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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.1 São Paulo jan./mar 2021  Epub 10-Maio-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i1p453-473 

Artigos

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA EM ESCOLAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO EM RONDÔNIA

PEDAGOGY OF ALTERNANATION IN PUBLIC RURAL EDUCATION SCHOOLS IN RONDÔNIA

PEDAGOGÍA DE LA ALTERNANCIA EN ESCUELAS PÚBLICAS DE EDUCACIÓN DE CAMPO EN RONDONIA

Isaura Isabel CONTEi 
http://orcid.org/0000-0002-5600-6984

Renata da Silva NÓBREGAii 
http://orcid.org/0000-0002-6681-0730

Renato Éberson de Souza dos SANTOSiii 
http://orcid.org/0000-0002-8114-7658

i Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente na Universidade Federal de Rondônia, curso de Pedagogia, campus de Ji-Paraná. E-mail: isaura.conte@unir.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-5600-6984.

ii Doutorado em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas. Docente na Universidade Federal de Rondônia, curso de Licenciatura em Educação do Campo, campus de Rolim de Moura. E-mail: renatanobrega@unir.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-6681-0730.

iii Pós-Graduado em Educação do Campo. Professor da Secretaria Municipal de Ji-Paraná. E-mail: renatoeberson29@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-8114-7658.


RESUMO

A Pedagogia da Alternância conflui para a Educação do Campo devido a sua origem: o ambiente rural com a negação de educação escolar de qualidade, porém ela não surge como algo na/da esfera pública. Assim sendo, neste texto, discute-se a adoção da Pedagogia da Alternância como método de educação em escolas da rede pública municipal no interior do estado de Rondônia, Brasil. Partiu-se da pesquisa-ação com utilização de observação participante e pesquisa bibliográfica, e os fundamentos teóricos baseiam-se em Caldart, Molina, Arroyo, Gimonet, além de estudiosos do tema, a saber: Menezes, Oliveira, Rodrigues, Andreatta. Destaca-se: a importância da tomada de decisão e o suporte institucional de Secretarias de Educação para mudar de método educacional frente a situações de não melhoria da qualidade do ensino ofertado; partir do acúmulo de experiências da mesma natureza envolvendo todos os sujeitos da comunidade escolar; protagonismo das famílias ao exigir educação em suas comunidades.

PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia da Alternância; Educação do Campo; Educação Pública

ABSTRACT

The Pedagogy of Alternation converges to Rural Education due to its origin: the rural environment with the denial of school education of quality, however it does not appear as something in the public sphere. Thus, in this text, the adoption of the Pedagogy of Alternation as a method of education in public schools in the hinterlands of the state of Rondônia, Brazil, is discussed. We started from on action research with the use of participant observation and bibliographic research, and the theoretical foundations are based on Caldart, Molina, Arroyo, Gimonet, in addition to scholars on the topic of the Pedagogy of Alternation developed in public schools, namely: Menezes, Oliveira, Rodrigues, Andreatta. The following stands out: the importance of decision making and the institutional support of Education Departments to change the educational method in the face of situations of non-improvement in the quality of the education offered; starting from the accumulation of experiences of the same nature involving all the subjects of the school community; protagonism of families when demanding education in their communities.

KEYWORDS: Pedagogy of Alternation; Field Education; Public Education

RESUMEN

La Pedagogía de la Alternancia converge con la Educación de Campo debido a su origen: el ambiente rural con la negación de una educación escolar de calidad, pero no surge como algo en/de la esfera pública. Por tanto, en este texto se discute la adopción de la Pedagogía de la Alternancia como método de educación en escuelas de la red pública municipal en el interior del estado de Rondônia, Brasil. Se partió de la investigación-acción con la utilización de observación participante y investigación bibliográfica, y los fundamentos teóricos se basan en Caldart, Molina, Arroyo, Gimonet, además de estudiosos del tema, a saber: Menezes, Oliveira, Rodrigues, Andreatta. Se destaca: la importancia de la toma de decisiones y el soporte institucional de Secretarías de Educación para cambiar el método educativo ante situaciones de no mejora de la calidad de la educación ofrecida; partir de la acumulación de experiencias de la misma naturaleza involucrando a todos los sujetos de la comunidad escolar; protagonismo de las familias al exigir educación en sus comunidades.

PALABRAS CLAVE: Pedagogía de la Alternancia; Educación de Campo; Educación Pública

1 INTRODUÇÃO

Este texto apresenta e discute uma proposta ousada em educação no Brasil: a adoção da Pedagogia da Alternância como método e princípio de educação em escolas da rede pública municipal no interior do estado de Rondônia. A experiência que aqui refletimos é desenvolvida no município de Ji-Paraná por meio do Educampo - um projeto específico da Secretaria Municipal de Educação (Semed/Ji-Paraná) para a implementação da Educação do Campo, iniciado no ano de 2016.

De acordo com Gimonet (2007) a Pedagogia da Alternância como processo educativo surgiu em meados do século XX, embora tenha havido experiências de alternância desde a Idade Média. O autor cita como exemplo o caso da França com o compagnnonage, para a formação profissional, a qual articula teoria e prática - havia um aprendiz-companheiro e um companheiro-docente.

Partindo dessa exemplificação, Gimonet (2007) enfatiza que a Pedagogia da Alternância implica um processo de teoria e prática interligadas por um projeto de formação, que, por sua vez, almeja a formação integral, em coletivo. Diz respeito, também, a alternar tempos e espaços educativos tendo como componentes de formação as pessoas em formação; a família e o ambiente de vida; o grupo-classe; a instituição e seu projeto; os conteúdos e os programas; os métodos; a organização da sala de aula e os planejamentos; os formadores (GIMONET, 2007).

Ressaltamos, a partir do autor, que a formação por alternância surgiu para atender a filhos e filhas de agricultores pobres do meio rural, tendo início nos chamados Centros Familiares de Formação por Alternância (Ceffas). Esses centros, posteriormente, passaram a ter distintas denominações ao se expandirem a outros países, inclusive ao Brasil, sendo bastante comum a denominação de Escola Família Agrícola (EFA).

Valadão (2018, p. 79), estudioso da Pedagogia da Alternância no estado de Rondônia, adota a denominação de EFA e Ceffa indistintamente, e a descreve como “[...] nascida da inoperância do poder público brasileiro, que só tem conseguido propor uma educação para os agricultores tomando o homem urbano de classe média como referência”. O autor explicita ainda que a Pedagogia da Alternância surgiu no Brasil e no estado de Rondônia como necessidade de formação de alunos/as que residem no campo, em geral, empobrecidos/as. Além disso, Valadão (2018) pontua que ela se constitui em uma proposta de ensino que se dá a partir da realidade do sujeito e de seu grupo familiar e, nesse ponto, há uma relação direta com a Educação do Campo.

Sobre a Educação do Campo, cabe considerarmos que ela surgiu como demanda das lutas de movimentos populares, com destaque ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) devido ao descaso histórico em termos de educação e de outras políticas, com relação aos/às camponeses/as no Brasil (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004), tendo como um de seus importantes marcos o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

De acordo com Caldart (2012, p. 261), a Educação do Campo é prática social e processo de constituição histórica caracterizada como “luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação”; “dimensão de pressão coletiva por políticas públicas”; “combina luta pela terra, pela Reforma Agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar, ao território”.

Metodologicamente, este texto foi construído por meio de pesquisa bibliográfica e de pesquisa-ação. Assim, fizemos o seguinte percurso: na pesquisa bibliográfica, valemo-nos de quatro dissertações de Mestrado que tratam do tema da Pedagogia da Alternância em escolas públicas do estado do Espírito Santo, devido ao seu surgimento naquele local. A busca deu-se no catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os/As autores/as utilizados/as são: Andreatta (2013), Menezes (2013), Oliveira (2016) e Rodrigues (2019).

Valemo-nos também dos primeiros quatro trabalhos monográficos que tratam da temática do Educampo em Ji-Paraná, defendidos na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), nos cursos de Pedagogia de Ji-Paraná e de Licenciatura em Educação do Campo de Rolim de Moura. As autoras são: Costa (2017), Dernei (2018), Silva (2019) e Felipe (2019), as quais trazem informações sobre o processo muito recente, ainda em fase de construção e adaptação do Educampo nas escolas que aderiram à Pedagogia da Alternância, das mais antigas em 2016 à mais recente, em 2019.

Na continuidade da pesquisa bibliográfica, selecionamos três artigos científicos publicados em eventos entre 2017 e 2018, cujas escritas envolveram, em todos, pessoas da Secretaria Municipal de Educação que estavam diretamente envolvidas na construção do Educampo desde o seu nascedouro. A autoria dos textos são Pereira, Pereira e Souza (2017), Pereira et al. (2017) e Conte, Pereira e Santos (2018). Para complementar, buscamos outros textos sobre Educação do Campo no Brasil e no estado de Rondônia.

A pesquisa-ação, por meio da qual nos embasamos, segue a concepção de Thiollent (2011), implicando pesquisa-intervenção, e ocorreu com o desenvolvimento de um projeto de extensão em escolas do Educampo, desenvolvido por três professoras e quatro alunos bolsistas de extensão1 de dois campi da UNIR, entre 2018 e 2019. Os registros deram-se por meio de sínteses dos encontros nos processos de formação de professores e professoras, relatórios das reuniões com a equipe de implementação do Educampo, sistematização do VII Seminário Municipal de Educação do Campo de Ji-Paraná/2018, reuniões da equipe do projeto de extensão e suas reflexões a partir das ações desenvolvidas nas escolas.

Nosso propósito, neste texto, é socializar alguns aspectos do Educampo como inédito viável, parafraseando Freire, a fim de gerar reflexões sobre possibilidades inovadoras em tempos difíceis para a educação, considerado o cenário político de 2019. Nesse aspecto, concordamos que esta escrita pode motivar expectativas e, junto a isso, lançar como pergunta: como é/será possível expandir e consolidar experiências como o Educampo, considerando os cortes no orçamento da educação no Brasil, sobretudo ao comparar-se o orçamento de 2016 ao de 20182, via Pronera?

Costa (2017), Felipe (2019) e Silva (2019) descrevem o Educampo como uma proposta inovadora, que está na contramão do que tem acontecido no Brasil, principalmente no estado de Rondônia, em termos de educação no campo, que é o fechamento massivo de escolas rurais e o transporte de alunos do campo para a área urbana, com a justificativa de “diminuir gastos” e “oferecer educação de qualidade”. A Educação do Campo surge colocando em xeque ambas as concepções - da redução de investimentos e da falta de qualidade do ensino - quando pauta a defesa da escola pública de qualidade no campo como direito dos sujeitos que lá vivem, afirmando ser crime fechar escola no campo, pelo fato de ela cumprir um papel importante nas comunidades, muito além de ser local de ensino, conforme enfatiza Caldart (2012).

A justificativa de fechar escolas do campo pela necessidade de reduzir gastos, via de regra, tem sido colocada de forma rasa à população, forçando o seu consentimento. Desconsideram-se outros fatores como a segurança das crianças pequenas nos ônibus às madrugadas; trechos longos e cansativos de percurso em estradas de péssimas condições e pontes quebradas; custo da manutenção do transporte escolar ao longo do tempo, entre outros fatores. Felipe (2019), em seu trabalho monográfico, ao estudar o Educampo e seu impacto em Ji-Paraná, pontua que o fechamento das escolas no campo e o transporte de alunos à cidade desconsidera o fator humano, pois são sujeitos que vivem nas comunidades e sobrevivem da agricultura familiar/camponesa.

Nesse aspecto, o cálculo gerencial não inclui o custo humano implicado na decisão de transportar crianças e adolescentes por longos percursos, que podem ultrapassar 60 km diários por percurso, levando horas para estudantes chegarem às escolas na zona urbana ou às escolas polo com ensino urbanocêntrico. Por sua vez, a comparação com as escolas da cidade reforça uma suposta inferioridade das escolas situadas no campo/rurais, cuja imagem é construída de forma negativa. Pouco se questiona, por parte da grande maioria dos gestores públicos brasileiros, adeptos à ideia de fechamento de escolas no campo, o que se tem feito para garantir escolas de qualidade, com professores qualificados e estrutura adequada no meio rural.

Assim, frente à precariedade produzida nas escolas no campo no Brasil, ficou fácil, em especial a partir da década de 1990, fechar milhares de escolas com outra justificativa, além das já apontadas: a diminuição do número de alunos por causa do êxodo rural. O que se chama de êxodo rural não é exatamente êxodo, senão expulsão, por falta de condições e de políticas públicas voltadas às comunidades camponesas e ao desenvolvimento de seus modos de vida e trabalho na terra. Se a chamada pequena agricultura recebesse incentivos fiscais e políticas públicas suficientes o “êxodo rural” não ocorreria na proporção que tem ocorrido.

Conforme descrevemos anteriormente, a Pedagogia da Alternância, no Brasil, tem seu nascedouro em centros familiares de formação por alternância entendidos como EFAs, alternando tempos educativos dos estudantes entre uma e duas semanas organizadas em tempo escola e tempo comunidade/família, cujo objetivo é proporcionar que a educação dialogue diretamente com o modo de vida dos sujeitos. Mediante isso, expandir para outros locais, como escolas públicas, cuja dinâmica de ida e vinda dos alunos é diária no ano letivo, não tem sido comum, em se tratando de utilizar os instrumentos pedagógicos da Pedagogia da Alternância como processo educativo.

É evidente que não se trata, simplesmente, de alternar tempos e espaços, indo muito além disso, afirma Andreatta (2013) quando descreve que a Pedagogia da Alternância não pode se reduzir a dimensões curriculares e metodológicas, devendo abarcar processos culturais, estratégias de socialização e as relações de convivência e trabalho. Do mesmo modo, traz junto de si as lutas cotidianas dos sujeitos para manterem sua identidade e autonomia, consideradas essenciais no processo de formação.

O Educampo foi criado oficialmente pela Lei No 2.957, de 30 de junho de 2016, da Prefeitura Municipal de Ji-Paraná, na perspectiva de a educação pública escolar proporcionar os “[...] saberes e as práticas apropriadas e desenvolvidas pelas comunidades de origem dos estudantes com os processos de ensino e aprendizagem próprios da cultura escolar”, conforme destaca o inciso III do Art. 1º da Lei (JI-PARANÁ, 2016, p. 8). Para Pereira, Pereira e Souza (2017), o Educampo visa a formação integral, articulando saberes científicos e populares, tendo o trabalho e a pesquisa como princípios educativos para desenvolver o estudante como ser criativo e autoral, capaz de transformar a sua realidade.

As fontes bibliográficas sobre o Educampo são muito recentes ainda, visto que as primeiras são do ano de 2017; e a elas recorremos para a escrita deste texto. Entretanto, faz-se necessário entendermos os passos anteriores à oficialidade para compreender melhor o que está em processo neste momento em seis escolas da rede pública de Ji-Paraná, o que abordaremos na seção que segue.

2 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA EM ESCOLAS PÚBLICAS NO BRASIL: DO ESPÍRITO SANTO A JI-PARANÁ/RO

Nesta seção, propomo-nos a aproximar mais o nosso foco de reflexão no Educampo como política pública. Para tanto, não nos deteremos às questões conceituais mais amplas da Educação do Campo e da Pedagogia da Alternância, pelo fato de haver uma gama de estudos sobre ambas as temáticas, além de legislações, ainda que recentes, que as fundamentam. A Educação do Campo e a Pedagogia da Alternância, no Brasil, são oriundas de carências produzidas pelo sistema político-econômico, em períodos mais ou menos próximos - entre o final da década de 1960 e o final da década de 1990. Diante disso, os/as camponeses/as organizaram-se em luta e fizeram surgir experiências educacionais pelas suas próprias mãos, em um primeiro momento sem apoio do Estado.

Torna-se necessário fazermos a aproximação do estado do Espírito Santo com o município de Ji-Paraná/RO, pelo fato de que o formato educacional ora desenvolvido nesse município tem a contribuição direta das experiências desenvolvidas no Espírito Santo, desde o início de 1990. As Secretarias Municipais de Educação de Ji-Paraná e de São Mateus/ES chegaram a estabelecer um termo de cooperação técnica no ano de 2016 para o intercâmbio de experiências (CONTE; PEREIRA; SANTOS, 2018), o que contribuiu para a efetivação do Educampo em Ji-Paraná.

O estado do Espírito Santo é o que possui o maior número de escolas famílias agrícolas no Brasil (RODRIGUES, 2019), sendo o pioneiro dessa modalidade e da concepção de ensino-aprendizagem. Esse fato não pode ser tomado como apenas uma coincidência, pois de nada valeria ter o surgimento das EFAs se não houvesse condições para a sua expansão e continuidade. Isso significa que as comunidades aderiam à proposta, viam e veem nela um sentido, pois, se de início a Pedagogia da Alternância era talvez a única oportunidade aos filhos e às filhas de camponeses/as terem acesso à escolarização, com a ampliação da educação como direito, em especial após a Constituição Federal de 1988, essas escolas tenderiam a desaparecer se fossem somente escolas “comuns”, considerando que não eram públicas3 e, em grande medida, enfrentavam e enfrentam problemas financeiros, inclusive no caso do estado de Rondônia, conforme aponta Valadão (2018) em sua tese de Doutorado.

O desenvolvimento das Escolas Comunitárias Rurais Municipais (ECORMs)4, como são chamadas as escolas públicas que adotam a Pedagogia da Alternância em sua organização curricular e estrutural, deu-se no estado do Espírito Santo devido à presença das EFAs, pois havia um bom número de agricultores que haviam estudado nelas. Contudo, como não existia e não existem escolas famílias agrícolas em cada comunidade, tampouco em todos os municípios, os/as estudantes, filhos e filhas de agricultores/as que pretendiam acessar uma EFA, precisavam se deslocar de seus municípios e/ou regiões5.

Diante desse fato, esses/as ex-alunos/as de EFAs, que acreditavam e defendiam a proposta da Pedagogia da Alternância, passaram a requerer que seus filhos e suas filhas pudessem ter acesso a esse tipo de escolarização sem necessariamente saírem das comunidades ou municípios. Desse modo, o desejo coletivo de comunidades rurais e suas entidades populares e/ou sindicais foi determinante para o surgimento das ECORMs, com a presença de crianças e de adolescentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. Essa foi a motivação para a existência da Pedagogia da Alternância na rede pública municipal, segundo destacam os estudos de Menezes (2013), Oliveira (2016), Andreatta (2013) e Rodrigues (2019).

Rodrigues (2019) e Menezes (2013) destacam que a primeira experiência exitosa de ECORM iniciou em 1989, passando a funcionar em 1990, sendo uma grande novidade em termos educacionais no Brasil frente ao que se conhecia de Pedagogia da Alternância no Brasil até então. O autor e a autora explicam que as EFAs eram vinculadas ao Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes) e havia descontentamento de um bom número de gestores, monitores e famílias/associações com relação a essa entidade, devido as suas orientações em um determinado momento. Esse foi um fator de ruptura, que levou da Pedagogia da Alternância das EFAs para a escola pública. A partir desse fato, desenvolveram-se, então, as ECORMs, que passaram a atender famílias que desejavam ter seus filhos e suas filhas estudando em regime de Pedagogia da Alternância em escolas públicas e próximas, em suas comunidades.

Mais ou menos no mesmo período, surgiu, em Jaguaré/ES, a primeira Escola Popular de Assentamentos (EPA) ligada ao MST, com uma dinâmica parecida a das ECORMs, com forte incidência do Movimento na gestão escolar e no processo pedagógico junto ao setor público municipal. As EPAs também utilizaram e utilizam a Pedagogia da Alternância e, ao que se sabe, só existem no estado do Espírito Santo (MENEZES, 2013), embora o MST possua outras experiências de instituições que funcionam em regime de alternância, a exemplo do Instituto de Educação Josué de Castro/Iterra, situado em Veranópolis, no Rio Grande do Sul (RS).

A experiência da Pedagogia da Alternância em escolas da rede pública, com crianças dos anos iniciais, surgiu no norte do estado do Espírito Santo. As três primeiras ECORMs foram criadas no município de Jaguaré entre 1990 e 1992 e, a partir daí, se expandiram a outros municípios, devido ao impulso das discussões nacionais e estaduais da Educação do Campo, segundo reconhecem Menezes (2013), Oliveira (2016) e Rodrigues (2019). Menezes (2013) descreve que, a partir da criação do Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo (Raceffaes), no ano de 2003, intensificou-se um processo em que gestores de outros municípios do estado foram motivados a conhecer a proposta pedagógica das Escolas Comunitárias Rurais Municipais de Jaguaré. Diante disso, o período em que mais surgiram ECORMs foi entre 2010 e 2012 nos municípios de Nova Venécia, São Mateus e Colatina.

Foi a partir de São Mateus que o município de Ji-Paraná se propôs a iniciar uma experiência em Educação do Campo com Pedagogia da Alternância, oficialmente no ano de 2016, em duas de suas nove escolas no campo. A partir da coleta de dados e análises que realizamos, devido a nossa inserção em projeto de extensão junto à Semed, com gestores responsáveis pela construção do Educampo em Ji-Paraná, podemos descrever como se deu e está se dando esse processo.

O Educampo, como proposta concreta de Educação do Campo, teve sua origem mais ou menos parecida com as ECORMs capixabas, considerando: o impulso das discussões da Educação do Campo nos âmbitos nacional e estadual. Em Rondônia, conseguiu-se criar a Articulação de Educação de Educação do Campo no início dos anos 2000, sendo fortalecido por alguns anos, entre 2003 e 2008, com a participação de entidades como a UNIR, movimentos populares, sindicais e eclesiais: MST; Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagro); Projeto Padre Ezequiel Ramim (atual Iperi); Terra Sem Males; Associação Estadual das Escolas Famílias Agrícolas (Aefaro). Juntamente a isso, contou-se com a existência da EFA Itapirema em Ji-Paraná, que também lançava luzes à proposta que levava adiante, em um momento político que propiciou fazer inovações com mais participação popular em busca de soluções para problemas no município.

Um dos problemas era a educação rural, que aparecia nos baixos índices do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas municipais, considerando que, por volta do ano 2000, segundo estudos de Dernei (2018), ocorreu o fechamento de mais de 60 escolas, havendo, então, a polarização em nove. O estudo de Valadão (2018) também descreve que, até o ano 2000, a cada aproximadamente quatro quilômetros de distância, havia escolas multisseriadas nas comunidades rurais de Ji-Paraná. Contudo, após esse período, elas foram nucleadas em escolas-polo. Entre os fatores que levou ao fechamento de escolas estava, principalmente, o baixo número de estudantes e a falta de professores/as qualificados/as e habilitados/as, visto que, nas escolinhas das linhas, havia um grande número de professores/as leigos/as.

Segundo pudemos captar na pesquisa-ação junto à equipe de gestores do Educampo, houve alguns fatores que confluíram para aglutinar esforços e vontade política por parte da Semed em vista de fazer acontecer Educação do Campo (escolar) no município de Ji-Paraná. No ano de 2013, teve início uma nova gestão municipal, e a então secretária de educação, que assumira a pasta, estava imbuída da defesa da Educação do Campo, portanto a meta era não mais fechar escolas, mas, sim, ampliá-las em termos de estrutura e de número de alunos, alterando rotas de transporte escolar, para transportar intra-campo e não mais levar alunos do campo para a cidade. Assim, passou-se a colocar em prática o que já vinha sendo discutido em fóruns e seminários nacionais e estaduais de Educação do Campo, mas que não era concretizado anteriormente no município.

Além desse fato, outros fatores que confluíam para a Educação do Campo ser estabelecida na rede pública de Ji-Paraná podem ser descritos, a saber: contava-se com servidores/as da Semed que haviam passado pelo processo formativo e atuação na EFA Itapirema; havia conhecimento e proximidade com o curso de Pedagogia da Terra que houve na UNIR, campus de Rolim de Moura, entre o período de 2003 e 2007, conveniado com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); do ponto de vista geográfico, Ji-Paraná é um município central no Estado, e, portanto, muitos seminários e discussões acabavam acontecendo nesse local, desde discussões sindicais, da Aefaro, dos movimentos populares, além da presença da teologia da libertação que impulsionava o protagonismo e a busca de alternativas dos empobrecidos por meio da atuação das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) e pastorais sociais.

Nesse contexto, deu-se início a uma aproximação maior com a EFA no ano de 2013, para que os/as professores/as da rede de Educação Básica conhecessem mais de perto o funcionamento dessa escola, embora o tema da Alternância não lhes era estranho, pelo fato de conviverem com estudantes e/ou profissionais dessa instituição. Além disso, a secretária criou um setor específico de Educação do Campo na Semed e destinou uma pessoa para cuidar de uma pasta específica, com a função de ser articuladora do que viria a ser o Educampo.

Outro elemento que podemos destacar no desenvolvimento da Pedagogia da Alternância nas escolas da rede pública de Ji-Paraná foi a aproximação da secretária de educação desse município com o secretário do município de São Mateus/ES, em processo de formação referente à função de gestores de prefeituras. Ainda em 2013, foi realizado o I Seminário Municipal de Educação do Campo da Semed/Ji-Paraná, com a participação de mais de 200 pessoas, entre professores/as, gestores/as e representação de alunos/as e famílias, contando com profissionais e alunos/as da EFA Itapirema e representantes de movimentos sociais populares e sindicais (FELIPE, 2019).

Segundo Conte, Pereira e Santos (2018), em 2014, fora realizado outro Seminário Municipal e, a partir dele, foi definida uma comissão para conhecer experiências e metodologias concretas de Educação do Campo e construir uma diretriz básica, com base em um diagnóstico com a participação de famílias de alunos/as das escolas do campo e gestores dessas escolas. A diretriz, como primeira proposta escrita, foi apresentada no III Seminário, em 2015, que contou com a presença de uma pessoa da Semed do município de São Mateus/ES, que fez relatos sobre as suas experiências e seus conhecimentos acumulados na viabilização das ECORMs, mostrando que seria possível fazer algo semelhante em Ji-Paraná.

Foi então que, a partir desse seminário de 2015, se iniciaram articulações com as comunidades escolares Bárbara Heliodora e Pérola de Ji-Paraná. Nesse aspecto, a pessoa que veio de São Mateus, a convite da Secretaria de Educação, conheceu as escolas rurais e contribuiu diretamente com essas primeiras duas que viriam a aderir ao Educampo. Na ocasião, foi explicado como poderiam funcionar os instrumentos da Pedagogia da Alternância, ainda que cada escola possuísse sua especificidade. A partir do momento que ficou entendido que se poderia começar aos poucos a implementação dos instrumentos da Pedagogia da Alternância, e não necessariamente sendo com todas as turmas ao mesmo tempo, verificou-se que havia condições, pois os/as professores/as já haviam passado por vários processos formativos.

Segundo relato de um dos integrantes da equipe de implementação do Educampo, avaliou-se, antes de tudo, cada escola para perceber onde haveria as melhores condições para o início da experiência, considerando a aceitação massiva das comunidades e dos/as alunos/as após conversas, explanações e reuniões com todos. Outro fator foi a aceitação por parte de um maior número de professores/as, por instituição, para darem início à nova metodologia que estava sendo proposta. Segundo o integrante da equipe de implementação do Educampo, no início, cerca de 50% dos professores de cada uma das escolas aceitaram de pronto a ideia do Educampo, e os demais vieram a somar-se no andar da caminhada, sendo também impulsionados pelos próprios instrumentos da Pedagogia da Alternância que os colocava em atividade, segundo um novo Projeto Político-Pedagógico (PPP) que fora assumido.

De fato, desacomodar para algo totalmente diferente do que sempre se fizera, implicando mais trabalho do que o habitual para professores/as, no início do projeto, era um grande desafio. Ainda assim, foi necessário trocar professores/as e gestores/as entre escolas, para que permanecessem nas experiências iniciais do Educampo quem de fato assumia o desenvolvimento da proposta. Desse modo, foram feitos ajustes e funcionou, até porque os/as alunos/as se mostraram empolgados/as com a ideia, pois lhes eram apresentadas a funcionalidade do projeto e as mudanças que ele implicaria no currículo escolar. A primeira grande mudança na escola se dava com a auto-organização dos/as alunos/as, com acompanhamento dos/as professores/as na implementação da Pedagogia da Alternância.

De acordo com Pereira, Pereira e Souza (2017), no artigo Auto-organização: um instrumento da Pedagogia da Alternância focalizado no projeto Educampo, enfatizam que, por meio desse instrumento, os/as alunos/as passam a compreender o motivo pelo qual realizam determinadas tarefas na escola e, mediante isso, precisam ser orientados/as. Segundo as autoras, a auto-organização dos/as estudantes requer acompanhamento dos/as professores/as responsáveis pelas referidas turmas ou equipes, passando pelos seguintes passos: assembleia dos estudantes; formulação do quadro de atividades a serem seguidas com as respectivas equipes e seus coordenadores, com dias e horários determinados. A auto-organização dá-se para momentos das refeições, para a coordenação de atividades da semana em sala de aula, atividades de vivência, chegada dos/as estudantes às segundas-feiras e saída às quintas-feiras e, por fim, a auto-organização acontece em cada comissão de auto-organização.

Essas atividades mexeram profundamente na vida escolar e, no momento atual, avalia-se que é um fator que leva a um maior comprometimento dos/as estudantes, com crescente grau de responsabilidade, senso de coletividade e amadurecimento pessoal frente a tarefas e coordenações de equipes. Contudo, com a Pedagogia da Alternância nas escolas da rede pública, tendo aportes metodológicos próprios, não se deixa de cumprir com o currículo estipulado pelos documentos legais, cumprindo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Pereira, Pereira e Souza et al. (2017) descrevem que o currículo nas escolas do Educampo ficou organizado da seguinte maneira: na base comum curricular, estão as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Ciências, Educação Física, Artes e Ensino Religioso; já a parte diversificada comporta língua estrangeira e técnicas agrícolas, além das atividades da Pedagogia da Alternância descritas no plano de estudo, somadas ao caderno de vivência, pasta da realidade, vivência prática e auto-organização.

Conforme podemos perceber, na parte diversificada do currículo das escolas, encontram-se os instrumentos formativos da Pedagogia da Alternância, pois não se trata de apenas alternar tempos e espaços para ser considerado Alternância. Sobre isso, Queiroz, como traz o Parecer No 1/2006, ajuda-nos na compreensão quando descreve que em uma

[...] concepção de alternância formativa, não é suficiente a aproximação ou ligação de dois lugares com suas lógicas diferentes e contraditórios, ou seja, a escola e o trabalho. É necessária uma sinergia, uma integração, uma interpenetração rompendo com a dicotomia teoria e prática, abstrato e concreto, saberes formativos e habilidades (saber - fazer), formação e produção, trabalho intelectual e trabalho físico (manual) (QUEIROZ apudBRASIL, 2006, p. 4, grifo do autor).

Costa (2017), que em sua monografia estudou o processo de implantação/construção do Educampo de 2016 a 2017, relata-nos detalhadamente como foram organizados os instrumentos da Pedagogia da Alternância. Assim, é-nos dado a compreender que cada escola não faz necessariamente o que faz a outra, embora as duas escolas pesquisadas iniciaram o Educampo, colocando em prática como primeiro instrumento da Pedagogia da Alternância a auto-organização dos alunos e, consequentemente, dos/as professores/as.

A exemplo de como ocorre no município de São Mateus, segundo pudemos vivenciar por meio do projeto de extensão, as escolas passaram a ser organizadas em tempo sessão (estudos e práticas na escola) e tempo estadia letiva (trabalhos e pesquisas com as famílias). Desse modo, de segunda a quinta-feira, os/as estudantes permanecem nos tempos escolares regulares de meio turno, mas, em um dia da semana, todas as turmas, de uma a uma, ou agrupadas em duas ou três, dependendo do número de alunos/as, permanecem o dia todo na escola em atividades conforme o currículo, vivenciando obviamente a auto-organização das equipes.

Às sextas feiras os/as discentes desenvolvem atividades de estudos, práticas e pesquisas em suas famílias, com o devido registro no caderno de acompanhamento. Enquanto isso, nesse mesmo dia, os/as docentes se reúnem para processos formativos em suas escolas, incluindo reuniões, estudos, planejamentos, ou fazem formações entre todas as escolas do Educampo na Semed ou em uma das escolas. Outra atividade que os/as docentes realizam às sextas-feiras são as visitas às famílias dos/as educandos/as, colocando em funcionamento, então, mais um instrumento da Pedagogia da Alternância. Essas visitas são organizadas previamente e feitas utilizando o transporte escolar.

De acordo com Costa (2017), as atividades da estadia letiva que os/as alunos/as desenvolvem sempre são orientadas pelo/a docente acompanhante da turma, e o instrumento de diálogo com a família é o caderno de acompanhamento, assinado pelos familiares e/ou responsáveis a cada semana. Nesse caderno, é descrita, a cada dia, a atividade que o/a aluno/a desenvolveu em sala de aula, em tópicos sucintos. Do mesmo modo, o/a discente relata os livros lidos e as atividades comunitárias das quais participa aos finais de semana, para o conhecimento do/a professor/a orientador/a. Pelo que pudemos perceber, o caderno de acompanhamento, como instrumento de diálogo entre escola/aluno/família, ainda precisa ser melhorado, pois as famílias não tinham como hábito verificar e assinar, dando ciência, das atividades; há pais/mães/responsáveis analfabetos/as ou semianalfabetos/as; alunos/as que não lembram os familiares dessa tarefa etc.

As atividades da estadia letiva são definidas pelos temas geradores do plano de estudo, que, por sua vez, é elaborado com a participação e o diagnóstico da realidade da comunidade em sintonia com o currículo do que deve ser oferecido em cada ano escolar. Dessa forma, os temas geradores e seus desdobramentos são inseridos nas temáticas do currículo oficial do Ministério da Educação (MEC). Esse entrecruzamento da teoria com a prática por meio dos instrumentos da Pedagogia da Alternância evidencia o que Oliveira (2016, p. 57) descreve: “[...] a vida se torna o eixo central da aprendizagem. Do meio brota a indagação, a inquietação e problematização. A escola é o local de escuta e reflexão dos problemas levantados, ou seja, receptora das inquietações e propulsora da ação reflexiva”.

Conforme podemos perceber, a Pedagogia da Alternância possui uma grande complexidade onde quer que seja vivenciada como processo educacional em vista da formação integral, pois os instrumentos pedagógicos colocados em funcionamento nas escolas do Educampo, conforme descreve a Resolução CME 76/2016 (JI-PARANÁ, 2016), são: plano de formação; plano de estudo; caderno de vivência; pasta da realidade; auto-organização; visita às famílias; formação de famílias6. Esses instrumentos, por sua vez, efetivam-se junto a outras ações pedagógicas descritas na mesma Resolução.

Contudo, para viabilizar o projeto educativo do Educampo, é necessário um processo de formação de professores consistente que dê segurança e, ao mesmo tempo, possibilite que esses profissionais e gestores sejam sujeitos do processo. Nesse sentido, foram cerca de três anos de formação, diálogos entre professores/as, gestores/as municipais e famílias para entender a mudança curricular que ocorreria na escola. Com o início do Educampo nas duas primeiras escolas, em 2016, houve acompanhamento sistemático por parte de gestores/as municipais, a cada instrumento pedagógico colocado em funcionamento, e isso se deu durante quase todo o ano letivo. Além disso, todas as sextas-feiras foram e continuam sendo reservadas para processos formativos dos/as professores/as, o que ajuda na reflexão do processo vivenciado e nas trocas de experiência.

Com relação ao município de São Mateus, conforme aponta a pesquisa bibliográfica, a formação de professores/as também ocorre às sextas-feiras; entretanto, além do que é oferecido no âmbito da Secretaria Municipal, há outros promovidos pela Raceffaes. Oliveira (2016) e Andreatta (2013) descrevem que essa entidade oferece formação/capacitação docente pelo menos duas vezes ao ano em semanas de formação, em especial aos/às novos/as professores/as. Há também oficinas de elaboração do plano de formação, que é o PPP da escola a cada ano e, junto a isso, todos/as os/as professores/as participam dos seminários regionais de Educação do Campo que acontecem a cada ano.

Oliveira (2016) enfatiza a necessidade do processo formativo de monitores/as, pois a realidade das escolas daquele município é de grande rotatividade de profissionais, visto que muitos/as são trabalhadores/as de contrato temporário. O caso de Ji-Paraná é bastante diferente, pois os/as professores/as contratados/as na rede pública ou concursados/as por 20 horas são exceção. Isso não significa que processos formativos de entidades e/ou movimentos sociais populares sejam dispensáveis. A realidade é diferente, pois quem protagoniza o seminário anual de Educação do Campo, com duração de três dias, em Ji-Paraná, é a Semed e, para tanto, ela chama parceiros como a UNIR, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e sua Federação (STTR/Fetagro), a EFA, a Aefaro, entre outros.

No entanto, o que podemos perceber é que o dinamismo de todas as escolas é grande e um grupo de WhatsApp tem sido um meio rápido e eficaz de socialização de experiências que estão em curso em todas as escolas. Assim, uns/umas aprendem com os/as outros/as e mostram entre si algo semelhante ou distinto sobre o que estão fazendo nos processos pedagógicos que estão desenvolvendo. Não há uma receita homogênea a ser seguida para colocar em funcionamento o Educampo nas escolas, mas o Plano de Formação, que detalha o Plano de Estudo como PPP, somado à criatividade das ações de todos os sujeitos envolvidos, faz um novo tipo de educação mesmo em meio a inseguranças e contradições. O que se sabia era que do jeito que estava a educação no contexto do campo não poderia continuar e, assim, optou-se em fazer algo distinto que está gerando aprendizagens para todos/as os/as envolvidos/as no processo, inclusive para a equipe de apoio e guardas dessas escolas.

Para o Educampo acontecer, as famílias têm um papel importantíssimo e são levadas a ter uma participação cada vez maior na vida escolar, pois os instrumentos da Pedagogia da Alternância os colocam juntos às atividades desenvolvidas por seus/suas filhos/as, tanto em casa como na escola ou nas visitas pedagógicas/viagens de estudo. Nessas atividades extra escolares realizadas, com planejamento e orçamento devidamente organizados, são proporcionados aprendizados ímpares que empolgam, sobretudo, crianças e adolescentes, cujos relatos, em seminários anuais, mostram o avanço nas práticas pedagógicas somado ao gosto de fazerem parte dessas escolas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Pedagogia da Alternância praticada nas escolas da rede pública municipal de Ji-Paraná é, por enquanto, uma experiência única no estado de Rondônia, e sua importância está em ser um projeto ousado de Educação do Campo, ainda que existam inseguranças e desafios. É uma experiência que ainda está se fazendo e, ao mesmo tempo, sendo pensada e repensada, pois as escolas vão buscando estratégias diferentes para as diferentes demandas que surgem, assim como para problemas cotidianos. Do mesmo modo, os sujeitos vão se colocando e mudando o curso das coisas, propondo atividades pedagógicas e, nesse aspecto, aprendendo e mostrando que podem interferir na vida da escola, inclusive no currículo.

O intuito dos instrumentos da Pedagogia da Alternância é que, por meio deles, as pessoas envolvidas, com destaque às famílias, vão se fazendo sujeitos do processo educacional e, mais do que isso, sejam inseridas em um projeto de formação humana. Ao que pudemos constatar nesta pesquisa, o Educampo está rompendo com o paradigma da educação rural e incidindo em concepções de um outro modo de desenvolvimento local, na medida em que estudantes e suas famílias se deem conta do significado do pertencimento ao campo, do valor de seu trabalho e de sua produção, da importância de sua cultura e da valorização de seu modo de vida.

Gimonet (2007), em seu estudo clássico, menciona a importância das famílias dos/as estudantes no regime de Alternância, inclusive elas fazem parte de um dos quatro pilares dos Ceffas. Os pilares, segundo Gimonet, são: a formação integral; o desenvolvimento do meio; a alternância; e a associação. Nessa última, estão os pais e as mães, as famílias, os/as profissionais e as instituições que dão viabilidade econômica e de gestão aos Ceffas. Em outra parte da obra, a importância fundamental das famílias é mencionada pelos vínculos estabelecidos pelos próprios instrumentos da Pedagogia da Alternância, como o plano de estudo, o caderno da realidade, a visita às famílias etc. Desse modo, pensar em Pedagogia da Alternância sem uma participação efetiva das famílias dos/as estudantes não teria viabilidade ou sequer poderia ser considerada Pedagogia da Alternância.

Oficialmente, a criação das ECORMs, ou seja, a prática da Pedagogia da Alternância em escolas públicas no estado do Espírito Santo, é anterior à existência da Educação do Campo, mas podemos afirmar que ambas foram gestadas em um mesmo momento. Em meados de 1980, tentou-se fazer a primeira experiência de Pedagogia da Alternância em uma escola da rede pública no município de Muriaé, segundo Menezes (2013), mas acabou não sendo uma experiência exitosa pelo fato de o poder público não ter junto de si a coesão das comunidades camponesas e sua plena participação, que são fundamentais no processo educativo escolar com o regime de Pedagogia da Alternância. A Educação do Campo teve seu marco inicial entre os anos de 1997 e 1998, conforme já pontuado, e, assim, ambas coincidem na existência, de fato, na década de 1990, fruto de inconformações e lutas populares da década de 1980.

A reflexão sobre a experiência do Educampo em Ji-Paraná contribui para que se possa imaginar caminhos possíveis para a Educação pública no Brasil, embora não seja uma experiência sem conflitos desde a gestão governamental até as escolas. A atual gestão federal praticamente acabou com o Pronera, como programa específico que destinava recursos para a Educação do Campo em projetos e convênios e, assim, o Educampo está sendo levado a cabo pelo fato de ser assumido pela Prefeitura Municipal, contando com recursos garantidos em legislações da Educação do Campo anteriores, como, por exemplo, a garantia de repasse maior por aluno das áreas rurais e subsídio para transporte escolar, devido às longas distâncias do percurso dos alunos do campo.

No caso de Ji-Paraná/Rondônia, não é por acaso que diferentes municípios no estado buscam conhecer o Educampo com a intenção de construir uma proposta parecida para suas escolas do campo. É o caso de Alvorada do Oeste e Nova União, que já iniciaram suas atividades em vista desses moldes de Educação do Campo no segundo semestre de 2019, e representantes de escolas e de Secretarias de Educação desses municípios participaram do VII Seminário de Educação do Campo de Ji-Paraná, ocorrido em setembro de 2019. Com adaptações, o Educampo já é uma experiência valiosa que começa a ser replicada em outros municípios de Rondônia. Ao que mostra a pesquisa bibliográfica nos municípios onde já existe a experiência no Espírito Santo, o processo está sendo exitoso e, por isso, tem aumentado o número de escolas e Secretarias de Educação que aderem à proposta, com aprovação das famílias e das comunidades.

Enquanto a política educacional do Governo do Estado de Rondônia é afinada com as propostas de educação a distância para o Ensino Médio por meio da mediação tecnológica (EMMTEC) para os povos/populações do campo, Ji-Paraná tem mostrado que é possível oferecer educação de qualidade na rede pública, rompendo com a perspectiva urbanocêntrica nas escolas do campo, e, ainda, tem diminuído custos de transporte escolar, segundo aponta Felipe (2019) ao entrevistar a então secretária de educação que implementou o Educampo, após realização de estudos e viabilidade social e econômica.

Como política pública, o Educampo tem diante de si o desafio de construir, de forma coletiva, uma proposta que cada vez mais reforce a concepção de Educação do Campo. Mais do que um desejo da administração municipal, deve ser um anseio apropriado e construído pelas comunidades das escolas, o que já está acontecendo segundo constatações de nossa pesquisa. Além disso, o Educampo tem se constituído em uma alternativa ao fechamento das escolas do campo em Ji-Paraná, ao garantir a permanência das comunidades em suas localidades, fortalecendo, assim, a agricultura familiar e camponesa.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 Projeto de extensão edital 03/2018 PIBEC/PROCEA/UNIR, aprovado pela certidão de nº 144, com o título “Educação do campo: construções e percepções político-pedagógicas em Ji-Paraná/RO”.

2 Conforme o site da Contag em 2016, o orçamento do Pronera, específico para a Educação do Campo, era de 30 milhões, caindo para apenas 3 milhões em 2018. Disponível em: http://www.contag.org.br/indexdet2.php?modulo=portal&acao=interna2&codpag=101&id=12341&mt=1&nw=1&ano=&mes. Acesso em: 15 jan. 2021.

3 Menezes (2013) descreve que, no ano de 2007, por meio do Raceffaes, foi pressionada a criação da Lei No 11.494/2007, que, por sua vez, foi substituída pela Lei No 12.694/2012, tornando possível o financiamento dos Ceffas com recurso público.

4 Alguns autores descrevem a sigla como ECOR com o mesmo sentido de ECORM.

5 No caso do estado de Rondônia, as EFAs chegam a atender alunos provenientes do estado do Acre, uma vez que nesse estado há apenas uma EFA (VALADÃO, 2018).

6 Cada um desses instrumentos possuem uma intencionalidade que se complementam. O documento pode ser acessado no site do Conselho Municipal de Educação de Ji-Paraná - Resolução 076/2016. Disponível em: http://cmeji-parana.blogspot.com/p/resolucoes.html. Acesso em: 17 fev. 2021.

Recebido: 06 de Dezembro de 2019; Aceito: 15 de Maio de 2020

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