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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.1 São Paulo jan./mar 2021  Epub 10-Maio-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i1p430-452 

Artigos

CULTURA MATERIAL DO XAROPE NA PASTORAL DA SAÚDE E O CURRÍCULO CULTURAL NO CONTEXTO ESCOLAR

MATERIAL CULTURE OF SYRUP IN PASTORAL HEALTHCARE AND CULTURAL CURRICULUM IN THE SCHOOL CONTEXT

CULTURA MATERIAL DEL JARABE EN LA PASTORAL DE LA SALUD Y EL CURRÍCULUM CULTURAL EN EL CONTEXTO ESCOLAR

Rogerio Andrade MACIELi 
http://orcid.org/0000-0003-1673-5215

Sebastião Rodrigues da SILVA JUNIORii 
http://orcid.org/0000-0002-1291-8287

Jânio Venâncio dos SANTOSiii 
http://orcid.org/0000-0003-4726-0793

i Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor Adjunto I da UFPA/Campus Universitário de Bragança. Líder do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em História da Educação e Currículo na Amazônia (NIPHECA). E-mail: rogeriom@ufpa.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-1673-5215.

ii Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor Adjunto IV da Faculdade de Educação da UFPA (FACED/UFPA). Docente do Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia. E-mail: sebast@ufpa.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1291-8287.

iii Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará/Campus Universitário de Bragança. Técnico em Assuntos Educacionais pela Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC). E-mail: janiovenancio@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4726-0793.


RESUMO

Este artigo apresenta uma análise da Cultura Material do Xarope no cotidiano da Pastoral da Saúde em Bragança, Estado do Pará (PA), e a proposição do currículo cultural para o contexto escolar. A metodologia é a da Nova História Cultural na observação dos objetos de consumo, empregados para a produção do Xarope, cujas significações e sentidos possibilitaram a tessitura do currículo escolar. O uso de imagens, as entrevistas, o Caderno de controle da Pastoral da Saúde e os documentos digitais compuseram a coleta de dados. A análise dos dados sobreveio pela produção, circulação e apropriação, categorias defendidas por Certeau (2014) e Chartier (1991). Assim, a partir dos resultados, a pesquisa constatou que o currículo cultural está imerso por representações sobre “Saúde e Qualidade de Vida” na Pastoral da Saúde, em Bragança (PA).

PALAVRAS-CHAVE: Cultura Material do Xarope; Pastoral da Saúde; Currículo Cultural; Representações de Educação

ABSTRACT

This article presents an analysis of the Material Culture of Syrup in the daily life of the Pastoral da Saúde (Pastoral Healthcare) in Bragança, State of Pará, Brazil, and the proposition of the cultural curriculum for the school context. The methodology is that of the New Cultural History in the observation of consumption objects, used for the production of the Syrup, whose meanings and senses made to weave the school curriculum possible. The use of images, interviews, the Pastoral da Saúde control book and digital documents made up the data collection. Data analysis came about through production, circulation and appropriation, categories advocated byCerteau (2014) andChartier (1991). Thus, from the results, the research found that the cultural curriculum is immersed by representations about “Health and Quality of Life” in the Pastoral da Saúde, in Bragança (Pará).

KEYWORDS: Material Culture of Syrup; Pastoral da Saúde; Cultural Curriculum; Representations of Education

RESUMEN

Este artículo presenta un análisis de la Cultura Material del Jarabe en la vida diaria de la Pastoral de la Salud en Bragança, Estado de Pará (PA), Brasil, y la propuesta del currículum cultural para el contexto escolar. La metodología es la de la Nueva Historia Cultural en la observación de los objetos de consumo, empleados en la producción de Jarabe, cuyos significados y sentidos permitieron tejer el currículum escolar. El uso de imágenes, las entrevistas, el cuaderno de control de la Pastoral de la Salud y los documentos digitales conformaron la recolección de datos. El análisis de los datos surgió de la producción, circulación y apropiación, categorías defendidas porCerteau (2014) yChartier (1991). Así, a partir de los resultados, la investigación constató que el currículum cultural está inmerso en representaciones sobre "Salud y Calidad de Vida" en Pastoral de la Salud, en Bragança (PA).

PALABRAS CLAVE: Cultura Material de Jarabe; Pastoral de la Salud; Currículum Cultural; Representaciones de Educación

1 INTRODUÇÃO

A análise sobre a Cultura Material do Xarope no cotidiano da Pastoral da Saúde em Bragança, Pará (PA) e a proposição do Currículo Cultural para o contexto escolar estão associadas às práticas culturais dos sujeitos e os diferentes modos de fazer o Xarope, um objeto de consumo para a população bragantina. Certeau (2014) afirma que os objetos de consumo revelam os lugares sociais, os saberes, as memórias, a cultura simbólica e os mais variados modos de fazer os artefatos culturais no cerne de cada instituição.

Os estudos sobre artefatos culturais na qualidade de produção de cultura material têm sido cada vez mais investigados no campo da Antropologia, História, Arqueologia, Museologia e nas instituições educativas. Sobre a investigação desse último campo, essas instituições são forjadas pelos objetos de consumo produzidos para o contexto escolar, como: lápis, borracha, quadros negros, mobília (cadeira e carteiras), arquitetura escolar, indumentárias, dentre outros materiais que permitem compreender as práticas, as representações e os agentes sociais como produtores de conhecimento da cultura material escolar.

Entendemos por cultura material a interação do indivíduo com o meio, sua ação interventiva e transformadora com os objetos de consumo nos mais variados contextos sociais (FUNARI; CARVALHO, 2009). Neste estudo, isso só foi possível de ser concretizado pelas operações dos sujeitos no ato de fazer o Xarope como produção de conhecimento para o contexto escolar. Assim, temos uma outra forma de análise para compreender os fenômenos culturais. Como afirma Baudrillard (1993), os estudos de cultura material têm demonstrado inquietações cada vez mais profundas quanto à validade do termo cultura material, no sentido de legitimarem-se os fenômenos culturais de uma sociedade. Funari (1993) diz que, ao analisar a cultura material, deve-se romper apenas com a apreensão do caráter técnico e funcional dos objetos e interpretá-los pelos significados que eles apresentam nos mais variados cotidianos dos sujeitos.

A cultura material, como indicativo de um currículo cultural para o contexto escolar, torna-se inédita a partir dos significados e dos sentidos produzidos pelos sujeitos. Silva (2017) afiança que o currículo está permeado por significados, em que os mais variados grupos sociais lutam pela permanência da produção do conhecimento e seus sentidos, de sua identidade cultural e social, geralmente contestadas pelas relações de poderes hegemônicos.

Desse modo, nossa questão problema propõe-se analisar: De que maneira os objetos de consumo utilizados no cotidiano da Pastoral da Saúde em Bragança, Pará, constituíram a Cultura Material do Xarope e a proposição do currículo cultural para o contexto escolar? Tal análise ocorre pela produção, circulação e apropriação dos sujeitos que usaram os objetos no cerne dessa instituição.

2 TESSITURAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA

A Pastoral da Saúde foi instituída no Brasil em 9 de maio de 1986. É uma instituição de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e está vinculada à Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz nos mais variados territórios do Brasil. Seu objetivo é desenvolver políticas assistencialistas para os pobres e enfermos no sentido de evangelizar com renovado ardor missionário o mundo da saúde, como aponta Barchifontaine (2016).

Para fazer a análise dessa instituição, utilizamos a abordagem da Nova História Cultural sobre a história da cultura produzida pelos sujeitos, pessoas comuns que têm saberes e práticas em seu cotidiano. Chartier (1990) assevera que a abordagem da Nova História Cultural permite compreender as práticas culturais e as representações dos sujeitos na sociedade, a partir das similitudes e diferenças entre os bens culturais e a história da cultura, cultura material em diversos contextos sociais.

Desse modo, as práticas culturais/sociais e representações, presentes na Nova História Cultural, permitem compreender a realidade cultural e social das sociedades, a fim de interpretar os diferentes modos implícitos na reconstrução de viver a cultura. Por isso, Chartier (1991) diz que a cultura pode ser analisada pelos objetos culturais, visto que, no ato de compreensão das práticas e das representações, identificam-se os agentes sociais enquanto produtores e receptores de cultura.

Neste momento, cabe informarmos que a coleta de dados ocorreu sob quatro perspectivas: o uso de imagens, as entrevistas, o Caderno de controle da Pastoral da Saúde e os documentos digitais. As imagens identificam a instituição e os artefatos culturais utilizados para produção, a circulação e o uso do Xarope. Sobre imagens, Burke (2017) informa que elas são a materialidade que representa o conhecimento dos sujeitos, no sentido de recolocar as imagens no contexto original para que se possa fazer uma captura dos aspectos da cultura material em um determinado contexto.

As entrevistas foram desenvolvidas com uma Coordenadora, duas Manipuladoras (A e B) e uma Terapeuta Natural. As Manipuladoras trabalham a mais de 10 anos na instituição e atuam na produção do Xarope, enquanto a Terapeuta Natural faz o desenvolvimento dos testes bioenergéticos nos enfermos. Conforme a Terapeuta, o método bioenergético refere-se a “Bio = vida - energético = energia do corpo”.

A entrevista aberta foi o tipo de entrevista elencado, em que foi permitido, na relação entre entrevistador e entrevistado, novas formas de pergunta para atender ao tema. Minayo (1996) assevera que a entrevista aberta é operacionalizada quando o pesquisador deseja obter o maior número de coleta de informações sobre determinado objeto.

O Caderno de controle da Pastoral da Saúde possibilitou identificar o tipo de produção, circulação e quantitativo de produtos, vendidos no período de janeiro a novembro de 2019, servindo como objeto de investigação. Conforme Silva, Almeida e Guindan (2009), é preciso compreender o documento como uma fonte de pesquisa que está constituída nos filmes, nos vídeos, nos cadernos, nos slides, nas fotografias ou nos pôsteres, considerando que a diversidade de documentos indica o objeto a ser elucidado, conforme o interesse do pesquisador.

Os documentos Guia da Pastoral da Saúde na América Latina e no Caribe (CELAM; DEPAS, 2001), A crise nas instituições de saúde católicas e o desafio de ser um hospital de campanha (FACHIN, 2018), Pastoral da Saúde Nacional - Quem somos (CNBB, 2020) e Pastoral da saúde na América Latina e Caribe: novas diretrizes pastorais (2018) (IHU, 2018) foram importantes porque possibilitaram compreender a filosofia e os objetivos da Pastoral da Saúde em seu cotidiano.

Vale destacarmos, ainda, que a experiência dos manipuladores de ervas possibilitou a identificação do Xarope como um artefato da cultura, cultura material, constituída no interior da Pastoral da Saúde. Optamos em organizar essa cultura experiencial pela organização curricular da Teia do Conhecimento, proposto por Paulo Freire (2011), em que o “tema gerador” é o mais significativo e é a fonte primária da própria experiência dos sujeitos e sua realidade, que foi elencado pela Cultura Material do Xarope, objeto significativo deste estudo.

Já os eixos temáticos, conforme Freire (2011), vão se constituindo pelos diálogos e pelas experiências dos sujeitos com as disciplinas até formarem os conteúdos programáticos, em uma dada realidade e em um mundo social. Neste estudo, os eixos foram constituídos pelo diálogo entre os sujeitos e os objetos de consumo, pertencentes pelas maneiras de fazer os Xaropes, nas dimensões das áreas do conhecimento. Dessa forma, estamos (re)inventando o currículo Freireano em uma perspectiva interdisciplinar, por uma produção de currículo cultural, constituído e constituidor de significados e sentidos que geram as representações coletivas desse grupo social.

A análise dos dados foi operada pela produção, pela circulação e pela apropriação dos sujeitos em relação aos artefatos culturais (CERTEAU, 2014; CHARTIER, 1991). Desse modo, o Xarope, produzido na Pastoral da Saúde, é um artefato cultural que foi analisado pela dimensão teórica das representações por meio da produção, da circulação e da apropriação do objeto de consumo. Tais dimensões constituem tanto a estrutura do texto como também dialoga com os objetos culturais do Xarope nessa instituição.

2.1 A Pastoral da Saúde: entre a produção, a circulação e a apropriação dos sujeitos sobre o uso do Xarope em Bragança - Pará

Para analisar a produção, a circulação e a apropriação dos sujeitos sobre o Xarope, apresentamos, no primeiro momento, as dimensões da Pastoral da Saúde, o lugar social, as práticas culturais de organização dos agentes sociais, os modos de fazer o Xarope no cotidiano dessa instituição e a constituição da cultura material, a partir de seus artefatos culturais.

De acordo com Barchifontaine (2016), a Pastoral da Saúde é uma ação evangelizadora constituída por agentes sociais envolvidos com a CNBB. Estes têm por objetivo defender, promover, preservar, cuidar e celebrar a vida, no sentido de tornar a sociedade mais justa, humanitária, fraterna e liberta no campo a saúde. Segundo o Guia da Pastoral da Saúde na América Latina e no Caribe (CELAM; DEPAS, 2001), apresentado pelo Padre Christian de Barchifontaine (2016), existem três dimensões dessa instituição que se classificam em:

Solidária - Vivência e presença junto aos doentes e sofredores nas instituições de saúde, na família e na comunidade, (portadores do vírus HIV, deficiências, drogados, alcoolizados [...]. Visa atender a pessoa integralmente, nas dimensões física, psíquica, social e espiritual.

Comunitária - Visa à promoção da saúde e a educação para a saúde; relaciona-se com saúde pública e saneamento básico [...]. Visa à capacitação de agentes multiplicadores de saúde e à criação de grupos comunitários. Procura valorizar o conhecimento, a sabedoria e a religiosidade popular em relação à saúde.

Político-institucional - atuação junto aos órgãos e instituições públicas e privadas que prestam serviços e formam profissionais na área da saúde. Participação nas conferências, nos conselhos municipais, estaduais e nacional de saúde e nas assembleias, buscando a humanização do sistema de saúde, a fiscalização e a denúncia quando isso não for possível [...] (BARCHIFONTAINE, 2016, p. 91-93, grifos nossos).

Encontramos na dimensão solidária, as ações pedagógicas físicas, psíquicas, sociais e espirituais, destinadas aos doentes e aos sofredores. A ação comunitária, além de promover as ações da saúde e educação, capacita os agentes sociais como multiplicadores de grupos comunitários no campo da saúde. As duas operações, de certa forma, são articuladas como uma política institucional que, junto aos órgãos na área da saúde, desenvolvem palestras para os conselhos municipais, estaduais, nacional de saúde e nas assembleias. Essa última dimensão busca a humanização do sistema de saúde nos espaços públicos e privados.

A Pastoral da Saúde consiste em cuidar das pessoas debilitadas, doentes; por isso, é preciso zelar para que haja uma reflexão bioética, uma formação ética e uma ação política para os mais necessitados. Assim, a principal ação da Igreja é servir ao pobre no âmbito da saúde, por meio da Pastoral da Saúde, se tornando inspiração para os diversos continentes da América Latina e Caribe, conforme aponta Pessini (2019).

Na Pastoral da Saúde em Bragança-PA, os agentes sociais mais humildes e pobres são atendidos na Avenida Marechal Floriano Peixoto, nº 1800, bairro Centro de Bragança. Segundo o Caderno de controle da Pastoral da Saúde (PASTORAL DA SAÚDE, 2019), nesse patrimônio, desenvolvem-se trabalhos com medicamentos para a saúde da população bragantina, durante 26 anos. A Figura 1 demonstra o lugar social do referido prédio:

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 1 Pastoral da Saúde em Bragança - PA (Nordeste Paraense) 

Na Figura 1, é fácil identificar que o espaço físico da Pastoral da Saúde é pequeno para atender à população bragantina; além disso, a pastoral tem o “Projeto Vida” que funciona em parceria com a Diocese. Conforme Barchifontaine (2016), os espaços de atuação da Pastoral da Saúde no Brasil estão localizados em domicílios, hospitais, asilos, creches, escolas, associações de bairro, sindicatos, conselhos de saúde, ou seja, em todo lugar que possui uma articulação no campo da saúde. No município de Bragança, a Pastoral está situada em um patrimônio específico da Diocese de Bragança e, notadamente, precisa de melhorias para o seu funcionamento. Segundo a Manipuladora B:

A Pastoral da Saúde possui um local improvisado com paredes de policloreto de vinil (PVC) para lavar as ervas; um espaço pequeno, utilizado para o processo de cozimento das ervas medicinais, com ausência de ventilação; uma cozinha quente, com pouco espaço para locomoção com dois armários e uma cortina; um corredor largo utilizado como recepção, uma sala para descanso dos funcionários; uma sala circundada com compensados, na qual se realizam os testes bioenergéticos; um cômodo no qual são armazenadas as cascas de árvores em bacias e baldes, após serem aquecidas pelo sol; um banheiro; a porta de entrada está localizada nos fundos do prédio, com problemas relacionados à acessibilidade. (Entrevista com a Manipuladora B, 2019).

Sete salas constituem a Pastoral da Saúde: uma para lavagem das ervas; a segunda para o cozimento das ervas; a terceira para lavagem de produtos; a quarta é um corredor largo para a recepção dos enfermos e registro de controle no caderno das enfermidades; a quinta é para a realização do teste bioenergético; a sexta é para o descanso dos funcionários; e a última localiza-se em um pequeno cômodo que serve de armazenamento das ervas. Todas as salas têm um ponto em comum, a busca pelas melhores condições de manipulação das ervas para o consumo e aplicabilidade do método bioenergético, constituído na Pastoral da Saúde, revelando que esse espaço precisa ser ampliado para atender à população bragantina.

Para Certeau (1982), toda instituição histórica tem um lugar a ser revelado, pois apresenta vestígios do cotidiano que suscitam uma análise entre os sujeitos, as práticas culturais e os artefatos culturais de consumo, este último produz “[...] saberes específicos de cada contexto político, econômico, popular e sociocultural”, conforme aponta Benito (2017, p. 18). Chartier (1991) menciona que toda instituição tem um processo sociopolítico e cultural, enraizado em regulações sociais, e designados a um conjunto de práticas socioculturais e representações individuais e coletivas, em meio à multiplicidade de programas, projetos sociais com seus respectivos sujeitos.

Vale mencionarmos, ainda, que a manutenção financeira da Pastoral da Saúde provém do valor cobrado pelos testes bioenergéticos e pela venda das medicações fitoterápicas. De acordo com a Coordenadora da instituição, “[...] a pastoral paga para a Diocese de Bragança R$ 700, 00 de aluguel, enquanto a mesma encaminha as pessoas para fazer o teste com o método bioenergético e o consumo da medicação fitoterápica”. O teste bioenergético é agendado e “[...] cobra-se um valor de R$ 30,00 para a sua realização. O cliente deve fazer dois retornos com 15 e 30 dias, a contar da primeira consulta. Para cada uma das duas primeiras consultas, paga-se um valor de R$ 30,00 e a terceira é gratuita” (Entrevista com a Manipuladora A, 2019). Assim, três consultas são efetivadas para o tratamento e saúde dos pacientes. Após o teste bioenergético, utilizado no paciente, há um guia de orientação que este utilizará para o seu tratamento; dessa maneira, há uma relação com o consumo dos remédios a serem comprados na própria instituição para ser usado no tratamento do enfermo.

Conforme a Coordenadora, constatamos, ainda, que a equipe da Pastoral da Saúde atende a dois tipos de públicos, “[...] o que adentra o espaço apenas para comprar o remédio e outro que utiliza a consulta para fazer o teste e compra a medicação”. Desse modo, o paciente não precisa efetuar o teste bioenergético, pois tem autonomia para comprar seu medicamento prescrito por outra instituição. Por isso, a instituição tem como objetivo apresentar à população, principalmente as mais carentes, a importância e a eficácia dos remédios caseiros, demonstrar o seu custo mais baixo, fazendo um comparativo com os medicamentos que são vendidos em farmácias e drogarias, e, dessa maneira, cooperar de modo que as pessoas possam obter saúde e qualidade de vida. As práticas culturais, desenvolvidas sob a coordenação pedagógica e administrativa, estão atreladas à religiosidade e à educação. Todos os dias acontecem as seguintes atividades no cerne dessa instituição educativa, como pode ser visto no Quadro 1.

Quadro 1 Práticas culturais desenvolvidas na Pastoral da Saúde em Bragança - PA  

Práticas Educativas e Religiosas Horários
Estudos Bíblicos e práticas de religiosidade 07h15min
Preparação e beneficiamento das ervas 08h00min
Cozimento dos produtos 09h00min
Intervalo para o almoço 11h30min
Envasamento dos produtos 15h00min
Encerramento das atividades 17h00min

Fonte: Caderno de controle da Pastoral da Saúde, 2019.

Conforme o Quadro 1, a Pastoral desenvolve atividades educativas voltadas à religiosidade por meio de estudos bíblicos, adoração e orações todos os dias pela manhã, das 07h15m às 08h00. Das 08h00 às 17h00, os manipuladores de ervas produzem os remédios fitoterápicos para a venda e o consumo da população, havendo um intervalo de quatro horas entre o almoço e o período da tarde. As práticas culturais nas instituições, fomentadas no cotidiano pelos sujeitos, são vistas como uma partilha que nos é dada a cada dia, um cotidiano que precisa ser revelado, apresenta vestígios e não foi desnaturalizado no interior de cada instituição, segundo Certeau (1982).

Adiante, são visualizadas as medicações e outros produtos, produzidos pelos agentes sociais da Pastoral da Saúde com os seus respectivos valores e total de utensílios vendidos durante o ano de 2019.

Quadro 2 Identificação, valores e total de produtos vendidos na Pastoral da Saúde no ano de 2019 

Identificação dos produtos na Pastoral da Saúde Valores Total de produtos vendidos de janeiro a novembro (2019)
Xarope para Pneumonia/Tosse e Asma R$ 10,00 697
Pílulas R$ 5,00 397
Tinturas R$ 5,00 351
Garrafada R$ 20,00 326
Pomadas R$ 5,00 279
Multimistura R$ 5,00 59
Xampu R$ 5,00 54
Pomada Babosa R$ 5,00 52
Pílula de Copaíba R$ 5,00 32
Pílula de Creolina R$ 5,00 18
Cloreto Magnésio R$ 15,00 10
Andiroba R$ 10,00 9
Mel R$ 20,00 8
Pomada Trambém R$ 7,00 8
Argila R$ 10,00 6
Extrato de Própolis R$ 15,00 6
Pomada Arnica R$ 5,00 5
Xampu Ervas Amargas R$ 5,00 5
Colírio R$ 5,00 4
Pílula de Babosa R$ 5,00 4
Pílula de Cálcio R$ 5,00 4
Xampu Tônico R$ 5,00 4
Óleo de Carrapato R$ 5,00 3
Óleo de Cicuta R$ 7,00 3
Pomada Derrame R$ 7,00 3
Alcooltura Pervinca R$ 5,00 1
Pílula de Andiroba R$ 7,00 1
Tintura Composta R$ 9,00 1
Vassoura de Botão R$ 5,00 1
Extrato de Própolis R$ 15,00 1

Fonte: Caderno de controle da Pastoral da Saúde, 2019.

No Quadro 2, identificamos que 30 objetos são produzidos na Pastoral da Saúde para atender à demanda populacional de Bragança. Os valores variam do menor preço R$ 5,00 a R$ 20,00; assim, há um valor acessível para a compra dos produtos para os enfermos. Isso confirma as dimensões do Guia da Pastoral da Saúde, sobre os valores dos objetos a serem consumidos pelos sujeitos. Como afirma Certeau (2014), os sujeitos, ao entrarem em contato com os objetos de consumo durante a sua produção, produzem saberes e reinventam o seu cotidiano como produção do conhecimento.

A Coordenadora revelou, ainda, que, durante a aquisição do produto, “[...] é levado em consideração o estado do paciente e a sua condição social”. Constatamos, então, que os agentes sociais da Pastoral de Saúde de Bragança demarcam um valor sobre seus produtos, conforme registrado no Quadro 2; no entanto, levam em consideração as condições de saúde dos enfermos e sua situação econômica para decidir se o valor permanece ou diminui. Com isso, a instituição desenvolve o seu principal objetivo enquanto Pastoral: desenvolver ações fraternas e solidárias às pessoas mais carentes no âmbito da saúde, conforme anuncia Pessini (2019).

Outro ponto importante a ser destacado é que os produtos, apresentados no Quadro 2, circulam para diversos municípios e comunidades do meio rural e na sede de Bragança. De acordo com a Coordenadora:

Os produtos já foram para Belém, Capanema, Castanhal, Benevides, Garrafão do Norte e Viseu. Aqui nas comunidades de Bragança: Tamatateua, Caratateua, Treme, Vila do Meio, Bacuriteua. São muitas as comunidades que procuram nossos produtos (Entrevista com a Coordenadora da instituição, 2019).

A circulação dos objetos de consumo nos mais variados territórios pode ser definida, para Certeau (1982), como redes socioculturais que permitem distinguir, na superfície do país, os lugares de venda, os preços, as marcas, toda uma série de indícios, estratificações mentais dos grupos sobre as mais variadas maneiras de fazer com os objetos de consumo.

Ainda é preciso considerarmos que, embora haja um número diversificado de 30 produtos, segundo o Quadro 2, notamos que alguns itens têm maior aquisição, que varia de 1 até 697. Isso revela o quanto os enfermos dos municípios do Pará e das comunidades de Bragança buscam a Pastoral para tratar a sua saúde.

2.2 A apropriação nos modos de fazer o Xarope no cotidiano da Pastoral da Saúde: entre a constituição da cultura material e a produção do currículo cultural para o contexto escolar

A produção dos agentes sociais, pelos diferentes modos de fazer os artefatos culturais na Pastoral da Saúde, está associada a (re)invenções que são operadas no Xarope, um artefato de consumo da população bragantina. Sobre os modos de fazer, Certeau (2014) assegura que a relação entre os sujeitos e o uso dos objetos de consumo não se restringem apenas às normas prescritivas da sociedade, visto que os sujeitos utilizam diversas maneiras de uso com o mesmo objeto cultural. Essas formas são constituídas por práticas culturais criadas para adequar, desviar e ou criar táticas de praticantes ordinários que reinventam o seu cotidiano, a partir da apropriação com o seu lugar social.

A produção do Xarope está articulada, ainda, à produção do currículo cultural, que pode ser introduzido nas escolas brasileiras. Assim, os modos de fazer do Xarope são operados da seguinte maneira: “Primeiro, seleciona-se o tipo de erva que é feita para a secagem, elas se tornam cascas medicinais; depois, elas são organizadas para o armazenamento” (Entrevista com as Manipuladoras A e B, 2019).

No ato de operar os tipos de ervas para secagem até se tornarem cascas medicinais, (Figura 2), estão os primeiros artefatos culturais a serem introduzidos para a manipulação dos remédios. Baudrillard (1993) considera que as ações humanas, atreladas à cultura, estão articuladas às práticas sociais dos objetos e aos múltiplos significados para àqueles que as realizam.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 2 Separação de cascas e ervas para secagem 

Após as escolhas, o segundo modo de fazer relaciona-se ao processo de pilagem das cascas medicinais para produção do Xarope, conforme é visualizado na Figura 3.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 3 Pilagem de produtos para a preparação do Xarope 

É preciso compreendermos que o processo de pilagem de cascas “[...] exige muito esforço físico e é realizado por mulheres, mas principalmente por rapazes, devido ao desgaste e força empregada ao socar as ervas” (Entrevista com a Coordenadora da instituição, 2019).

Durante esse processo, as mulheres selecionam e prepararam as ervas e outros produtos para a moagem. Aqui, existe uma relação de gênero no cotidiano da Pastoral da Saúde, pois tanto os homens quanto às mulheres têm funções específicas para moagem, utilizada com dois artefatos culturais: o pilão e o socador, “[...] são tirados de madeira, se fazem corte, curam a madeira e depois lixa ela para o uso, como compramos muito pilão já até sabemos como se faz” (Entrevista com a Coordenadora da instituição, 2019).

Após a pilagem das cascas se constituírem em líquidos, estes são fervidos em um panelão de alumínio com o uso de uma colher de pau, conforme visualizado na Figura 4.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 4 Cozimento de produtos para preparação de Xaropes 

No fogão industrial, “[...] eles passam por uma fervura minuciosa e só estão prontos para coagem quando a calda está marrom e bem grossa” (Entrevista com a Manipuladora A, 2019). Observamos, na Figura 5, que há uma espécie de coagem para a separação do líquido de resíduos sólidos, destinados à produção de xaropes e que estão conectados às inúmeras práticas culturais, produzidas pelos sujeitos.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 5 Coagem para separação de resíduos. 

Para finalizar os modos de fazer o Xarope, acontecem dois processos: a esterilização e o envasamento desse objeto de consumo. O processo de esterilização dos vasilhames de plásticos para o envasamento (Figura 6) ocorre da seguinte forma: “Estes são esterilizados em estufa ou com álcool, quando há apenas uma pequena quantidade” (Entrevista com a Coordenadora, 2019).

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 6 Esterilização dos vasilhames 

Após esse procedimento, ocorre o processo de envasamento do Xarope (Figura 7), “[...] os cuidados com o envasamento e a correta identificação destes, além da data de fabricação e do prazo de validade, é uma prática que acontece com todos os membros daqui da Pastoral da Saúde” (Entrevista com a Coordenadora, 2019).

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2019.

Figura 7 Processo de envasamento do Xarope 

Vale observarmos que os manipuladores utilizam toucas (Figura 7) que contribuem para a higiene do local e dos produtos. Quer sejam por artefatos culturais regionalizados ou industrializados para a produção do Xarope, existem práticas educativas, culturais e sociais específicas de cada grupo pelos modos de fazer o Xarope.

Os modos de fazer o Xarope, com os mais variados objetos de consumo no cotidiano da Pastoral, geraram uma cultura, cultura material permeada por conhecimentos que podem ser integrados para os diversos contextos sociais, inclusive para as instituições escolares. Para Silva (2017), as pesquisas sobre os estudos da cultura apresentam uma heterogeneidade que revelam as formas de vida global dos grupos sociais, um campo que se constitui independente das esferas consideradas determinantes pela sociedade, uma vez que concebem a cultura como campo de luta e significação social produzida pelos sujeitos.

Assim, a Cultura Material do Xarope como proposição do currículo cultural não é vista pela produção de conhecimentos isolados, disciplinares, porque há um diálogo entre as diversas formas de conhecimentos relacionados às áreas de Ciências Humanas e Naturais, uma conexão do cotidiano, produzida pelos sujeitos da Pastoral da Saúde com o uso do Xarope que permite a tessitura do Currículo Cultural para o contexto escolar. O cotidiano, como cultura e as formas de produção do conhecimento por área do conhecimento, expressa-se, segundo Silva (2017), como campo de significação social e culturalmente construídas, que influenciam e modificam a vida das pessoas envolvidas em complexas relações de poderes.

Para Torres Santomé (1998), as áreas do conhecimento, advindas da diversidade cultural e as experiências culturais dos sujeitos, possibilitam um planejamento curricular e a organização de conteúdo culturais como um movimento pedagógico para romper com as políticas de fragmentação constituídas pelos processos de (re)produção do currículo disciplinar, isso porque a cultura dos sujeitos deve ser vista como um movimento de luta pela democratização da sociedade. Freire (2011) fala que a análise do meio cultural recai nas possibilidades de construir-se um currículo em redes, que deve ser estruturado pelas dimensões das experiências dos sujeitos, em diversas áreas do conhecimento, os quais devem dialogar com as instituições escolares.

Para Funari (1993), a cultura material ficou restringida, durante muito tempo, apenas ao campo da Antropologia e aos estudos da Arqueologia e da Museologia. Hoje, elas dialogam com a Geologia, a Zoologia, a Botânica, a Etnologia, como uma ciência da cultura material que precisava de parceiros para compreender o universo material que circunda o homem e que floresceram a partir do estabelecimento de processos de coleta e de classificação de vestígios ou espécimes nos mais variados contextos. No campo da educação, Funari (1993) menciona que a cultura material precisa ser produzida intensamente, uma vez que, ainda, há poucas produções que trazem à tona os sujeitos, os artefatos e os patrimônios culturais como aspectos educativos.

A ideia de currículo cultural surge das experiências dos sujeitos com os artefatos culturais, em um fazer dialógico que produz conhecimento sobre cultura, cultura material para o contexto escolar. Dessa forma, o movimento de integrar os conhecimentos por área do conhecimento de forma interdisciplinar estabeleceu-se enquanto um conhecimento integrado, associado às significações e aos sentidos que geram as representações de educação por um currículo cultural para o contexto escolar, a partir das experiências culturais dos sujeitos, conforme demonstrado na Figura 8.

Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.

Figura 8 Cultura Material do Xarope e a proposição do Currículo Cultural para o contexto escolar 

Conforme a Figura 8, identificamos que a produção de cultura, Cultura Material do Xarope, como “tema gerador”, produzida por meio de um currículo cultural, é estabelecida como um campo de luta em torno da significação, dos sentidos e da identidade dos sujeitos. Nessa lógica, conforme Silva (2017), o próprio currículo é um artefato da cultura, visto que se instituiu como uma (re)invenção social e uma construção permeada por conteúdos culturais, conhecimentos produzidos pelos grupos sociais. Para Chartier (1991), as representações são entendidas como classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real.

A constituição dos “eixos temáticos”, produzidos pelas áreas dos conhecimentos humanos, sociais e da natureza, possibilitou identificar os artefatos utilizados para o consumo de ervas e as possíveis articulações de conhecimentos para o contexto escolar. Nos eixos temáticos “Ervas e Cascas” e “Pilão e o Socador”, enquanto objetos de consumo, identificamos que, nestes, podem ser desenvolvidos conhecimentos sobre os tipos de vegetais, as cores das cascas, os territórios e as histórias das ervas, a preservação do ambiente, as medidas geométricas e as terminologias da palavra. Para Lopes e Macedo (2011), é no cotidiano que se constrói uma rede de saberes e práticas complexas, mas essas redes produzem conhecimentos que não se restringem apenas às escolas, visto que os espaços, constituídos para além dela, devem interligar-se como um contingente capaz de dialogar em diferentes contextos sociais.

Nos eixos temáticos, sobre os objetos de consumo “Colher de pau, Coador, Panela de Alumínio e Álcool, Estufas, Toucas e Vasilhas”, existe uma produção de conhecimentos sobre objetos regionalizados e industriais e tipos de trabalho, higienização e cuidados com o corpo humano. Estes revelaram que as significações constituídas nesses dois eixos estavam atreladas ao tempo de duração para produção do Xarope, a relação de gênero quanto aos diferentes tipos de trabalho para fazer e usar esse objeto, e a preocupação com a higienização do ser humano para produção artesanal desse utensílio; assim, há, aqui, uma relação entre objetos industrializados e regionais para produção desse objeto de consumo. Sobre essa relação Maciel, Neves e Silva Júnior (2020) afirmam que cada objeto de consumo, produzido pelos sujeitos, é utilizado pelos recursos da natureza que, no ato de operar seu uso para determinada prática cultural, se entrelaçam com outros objetos industrializados que servem para as mais variadas produções de conhecimentos e transitam, assim, entre a cultura e a sociedade.

Das representações de Educação por um Currículo Cultural sobre “Saúde e Qualidade de Vida”, todas as práticas culturais dos sujeitos para a produção do Xarope, e até mesmo dos outros objetos de consumo, são constituídas e constituidoras pela preocupação com a saúde do enfermo, como possibilidade de qualidade de vida, a partir do uso desses objetos de consumo. Desse modo, o currículo cultural produzido pela Cultura Material do Xarope, enquanto um sistema de significação, ocorre em meio à imagem simbólica (sentidos), que os sujeitos lançam sobre cada objeto de consumo, a partir de suas práticas sociais e cotidianas. Lopes e Macedo (2011) afirmam que os sentidos são, portanto, instituídos pela cultura e pela atividade de conferir aos significados um processo cultural. Para Baudrillard (1993), os objetos que constituem a cultura material devem obter um estatuto simbólico, porque eles são portadores de sentidos e de significações e não se restringem a uma análise pela sua função original e técnica.

Nesse sentido, as representações sobre saúde e qualidade de vida, constituídas pelos objetos de consumo e a constituição da Cultura Material do Xarope na Pastoral da Saúde, foram uma das formas de proposição e/ou reinvenção do currículo cultural que pode ser desenvolvido para o contexto escolar. A assertiva coaduna-se com os fundamentos de Chartier (1991, p. 16) quando aponta que o objeto da história cultural, produzido pelos sujeitos, está conectado para “[...] identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Isso é de fundamental importância para se pensar outras práticas nos múltiplos contextos sociais.

3 CONCLUSÃO

O exercício sobre a cultura material no cotidiano da Pastoral da Saúde trouxe diversas considerações para se pensar as relações interdisciplinares da pesquisa nos mais variados contextos sociais. No momento, um dos principais desafios da instituição consiste na precariedade das suas instalações, precisar pagar aluguel e ainda ter de adaptar-se ao espaço físico improvisado.

As práticas culturais na Pastoral da Saúde ocorrem de diferentes formas. No processo de produção, circulação e apropriação do Xarope, essas práticas manifestam-se, também, no modo de fazer esse objeto de consumo, a partir do consumo, no processo de diagnóstico para indicação do seu uso adequado, na circulação e na forma de aquisição que se estabelece nas relações dos sujeitos com esse artefato.

Podemos considerar que a Pastoral da Saúde em Bragança, Estado do Pará, existe há 26 anos e tem uma finalidade filosófica, educativa, religiosa e destinada principalmente ao campo da saúde para os enfermos. Nesse âmbito, consideramos que essa instituição é um patrimônio social, cultural e educativo no contexto brasileiro. Suas práticas pedagógicas têm se direcionado à promoção da saúde e à qualidade de vida em espaços diversos, para além do seu espaço físico, ratificando a missão da Pastoral da Saúde em Bragança. Dessa forma, entendemos que, em certa medida, instituições de ensino, promoção social e saúde têm reconhecido o valor social da instituição, ainda que de maneira incipiente.

Ao analisar a Cultura Material do Xarope no cotidiano da Pastoral da Saúde em Bragança e a proposição do currículo cultural para o contexto escolar, constatamos que ela é constituída pelos seguintes objetos de consumo: o uso de ervas e cascas medicinais; o pilão e o socador; um panelão de alumínio com o uso de uma colher de pau, a calda da erva, um coador e um fogão industrial; os vasilhames plásticos, estufa, toucas e álcool. Vale destacarmos, ainda, que são usados tanto objetos regionalizados como industriais para a produção do Xarope. Seu uso destina-se ao benefício à população bragantina, dos quais o Xarope, além de ser uma das maiores produções para a venda e consumo, circula nos seguintes territórios: Belém, Capanema, Castanhal, Benevides, Garrafão do Norte e Viseu, além das comunidades de Bragança: Tamatateua, Caratateua, Treme, Vila do Meio, Bacuriteua.

Os significados e os sentidos referentes à “Saúde e Qualidade de Vida”, adotado pela Pastoral da Saúde em Bragança, estão constituídos pela percepção social do lugar entre os sujeitos e os artefatos culturais, como forma de políticas públicas no campo da saúde que se constituem em Bragança, no Brasil e, conforme o Guia da Pastoral da Saúde, em toda a América Latina. Dada a extensão alcançada, é pertinente a proposição de um currículo escolar a partir de um produto que sugere tantas representações, em face à diversidade cultural, seja ela regional ou global. Nesse sentido, concluímos que os sentidos e os significados, atribuídos pelos sujeitos sobre cada objeto de consumo para produção do Xarope, possibilitaram a produção do currículo cultural para o contexto escolar. Assim, o currículo cultural, constituído pela teia e por área do conhecimento, está imerso por representações sobre “Saúde e Qualidade de Vida” na Pastoral da Saúde, em Bragança, Estado do Pará.

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Recebido: 21 de Dezembro de 2019; Aceito: 23 de Setembro de 2020

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