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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.1 São Paulo jan./mar 2021  Epub 10-Maio-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i1p517-535 

Artigos

SABERES EXPERIENCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DE UM CURRÍCULO EMERGENTE NO COTIDIANO DO ENSINO MÉDIO RURAL

EXPERIENTIAL KNOWLEDGE ON THE CONSTITUTION OF AN EMERGENT CURRICULUM IN THE DAY-TO-DAY OF THE RURAL SECONDARY SCHOOL

SABERES EXPERIENCIALES EN LA CONSTITUICIÓN DE CURRÍCULUM EN EL COTIDIANO DE LA ESCUELA SECUNDÁRIA RURAL

Adelson Dias de OLIVEIRAi 
http://orcid.org/0000-0001-8415-1153

Jane Adriana Vasconcelos Pacheco RIOSii 
http://orcid.org/0000-0003-1827-3966

i Doutorado em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia. (2019). Professor Adjunto da Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF, Campus Juazeiro-BA. E-mail: adelsonjovem@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-8415-1153.

ii Pós-Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Professora Plena da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: jhanrios1@yahoo.com.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0003-1827-3966.


RESUMO

Este artigo objetiva problematizar a constituição do currículo no cotidiano de professores(as) do ensino médio rural e seus saberes experienciais. Vincula as epistemologias do sul e autores que consideram o saber experiencial como exponencial na produção do conhecimento. Desse modo, o problema que norteia o estudo está centrado na constituição do currículo em meio ao cotidiano de professores(as) do ensino médio nas ruralidades. Faz uso do dispositivo de pesquisa-formação-ação da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas, como perspectiva metodológica. Nesse contexto, são produzidos saberes que vão para além da regulação técnica e do desenvolvimento de um currículo puramente informacional. Há uma mistura entre fazer o que está previsto no currículo e, ao mesmo tempo, “subverter” o sistema.

PALAVRAS-CHAVE: Conhecimento; Cotidiano; Currículo; Documentação narrativa; Saber experiencial

ABSTRACT

This study aims to problematize the constitution of the curriculum in the day-to-day of rural secondary school teachers and their experiential knowledge. It links the epistemologies of the south with authors that consider experiential knowledge as an exponential factor in knowledge production. In that way, the problem that guides the study is centered on the constitution of the curriculum amidst the day-to-day of secondary school teachers in rural contexts. The research-training-action method for the Narrative Documentation of Pedagogical Experiences was used as a methodological perspective. In this context, knowledge is produced beyond the technical regulation and the development of a purely informational curriculum. There is a mix between doing what is featured in the curriculum and, at the same time, “subverting” the system.

KEYWORDS: Knowledge; Day-to-day; Curriculum; Narrative documentation; Experiential knowledge

RESUMEN

El objetivo es problematizar la constitución del currículum en la vida diaria de los maestros de secundaria rurales y su conocimiento experimental. Está vinculado a las epistemologías del sur y a los autores que consideran que el saber experiencial exponencial en la producción de conocimiento. De esta forma, el problema que guía el estudio se centra en la constitución del currículum en médio a la vida diaria de los docentes de secundaria en las zonas rurales. Hizo uso del dispositivo de investigación-capacitación-acción de la Documentación narrativa de experiencias pedagógicas, como una perspectiva metodológica. En este contexto, se produce un conocimiento que va más allá de la regulación técnica y el desarrollo de un currículum puramente informativo. Existe una mezcla entre hacer lo previsto en el plan de estudios y al mismo tiempo "subvertir" el sistema.

PALABRAS CLAVE: Conocimiento; Cotidiano; Curriculum; Documentación narrativa; Saber experiencial

1 DIÁLOGOS INICIAIS

Contar o que acontece no cotidiano da escola e na relação com as experiências individuais e coletivas representa a compreensão compartilhada do cotidiano do ensino médio nas ruralidades. A ação está presente nos relatos produzidos de forma individual num movimento coletivo de registrar a experiência no formato narrativo, partindo do ambiente educativo em um processo reflexivo do fazer do outro e do seu próprio. Essa é a motivação deste texto, que fez parte do movimento de pesquisa doutoral1 e configura como objetivo problematizar a constituição do currículo no cotidiano de professores (as) do ensino médio rural e seus saberes experienciais.

As representações e compreensões sobre o que acontece nesse contexto possibilitam avançar na compreensão do mundo social envolto no cotidiano da escola, no currículo que ali é desenvolvido, sob o marco das experiências pedagógicas. Acreditamos que este espaço é o lugar do debate sobre o cotidiano escolar e como se configura a partir do fazer docente no ensino médio em território rural. Não fazemos aqui uma cronologia das diversas teorias e abordagens sobre cotidiano, mas acessamos esses conceitos pelo movimento das experiências pedagógicas documentadas, bem como do processo pelo qual cada professor viveu ao fazê-las.

Intercruzando as experiências e narrativas de professores (as), foi possível acessar um saber tácito e não expressado, vivido e, por isso, ao narrar, repensar e analisar a sua experiência possibilita a transferibilidade, em outras palavras, a constituição da memória organizativa e o reconhecimento do saber experiencial (BOLÍVAR, 2014). O que percebemos é que o percurso realizado por nós possibilitou a este conjunto de professores (as) reconhecer o saber adquirido, para assim projetar ações futuras, em outras palavras, a entrada nesses lugares da experiência evidencia que a transformação no ambiente educativo, no cotidiano da escola nunca será homogênea e produz, assim, condições singulares no desenvolvimento de uma proposta curricular específica.

Entendemos que as narrativas sinalizam potenciais pedagógicos que possibilitam adentrar ao campo do cotidiano escolar e, assim, construir novas perspectivas de aprendizado. Quando compartilhadas, comentadas e reescritas permitiram ao professor narrador o adensamento da experiência na ação reflexiva e reconstrutiva de sua prática. Evidencia-se, nesse caso, que a Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas incidiu no que se refere à construção da memória coletiva da escola, levando em consideração as experiências desses professores e colocando no centro do debate a discussão sobre as questões pedagógicas em que estão constituídos o fazer docente e a constituição do saber e produção de conhecimento.

Nesse caso, o trabalho por nós desenvolvido, por intermédio da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas, pode ser compreendido como uma modalidade, uma estratégia de trabalho pedagógico participativo e em rede entre docentes pesquisadores que promovem a produção de saber pedagógico a partir do questionamento e narração autobiográfica dos saberes construídos na escola. Tais elementos se inscrevem no campo pedagógico e estão comprometidos com o registro da memória pedagógica da escola e, nesse movimento, a recriação da consciência profissional dos professores, mediante a produção participativa de relatos de experiência (SUÁREZ, 2015).

O que foi possibilitado ao longo da pesquisa e da vivência do ato de documentar as experiências pedagógicas sob a égide do cotidiano e do espaço de atuação e do fazer docente, foi encontrar outras formas de nomear, de dizer o que estes professores vivem, pensam e compreendem no âmbito do campo pedagógico e da produção de conhecimento. Torna-se, nesse sentido, um processo que gerou reconhecimento por parte dos que narraram, refletiram, escreveram e reescreveram suas experiências, além de tornar público, por meio da publicação e circulação entre os seus pares. Sendo assim, configurando-os na condição de professores (as) pesquisadores, comprometidos em tornar possível a produção de saber, de conhecimento validado a partir do seu fazer, de suas experiências.

Uma forma de produção de saber ou meio de formação docente mediado pelo saber vinculado às próprias experiências. Uma formação docente orientada pela possibilidade de participação efetiva e ativa dos próprios docentes sobre os seus processos formativos. Novas formas de aprendizagem e produção de conhecimento, um incentivo constante para que se questione o que se faz e se produz ao longo da escola.

Vale considerar que o cenário da pesquisa foi uma escola de ensino médio rural, localizada na comunidade Goiabeira, região de sequeiro - microclima característico da região semiárida do nordeste brasileiro - da cidade de Juazeiro (BA). Ao longo de oito meses, num movimento de ir e vir entre a cidade a escola, vivemos a composição de narrativas distintas em que perspectivas curriculares passavam a descortinarem-se na prática cotidiana de 7 (sete) professores narradores. Com a imersão do dispositivo da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas, foi possibilitado refletir sobre os modos distintos que estes cotidianos se apresentam e passaram a compor o movimento da pesquisa-formação-ação inerente ao dispositivo, bem como do transladar-se de professor narrador a professor autor, com o fato de que seus relatos passam a se configurar como documentos ao serem publicados.

É sobre esses aspectos que passamos a discorrer e tecer provocações mediadas pelas narrativas de autoria de professores (as) que demarcam seu cotidiano com saberes que se configuram no chão da escola e permitem acessarmos outros modos de conceber o currículo vivido por esses sujeitos. Cotidianos adversos, com condições de trabalho precárias, tornam-se cenários fecundos para se problematizar esse cotidiano e fazer emergir reflexões outras sobre os aspectos pedagógicos que circundam o ensino médio rural.

2 DESLOCAMENTOS, COTIDIANOS E SABERES EXPERIENCIAIS QUE EMERGEM DAS NARRATIVAS DOCENTES

As narrativas que emergem do processo vivido ao documentar narrativamente as experiências pedagógicas, instituíram em nós a condição de trânsito frequente por distintos espaços que configuram o chão da escola. Estes lugares nos possibilitaram abrir janelas (LARROSA, 2014), até então não visivelmente compreendidas no universo das práticas pedagógicas destes profissionais e nos remetem a outros lugares, que aqui são nomeados de núcleos de sentido, todavia nos encaminham para cantos, trilhas, veredas que a experiência nos revela, inclusive, o contexto do território rural como cenário destas acontecências, como descrito pela professora Clara Sousa (2018).

Após fazer várias leituras das versões preliminares e das versões finais publicizadas por intermédio do ateneu de experiências pedagógicas, foram localizadas, entre pares, as distintas experiências documentadas, os debates surgidos e, após conversas, os comentários em redes sociais, bem como a avalição e o contato que permaneceu no grupo de discussão de email e de rede social, via WhatsApp. Ficou evidente que as experiências não se encerram no momento da escrita e publicação, pelo contrário, ganham novos contornos a partir desse movimento.

Os deslocamentos entre a cidade e a escola na Goiabeira II foram continuados pelos professores e suas práticas pedagógicas passam a se reconfigurar mediante as relações que estes professores estabelecem no universo da sala de aula e no que concerne às questões administrativo-pedagógicas, ou seja, estes professores não são mais os mesmos, tampouco o movimento pedagógico vivido por eles.

Entendendo a ação reflexiva não como melhora da escola, mas como atuação ativa no ambiente educativo, é uma maneira de intervenção política no campo pedagógico. Outra forma de nomear e adentrar a outros espaços do discurso e do fazer pedagógico. As experiências documentadas nos provocam a explorar outras formas políticas organizativas que extrapolam a burocracia escolar.

A escrita destes professores marca apenas um pequeno percentual do que foi todo o processo de documentar. Esse movimento etnográfico vivenciado pelo grupo trouxe novos contornos para o acesso ao conhecimento. Isso configura-se como um contraponto ao que se estabelece como normalização no cotidiano, como sinalizado anteriormente, bem como estabelece diálogo direto para fortalecer que existe contrassenso na proposição da reforma do ensino médio, atualmente, no Brasil. Uma vez que passamos a compreender a dimensão do cotidiano e a sala de aula para além de uma normatização padronizada, leva-nos a crer que,

Em sala de aula a normalização determina o que aprender, como aprender, o material didático, a proposta pedagógica, o que é ser “alguém” na vida; enfim, marca as posições nos discursos e os sentidos que devem ser construídos. Levando essas reflexões para a sala de aula, observei que as práticas pedagógicas instituídas nesse espaço procuram normalizar os alunos e alunas da roça tomando-se por base as propostas, programas, livros didáticos, currículo, sistema e, acima de tudo, a ação isolada do sujeito-professor que não consegue visualizar outras referências de identidades, não vislumbra em sua prática o outro presente na interação, nem nos movimentos discursivos que promovem mudanças na ordem das coisas (RIOS, 2011, p. 129-130).

Toda a experiência construída até aqui, refletida, reescrita e publicada nos mostra que devemos pegar outras sendas, não as que nos apresentam como a saída única e a tábua da salvação. As experiências documentadas e a capacidade reflexiva que os professores possuem constituem condições infinitas de provocar mudanças significativas nos jeitos e formatos de desenvolver e conduzir o processo formativo.

Necessitamos destacar a formação como porta de entrada, ou janela que se abre como possibilidade da experiência, como já mencionara Larrosa na abertura deste capítulo e reforça a professora Rosa Alves em sua experiência documentada, para outros saberes e formatos de fazer a educação acontecer, como descreve,

A escola do campo, com suas formas específicas de ser, nos mostra a dupla face de alunos trabalhadores, de jovens (homens e mulheres) que lidam com o trabalho pesado durante o dia para estudarem à noite; outros que não conseguem chegar a tempo na aula porque o transporte do trabalho atrasa. Conheci o trabalho narrado pelas meninas, no sol escaldante para catar cebola, o que as deixa com dores na coluna além de todos os outros cansaços. Sim, não podemos esquecer nem colocar óculos mágicos nos olhos: estamos falando de uma região onde o trabalho é assalariado (sub assalariado, melhor dizendo) e a agroindústria de pequeno, micro, médio e grande porte é quem demanda da mão de obra das pessoas nessas comunidades. Poucos conseguem viver apenas da sua própria terra. Muitas vezes, nas estradas, nos deparamos com caminhonetes lotadas de trabalhadores de todas as idades que voltam dessas colheitas, todos soltos na carroceria sem nenhuma proteção. Esses são também nossos estudantes, os quais devem ser objeto das nossas reflexões docentes no momento em que planejamos nossas ações. Ainda precisamos pensar num currículo que contemple de fato essas especificidades dos estudantes do campo.

E foi nesse contexto que também conhecemos aqueles que não acreditam poder mudar de vida, que dizem algo como: “professora, pra que eu quero estudar se vou continuar na roça?” Essas falas ocorrem com frequência e sempre procuramos provocar reflexões com eles sobre o papel social de cada um na roça ou em outro lugar. Nessa semana, tive uma dessas conversas com uma aluna e disse que ela pode estudar, se especializar em alguma área e aplicar esses conhecimentos na roça (ALVES, 2019, p. 104).

O cotidiano vivido pela professora, que tem as ruralidades e o lugar do campo como espaço de formação, considerada as narrativas individuais de seus alunos, tenciona-se muito mais e ainda se inscreve em outras perspectivas que conduzem para o campo das concepções teóricas e disputas políticas vinculadas a essa categoria. Não são unânimes as compreensões e os sentidos dados às práticas pedagógicas, de maneira particular, para este lugar que, ao longo da história, sempre foi relegado ao estigma do atraso.

Corrobora com esta perspectiva a dimensão de cotidiano vivido e experienciado, como forma de fortalecimento das vozes hegemonicamente silenciadas, pelos professores em consonância com o contexto e com as pessoas que o vivem. A reconfiguração dos cotidianos por eles vividos, assim, nos provoca a vislumbrar possibilidades outras de nomeá-los (SAMPAIO, et al., 2011).

Destacamos aqui os desafios apresentados na reflexão realizada pela professora, quanto a construir outros caminhos para se pensar a educação nos territórios rurais, ou ruralidades2, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de suas práticas pedagógicas, a organização do tempo educativo ao tempo vivido no cotidiano dos seus alunos, que envolve ajustes no fazer nos horários das aulas e no conteúdo das disciplinas pelas quais são responsáveis (PASSOS, 2019; ROJAS, 2019).

Constroem uma dimensão de cotidiano regida pela experiência de um fazer educativo mediado por características específicas do território rural. Neste aspecto, os professores narradores, ao socializarem seus fazeres nos modos que constroem o conhecimento, revelaram que a dimensão das ruralidades está demarcada pela existência de uma diversidade de “campos”, porém em termos de constituição identitária esse lugar ainda não tem tal demarcação e inclusão nas falas e atitudes dos sujeitos que ocupam esses lugares, é muito mais próximo do que aponta Santos (2010), ao provocar que olhemos o cotidiano partindo da ideia de “lugares globais simples” e “lugares globais complexos” em que estão distintos pelas formas como os aspectos da modernidade vão se instalando, para os primeiros, e representando lógicas hegemônicas para os segundos.

Tal reflexão assevera-se ao avançarmos para a complexidade que se constitui ao deslocarmos para o conceito de contexto, que parte da necessidade de recomposição do todo por intermédio das partes, que se constitui do local para o global (MORIN, 1999), como evidenciado no documento narrativo produzido pelas professoras Joyce Passos (2019) e Maria Rosa Alves (2019). Refletem que é necessária, para o cotidiano do ensino médio no território rural, a reorganização do seu fazer, considerando a dimensão identitária produzida nos sujeitos por intermédio das experiências e modos de vida no cotidiano da escola nas ruralidades. Tais aspectos partem das várias formas em que estes sujeitos passam a nomear o seu lugar, dentre os quais destacam-se: morador da roça, catingueiro, ribeirinho, de sequeiro, são mais comuns de se ouvir e representam significativamente o lugar do rural como símbolo de vida e possibilidade de crescimento, outros rurais e novas possibilidades.

Nesse sentido, o grupo de professores (as) provocados (as) ao narrar suas experiências e, em decorrência da não uniformidade de concepção do que venha a ser o lugar do rural, das ruralidades, do campo ou simplesmente o encontro com os saberes, refletem sobre o lugar e o conhecimento que dali nasce. Desse modo, constitui uma possibilidade de conceituar o cotidiano de suas experiências, tomado pela noção de lugar e o que nele ocorre de maneira não natural e contingente em que o foco no tempo se faz pertinente para pensar o processo educativo num cotidiano desancorado.

Esse cotidiano do imprevisível, ou do previsto, como demarca a professora Rosa Alves em seu texto, ao relatar os fazeres vividos pelos alunos ao longo do dia, se constitui como elemento limítrofe no momento de se pensar e planejar as ações e, assim, compor o cotidiano de suas atividades. O ensino médio, diante desse cotidiano, relaciona-se ao tempo e ao experienciado nesse lugar das ruralidades, e nos leva ao diálogo direto com Santos (2010, p. 592), ao dizer que,

No lugar - um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições - cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora da comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade.

Instigados por essa reflexão em que somos provocados a pensar o lugar do cotidiano como compartilhamento entre uma ação própria e uma relação de confronto, retomada pelo jeito que vivem e também pelo que constroem na perspectiva de memória dos distintos, o que o distingue de um mero acontecimento para o movimento de acontecências. Com essa perspectiva, convergimos a dimensão de que estamos vinculados a uma sequência temporal de atividades. A esse modo de pensar, se faz pertinente elucidar a reflexão do professor Adelson Silva (2019, p. 80):

Os alunos da comunidade Anexo Goiabeira II têm outra visão de mundo no que diz respeito aos sonhos, perspectiva de vida, dilema, anseios, entre outros. Isso faz com que o professor da zona rural adapte o currículo para a realidade dos alunos.

Percebamos que este professor vincula o seu fazer ao movimento da reorganização de suas atividades curriculares, ao jeito de viver dos seus alunos e às perspectivas de projeto de vida que os envolve, tais aspectos nos remetem a pensar o cotidiano, de maneira específica no ensino médio como um movimento constante de reorganização didática e pedagógica vinculada ao contexto. Em outras palavras,

no que se refere aos tantos cotidianos nos quais vivemos e nos quais nos formamos como uma rede de subjetividades (Santos, 1995), entre os quais está o da escola, fundamentam-se, também, em uma crítica ao modelo da ciência moderna, que para se “construir” teve a necessidade de considerar os conhecimentos cotidianos como “senso comum” a serem “superados” pelos conhecimentos científicos (ALVES, 2003, p. 65).

Pudemos perceber claramente a oscilação entre o que se considera senso comum e a ideia de conhecimentos científicos no cotidiano da escola e das práticas dos professores. Ao narrar e colocar os seus conhecimentos e experiências na “mesa de debates” ao longo das atividades do disposto da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas, estes professores narradores passaram a refletir esses “cotidianos como uma rede de subjetividades” como mencionado anteriormente, o que permitiu-nos documentar estes aspectos não documentados pelas formas tradicionais de pensar a vida escolar, sob o marco da etnografia escolar, provocados por toda reflexividade que o dispositivo conduz.

Todavia, não se pode considerar a Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas como perspectiva somente etnográfica, o que significa não submetê-la à colonialidade de validação antropológica, ou seja, este trabalho nos leva a construir outras formas de avaliação do saber que estão para além do campo acadêmico, bem como de conceber o ideário de cotidiano nos espaços escolares (SUÁREZ, 2017).

Os distintos lugares pelos quais os professores foram sendo deslocados ou provocados nos movimentos de refletir suas experiências cotidianas denotam que o cotidiano está para além de uma sequência de atividades realizadas, mas passa a conformar uma circularidade de reformulação deste lugar, mediado pela memória e os sentidos a elas atribuídos (CERTEAU, 2008; VEIGA-NETO, 2006). De maneira colaborativa, evidenciamos aqui a reflexividade sobre o fazer cotidiano e os novos sentidos dados à prática pedagógica, desencadeados nos encontros com os professores narradores e que nos conduzem para os sentidos atribuídos como forma de se constituir memórias, registrá-las e problematizá-las,

[...] Quando cheguei nessa escola, a matemática que eu ensinava era estática e tecnicista, eu não conseguia e confesso que ainda tenho uma certa dificuldade de contextualizar no cotidiano deles. Mas muita coisa eu já consegui desmistificar e colocar sentido nessa disciplina tão odiada por eles. Como por exemplo, o cálculo com áreas e perímetros, o trabalho com números decimais e as quatro operações (FERNANDES, 2019b, p. 63).

Atentos a tudo isso, fomos percebendo que os sujeitos do cotidiano da escola tecem redes de práticas e de conhecimentos (CERTEAU, 2008) em que a contextualização vai se configurando como necessária e, ao mesmo tempo, desafiadora para que a ação pedagógica possa superar o paradigma hegemônico e urbanocêntrico do fazer docente nas ruralidades.

Ao narrar, escrever, comentar e reescrever suas experiências, estes professores passaram a olhar o seu fazer deslocando-se para a margem da sua sala de aula, saindo da centralidade do professor para o expectador atento e com olhar aguçado para o seu próprio fazer. O cotidiano, nesse sentido, passou a ser reconfigurado, ao passo em que novamente ocorre o giro da ação reflexiva e volta para o lugar da docência, sem ter saído fisicamente, mas o processo reflexivo originado pelo que se propõe a ação hermenêutica da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas e, assim, outros lugares possíveis passam a permear o fazer docente.

Percebamos que, até então, na dimensão de cotidiano refletida e significada ao narrar e documentar as experiências, os professores mobilizam suas memórias, sentimentos e arcabouço teóricos e os colocam à disposição entre os pares. Com isso, passamos a considerar esse ambiente como propício e produtor de conhecimento.

O cotidiano vivido repetidamente, sem inferir a reflexividade, apenas existe e acumula informações para quem o vive, todavia, não avança na apropriação de conclusões acerca do processo de ensino e aprendizagem, bem como da possibilidade de se constituir teorias críticas em sua prática pedagógica, em outras palavras, é uma forma automatizada de fazer o espaço da sala de aula sem transformá-lo em lugar de aprendizagem significativa, que o distancia do acesso às distintas possibilidades de conhecimento por eles próprios elaborados e a capacidade de saber por si mesmo (CONTRERAS DOMINGO, 2011).

O cotidiano do ensino médio em território rural, registrado e refletido nos documentos narrativos dos professores, que se prontificaram a viver esse movimento narrativo, desloca o enfoque nos

estudos do cotidiano acerca do entendimento de que, mais do que a tendência de descrever a escola em seus aspectos negativos [...] buscando a compreensão de que o que nela se faz e se cria precisa ser visto como uma saída possível, naquele contexto, encontrada pelos sujeitos que nela trabalham, estudam e vão levar seus filhos (ALVES, 2003, p. 64-65).

Nessa lógica, destacamos o registrado pelo professor Arlley Rodrigues em seu texto, ao descrever uma atividade “extraclasse”, como nomeia, voltada para o ensino de física junto aos alunos. Parecia uma atividade como qualquer outra, porém, assinala que sua aula gerou desdobramentos dos quais não imaginara ao planejar sua aula. Essa ação vivida no contexto de sua aula, em conjunto com jovens estudantes, o retirou de sua zona de conforto para refletir que existem outros formatos para que o cotidiano das ruralidades passe a figurar a sala de aula e o fazer docente de maneira significativa e produtora de sentidos para a docência e os alunos. Aqui, um destaque para o que menciona, “é imprescindível refazer-me como profissional e que é mister possuir estratégias para um ensino significante para os alunos do anexo [...] pois estão inseridos num povoado, cuja demanda de trabalho é restrita” (RODRIGUES, 2019, p. 83).

A docência na ruralidade passa a ser demonstrada como universos de produção do saber e conhecimentos que vivem estes professores. Ao fazer esse movimento de reflexividade e registro das experiências cotidianas no ensino médio, juntos, fomos nos aproximando de outros espaços, tempos e políticas que constituem a escola. Ao problematizá-la, tomando como ponto de partida o cotidiano da docência, nos deslocamos para outros lugares que permeiam a prática e o campo pedagógico em que a escola os conduz.

Continuemos nossa viagem narrativa pelo universo das experiências pedagógicas no ensino médio em território rural, agora nos movimentando por outras estradas e concepções epistemológicas por meio das quais as narrativas documentadas nos conduzem.

A imersão por entre os elementos, que dão contorno ao cotidiano da escola, e, por conseguinte, a concepção de cultura vivida e constituída neste ambiente, produz, em nós, fazeres que dialogam e se distanciam constantemente e passam a se configurar como formas de reprodução e/ou ressignificação diante do contexto e do experienciado. Constitui um movimento de ambivalência em que “a criação de acontecimentos culturais nos cotidianos em que vivemos e nos educamos” (ALVES, 2003, p. 65) passam a configurar novos formatos de escola e fazer docente.

Como já mencionado, sob a égide da prática etnográfica do cotidiano escolar, fomos mobilizados a constituir uma perspectiva conceitual que toma como referência os estudos de cotidiano, desenvolvidos por Certeau (2008), alinhados aos estudos da etnografia da prática escolar de André (2012) e as perspectivas dos estudos culturais (HALL, 2004) e pós-coloniais (SANTOS, 2010). Nesse sentido, esta forma de pensar o cotidiano pode ser concebida entrecruzando aspectos do discurso ou ideologia, ao habitus, aquilo que é adquirido em meio ao convívio social e as distintas temporalidades em que esta tecnicidade se constitui, em que Certeau (2008) localiza os conceitos de Foucault e Bourdieu para avançar na concepção de cotidiano. Tais elementos conduzem por entre as práticas cotidianas dos professores narradores, que, ao narrar e transpor para o mundo do texto suas experiências, passam a significá-las imperiosamente movidos por essas questões aqui evocadas.

Fomos deslocados, neste momento, para questões mais específicas dessa forma de pensar o cotidiano, os acontecimentos diários a que nos referimos, foram pautados nas reflexões tecidas entre os professores narradores e nós, na condição de coordenadores do processo de Documentação Narrativa de Experiência Pedagógica. A organização da escola e a maneira como está estruturada constituem-se como barreiras para que sejam construídos caminhos na estrada da escolarização ou, como demarca Freire (1996), do processo educativo partilhado entre professores e alunos no ambiente educacional.

Dessa forma, toda a experiência construída até aqui, refletida, reescrita e publicada, nos mostra que devemos pegar outras sendas, não as que nos apresentam como saída única e tábua da salvação. As experiências documentadas e a capacidade reflexiva que os professores possuem constituem capacidades infinitas de provocar mudanças significativas nos jeitos e formatos de desenvolver e conduzir o processo formativo.

Avançarmos do modelo artesanal de formação, que considera pertinente que o professor tenha conteúdo e bom senso, já é o suficiente para atuar na docência, modelo baseado no ensino segundo as tradições, ou seja, reproducionista e doutrinador. Para além deste, o modelo instrumental-tecnicista, que herda da didática tecnicista pós-64 a dimensão do microensino e o seu distanciamento do contexto, das relações do saber experiencial que os estudantes trazem da sua trajetória de vida. Na década de 80, experimenta-se o modelo sociopolítico, com possibilidades crítico-reflexivas na formação em contraposição ao modelo tecnicista, em outras palavras, um modelo de formação que permite vislumbrar a educação como prática social e numa perspectiva contextualizada e historicizada.

Foram essas formas de questionar-se que permitiram avançar na proposição e realização do trabalho com o dispositivo da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas. Nesse sentido, é pertinente assinalar que,

[…] esa estrategia metodológica, la documentación narrativa de experiencias pedagógicas, promueve trayectos de desarrollo profesional entre docentes que se estructuran en torno de la realización de indagaciones cualitativas participantes del mundo escolar. Esas prácticas de indagación que llevan adelante los docentes están centradas en la reconstrucción narrativa de las experiencias escolares vividas por ellos mismos a través de la producción individual o colectiva de relatos pedagógicos. La elaboración de relatos de experiencias pedagógicas en el marco de colectivos de docentes narradores y de determinadas reglas de juego, es la mediación que establece su dispositivo de trabajo para articular la indagación pedagógica y el proceso formativo que llevan adelante de manera simultánea los docentes participantes (SUÁREZ, 2009, p. 382).

O que queremos dizer sobre a construção textual é que o processo formativo que se dá ao documentar narrativamente acontece intrínseca e extrinsecamente ao sujeito narrador e que, por se tratar de um dispositivo constituído no universo da pesquisa-formação-ação, são necessários elementos que fortaleçam os aspectos reflexivos e possibilitem avançar na escrita e reescrita de maneira que este material sirva de possibilidades para outros sujeitos também pensarem seus fazeres e experiências.

Assim o fizemos! O exercício reflexivo em que nos propusemos foi uma aventura que nos lançava em momentos para bem distante da experiência e do saber que constituía o universo da prática pedagógica, todavia esse mesmo lançar-se para distante aproximava-nos da composição de outras formas de observar e refletir a prática. Em outras palavras, “los cambios sociales y culturales acontecidos en las últimas décadas […] añadieron la importancia de saber acerca del contexto y de los sujetos a los cuales se enseña” (ALLIAUD, 2010, p. 143). Tais questões evidenciam a condição do professor enquanto sujeito da transformação da realidade escolar.

É nesse caminho reflexivo que as experiências passaram a assumir o posicionamento de saber que é respaldado por relações estabelecidas entres alunos e professores, em meio à comunidade de aprendizagem constituída diante da busca por melhoria da qualidade do ensino e inserção do aluno, também como autor do seu processo de aprendizagem.

A reflexão, que passamos a viver, tem como ponto de partida atividades que aparentemente não se tratam de possibilidades de produção de conhecimento e reflexão no sentido do conhecimento heterogêneo, baseado na ciência moderna.

Pudemos imprimir assertivas que configuram as práticas pedagógicas como possibilidades de vinculação ao que nomeio aqui como saber experiencial, demarcado por ações vividas individual e coletivamente no interior da escola, neste caso, no ensino médio. Une-se ao debate, a seguinte reflexão:

Esta experiência revela-nos a destreza e os desdobramentos da docência. Ensinar vai muito mais além do que estar entre quatro paredes e fazer exposições unilaterais sobre determinado assunto ou disciplina. Se faz necessário despertar no aluno o espírito investigativo, crítico, através da participação efetiva nas aulas. É preciso fazer com que o aluno sinta que ele é autônomo e o principal ator na construção do seu conhecimento. Vale a pena sair do comodismo, planejar aulas mais elaboradas, em que os alunos sejam ativos nas aulas. Assim o ensino torna-se mais efetivo e significativo na vida dos discentes e também do professor (RODRIGUES, 2019, p. 84).

Os caminhos, até então percorridos por entre as experiências de docência que desenvolvem no ensino médio em território rural, desafiam a lógica da perspectiva moderna e pós-moderna de constituição e validação do conhecimento. Assinalamos como desafiadoras por se tratar de possibilidades de acesso ao conhecimento tácito e científico de modos distintos do que comumente observamos.

A estrutura da escola está vinculada a uma cultura escolar científico-técnica ou cultura organizacional burocrática, todavia, o fato de estarem em um anexo e por todos os motivos já mencionados, os professores tecem outros formatos de gestão, sem desvincular-se da escola sede que os ampara legalmente. Nesse contexto, são produzidos saberes que vão para além da regulação técnica e do desenvolvimento de um conhecimento curricular puramente informacional com a intenção de atender às demandas de mercado de trabalho urbanocêntrica.

Na verdade, o que percebemos ao longo da vivência da observação participante e das atividades vinculadas à documentação narrativa de experiências pedagógicas é que há uma mistura entre fazer o que está previsto no currículo e, ao mesmo tempo, “subverter” o sistema. Utilizamos aspas para destacar que a subversão da qual me refiro diz respeito a provocar nos jovens estudantes, que visualmente apresentam apatia e vivem em uma zona de conforto, (PASSOS, 2019; FERNANDES, 2019a; SILVA, 2019) o desejo por comporem seu próprio projeto de vida, entrelaçando os sonhos, os vislumbres por transformação em suas vidas e de suas famílias e a realidade que o contexto das ruralidades imprime nos modos de ser e viver essas temporalidades.

Diga-se de passagem que tais aspectos podem ou os fazem - jovens estudantes - se tonar alvos fáceis do encantamento da tecnologia e do desenvolvimento presente nas áreas urbanas, bem como das distintas possibilidades de emprego que o mercado de trabalho apresenta, porém, em justaposição às intenções claras de projetos de vida que valorizem o seu contexto, todavia ameaçados por oportunidades escassas de envolvimento comunitário e desenvolvimento profissional para esses jovens que vivem as ruralidades (OLIVEIRA, 2012; 2014).

3 EMERGÊNCIAS DO COTIDIANO E DO SABER EXPERIENCIAL: UM MOVIMENTO CONCLUSIVO MOMENTÂNEO.

É desse lugar de resistência, a partir dos saberes experienciais documentados, que acreditamos e afirmamos, com base nos resultados desta pesquisa, discutidos e fundamentados epistemologicamente, que novos rumos se apresentam. É preciso acercar-se dos caminhos que se apresentaram neste estudo para a formação de professores (as) do Ensino Médio, especificamente, por se tratar do chão vivido e experienciado por tais docentes, sem descartar as demais modalidades e estágios formativos que compõem a estrutura educacional do nosso país. A autoria docente é desencadeadora de novos saberes, que são conformados como territórios pedagógicos e de aprendizagem, tendo em vista o reconhecimento de uma comunidade de aprendizagem no contexto da escola.

Foi no movimento de conversas em rede colaborativa sobre os documentos narrativos, bem como no processo de escritura em que estão entrelaçadas as narrativas pedagógicas, que emergiram os saberes experienciais e, por conseguinte, a (auto) formação. Além disso, e não menos importante, a garantia de uma formação que se estabelece a partir das experiências pedagógicas dos (as) professores (as). Uma formação que valoriza os saberes experienciais e, dessa maneira, avança na reconfiguração dos elementos que garantam a inserção na profissão e a sua manutenção.

Assim, não basta a existência de uma formação que valorize os saberes dos (as) professores (as), se esta não está articulada à garantia das condições essenciais para a sua atuação. Cabe, portanto, refletir sobre as condições de trabalho, a valorização do profissional pela formação continuada, bem como considerar a importância da autonomia docente para que o trabalho pedagógico seja libertador e significativo para professores (as) e jovens estudantes.

A política de conhecimento tem como ponto de ancoragem estas três dimensões: reconstrução e difusão do saber pedagógico; indagação da experiência em contraponto aos saberes e políticas educativas; e implicação e autorização dos docentes como produtores legítimos do saber. O enfrentamento dos processos de colonização da prática docente e do saber não tem lugar, mas conta, sim, com a emergência e a validação desses saberes presentes no mundo da escola, nas narrativas pedagógicas e nos saberes experienciais, que, por sua vez, estão imersos no ato de formar e formar-se, desenvolvido pelos (as) professores (as) como condição intrínseca ao trabalho feito a partir do dispositivo da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas.

A experiência com o dispositivo da Documentação Narrativa de Experiências Pedagógicas proporcionou a nós pesquisadores e aos (às) professores (as) narradores (as) a condição de dar tempo e espaço para encontrar nos nossos fazeres o lugar da aprendizagem e da constituição da experiência. Assume, portanto, nessa pesquisa o papel de provocar a constituição de outros princípios para que a formação de professores (as) seja constituída. Não apenas garantir um conjunto de técnicas que auxiliem a ação didático-pedagógica, mas perceber que os saberes experienciais conduzem à reestruturação do lugar do prático, da docência, e conformam assim outros conhecimentos que possibilitam a constituição de processos formativos a (auto) formativos.

Anuncia-se com o desenvolvimento da pesquisa, aquilo que acontece no interior da escola, no âmbito da sala de aula, na experiência pedagógica do (a) professor (a), ao dialogar com o conhecimento técnico-científico e o contexto da escola. Um saber pedagógico experiencial, situado e contextualizado, que permite ao (a) professor (a) construir narrativamente outros formatos de aula, de conteúdo curricular e organização do tempo e espaço em que a escola está estruturada. Assim, foram descritos, narrados e refletidos outros modos de operar no mundo da escola que se situa o Ensino Médio rural. Modos que andam na contramão de políticas generalizadas de conhecimento. Fomos despertados para novos saberes, que acredito serem desencadeadores de outros modos de formar professores (as). A assertiva de que o conhecimento e o saber passam a ter sentido, quando vinculados ao contexto, ganha força no âmbito das reflexões e análises do processo vivido por esses (as) professores (as), para rememorar e documentar suas experiências pedagógicas.

As condições epistemológicas que remetem à formação do (a) professor (a) pelo fato de instituir-lhe a autonomia necessária para que se perceba enquanto um pesquisador da sua própria experiência pedagógica, compondo, assim, o novo campo epistêmico-político-metodológico em que estes saberes se circunscrevem mediante o seu cotidiano o registro de suas práticas curriculares. Em outras palavras, tomar como centralidade os saberes e fazeres que os (as) professores (as) no Ensino Médio rural produzem, constituem e experienciam, foi imprescindível à constituição dos saberes experienciais necessários à formação da profissão docente, inscritos no chão da escola vivido por estes e estas professores (as).

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NOTAS:

1 A pesquisa contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

2 Preferimos, assim, nomeá-los, pois as concepções de campo que trazemos têm vinculação direta a uma luta de movimentos campesinos e pela busca de implementação de políticas públicas educacionais e, no caso do Brasil, temos este aspecto como conquista.

Recebido: 01 de Julho de 2020; Aceito: 19 de Agosto de 2020

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