cotidiana de acordo com os planos da modernidade.

Quadro 1 Grupo Focal, 3.º encontro - 05/07/2017 

Bianca: [...] eu enxergo Ivana que ela não gosta nem de homem e nem de mulher, é como se ela fosse diferente, é assexual.
Emilly: Ela gosta do rapaz!
Pâmela: Tá, se ela gosta do rapaz e é um transgênero masculino, então ela é gay, ele é gay!
Moderadora: Tem necessidade de dizer? Grupo: Risos!
Will: Então, é porque nós temos realmente [...] mania [de] tentar identificar essas pessoas, essa política identitária que a gente vive.
Moderadora: “Que a biologia tem que classificar!”
Will: Quer classificar, mas e se as pessoas não quiserem [...], por exemplo, se você me ver beijando outro menino, “ah Will é gay”, aí você pega e pergunta: “Will você é gay?” e eu: não, só tava beijando um menino, mas eu não me acho gay, e aí como é que fica? [...]
Pâmela: Eu não gosto de rótulos, mas eu rotulo! Na disciplina [CGS], [depois da atividade da] máscara a gente tinha que escrever um relatório, o que aquela máscara significava pra gente? [...] Eu escrevi esse relatório, eu falei disso, dos rótulos: por que as pessoas têm mania de rotular as coisas? Eu não gosto de rotular, mas eu rotulo [...]

Fonte: As autoras, pesquisa de campo.

Nos grupos focais e entrevistas, deparamo-nos com um movimento político de prescrições, naturalizações e com o quase “incontrolável” ato de classificar e/ou rotular. Tal estratégia política é considerada parte da atuação dos/as biólogos/as em formação inicial e, possivelmente, em exercício e/ou formação continuada. Há um plano epistemológico fundando e compondo a área da Biologia e autorizando essa ação cotidiana. Ainda que se abram possibilidades para reconhecer a “Biologia como cultural”, por vezes, alguns ditos que tensionam esse lugar classificatório da Biologia são silenciados, são trazidos em tom de exceção à regra, como quando o participante Will fala que poderia não se reconhecer como gay ao beijar um menino: “Quer classificar, mas e se as pessoas não quiserem [...], e aí como é que fica?”. Sobre tal sistema de classificação, Foucault (2016, p. 169) enfatizava que a tarefa fundamental do discurso, desde a época clássica, “consiste em atribuir um nome às coisas e com esse nome nomear o seu ser”. Nesse jogo de ordenar as palavras e as coisas, são produzidas segregações e normalizações que refletem nas diversas dimensões da vida. “Se a linguagem existe é que, por sob identidades e diferenças, há o fundo das continuidades, das semelhanças, das repetições, dos entrecruzamentos [...]. É o murmúrio que o discurso dissipa, mas sem o qual ele não poderia falar” (FOUCAULT, 2016, p. 169).

Silva (2014, p. 82) argumenta que esse processo de classificação faz parte da vida social e representa “[...] um ato de significação pelo qual dividimos e ordenamos o mundo social em grupos, classes. A identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a sociedade produz e utiliza classificações”. Em consonância com a fala de Will, “essa política identitária que a gente vive” serve de esteio para uma política de representações que se constituem compondo segregações a partir de oposições binárias, atribuindo assim diferentes valores aos indivíduos e/ou grupos classificados. Essas operações político-classificatórias funcionam formando uma identidade tomada como norma referente ao processo normalizador moderno. “A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e diferença” (SILVA, 2014, p. 83). Assim, normalizar significa atribuir, de modo arbitrário, características positivas a uma identidade considerada parâmetro em detrimento das outras, ocasionando julgamentos e hierarquias que produzem naturalizações e preconceitos acerca de sexualidade e gênero (SILVA, 2014).

“Por que as pessoas têm mania de rotular?” Eis uma indagação que provoca reflexões, sobretudo com relação às dimensões de sexualidade e gênero que, mesmo tão plurais, costumam ser naturalizadas e classificadas pelas instituições modernas como a escola, a universidade, a família. Como nos alertou Foucault (2015c, p. 54), as relações de poder se “[...] ramificam e multiplicam, medem o corpo e penetram nas condutas. E, nesse avanço dos poderes, fixam-se sexualidades disseminadas, rotuladas segundo uma idade, um lugar, um gosto, um tipo de prática”. Os “ditos” dos/as participantes ecoam uma multiplicidade de discursos (biológicos, psicológicos, religiosos, pedagógicos) que atravessam a Educação Sexual na Biologia e ensinam como identificar as pessoas, leia-se, como diferenciar quem não se enquadra nas normas sexuais e de gênero. Assim, as falas anunciadas que acionam um lugar questionador “por que rotulamos” invocam que:

Atravessamentos das fronteiras de gênero e sexualidade parecem, hoje, mais frequentes, ou, quem sabe, talvez sejam simplesmente mais visíveis. O fato é que, contemporaneamente, as classificações binárias de masculinidade e feminilidade ou de heterossexualidade e homossexualidade não dão mais conta das possibilidades de práticas e de identidades experimentadas pelos sujeitos. Isso não significa que se transite livremente entre esses territórios - por certo os guarda-fronteiras continuam vigilantes, severos e inflexíveis (LOURO, 2017, p. 78-79).

Quando Flora assume “[...] a gente tem uma mania de querer classificar tudo, botar um nome [...] acho que é acima de tudo, de conceituar, de classificar, o respeito, tem que ter o respeito!” (FLORA, ENTREVISTA - 14/09/2017), coloca em evidência a Biologia como um campo de saber marcado por um sistema classificatório que delimita padrões e essencialismos incorporados por muitos indivíduos. Discursos essencialistas acerca de sexualidade e gênero que constituem o currículo de Biologia pressupõem a existência de uma identidade hegemônica natural. Entretanto, para manter esse padrão heteronormativo, há um investimento, contínuo e permanente, de instituições e práticas culturais, em contradição com a ideia de naturalização e fixidez das identidades/diferenças. Assim, tal sistema classificatório também vem sendo questionado, contudo precisa ir além da ideia de respeito às diferenças. Portanto, evidenciar sua produção é uma estratégia política que anuncia o exercício cotidiano da norma.

Questionar o modo como esses discursos instauram posições de diferença, no sentido de segregar uma identidade da outra a partir de oposições binárias, aponta um caminho em direção à problematização de toda forma de essencialismo que marca as vivências e expressões de sexualidade e gênero, não somente na vida dos sujeitos estabelecidos como o “outro” da relação identidade/diferença, mas também de todos/as, inclusive aqueles constituídos e posicionados como referentes sociais. Silva (2010) destaca que, embora os essencialismos sejam culturais, tentam naturalizar o mundo, disseminando uma ideia de essência que limita os jogos de significação a uma imobilidade transcendental. Dessa maneira, “[...] o essencialismo congela o significado. Ele é original: tem uma origem e ela não é deste mundo” (SILVA, 2010, p. 57).

Na entrevista, vale ressaltar a fala de Bianca, que, mesmo admitindo rotular as pessoas, visto que faz parte de uma sociedade e de um campo de saber que emitem discursos classificatórios, aponta uma posição interpelada por outra trama discursiva, a partir do seguinte pensamento: “Talvez se a sociedade não rotulasse tanto [...]. As pessoas estariam bem mais felizes com o corpo que elas têm. Com a vida que elas têm; com a sua sexualidade, com tudo!” (BIANCA, ENTREVISTA - 28/08/2017). Como nos lembra Louro (2017, p. 122), nossos “[...] desejos, fluidos e provisórios, escapam das classificações; desconhecem as normas da sexualidade legitimada; extravasam os limites dos gêneros”. Ademais, em consonância com o exercício de problematização do binarismo de gênero, Flora acrescenta: “[...] você desconstrói aquela visão de que só existe homem e mulher [...]” (FLORA, ENTREVISTA - 14/09/2017), isto é, os corpos transgridem as naturalizações e evidenciam o caráter construtivo e cultural.

Nos corredores e nas salas de aulas da Universidade circulam corpos que desassossegam ao escaparem dessas classificações constituídas por uma suposta linearidade sexo-gênero-sexualidade comentada anteriormente. Acerca desses corpos que não cabem em binarismos e provocam tanto “impactos” quanto (des)aprendizados no currículo de Licenciatura em Biologia, inserimos na análise excertos de falas dos/as participantes.

A Biologia determina quem somos? Nossos corpos são formados por células, tecidos, órgãos, mas é somente esse aglomerado de unidades fisiológicas que nos define como “humanos”, e, mais ainda, que delimita nossas sexualidades e nossos gêneros? Parece que no currículo de Licenciatura em Biologia da Universidade X os discursos que explicam a vida apenas a partir do referente biologicista se entremeiam a outros, visto que o curso posiciona e abre espaço para outros campos de saber, como a Filosofia e a Sociologia. Há uma sorte de campos de saber produzindo modos de inteligibilidade e posicionalidades políticas para os corpos, entretanto, na modernidade, há condições de produção da verdade que implicam efeitos de verdade diferenciados para o que esses distintos campos dizem. Como enfatiza Will, “a Biologia tem os momentos de explicar reações, de explicar reprodução, mas ela também tem uma questão sociológica e filosófica [...] é bom saber que a Biologia não é só células” (WILL, ENTREVISTA - 12/07/2017). Como Foucault (2014, p. 152) nos alertou: “[...] O corpo, tornando-se alvo de novos mecanismos do poder, oferece-se a novas formas de saber”. Nesse raciocínio,

[...] O corpo humano é, nós sabemos, uma força de produção, mas o corpo não existe tal qual, como um artigo biológico ou como um material. O corpo existe no interior e através de um sistema político. O poder político dá um certo espaço ao indivíduo: um espaço onde se comportar, onde adaptar uma postura particular [...]. E ele é obrigado porque ele é investido por forças políticas, porque ele é capturado nos mecanismos de poder (FOUCAULT, 2015b, p. 253).

Somos masculinos e femininos de distintos modos, sentimos prazeres e desejos e nenhuma dessas dimensões da vida está essencial e/ou necessariamente articulada a uma possibilidade reprodutiva. Nesse sentido, reconhecer o corpo como produto histórico, cultural e político abala explicações biológicas acerca de arranjos corporais e processos fisiológicos e/ou genéticos que justificariam comportamentos diferentes para homens e mulheres, pois tal naturalização produz representações de gênero (DAL’IGNA; KLEIN; MEYER, 2016) que servem para reforçar relações de poder desiguais. Gênero não é, pois, um produto final da biologia, haja vista que sexo e gênero não obrigatoriamente são decorrentes um do outro. Desse modo, corpos femininos e masculinos não são delimitados a partir dos órgãos sexuais e/ou de atributos “naturais” utilizados para diferenciar fêmeas de machos e vice-versa. “Assim, podemos admitir que alguém é um sujeito feminino ainda que seu corpo não exiba traços geralmente considerados femininos” (LOURO, 2017, p. 56).

O que gênero significa no currículo de Licenciatura em Biologia da Universidade X? “Gênero me lembra muito isso: ter hoje uma professora trans, alunos também na Universidade, uma aluna da Biologia” (WILL, ENTREVISTA - 12/07/2017). Além das discussões enfatizadas na disciplina Corpo, Gênero e Sexualidade, as falas de Will e Bianca ressaltaram a presença de corpos que, por não se encaixarem no binômio masculino/feminino, desassossegam o pensamento essencialista e binário, semeando (des)aprendizados sobre gênero e sexualidade. A convivência com uma professora trans na sala de aula e nos corredores do Departamento de Biologia (DBI), aliada à presença de alunos/as trans que adotam nomes sociais, provoca reflexões sobre gênero e sexualidade para além dos muros dessa Universidade, favorecendo o reconhecimento da dimensão cultural que constitui os corpos e percorre as identidades.

Tais reflexões são evidenciadas, quando Bianca diz: “O mais assim impactante pra mim, o que mais me fez pensar muito foi no caso da professora Lunna. [...] as pessoas sempre comentam nos corredores, dizendo que ela conseguiu mudar” (BIANCA, Entrevista - 28/07/2017), referindo-se à professora transexual que passou (sendo notada por alunos/as e colegas do DBI) por um “processo de transição” para expressar e vivenciar sua identidade de gênero, possibilitando, a partir da própria experiência de vida, desacomodar preconceitos nutridos por distintos discursos.

Nessa ótica, cabe analisar algumas palavras - e seus significados - evocadas nas falas dos/as entrevistados/as: impressionante, marcante, desconcertante. Ora, não seriam essas características das identidades de gênero que impressionam no sentido de abalar a coerência e a lógica das oposições binárias? Marcam, ou melhor, transgridem “marcas biológicas” utilizadas para diferenciar corpos masculinos e femininos? E, por fim, desconcertam ao perturbarem normas e essencialismos em torno das masculinidades e feminilidades? Além das disciplinas que abordam as temáticas sexualidade e gênero, a convivência com docentes e/ou estudantes trans no departamento de Biologia dessa Universidade produz saberes e tem efeitos políticos que desafiam a naturalização da suposta linearidade entre sexo, gênero e sexualidade.Para Butler (2008), os sistemas binários de gênero são mantidos a partir de uma atuação coercitiva que tenta tornar inteligível um regime de sexualidade supostamente determinado de modo natural e/ou biológico pelo sexo em correspondência com o gênero.

No entanto, as identidades de gênero são instáveis, não compreendê-las como algo dinâmico e contingente pode ser, de fato, uma forma de “proibir” a existência das pessoas que transbordam o binarismo masculino/feminino, ao reinventarem seus corpos e desalojarem discursos essencialistas. A professora e a aluna trans representam corpos que desassossegam como se estivessem com “um martelinho assim desconstruindo” (WILL, Entrevista - 12/07/2017) o discurso biológico-essencialista (ainda presente no currículo de Biologia). Um plano de inteligibilidade que, por vezes, engendra preconceitos e exclusões com relação aos/às trans, dificultando o acesso igualitário à educação, e, principalmente, nega o “direito de sermos quem quisermos”, como foi insinuado na fala de Will (Entrevista - 12/07/2017). Para Butler (apudSALIH, 2012), as identidades generificadas e sexuadas estão em constante processo ou devir, visto que são (re)construídas pela instabilidade e possibilidades de mudança e/ou subversão. Na teoria queer, a autora trabalha com a noção de movimento contínuo, que é múltiplo e provisório, assim como as identidades e os sujeitos. Nesse sentido, tal teoria encorajaria uma problematização e uma desconstrução de categorias fixas e predeterminadas, assumindo que as identidades sexuadas e generificadas são múltiplas, instáveis e indeterminadas (SALIH, 2012).

Esse saber sobre os corpos generificados e sexuados constitui uma “[...] tecnologia política do corpo. Essa tecnologia é difusa, [...], raramente formulada em discursos contínuos e sistemáticos; compõe-se muitas vezes de peças ou de pedaços; utiliza um material e processos sem relação entre si” (FOUCAULT, 2014, p. 30). Tal tecnologia não está localizada em um único campo de saber e/ou instituição, mas se materializa a partir de uma espécie de microfísica do poder acionada por distintos mecanismos que objetificam os corpos, impondo-lhes limitações e obrigações. Discursos imersos em relações de poder produzem conhecimentos sobre os indíviduos, aprendizados de técnicas que induzem a determinados modos de comportamentos e aptidões, representando assim mecanismos potentes para modelagem do corpo (FOUCAULT, 2014). Nesse rumo, sexualidade e gênero tornam-se categorias “reféns” de imposições e prescrições que tentam limitar os corpos à anatomia e fisiologia, sem considerar a atuação da dimensão cultural que também possibilita resistência a esses mecanismos de poder.

Nos três encontros do grupo focal e nas entrevistas, foram muitos os questionamentos acerca da sexualidade, contudo a temática gênero se mostrou mais presente nas discussões e inquietações dos/as (futuros/as) biólogos/as. No último encontro e em algumas entrevistas, a discussão foi incitada a partir das seguintes indagações: “Nascemos homens e mulheres ou aprendemos a ser? O que determina a diferenciação ‘homem’ e ‘mulher’? É a mesma que diferencia ‘macho’ e ‘fêmea’?” (CASTRO, 2014, p. 175 e 209, respectivamente). A saber:

Quadro 2 Grupo focal, 3.º encontro - 05/07/2017 

Will: [...] acho que homem e mulher não é o que você tem entre as pernas que vai decidir o que você é, [...] é uma parte do seu corpo como qualquer outra, [...], é a questão do se sente, eu me sinto assim ... quero ser conhecido assim, e é isso, é uma construção minha! [...] Mas, assim homem e mulher eu creio que é uma construção social, mas macho e fêmea é sexo biológico, mas você percebe que não é relevante hoje os órgãos, é o que você é.
Pâmela: Concordo! [...] vou nascer sabendo que sou uma mulher, eu não sei a partir de quando falaram: “não, você é mulher”, não lembro, fui influenciada, falaram que eu era, eu sou [...]
Bianca: [...] eu acho que é a sociedade é que realmente traz essa rotulação: “você é homem, você é mulher e pronto!” [...]
Pietra: [...] Então, realmente como Will falou essa definição de macho e fêmea é mais uma questão biológica, a fêmea estruturalmente biológica para procriar, enfim e o macho isso e tudo mais, enquanto mulher e homem realmente é uma construção, à medida que você vai desenvolvendo, vai se descobrindo, vai se construindo, você vai construindo a sua identidade. Eu acho que é um despertar, você vai aprendendo...
Bianca: Também acho que é uma construção. [...] cada um realmente é que faz você mesmo, a sociedade por mais que influencie, não é ela que bate o martelo e diz: não você vai ser isso!

Fonte: As autoras, pesquisa de campo.

A partir desses excertos, evidenciamos o reconhecimento de gênero como uma dimensão construída socioculturalmente. Na fala de Pâmela, “eu não sei a partir de quando falaram: ‘não, você é mulher’, não lembro, fui influenciada, falaram que eu era, eu sou”, ecoa uma incerteza sobre como e quais “influências sociais” delimitaram esse “ser mulher” (ou “ser homem”). Podemos dialogar com a fala de Pâmela ao pensarmos que o corpo vive “um processo de masculinização ou de feminização com o qual o próprio sujeito se compromete” (LOURO, 2017, p. 75-76). Um processo cultural que se constituiu por meio de “uma multiplicidade de sinais, códigos e atitudes produz referências que fazem sentido no interior de uma cultura e que definem (pelo menos momentaneamente) quem é o sujeito” (LOURO, 2016, p. 85).

Essa produção de gênero e do corpo “se opera, simultaneamente, no coletivo e no individual. Nem a cultura é um ente abstrato a nos governar nem somos meros receptáculos a sucumbir às diferentes ações que sobre nós se operam” (GOELLNER, 2013, p. 41). Embora um corpo seja construído histórica e socioculturalmente, há nessa construção um processo subjetivo de negociação, disputas com os processos culturais e (re)invenção de prazeres e desejos, a partir de um paradoxo entre resistência e aceitação das normas. Dessa maneira, um corpo, além de singular, também é partilhado porque engloba semelhanças e diferenças de outros corpos produzidos de acordo com o tempo e a cultura vigentes (GOELLNER, 2013).

Esse reconhecimento de que construímos nossas identidades a partir de distintos processos subjetivos e culturais desliza nesse currículo, conforme sinalizado na resposta de Vitória: “ser homem, ser mulher é uma construção que vem da família, vem da sociedade e vem do seu lado pessoal” (Entrevista - 12/07/2017). Ao longo de nossas vidas, aprendemos modos de “ser homem ou mulher”, em geral, compatíveis com e decorrentes do sexo biológico, visto que esta é a trama (hetero)normativa que funciona explicando a vida na contemporaneidade. Entretanto, como enfatizou Will, “não é o que você tem entre as pernas que vai decidir o que você é, por você”. Não se trata de uma origem anatômica e/ou fisiológica definidora, pois as identidades reúnem todo um conjunto de aprendizados e identificações que carregamos e constituímos ao longo das vivências pessoais, sociais, culturais, políticas.

Binarismos (masculino/feminino, natureza/cultura, sexo/gênero, self/mundo) reforçam naturalizações atribuindo diferenças nas relações entre mulheres e homens. Em contraposição, no ensaio “Manifesto ciborgue”, Haraway (2016) argumenta que a produção social, cultural e tecnológica do ciborgue - híbrido de organismo e máquina - desestabiliza oposições binárias que atravessam nossos pensamentos sobre as identidades, entendidas como fixas e naturais. Essa ideia de algo natural que as pessoas costumam falar referindo-se ao que não poderia ser mudado porque “é assim que o mundo é” ou “nascemos assim” - principalmente com base no discurso biológico e no sexo - sofre grandes abalos na contemporaneidade, ao evidenciarmos que homens e mulheres constituem (re)construções socioculturais.

Essa discussão sobre gênero no currículo analisado aciona a afirmação de Silva (2015, p. 97), para quem o currículo constitui, “entre outras coisas, um artefato de gênero: um artefato que, ao mesmo tempo, corporifica e produz relações de gênero”. Conforme o autor, as vivências na universidade, no curso de Licenciatura em Biologia e as análises do material empírico permitem concordar também com Louro (2016) quando se refere ao currículo como um artefato generificado e sexualizado. Assim, acionamos o currículo em suas possibilidades de subversão e como lugar epistêmico-político que nos permitiria reconstruir as conexões entre identidade de gênero, conhecimento e poder, mediante diferentes estratégias de resistência.

A estratégia dessa assunção do currículo como caminho de resistência torna fundamental reconhecer a dimensão epistemológica e cultural e as relações de poder implicadas na produção de sexualidade e gênero. No currículo são incorporados distintos discursos que marcam tanto o processo de construção de masculinidades e feminilidades quanto as vivências da sexualidade. De modo sutil ou manifesto, somos ensinados sobre o que “devemos ser, fazer e sentir” para manter as normas sexuais e de gênero. Por outro lado, um currículo que instiga o reconhecimento da dimensão cultural e das relações de poder na produção de sexualidade e gênero possibilitaria problematizar o conhecimento (e o próprio currículo), colocando “em questão o que é conhecido e as formas como chegamos a conhecer determinadas coisas e a não conhecer (ou a desconhecer) outras” (LOURO, 2016, p. 67).

No último encontro do grupo focal, entre os artefatos culturais utilizados para estimular a discussão acerca da temática gênero vale destacar a análise das enunciações sobre o filme Tomboy. Esse filme francês, lançado em 2011, conta a história de Laure, que se apresenta/identifica como Michael para a nova vizinhança; a/o personagem possui cabelos curtos, veste roupas largas e encena comportamentos sociais atribuídos ao gênero masculino, visto que as relações sociais usualmente são organizadas a partir de um sistema binário de gênero. Tomboy é um termo usado para designar meninas que exibem características e/ou hábitos conferidos socioculturalmente aos meninos (CASTRO, 2014). Os/as participantes se mostraram inquietos/as com cenas do filme, pois nesse processo de construção identitária Laure/Michael se depara a cada dia com um desafio ao tentar driblar essencialismos e normas de gênero.

Quadro 3 Grupo Focal, 3.º encontro - 05/07/2017 

Will: [...] começando por Tomboy que você consegue ver esse processo de descoberta, de construção da, dele, eu chamo ela porque no final quando a garota pergunta o nome, ela fala o nome verdadeiro e algumas falas, por exemplo: “eu não me incomodo que você brinque de ser menino”, da mãe, então isso mudou um pouco o meu olhar, um filme fantástico pra quem quer entender um pouco esse processo de construção [...]! E gênero pra mim através desse primeiro filme é isso como você se sente, como você quer ser visto [...]
Pâmela: Eu já tinha assistido ao filme Tomboy, gostei muito... Agora não gostei do final, porque pensei que ela, ele ia continuar como Michael, mas não continuou, eu disse: sim, no final ele não consegue? [...] Eu acho que a dificuldade e pra ser aceito também, ele teve que ser ela, porque se continuasse como ele, não ia conseguir, e acho engraçado porque às vezes isso acontece, a pessoa acaba negando o que é, pra ser aceito, e acho que isso não deve acontecer.
Bianca: [...] ela cortando o maiôzinho, aquilo pra mim foi tão chocante porque ela tinha certeza que não queria aquele maiô, que ela queria uma sunga porque queria ser menino. [...] com relação a Tomboy eu também fiz uma pergunta: se nós pudéssemos nascer na forma e no corpo que a gente queira como o mundo seria? [...] no caso de Laure do filme Tomboy, ela tinha certeza que aquele corpo não era dela e que queria ter o corpo masculino, ou seja, ela nasceria menino e ficaria tudo certo; já tem outras pessoas que são homossexuais, mas que não sentem essa vontade de trocar de sexo, são lésbicas e continuam assumindo o corpo de mulher, são gays e continuam assumindo o corpo de homem, seria bem mais fácil!

Fonte: As autoras, pesquisa de campo.

O filme Tomboy, entendido como um artefato cultural, alia-se aos (des)aprendizados ensaiados nessa Educação Sexual, constituindo uma forma potente de problematizar binarismos de gênero, uma vez que incita pensar as múltiplas representações de masculinidades e feminilidades, indo além das dimensões de sexo e corpo considerados estritamente biológicos. A/o personagem Laure/Michael remonta seu corpo numa “encenada passagem” do feminino para o masculino, ao jogar com características e comportamentos atribuídos socioculturalmente a cada gênero por um padrão que delimita fronteiras. Esse filme veicula uma pedagogia cultural, ao “ensinar” que gênero consiste em uma invenção sociocultural, portanto, características, comportamentos e significados relativos às masculinidades e feminilidades podem ser forjados, criando possibilidades para escapar do padrão heteronormativo (CASTRO, 2014).

Ao comentar o filme, Will salienta: “Tomboy... você consegue ver esse processo de descoberta, de construção [...] E gênero pra mim através desse... filme é... como você se sente, como você quer ser visto”. Esses ditos corroboram a ideia de que com um olhar atento é possível capturar enunciados acerca de gênero que tais artefatos culturais disseminam por meio de cenas refletidas nesse processo de construção identitária. Por outro lado, cabe problematizar a noção de “descoberta de uma identidade” como se fosse algo a ser desvendado numa determinada fase da vida, pois em um campo tão plural e contingente nada seria predeterminado. Em um processo circular, a cultura (re)produz identidades e diferenças relativas à sexualidade e gênero veiculando múltiplas linguagens e pedagogias, assim “[...] descreve como uma descoberta algo que ela própria criou. Ela primeiro cria e depois descobre, mas, por um artifício retórico, aquilo que ela cria acaba aparecendo como uma descoberta” (SILVA, 2015, p. 12).

Essa ideia de descoberta de uma identidade sexual e/ou de gênero estaria relacionada à existência de uma fase infantil assexual para os sujeitos escolares, “[...] superada com a ‘descoberta’ de experiências, experimentações, desejos, sensações e reconhecimentos sobre a sexualidade, devidamente ordenados e previamente esperados com a chegada da puberdade” (DORNELLES; DAL’IGNA, 2015, p. 1594). Para Louro (2017), as identidades sexuais e de gênero são produzidas socioculturalmente em um processo instável e contraditório ao longo de toda a existência dos sujeitos, visto que esse processo de construção identitária “[...] pode ser, e é, marcado por imprevisibilidade e provisoriedade. Nesse sentido, é possível dizer que todos somos, sempre, sujeitos em construção [...]” (LOURO, 2017, p. 84).

Para refletir acerca desses processos de (re)construção de identidades culturais, vale explorar o questionamento que Bianca faz, no grupo focal, a partir do filme Tomboy: “se nós pudéssemos nascer na forma e no corpo que a gente queira como o mundo seria?”. E, depois, na entrevista, sua própria tentativa de “resposta”: “não importa o corpo que você nasça. Tipo a carcaça da pessoa, sua mente é você quem vai construindo” (BIANCA, Entrevista - 28/08/2017). Tais ditos reiteram o argumento de que os processos culturais como produtores e produtos de distintos discursos (biologicistas, senso comum, religiosos, psicológicos) reverberam contradições e contingências que nos constituem como sujeitos descentrados.

Quando Pâmela admite que não gostou do final do filme Tomboy porque Laure aparentemente se rendeu às imposições culturais e não conseguiu “continuar como Michael”, provoca questionamentos e paradoxos sobre o quanto as identidades sexuais e/ou de gênero são vigiadas e normalizadas, mesmo sendo consideradas naturais. Louro (2017) argumenta que é como se vivêssemos uma travessia de fronteiras sexuais e de gênero que a todo tempo está sendo vigiada; somos normalizados a permanecer no território de gênero para o qual estaríamos designados desde o nascimento. Pâmela reflete que “às vezes isso acontece, a pessoa acaba negando o que é, pra ser aceito, e acho que isso não deve acontecer!”; ao tentar contrapor uma lógica heteronormativa, remete à representação de essência que definiria as identidades sexuais e/ou de gênero, mas que seria negada para atender às normas.

Ao examinarem as cenas do filme Tomboy, os/as (futuros/as) educadores/as sinalizam que a Educação Sexual desse currículo, ao adotar diferentes artefatos culturais, instigaria um olhar atento sobre o modo como são produzidos saberes e significados acerca das questões de sexualidade e gênero, o que seria produtivo para uma autocrítica das práticas curriculares, principalmente a partir do conceito de gênero que permite “[...] evidenciar a pluralidade e a conflitualidade presentes na cultura e nos processos que nos constituem como sujeitos; assim, podemos dizer que as masculinidades e as feminilidades não correspondem necessariamente a corpos designados por sua anatomia” (DAL’IGNA; KLEIN; MEYER, 2016, p. 480). Nessa perspectiva, multiplicam-se os usos e os objetivos de artefatos e pedagogias culturais como “formas de educar”, ao constituírem pedagogias culturais significativas para

[...] questionar práticas curriculares generificadas que conduzem os modos de ser docente e ser estudante, colocando em circulação no currículo discussões que levem em conta que as posições de sujeito são cambiantes, não são naturais ou dadas de uma vez para sempre (DAL’IGNA; KLEIN; MEYER, 2016, p. 482).

Compreender o currículo como um artefato cultural que (re)produz múltiplos significados sobre sexualidade, gênero e corpo implicaria reconhecer seu caráter contingente e transitório, visando a investir em um exercício de problematização que nos permita “olhar o currículo por outras lentes”. Nesse pensamento, a Educação Sexual incorporada nesse currículo de Biologia constitui um instrumento potente para incitar a problematização de discursos biologicistas que reinventam modos de disciplinar os corpos e manter “certezas” em torno de sujeitos, saberes e práticas que permeiam os processos educacionais. Além das disciplinas e mudanças curriculares, parece que a multiplicidade de sexualidades, gêneros e corpos vem desassossegando discursos biologicistas pautados por sistemas classificatórios.

5 CONCLUSÕES TRANSITÓRIAS...

Analisar as práticas curriculares, a partir de perspectivas feministas e dos estudos de gênero, significa evidenciar o quão generificado e sexuado é o currículo. Apesar de sua eficiência normativa concordante com os referentes modernos sexistas, racistas e heteronormativos, essas perspectivas focam o currículo a partir de posições teórico-políticas que o assumem como artefato cultural que evidencia os referentes normativos, mas também conforma possibilidades de resistência.

Ao compor essa linha de tessitura do currículo, neste artigo, propomos a problematização de discursos essencialistas e a classificações constituídas como referentes nos cursos de Licenciatura em Biologia. Para tanto, priorizamos a incorporação da Educação Sexual ao currículo. Uma Educação Sexual marcada pela proposição política de corpos múltiplos, bem como aqueles que transgridem as normas gênero-sexualizadas. É possível acionar os distintos sujeitos que ocupam as universidades, da comunidade acadêmica em geral, visibilizando sua constituição a partir de distintas categorias sociais como gênero, sexualidade, etnia/raça e geração, entre outras - modos de disputa com os referentes das matrizes biológicas acionados como únicos na definição do que é um corpo. Potências de resistência gênero-sexualizadas para a promoção de uma formação docente aliançada com o alargamento das inteligibilidades sobre os corpos e as condições políticas de suas existências sociais.

Por fim, além dessas indicações teórico-políticas, mas também didático-metodológicas, é possível o uso de artefatos culturais que pluralizem os significados culturais como filmes, novelas, músicas, jogos, textos em diálogo com as temáticas da Educação Sexual e que promovam espaço no currículo para a inteligibilidade de outro “jogo” de linguagens, imagens e objetos veiculados. Estratégias que substanciam as múltiplas possibilidades de “desassossegar”/desnaturalizar o currículo da Licenciatura em Biologia, provocando outros modos de compreensão conceitual e acionamento político de corpo, gênero e sexualidade para uma formação de professores/as comprometida com a vida e(m) democracia.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 SOUZA, Elaine de Jesus. Educação Sexual “além do biológico”: problematização dos discursos acerca de sexualidade e gênero no currículo de Licenciatura em Biologia. Orientadora: Dagmar Elisabeth Estermann Meyer. 2018. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Tal pesquisa foi financiada com bolsa CNPq.

2 Os procedimentos éticos atravessaram todo o processo de pesquisa, cada participante assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como permitiu a gravação em áudio das entrevistas e filmagem dos grupos focais e o uso de nomes fictícios. Ademais, o projeto de pesquisa foi aprovado pelos CEP das instituições proponente e coparticipante.

3 Personagem interpretado pela atriz Carol Duarte, foi criado como a “princesa” do/a pai/mãe na infância e juventude, enquanto sua aparência era feminina. Ao longo da trama, Ivana/Ivan vai reconstruindo sua identidade de gênero e se reconhecendo como um homem trans.

Recebido: 30 de Agosto de 2019; Aceito: 15 de Maio de 2020

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