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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.1 São Paulo jan./mar 2021  Epub 10-Maio-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i1p348-367 

Artigos

O OLHAR SOCIOLÓGICO COMO PILAR DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO

THE SOCIOLOGICAL VIEW AS A PILLAR OF INTEGRATED HIGH SCHOOL

MIRADA SOCIOLÓGICA COMO PILAR DE LA ESCUELA SECUNDARIA INTEGRADA

Patrícia Furtado Fernandes COSTAi 
http://orcid.org/0000-0002-4836-6402

Lucília Regina de Souza MACHADOii 
http://orcid.org/0000-0001-9029-3019

i Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pela UNA - BH. Professora EBTT no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais. E-mail: patricia.costa@ifsudestemg.edu.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-4836-6402.

ii Pós-doutorado em Sociologia do Trabalho pelo Iresco em Paris, Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora titular aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: lsmachado@uai.com.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-9029-3019.


RESUMO

O problema que motivou a elaboração deste artigo diz respeito à necessidade de analisar como a disciplina de Sociologia ou seus componentes podem possibilitar a integração de conteúdos de cursos técnicos e do Ensino Médio geral, ou seja, se eles detêm alguma especificidade no contexto da modalidade educacional do Ensino Médio Integrado e o que ela significa. Tal exame justificou-se pela premência na definição de estratégias que contribuam para a superação da dualidade estrutural do ensino brasileiro e a formação integral do aluno. Responder a essa indagação é o objetivo deste texto, o que demarca seu caráter propositivo. Para tanto, valeu-se de uma pesquisa de revisão teórica e outra, com docentes de Sociologia de Institutos Federais, de abordagem empírica. O principal resultado dessa análise diz respeito à importância da especificidade do olhar sociológico como elemento de conexão dos conteúdos dos cursos técnicos e do Ensino Médio. O desenvolvimento desse olhar na atividade pedagógica de professores e na aprendizagem dos alunos remete ao exercício do estranhamento, da desconfiança e da dúvida, dando vez às necessárias contextualização e desnaturalização de conceitos, comportamentos e práticas sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Médio Integrado; Ensino de Sociologia; Olhar sociológico; Educação Profissional

ABSTRACT

The problem that led to the elaboration of this article concerns the need to analyze how Sociology or its components can enable the integration of contents of technical courses and general secondary education, that is, whether they hold some context specificity in combining high schools with technical high schools and what that would be. Such an examination was justified by the urgency in the definition of strategies that contribute to overcome the structural duality of Brazilian education and to promote student’s knowledge. Answering this question is the purpose of this article, which demarcates its propositional character. To achieve this goal, a research of theoretical revision and another one of empirical approach was implemented with the professors of Sociology of Federal Institutes. The main result of this analysis concerns the importance of the specificity of the sociological gaze as an element of connection between the contents of technical courses and secondary education. The development of this gaze in the pedagogical activity of teachers and in the students’ learning leads to the exercise of the questioning of estrangement, distrust and doubt, giving way instead to the necessary contextualization and denaturation of social concepts, behaviors and practices.

KEYWORDS: High school and technical high school; Teaching of Sociology; Sociological look; Professional education

RESUMEN

El problema que motivó la elaboración de este artículo es la necesidad de analizar cómo la disciplina de la sociología o sus componentes pueden permitir la integración de los contenidos de los cursos técnicos y la escuela secundaria general; es decir, si tienen alguna especificidad en el contexto de la modalidad educativa de secundaria integrada y cuál sería. Este examen fue justificado por la urgencia de definir estrategias que contribuyan a superar la dualidad estructural de la educación brasileña y la formación integral del estudiante. Responder a esta pregunta es el propósito de este artículo, que marca su carácter proposicional. Para este fin, utilizó una investigación de revisión teórica y un enfoque empírico, este con los profesores de Sociología de los Institutos Federales. El principal resultado de este análisis se refiere a la importancia de la especificidad del aspecto sociológico como elemento de conexión de los contenidos de los cursos técnicos y la escuela secundaria. El desarrollo de esta mirada en la actividad pedagógica del aprendizaje de docentes y alumnos se refiere al ejercicio de distanciamiento, desconfianza y duda, dando lugar a la necesaria contextualización y desnaturalización de los conceptos, comportamientos y prácticas sociales.

PALABRAS CLAVE: Escuela secundaria integrada; Enseñanza de sociología; Mirada sociológica; Educación profesional

1 INTRODUÇÃO

Este texto tem caráter propositivo e se destina a todos os que almejam uma educação que promova a superação da dualidade estrutural do ensino e a formação integral do aluno. Foi desenvolvido com base em resultados de investigações sobre como a disciplina de Sociologia ou seus componentes podem participar das estratégias curriculares e pedagógicas de efetivação do Ensino Médio Integrado. Ele se apresenta, portanto, como proposta de intervenção social e pedagógica.

Parte-se, inicialmente, da retomada da discussão sobre o que é a Sociologia e procura-se identificar como ela possibilita a integração entre conteúdos gerais do Ensino Médio e específicos a cursos técnicos, ou seja, seu papel característico como elemento de aglutinação curricular no Ensino Médio Integrado. Existem especificidades da Sociologia no contexto do modelo de Ensino Médio Integrado? Quais? Se sim, como lidar com elas?

Investigações anteriormente realizadas por meio de revisão teórica conceitual e abordagem empírica com professores de Sociologia de Institutos Federais sinalizaram para a importância do olhar sociológico como pilar para a integração curricular de conteúdos gerais e profissionalizantes do Ensino Médio. No entanto, como desenvolvê-lo no Ensino Médio Integrado? Como fazer a construção desse olhar abrangendo peculiaridades de cada curso técnico? Isso remete à necessidade de compreender o que é um curso técnico, o que é formar um profissional técnico, por que é fundamental buscar a superação da reprodução da histórica dualidade estrutural da educação brasileira, por que é preciso uma nova forma de olhar o mundo do trabalho e a formação humana.

2 A ESPECIFICIDADE DA SOCIOLOGIA NA INTEGRAÇÃO CURRICULAR

Para Dias (2000), Bauman (2010), Silva (2005) e Oliveira (2011), são elementos que definem a Sociologia: o estudo científico do comportamento humano construído pela sociedade; a análise das relações e interações humanas; a ciência que investiga as relações sociais; uma ciência da modernidade; uma ferramenta que nos permita ver o que sempre vimos; uma disciplina dinâmica e progressiva. Esses ingredientes diversos se aproximam e remetem à ponderação de que é impossível compreender a vida das pessoas sem apreender a vida da e em sociedade. Significa entender que tudo o que diz respeito à biografia individual ou coletiva é influenciado pelo conjunto das circunstâncias e tramas históricas e sociais do contexto em que se vive.

Por ser uma ciência nova, a Sociologia ainda se encontra em construção. Segundo Bauman (2010, p. 8), “[...] é uma disciplina dinâmica e progressiva, produzindo permanentemente novos estudos - o que, aliás, não surpreende, considerando que nossa vida muda de várias maneiras e em diferentes momentos”.

Por desenvolver estudos sobre os fenômenos sociais, das instituições e das relações humanas, a Sociologia se preocupa com “[...] o mundo feito pelos seres humanos” (BAUMAN, 2010, p. 13). Logo, contribui para que as pessoas entendam suas vidas e como se relacionam com o mundo.

Para Bourdieu (2002), a Sociologia tem a responsabilidade social e a missão de desnudar as estruturas que naturalizam as opressões sociais. Conforme Lima et al. (2017, p. 157), ela mantém uma forte ligação com “[...] a esfera do mercado e do mundo do trabalho, assumindo uma responsabilidade intelectual pioneira na perspectiva de compreendê-los a partir do estudo científico do tecido social que os geraram: a sociedade capitalista”.

Segundo Bauman (2010, p. 11), “[...] aprender a pensar sociologicamente é importante para o entendimento de nós mesmos, de uns com os outros e dos ambientes sociais em que vivemos”.

Quando se tem o objetivo de ensinar a pensar por meio da Sociologia, um importante exercício é fazer o aluno identificar em sua própria existência e vivência os elementos sociais. Por conseguinte, o professor poderá contribuir para que ele desenvolva o olhar sociológico ou a imaginação sociológica, tal como coloca Mills (1969). Isso implica levá-lo a ver que a compreensão de tudo o que existe, dos acontecimentos, dos relacionamentos, das ideias, dos interesses, dos valores, requer ir além da interpretação imediata dada pelo senso comum. Conforme Oliveira (2011, p. 32), é fazer com que o aluno possa dar “[...] um giro cognitivo”, associando relações históricas e socialmente situadas, e, ao assim proceder, a Sociologia se defronta com o grande desafio de dar explicações a um mundo já explicado por si só.

O conceito de Ensino Médio Integrado pressupõe divergência com o encaixe justaposto de conteúdos gerais e específicos a cursos técnicos. A disciplina de Sociologia pode ajudar na efetivação prática dessa integração curricular. Por ser uma ciência nova, ela também está em trânsito no diálogo com os diferentes elementos que integram acontecimentos, instituições, o mundo da tecnologia e do trabalho, reconhecendo-se no contexto das práticas sociais o que vem a favor dessa integração.

Lima et al. (2017, p. 158) sustentam que “[...] a Sociologia, por excelência, é um campo científico cujos conhecimentos historicamente produzidos estão voltados para a leitura e a problematização das tessituras sociais através de construtos teóricos, conceituais e metodológicos”.

Para Mills (1969), o papel da Sociologia é ser o elo na compreensão do presente na interface com o passado - articulando simultaneamente indivíduo e sociedade, história e biografia. Para ele (1969, p. 11), o que os homens precisam não é só de informação e da habilidade da razão, e sim de “[...] uma qualidade de espírito, que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos”. A imaginação sociológica permite, assim, conforme esse autor, entender as relações entre história e biografia, a vida em sociedade. Desenvolver essa capacidade, que é também de apreender, idealizar e criar, é tarefa da Sociologia, sua promessa e esperança.

3 O OLHAR SOCIOLÓGICO

Chamado por Mills (1969) de imaginação sociológica, o olhar sociológico diz respeito a maneiras de observar, distinguir, indagar, considerar, qualificar, conjecturar, entender, analisar, qualificar e avaliar fatos, comportamentos e práticas ou todo e qualquer elemento constitutivo do tecido societário. Nesse sentido, refere-se a atenções seletivas, a interesses dirigidos, a responsabilidades a serem veladas, a cuidados a serem resguardados, a perspectivas, procedimentos e atitudes considerados apropriados e necessários à compreensão crítica da realidade social. Tal visão pressupõe discernimentos, clarezas, abrangências, conhecimentos e realizar a desnaturalização do que se considera inato, normal e inevitável para dar lugar a interpretações contextualizadas, ao histórico digno de ser lembrado, às condições sociais que constituem a vida dos homens, a documentos e evidências empíricas. Significa olhar de uma maneira diferente de como se costuma ver as coisas constitutivas da sociedade, as instituições, organizações, normas, valores, relações, entre outros elementos, para perceber o que antes não se via tanto com respeito à sua amplitude quanto aos detalhes a serem levados em conta.

De acordo com Mills (1969), nos tempos modernos, o homem é parte da sociedade, sendo condicionado por ela, historicamente, individualmente, no trabalho e nas relações pessoais. Tudo seria influenciado pelo contexto da época que se vive. Portanto, seria possível perceber que o homem, ao não ter controle sobre seu mundo, seria levado a viver segundo determinada maneira, com ou não consciência dessas influências. As vidas das pessoas e das sociedades seriam interligadas de tal sorte que compreendê-las sem se reportar a essa interdependência seria impossível. A imaginação sociológica constitui-se, assim, da capacidade de transitar entre o individual e o social.

Autores consultados chamam a atenção para a importância do uso do recurso da imaginação sociológica para integrar conteúdos e alcançar a formação integral e omnilateral. Silva e Ruschel (2017, p. 24.129) sustentam que ela “[...] é capaz de gerar nos estudantes ‘paixão’ pelos conceitos e referências explicativas”. Miranda (2017, p. 4), seguindo Mills, considera a “[...] imaginação sociológica como exercício de um novo olhar para a sociedade, permitindo ir além das experiências e observações subjetivas para compreender os fatos e fenômenos sociais”.

O papel específico da Sociologia na atividade educacional requer a compenetração em duas dimensões: a do conhecimento acumulado por essa ciência e as necessidades de aprendizagem da juventude, público-alvo do Ensino Médio Integrado. Da primeira dimensão definem-se temas, conceitos e princípios lógicos de análise e da segunda, as abordagens para o processo de ensino-aprendizagem, especialmente as necessárias para as conexões e vínculos essenciais à integração curricular.

O convite ao exercício de desnaturalização de conceitos e fatos da realidade social serve como porta de entrada da Sociologia no Ensino Médio. Por meio da abordagem de temas e situações existenciais de possível vivência por parte dos alunos, podem-se estabelecer diálogos que permitam desbravar noções impregnadas de senso comum para, gradativamente, chegar a uma visão crítica da realidade focalizada. Desterro (2016, p. 59) diz que “[...] as aulas de Sociologia devem ser o espaço para o estranhamento e a desnaturalização. [...] O fundamental é que se promova no aluno uma nova atitude cognitiva, um acréscimo de imaginação sociológica”. Para tanto, é preciso considerar e incluir o aluno como sujeito participante da análise crítica da realidade cotidiana.

Conforme Lima et al. (2017, p. 156), a Sociologia

[...] pode contribuir para o resgate da omnilateralidade por meio do ensino, na medida em que traz, em suas diretrizes curriculares, a discussão sobre o trabalho como elemento organizativo das sociedades e, sobretudo, como uma das dimensões constitutivas da formação dos indivíduos como seres socioculturais.

Para que a leitura do mundo pelos alunos não seja abstrata e desvinculada da realidade, é importante entender que o exercício do olhar sociológico no Ensino Médio Integrado requer considerá-los como sujeitos pertencentes ao mundo, contidos nele e implicados em sua (re)construção. Para tanto, “A articulação entre teoria, categorias sociológicas e realidade social deve apresentar-se de forma clara, de modo a tornar significativo o que se diz para quem se fala” (OLIVEIRA, 2011, p. 33), ou seja, o estudante precisa ver os conteúdos estudados e explanados em sala de aula como pertencentes à sua realidade, como algo próximo, e não limitado a formulações teóricas.

Exercer a docência de Sociologia pressupõe, portanto, o reconhecimento e a legitimação do contexto social, histórico e cultural no qual o estudante está inserido, o que requisita do professor encontrar temas e situações que façam parte da realidade de seus alunos, a fim de estimulá-los à discussão, ao pensar e à crítica. Como espaço para o estranhamento e a desnaturalização da realidade social, as aulas de Sociologia podem promover novas atitudes cognitivas e contribuir para a emancipação humana.

No contexto do Ensino Médio Integrado, é importante considerar que a Sociologia traz grandes possibilidades para a prática da interdisciplinaridade, pois lhe é habitual dialogar com teorias, conceitos e temas das ciências humanas e sociais, especialmente com a Antropologia, a Ciência Política, a Economia, a História, a Geografia, a Demografia. É relevante observar que estudos de Literatura recorrem à Sociologia para exercícios de contextualização e interpretação de textos. Outrossim, as ciências da natureza e mesmo a Matemática têm se beneficiado da apresentação, descrição e revelação das circunstâncias sociais que estão na origem, desenvolvimento, controvérsias e conflitos com respeito a teorias, conceitos e suas aplicações práticas.

Ao considerar, portanto, a importância do olhar sociológico, vê-se que a adequada formação de técnicos de nível médio inclui o domínio saber-fazer de maneira intelectiva, compreendendo a funcionalidade das técnicas na perspectiva do letramento tecnológico, do pensar sobre o que se faz, levando-se em conta seus significados e implicações sociais. Para tanto, faz-se necessária a atitude investigativa e crítica no processo de ensino-aprendizagem para que o estudante se habitue a realizar ações e operações não de forma mecânica, e sim de modo a ser capaz de inovar, sabendo que o “[...] conhecimento é produzido socialmente, quais os impactos de sua aplicabilidade, em que contexto foi produzido e com quais intencionalidades e interesses” (LIMA et al., 2017, p. 164).

A prática do olhar sociológico no Ensino Médio Integrado pode, portanto, se revelar como momento de aprendizado de novas experiências, ampliação de conhecimentos, transformação de pessoas. Com tal perspectiva, concorre para a motivação dos alunos expressar seus pontos de vista acerca do que é observado, pesquisado, descrito e analisado, inclusive no âmbito das outras disciplinas do Ensino Médio Integrado. Eles terão motivos para discutir questões como essa apresentada por Bauman (2010, p. 17): “[...] como os tipos de relações sociais e de sociedades em que vivemos têm a ver com as imagens que formamos uns dos outros, de nós mesmos e de nosso conhecimento, nossas ações e suas consequências?”.

4 NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Portanto, questiona-se: O despertar desse olhar sociológico tem sido exitoso considerando-se a realidade atual e cotidiana do Ensino Médio Integrado? Com o intuito de compreender a participação da Sociologia como disciplina escolar ou de seus componentes científicos no desenvolvimento nessa modalidade educacional, as autoras deste artigo realizaram uma pesquisa empírica com docentes de Institutos Federais. Eles responderam a um questionário e relataram como ocorrem a oferta, o planejamento e a prática docente na disciplina de Sociologia, além de outros aspectos relativos ao Ensino Médio Integrado, seus perfis docentes e funcionais.

Eles indicaram com maior destaque o problema da reduzida carga horária e, também, salientaram a dificuldade para o acompanhamento individual dos estudantes em razão do grande número deles por turma. Assinalaram ainda o baixo gosto dos alunos pela leitura e o desinteresse pelos conteúdos ministrados

Silva e Ruschel (2017) relatam que, por mais que os professores de Sociologia se esforcem para tornar suas aulas atrativas, eles se deparam com o desinteresse dos alunos, problema também identificado pela pesquisa supramencionada. Informam que, mesmo com a organização dos materiais didáticos por autores e correntes teóricas e com o uso de imagens, filmes e outros meios, não se consegue chamar a atenção ou despertar o interesse dos alunos, que se mostram “[...] impacientes, arredios à leitura, às abstrações teóricas e ao formato tradicional de sala de aula” (SILVA; RUSCHEL, 2017, p. 24.125). Sugerem então a pesquisa sobre a utilização de novas abordagens e estratégias capazes de alterar esse quadro.

Na pesquisa empírica realizada pelas autoras deste artigo, 64% dos docentes disseram que utilizam os acontecimentos atuais como critério para selecionar os conteúdos de Sociologia a serem lecionados. Entretanto, não especificaram a relação desses eventos com o conteúdo das demais disciplinas ministradas aos alunos. Com 55% das escolhas, os docentes mencionaram a sequência do livro didático adotado. Contudo, também não se preocuparam em ligar tais conteúdos aos outros de outras disciplinas. Apenas 36% deles disseram que tomam tais decisões com outros professores, situação que tem o potencial de ensejar discussões prévias sobre como proceder à integração curricular. Por sua vez, 18% disseram que seguem o que estava estabelecido pelos documentos da escola. Logo, resta saber se tais registros foram feitos com base em propostas integradoras.

Quanto aos recursos utilizados para lecionar, 100% deles disseram que usavam aulas expositivas; 91% recorriam a trabalhos em grupos; 82% a charges, tirinhas e cartuns; 73% à leitura e discussão de pequenos textos; 64% a debates; seminários e dinâmicas de grupo (cada um com 55% das indicações); os mesmos 55% para a utilização de documentários; e 36% faziam uso de filmes. As Tecnologias de Informação e Comunicação foram mencionadas por apenas 45% dos professores.

Quais nexos podem ser estabelecidos entre os recursos didáticos e as metodologias utilizadas no trabalho docente e práticas pedagógicas que incentivem a imaginação sociológica dos alunos? O que poderia tornar as aulas expositivas atrativas? Como fazer com que o aluno se sinta envolvido com o assunto ou tema da aula? Basta que esse conteúdo se relacione com seu próprio mundo? Algumas experiências de integração de temáticas pautadas pelo desenvolvimento do olhar sociológico mostram uma nova forma de lecionar os conteúdos de Sociologia.

Miranda (2017) descreve sua experiência de interligar os conteúdos da teoria sociológica com projetos de iniciação científica e o ensino da História da ciência mostrando como eles se complementam, processo que permitiu fluidez nas discussões e participação dos alunos. Ao serem responsabilizados como coparticipantes da reflexão sociológica e experimentação científica, passaram a se portar como cientistas, atentos observadores da realidade.

Segundo Miranda, ela expõe em aula fatos científicos, depois faz uma abordagem jornalística sobre um fato científico e, em seguida, fomenta a discussão para que os alunos analisem as diferenças de abordagem. Na aula seguinte, apresenta um questionário para que os alunos respondam com base em suas vivências e apreciações. Dessarte, os alunos entram no universo das pesquisas e são apresentados às formas de análise de dados. A pesquisadora afirma que tal estratégia

[...] propiciou à disciplina ocupar um patamar vigilante e reflexivo. Apresentar a sociologia como uma disciplina pautada na prática científica, na observação e coleta de dados - qualitativos e quantitativos -, e herdeira do ideal Iluminista, revelou-se um aporte atraente e favorável (MIRANDA, 2017, p. 11).

Silva e Ruschel (2017) descrevem outra prática pedagógica. Foi proposto aos discentes que elaborassem uma autobiografia como exercício do “[...] raciocínio sociológico”. Eles deveriam refletir sobre “[...] a relação indivíduo/sociedade, suas possibilidades de escolhas e as imposições sociais experenciadas por cada um” (SILVA; RUSCHEL, 2017, p. 24.125). Portanto, os alunos dos primeiros anos do Ensino Médio Integrado deveriam tentar estabelecer elos entre vidas particulares e aspectos mais estruturais da vida em sociedade.

Para Silva e Ruschel (2017), a participação ativa no processo de conhecimento, desde a definição dos temas, a organização dos arquivos, até a exposição dos resultados, produz condições favoráveis para o conhecimento da realidade pelos alunos. Haveria, nesse decurso, a liberação da imaginação sociológica para novas questões e novas respostas. Acrescentam que, na tentativa de responder aos anseios e angústias das pessoas, pode-se “[...] usar a Sociologia como ferramenta capaz de entender o indivíduo e suas ações perante as transformações e estruturas sociais. [...] como maneira de elucidar o mundo e suas transformações” (SILVA; RUSCHEL, 2017, p. 24.128). Como resultado de tal prática, os alunos aprenderiam a exercer o olhar que desnaturaliza padrões sociais tidos como regulares e modelares.

Por ser uma ciência com potencial para associar e articular conhecimentos mediante diálogos interdisciplinares, ela se mostra necessária à educação profissional, favorecendo a desnaturalização dos problemas enfrentados pelas pessoas nas diversas formas de trabalho e contextos sociais onde vivem. Ao fazer a ligação entre os conteúdos específicos de cada formação técnica e os referidos à educação para a cidadania ativa, ela pode contribuir para o entendimento pelo aluno da relação entre sua realidade imediata e pessoal e o amplo mundo social, que molda e amarra todos às “[...] teias de significados tecidas por nós mesmos” (LIMA et al., 2017, p. 166).

Lima et al. (2017) oferecem alguns exemplos temáticos passíveis de ser trabalhados pela Sociologia em cursos técnicos oferecidos na modalidade de Ensino Médio Integrado:

SOCIOLOGIA E EDIFICAÇÕES

1. Analisar as relações entre identidade, expressões emocionais e o espaço construído;

2. Compreender a arquitetura como produto cultural do ser humano;

3. Analisar os espaços arquitetônicos como produtos artísticos, culturais e políticos que possibilitam a leitura de uma época;

4. Relacionar a elaboração e a execução de projetos de acessibilidade urbana à dimensão política da vida social, entendendo-os como possibilidades para a construção de cidades democráticas e cidadãs;

5. Conhecer e sentir o próprio espaço urbano e nele identificar problemáticas sociais no uso desse espaço que possam ser discutidas à luz dos conhecimentos técnicos em Edificações.

SOCIOLOGIA E MEIO AMBIENTE

1. Analisar as relações entre o modo de produção capitalista e a cultura do consumismo com ênfase nos impactos ao ambiente natural;

2. Compreender os movimentos sociais ambientalistas como expressões de democracia e de cidadania que questionam e propõem alternativas econômicas em relação ao modo de produção capitalista;

3. Conhecer as diretrizes internacionais colocadas para a promoção do desenvolvimento sustentável e relacioná-las às políticas públicas ambientais de âmbito nacional, regional e local, problematizando-as com base nos conhecimentos técnicos da Gestão e do Controle Ambiental;

4. Desenvolver projetos de intervenção ambiental embasados nos princípios da ética, da cidadania e da democracia ambiental;

5. Conhecer e valorizar os conhecimentos tradicionais sobre o meio ambiente como patrimônios culturais imateriais da sociedade na qual se encontram inseridos.

SOCIOLOGIA E MINERAÇÃO

1. Investigar os impactos socioambientais e econômicos gerados pela exploração e extração mineral;

2. Compreender o processo de automatização da indústria mineral e suas consequências para o mundo de trabalho;

3. Analisar a correlação entre a modernização da indústria mineral e a manutenção de práticas de extração mineral tradicionais no território brasileiro em suas vinculações com o desenvolvimento histórico e econômico do país;

4. Conhecer e valorizar a relação sociocultural e histórica dos povos originários com os recursos naturais, especialmente, os minerais;

5. Planejar ações que garantam a sustentabilidade ambiental e social em territórios ocupados pela indústria mineral através da realização de diagnósticos técnicos e sociológicos.

SOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO

1. Analisar os fundamentos históricos, sociais e científico-tecnológicos dos processos produtivos e sua intersecção com a organização da sociedade humana por intermédio do trabalho;

2. Compreender a Administração como um conjunto de saberes científicos elaborados histórica e socialmente que reflete os estágios de transformação social dos modelos de produção econômica e sua vinculação com as relações de trabalho;

3. Compreender a dinâmica de funcionamento das empresas e corporações e as novas tendências de mercado e de gestão nos diversos segmentos, com ênfase na análise de setores públicos e privados e o chamado Terceiro Setor;

4. Discutir as relações entre Estado, Mercado, Cidadania e Democracia e Relações de Trabalho no atual contexto de Reestruturação Produtiva, tomando como referência as inovações mobilizadas no referido contexto;

5. Examinar os cenários de inserção dos jovens no mundo do trabalho por meio dos temas profissionalização, desemprego, inovação tecnológica e empreendedorismo (LIMA et al., 2017, p. 160).

Os autores, com tais exemplificações, mostram a riqueza das possibilidades de abordagem sociológica de temas afeitos à realidade de cada campo de atuação de técnicos de nível médio. Eles apostam, além disso, na experiência de vida dos alunos para tornar as aulas mais atrativas, significativas e com possibilidades de articulação entre a abordagem da Sociologia e os conteúdos específicos de cursos técnicos e respectivos eixos tecnológicos. A aproximação dos conteúdos gerais e específicos representa o grande desafio do Ensino Médio Integrado, de tal maneira que possibilite tornar a carga horária de cursos oferecidos nessa arquitetura mais concisa, superar a dualidade entre a educação geral e técnica e elevar o nível técnico-científico e cultural dos técnicos de nível médio.

A construção do currículo de cada curso técnico pressupõe atenção à sua especificidade. Assim, lecionar Sociologia para alunos de um curso em Agropecuária não é a mesma coisa que ensinar essa disciplina para alunos de Mecânica, por exemplo. Isso significa que são necessárias abordagens sociológicas diferentes para cada curso em particular. É preciso examinar quais temas, problemas, conceitos, demandam análise sociológica e fazer planos de ensino especialmente para cada curso técnico, pois a Sociologia precisa interagir com os objetos de estudo próprios de cada um.

Portanto, o grande desafio da docência de Sociologia no Ensino Médio Integrado é encontrar temas sociológicos que conversem com a formação de cada técnico, com as questões que afetam seu exercício profissional, com as particularidades dos conhecimentos ministrados pelas disciplinas tecnológicas.

Isso significa que é necessário que o professor de Sociologia conheça o projeto político pedagógico e a matriz curricular de cada curso técnico, que ele estude a atividade de trabalho específica do profissional a ser formado, se será um assalariado ou tenderá a ser autônomo, as implicações dos diferentes contextos das relações de trabalho em que poderá se inserir, seus campos de atuação etc. Mesmo que selecione um mesmo tema para cursos técnicos diferentes, é essencial que ele o submeta às especificidades da atividade profissional para a qual cada um está sendo formado. É o caso, por exemplo, das questões relativas aos problemas ambientais. Ao assim proceder, o professor de Sociologia encontrará, certamente, importantes parcerias dos professores das disciplinas técnicas.

Outro ponto fundamental a ser trabalhado em cursos de Ensino Médio Integrado refere-se à microssociologia das relações interpessoais, pois o profissional técnico deverá estar preparado para entender e se colocar em situações de trabalho e na vida social que pressupõem a compreensão sociológica de problemas sobre os quais deverá atuar.

5 DADOS DA PESQUISA EMPÍRICA

Na pesquisa empírica realizada pelas autoras deste artigo com docentes de Sociologia de Institutos Federais, perguntou-se a eles acerca dos temas que habitualmente trabalham no Ensino Médio e lhes foi dada a possibilidade de marcar tantas alternativas quantas considerassem necessárias. Foram escolhidos por 100% dos docentes os temas: cidadania, cultura, desigualdades sociais e política. Diversidade e identidade cultural e etnocentrismo foi a opção de 91% deles. Classes sociais, democracia, indústria cultural, poder, relação indivíduo e sociedade e trabalho são abordados por 82%. Estado brasileiro, gênero e sexualidade, globalização e movimentos sociais são da escolha de 73%. Capitalismo, estado, história da Sociologia, ideologia e religiosidade foram selecionados por 64%. Mudança social e senso comum versus conhecimento científico mereceram a indicação de 55%; e 45% deles têm trabalhado os temas instituições sociais e meios de comunicação. Os temas conflitos agrários, dominação e leis trabalhistas são tratados por 36%, e guerras por 27%. Dos 30 temas apresentados aos docentes apenas o relativo ao código de trânsito não é desenvolvido por eles.

Vê-se que tais temáticas, de presença assídua em debates sobre questões sociais e lembrados por livros didáticos, também são objeto de análise nas aulas desses professores. São assuntos que podem ter ligação e coerência com matérias técnicas de áreas específicas a depender das estratégias e abordagens didáticas utilizadas.

Entretanto, 82% dos professores participantes dessa pesquisa disseram que não fazem tais apropriações e correspondências de conteúdos de Sociologia com as especificidades dos cursos técnicos. Dos 18% que responderam favoravelmente, um deles informou que faz diferenciações metodológicas na forma de abordar o conteúdo para contemplar a especificidade do curso. Outro explicou que:

Dependendo do curso procuro aprofundar os assuntos referentes à futura atuação profissional do estudante. Por exemplo, se o curso é de Agropecuária, aprofundo nas questões sobre a estrutura fundiária, agrária, problemas sociais e ambientais gerados pelo modo de produção da agroindústria brasileira e os benefícios de uma organização produtiva mais sustentável.

Outra questão relevante foi saber quais disciplinas têm possibilitado ou não a realização de parcerias com outros colegas professores no Ensino Médio Integrado, revelando 64% dos participantes da pesquisa que tais parcerias não estão ocorrendo; 36% admitiram ter realizado alguma parceria. Destes, 27% atuam na Área da Linguagem e em História e 18% em Filosofia. Houve também referências às parcerias com Artes, Educação Física e Ciências Humanas. Entre as disciplinas com as quais disseram não ter feito parcerias para a integração curricular estão as técnicas e as chamadas exatas, explicitamente a Matemática.

Com respeito ao desenvolvimento da disciplina, observando-se a perspectiva do desenvolvimento local, 73% afirmaram que não fazem esse nexo. Os 27% restantes indicaram que buscam realizar tal ligação por meio de atividades de extensão e eventos do Instituto Federal dirigidos à comunidade ou mediante observação e trabalho com dados e dinâmicas locais. Um docente relativizou: “Depende. Se for o desenvolvimento como intervenção na realidade local, creio que sim. Se for como incremento ao desenvolvimento econômico local, certamente, e estrategicamente, não”.

Não obstante o interesse dos docentes participantes dessa pesquisa pela resolução dos desafios colocados para efetivação do Ensino Médio Integrado, alguns se mostraram inquietos por não disporem de conhecimentos para tanto. Foi o que se verificou quando perguntados acerca do que fazer para que a proposta de integração se concretize. Outros não se sentiram à vontade para responder. Contudo, algumas sugestões foram apresentadas, tais como: adaptação do conteúdo à realidade de cada curso; construção dessa integração por meio do diálogo entre as áreas e disciplinas; reuniões colegiadas e de planejamento; conscientização da comunidade acadêmica para o trabalho coletivo efetivo; maior investimento na formação docente.

Considerando a prática pedagógica dos professores de Sociologia consultados pelas autoras deste artigo, pode-se dizer que há pouca efetivação da integração proposta na legislação a respeito do Ensino Médio Integrado. Apenas 9% deles asseveraram que têm ministrado conteúdos de Sociologia de forma integrada com os de outras disciplinas em cursos de Ensino Médio Integrado. Além disso, isso tem ocorrido envolvendo apenas disciplinas das ciências humanas.

Regattieri e Castro (2013, p. 12), em estudo para a Unesco, chamam a atenção para o fato de que

Há o risco de se apresentar como integrados o que seriam currículos de dois cursos “concomitantes” justapostos, [...] que resulta no alongamento da duração, completora de disciplinas e excessiva carga horária, gerando desmotivação da procura e a não permanência no curso.

Não basta considerar uma única matrícula para dizer que o aluno está frequentando um curso na modalidade de Ensino Médio Integrado. Destinar os horários da manhã para as disciplinas propedêuticas e os da tarde para as disciplinas técnicas, ou vice-versa, também não é integrar. Na prática, o que se tem são cursos técnicos da modalidade concomitante. Oferecer currículos compostos por acúmulos de disciplinas justapostas também não corresponde à materialização da concepção de integração curricular. Por conseguinte, o que se obtém são ofertas de um vasto elenco de disciplinas com a imposição de uma carga horária muito alta, montante desnecessário se houvesse de fato a integração curricular. Agrega-se a isso o fato de que tais disciplinas se apresentam isoladas entre si.

Contrariamente, Ensino Médio Integrado pressupõe intensa conversa entre as disciplinas para constatar o que cada uma que integra os conhecimentos gerais pode contribuir ao assumir conteúdos de outra disciplina da área geral ou da área técnica e vice-versa. Cargas horárias excessivas podem gerar desmotivação, baixa procura pelos cursos e evasões.

Assim, 73% dos docentes que participaram da pesquisa realizada pelas autoras deste artigo disseram que a reduzida carga horária destinada à Sociologia é um problema para lecioná-la. Alguns mencionaram que dispõem apenas de uma aula por semana para ser ministrada. Igual número de docentes (73%) declarou não existir, em suas instituições, discussão sobre como tornar a carga horária dos cursos mais otimizada. Um deles referiu o seguinte: “Iniciou-se há pouco uma medida de redução de carga horária, porém sem a participação da comunidade acadêmica e, por isso, não está sendo aceita dessa forma”. Os docentes restantes (27%) relataram que, para apurar a carga horária de cada curso, a saída tem sido o aproveitamento de atividades em “Pesquisa e extensão”, “Ampliação das atividades e leituras” e “Leitura e atividades realizadas extraclasse”. Não foram dadas, porém, informações se tais práticas se orientavam à integração curricular.

Alternativamente, o que o Ensino Médio Integrado requer é o desenvolvimento da criatividade e de inovações pedagógicas, socialmente construídas, para se pensar e pôr em ação currículos organizados sob outras lógicas, diferentes das tradicionais segmentações e disputas por carga horária. Ele requisita, ainda, a disposição de cada docente à interação, ao compartilhamento, à convivência solidária e ao trabalho conjunto. A Sociologia tem a oferecer a proposta do desenvolvimento do olhar sociológico dos alunos, mas não somente o deles, mas também o dos professores de outras disciplinas, pois é mister que todos estejam comprometidos com a desnaturalização de conceitos, acontecimentos e práticas.

Reitera-se, aqui, a importância da integração entre conhecimentos gerais e específicos como percurso para a formação de um profissional técnico atuante, criativo e crítico, capaz de identificar problemas e suas possíveis soluções, de inovar na construção de alternativas, tanto para o trabalho como para a vida em geral.

6 RECUPERANDO DA TEORIA ASPECTOS ESSENCIAIS DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO

A oferta da Educação Profissional Técnica de nível médio integrada ao Ensino Médio constitui-se uma conquista formalizada recentemente pela legislação brasileira, a partir do Decreto 5.154, de 23 de julho de 2004.

Autores matriciais (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012; MACHADO, 2009; MOURA, 2012; 2013; 2015) associam a integração curricular à perspectiva de superação da dualidade estrutural da educação brasileira, entendida como adequação do sistema escolar à divisão social do trabalho mediante a qual os indivíduos e em conformidade com sua posição na estrutura de classes sociais se alinham e percorrem fileiras escolares diferenciadas destinadas a reproduzir desigualdades sociais com respeito às condições e resultados da escolarização. Às camadas populares são oferecidas formações unilaterais de instrumentalização prática e aos que se destinam, socialmente, às funções de comando abrem-se as portas para a educação científica e cultural.

Moura destaca em seus textos (2012; 2013; 2015) a necessidade da integração entre a formação humanística e a profissional, entre os conhecimentos gerais e específicos, tendo por base os eixos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, argumento igualmente defendido por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012), que associam essa integração à formação integral do ser humano. Eles afirmam que “[...] a integração do ensino médio com o ensino técnico é uma necessidade conjuntural - social e histórica - para que a educação tecnológica se efetive para os filhos dos trabalhadores”. Alegam que esse é o caminho para a “[...] travessia em direção ao ensino médio politécnico e à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 45).

A Sociologia, por meio da contextualização dos conhecimentos, tem muito a oferecer à educação escolar voltada à emancipação do gênero humano e à produção de aspirações sociais mais elevadas e enriquecedoras. No Ensino Médio Integrado, ela se coloca como integrante fundamental dos:

[...] processos de ensino-aprendizagem significativos, participativos, ativos, críticos e criativos. Pode ser um meio importante para ensinar a pensar, analisar problemas, incentivar a observação e a discussão de temas relevantes para a formação dos alunos. Pode contribuir com a sua formação integral, pois estes são desafiados a compreender as forças societárias que afetam as relações interinstitucionais e interpessoais, o meio ambiente e o contexto econômico, demográfico, físico-ecológico, tecnológico, político-legal e sociocultural.

Trata-se de um recurso pedagógico importante para o desenvolvimento de capacidades de construção de cenários, de compreensão da interação e interferência de sistemas, de leitura de conjunturas (MACHADO, 2009, p. 12).

Machado (2009) assegura que é preciso promover um olhar crítico, a habilidade de problematizar e de esclarecer os dilemas apresentados por situações ambivalentes ou por contradições. Diz que cada ação didática que tenha esse propósito se torna parte de um conjunto organizado e articulado de esforços, que podem favorecer a formação de “[...] pessoas abertas, interessadas, curiosas, críticas, solidárias e de iniciativa” (MACHADO, 2009, p. 1).

Nesse sentido, a integração entre os conhecimentos gerais e específicos e entre a formação para o trabalho e a formação humana é fundamental. Com base nos eixos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, essa integração pode ensejar a produção de conhecimentos e saberes profissionais essenciais aos estudantes para seu exercício profissional e da cidadania. Igualmente, a contextualização dos conteúdos é um recurso didático fundamental para tanto. São perspectivas que podem ser alimentadas e enriquecidas pelo olhar sociológico.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo, de caráter propositivo, elaborado com base em resultados de pesquisas de revisão conceitual e de abordagem empírica, teve a finalidade de contribuir para que intervenções sociais e pedagógicas possam resgatar a disciplina de Sociologia ou seus componentes e deles se beneficiarem em suas estratégias pedagógicas de efetivação do Ensino Médio Integrado.

Procurou mostrar que a Sociologia ou seus componentes curriculares podem, sim, servir como um importante pilar dessa integração curricular em razão de seu potencial valor e eficácia para aproximar temas gerais ao Ensino Médio e específicos a cursos técnicos graças ao apuro de uma determinada forma de olhar conceitos, acontecimentos e práticas, o olhar sociológico.

Entretanto, o desenvolvimento desse olhar, importante para a integração entre esses conteúdos, somente será favorecido se houver efetivos dedicação e interesse, disposição e comprometimento, peso e autoridade dos que se proponham a realizar as inovações que se fizerem necessárias nas práticas pedagógicas do Ensino Médio Integrado.

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Recebido: 29 de Agosto de 2019; Aceito: 18 de Março de 2020

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