1 INTRODUÇÃO
O artigo mostra a CartoDiversidade, uma metodologia ativa para o trato da Diversidade Etnicorracial em salas de aula, tema em destaque no capítulo 2 da Dissertação de Mestrado intitulada “Afrofuturismo na Educação: Criatividade e Inovação para discutir a diversidade etnicorracial” e sua aplicabilidade no campo educacional em turmas de Formação de Professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA campus Belém.
A despeito de inúmeras produções do Movimento Afrofuturista voltadas para a Estética, Ficção, Cinema, Literatura, Música, Dança, Pintura, Escultura, dentre outras, permeia uma carência de trabalhos, que tratem da temática Afrofuturismo voltadas para o campo educacional.
O objetivo geral é evidenciar como a CartoDiversidade promove o empoderamento de forma criativa e inovadora no trato com a diversidade etnicorracial através da produção de materiais didáticos afrofuturistas. E, de forma específica, apresentar o passo a passo da metodologia ativa CartoDiversidade, bem como a produção de instrumentos inovadores nesse fazer pedagógico na Formação de Professores.
A questão que norteia o trabalho é “como a CartoDiversidade promove o empoderamento de forma criativa e inovadora no trato com a diversidade etnicorracial através da produção de materiais didáticos?”
A Cartografia, enquanto método de pesquisa, foi escolhida com o propósito de aproximar o Movimento Afrofuturista da Educação e, encontrar possíveis respostas ou traçados de convencimento para as inquietações, possibilitando um olhar mais atento às entradas e saídas que apareceram nas narrativas orais, escritas, gestuais, imagéticas para mapear, cartografar as conexões e aguçar a sensibilidade.
O método da Cartografia pressupõe a utilização de pistas que guiam o pesquisador e funcionam como “referências que concorrem para a manutenção de uma atitude de abertura ao que vai se produzindo e, de calibragem do caminhar no próprio percurso da pesquisa” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 13).
Aqui, utilizamos quatro das oito pistas propostas pelos autores1: pesquisa-intervenção, atenção, política da narrativa e acompanhar processos, que estão interligadas e se conectam, realizando entrelaçamentos mútuos em todo o decorrer do percurso.
Na pista da atenção cartográfica, os autores abordam que a observação faz emergir um mundo que já existia como virtualidade e que, enfim, ganha existência ao se atualizar. E os resultados dessas observações entram na composição de cartografias, em que o conhecimento produzido não é resultado da representação de uma realidade preexistente (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015).
Caminhando com a atenção aguçada e auxiliada por um diário de impressões e um aparelho de celular, com seus vários recursos, rastreamos pistas que permitiram a construção das Teias da pesquisa. O propósito foi fazer conexões, cartografar processos, encontros e afetos que formaram mapas autorais. Essa cartografia pretende ser textual e visual, possibilitando à pesquisadora-cartógrafa usar desenhos, colagens, aplicativos computacionais, animações e toda sorte de registros que puder lançar mão.
A política da narrativa é uma pista que diz respeito à posição que o pesquisador toma, perante o mundo e a si mesmo, ao definir a forma de expressar os acontecimentos, forçando uma mudança das práticas de narrar (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015).
A pista para acompanhar os processos inserem o pesquisador entre pulsações no campo da pesquisa porque este encontra o ambiente impregnado por uma história anterior e de movimentos processuais em que os acontecimentos vão se dando em fluxos continuados, pois “o caminho da pesquisa cartográfica é constituído de passos que se sucedem sem se separar” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 59).
O desafio aqui foi cartografar os processos, os encontros, os afetos em um espaço dinâmico em permanente processo de reconhecimento, produção e renovação, potencializando a inovação e a criatividade e estabelecendo conexões para criar linhas de aproximação com a inovação e a criatividade em diálogo com a Diversidade Etnicorracial.
A cartografia como método de pesquisa-intervenção pressupõe que, para conhecer a realidade, o pesquisador acompanhe seu processo de constituição, o que exige uma imersão no plano da experiência, pois conhecer e fazer se tornam ações inseparáveis e se constituem no percurso da pesquisa. (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015)
O artigo divide-se em duas seções: O Movimento Afrofuturista a partir de uma aproximação com o campo educacional e a Metodologia Ativa CartoDiversidade. Essa divisão foi escolhida por entendermos ser a mais objetiva no sentido de facilitar o entendimento do leitor.
2 O MOVIMENTO AFROFUTURISTA: UMA APROXIMAÇÃO COM O CAMPO EDUCACIONAL
O termo “Afrofuturismo” foi usado pela primeira vez pelo teórico e crítico cultural Mark Dery, em seu ensaio Black to the future (1994), que questiona a ausência de autores negros na literatura de ficção científica nos Estados Unidos.
É um movimento que engloba a música, quadrinhos, cinema, moda, artes plásticas e literatura. Sua estética é visível nos clipes futuristas da cantora Janelle Monáe, nas “canções cósmicas” de Erykah Badu e Outkast, na música “Afrofuturismo” de Ellen Oléria e, ainda, nas telas de Jean-Michel Basquiat, que carregam referências de um passado ancestral com toques contemporâneos. No cinema, temos o filme “Pantera negra” e “Uma dobra no tempo”, que é uma aventura tecnológica protagonizada por Storm Reid, e Oprah Winfrey.
No Brasil, as maiores expressões afrofuturistas estão em filmes como “Branco sai, preto fica” (2014), de Adirley Queirós; na música do grupo Senzala Hi-Tech e na ficção científica de Fábio Kabral, autor de O caçador cibernético da rua 13 (Malê) e Sankofia, de Lu Ain-Zaila.
Na Filosofia, consta o pensamento do filósofo camaronês Achille Mbembe, que defende a ideia do 'afropolitanismo', concepção de que deve haver uma maior conexão entre os países do continente africano para romper com os limites nacionais construídos pelo colonialismo, mas não faz disso uma determinante para se preservar subjugada no mundo.
Na Sociologia, temos Reynaldo Anderson, professor-assistente de Humanidades na Harris-Stowe State University e elaborador de uma teoria crítica do Afrofuturismo ao abordar que um afrofuturista não ignora a história, mas ele também não permite que a história restrinja seus impulsos criativos e a usa como arma na pós-negritude.
Neste trabalho, o Afrofuturismo permeia o processo ensino-aprendizagem na Literatura ficcional de Lu Ain-Zaila. Suas obras estabelecem diálogo entre a ancestralidade, imaginação, tecnologia e futuro. A autora usa o Afrofuturismo como uma narrativa para imaginar futuros possíveis com uma lente cultural negra africana e diaspórica. Além da literatura, também as artes plásticas, a música e o cinema usam o Afrofuturismo com esse fim. Mas, na educação é uma abordagem inédita e inovadora.
Em uma intensa curadoria, encontramos o artigo de Freitas e Messias (2018) intitulado “O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus Afropessimismo - as distopias do presente” que parte do tensionamento entre os conceitos de Afrofuturismo e Afropessimismo para questionar o lugar das distopias narrativas negras, a partir do cinema, da música e da literatura, na contemporaneidade.
Souza (2019), na monografia de Especialização da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Amargosa, intitulada “Afrofuturismo e educação: novas perspectivas para o debate sobre as relações raciais”, analisa duas produções artísticas do Hip Hop nacional: O filme Bluesman e a Demotape Cataclisma, promovendo uma reflexão sobre como os elementos estéticos e políticos do Afrofuturismo podem auxiliar os debates sobre relações raciais no ambiente escolar, bem como promover novas experiências para crianças e adolescentes negros (as).
A dissertação de Mestrado de Souza (2019) “Afrofuturismo: o futuro ancestral na literatura brasileira contemporânea” aborda o conceito de afrofuturismo, com foco na literatura brasileira contemporânea analisando três romances brasileiros que apresentam os elementos afrofuturistas de uma maneira diferente: Ritos de passagem (2014), de Fábio Kabral, ambientado em um mundo de fantasia que tem como base mitologias africanas; Brasil 2408 (2016-2017), de Lu Ain-Zaila, que utiliza um apocalipse climático para a construção de um futuro distópico; Cidade de Deus Z (2015), de Julio Pecly, no qual ocorre uma infestação de zumbis transformados a partir de um lote estragado de crack.
Ernesto (2018), no ensaio “Afrofuturismo: o espelhamento negro que nos interessa”, apresenta o movimento Afrofuturista, nos Estados Unidos e no Brasil, e suas diretrizes existenciais pelo olhar da literatura direcionado para a ficção especulativa que é recente na postura autoral de negros e negras no Brasil. Discute a universalidade da ficção científica como um todo e as formas como o seu mainstream reflete e pratica o racismo.
O afrofuturismo aplicado à Educação é uma potência, uma força motriz, que através da narrativa, pode revelar o passado invisibilizado, inviabilizado e subalternizado pelo colonizador, elevar a imaginação para além das convenções pré-estabelecidas da realidade, questionar o presente e criar outros parâmetros de expectativa para pessoas negras e pode utilizar o espaço educacional através de metodologias ativas em que o aluno seja protagonista “como ferramenta para resgatar passados sistematicamente apagados ao mesmo tempo em que projeta futuros, mesmo que o pensamento sobre o futuro seja algo prejudicado pelas amarras do racismo” (WOMACK, 2013, p. 41).
Por meio do empoderamento, as pessoas negras começam um processo de poder reivindicar a construção de um futuro, seu próprio e de seus pares e, para além de imaginar-se em espaços majoritariamente negados, poder estar lá pelo processo educacional, são pontos importantíssimos do movimento afrofuturista que aqui tomamos nessa pesquisa, através de possibilidades com a utilização de metodologias ativas na formação de professores.
3 A METODOLOGIA ATIVA CARTODIVERSIDADE
A CartoDiversidade é uma metodologia ativa baseada na Cartemática, cunhada por Vaz (2018) e se propõe a promover a interdisciplinaridade entre a Arte e a Diversidade Etnicorracial, com o Movimento Afrofuturista, utilizando a obra Sankofia de Lu Ain-Zaila (2019). É composta de três Cartas: Carta Princípios Inspiradores, Carta Exercício do Olhar e Carta Inspiração, utilizando os princípios da cultura Maker e da metodologia STEAM.
O movimento maker é uma extensão tecnológica da cultura do “Faça você mesmo”, que estimula as pessoas comuns a construírem, modificarem, consertarem e fabricarem os próprios objetos, com as próprias mãos. Isso gera uma mudança na forma de pensar. É o famoso “pôr a mão na massa” (SILVEIRA, 2016, p. 131). A aprendizagem mão na massa promove situações de aprendizagem por desafios ou por resolução de problemas, suscita o protagonismo e a autonomia dos alunos, colocando-os no centro do próprio processo de aprendizagem e possibilita o surgimento de novas formas de ensinar e aprender.
A Metodologia STEAM é um conceito multidisciplinar que une Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática e se propõe "por meio de atividades desafiadoras de resolução de problemas reais, criar oportunidades aos alunos de aprendizagens para toda a vida" (FILLARDI, 2018, p.11).
A presença da Arte na proposta da metodologia STEAM é uma estratégia importante para o desenvolvimento dessas competências, pois segundo Balestreri (2005, p. 23) os processos que levam o homem a apreender a realidade de forma poética e aqueles que o levam a pensar cientificamente “são vias peculiares e irredutíveis de acesso ao conhecimento, mas, ao mesmo tempo, são dois aspectos da unidade psíquica”. A Arte, portanto, possibilita uma nova compreensão do mundo e do ser humano.
A CartoDiversidade dialoga com os pressupostos do conceito de interdisciplinaridade de Freire (1993) como um processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com sua cultura. Também se conecta com Fazenda (2011, p. 11) que pressupõe “uma atitude de abertura, não preconceituosa, em que todo o conhecimento é igualmente importante”.
Trata-se de uma metodologia ativa com a proposta do aprendiz cartografar a sua aprendizagem e estabelecer conexões entre os saberes artísticos e saberes da diversidade etnicorracial para se transformar e transformar o mundo que o rodeia.
Enquanto metodologia ativa, a CartoDiversidade apropria-se do conceito de autonomia em Freire (1995, p. 148) quando o autor afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
O empoderamento está atrelado ao que Berth (2018, p. 76) fala, apoiada nos estudos de Freire (1995), enquanto prática que parte do processo de autoconscientização e culmina em transformação a partir de movimentos internos do indivíduo. Segundo a autora, “não é possível empoderar alguém senão nós mesmos e servirmos de amparo aos processos de conscientização de outros indivíduos”.
3.1 O Guia CartoDiversidade
A metodologia foi aplicada no semestre 2019-1 no IFPA, campus Belém, na disciplina Educação para Relações Etnicorraciais, em três turmas de Formação de Professores de Pedagogia, Geografia e Matemática. Foi elaborado um Guia, que é produto do Mestrado Profissional em Ensino no Programa de Pós-graduação em Criatividade e Inovação, ofertado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). A CartoDiversidade é composta por três Cartas: a) Carta Princípios Inspiradores; b) Carta Exercício do Olhar; c) Carta Inspiração. E cada Carta é formada por Trilhas.
São apresentados os objetivos, e a ementa, bem como a descrição detalhada das Cartas, Trilhas e das atividades. Contém o funcionamento da disciplina, o inventário, o diário de impressões no formato de resumos criativos (lettering), infográficos e nuvem de palavras, a avaliação e autoavaliação de cada etapa, a caixa de inspirações com suas atividades de inspiração, produção e visitação, e os textos utilizados.
O “Guia CartoDiversidade” enquanto produto educacional engloba seis princípios ou caraterísticas pedagógicas que possibilitam assegurar uma “narrativa educacional” adequada.
O desenho pedagógico do Guia CartoDiversidade apresenta as seguintes características: Afetividade; Autonomia; Estímulo à aprendizagem cooperativa/colaborativa; Interatividade; Organização e Reusabilidade/ Reutilização (BARBOSA, 2014)
A Afetividade é entendida aqui como a capacidade do produto educacional ser envolvente atrativo e contextualizado. Se apresenta aspectos motivacionais, amigável ao sujeito, estimula o desejo de interagir com o objeto, respeitando as individualidades ao propor desafios atingíveis, sem gerar ansiedade.
A Autonomia exprime a obtenção da condição de independência pessoal e papel ativo ao sujeito, ao dar ênfase à interatividade e ao controle do mesmo, encorajando-o à exploração e ao envolvimento com o produto, estimulando a aprendizagem cooperativa/colaborativa na medida em que seus usuários, incluindo o professor, precisarão trocar ideias e trabalhar coletivamente para o desenvolvimento da atividade
A Interatividade diz respeito à possibilidade de envolvimento do sujeito com o conteúdo de alguma forma. A Organização diz respeito à estruturação dos conteúdos seguindo uma metodologia pedagógica pode ajudar na compreensão e aquisição do conhecimento.
A Reusabilidade/Reutilização refere-se ao fato de o produto poder ser integrado a um novo escopo pedagógico ou objetivo de aprendizagem e, também ser utilizado para distintos tipos de alunos, quando se incorpora a ele componentes em múltiplas aplicações e contextos; assim, é possível de ser adaptado.
3.2 A aplicabilidade da CartoDiversidade
A Carta Princípios Inspiradores se desenrolou em três aulas e objetivou munir os participantes com elementos teóricos, tendo como desdobramento a Trilha da Aprendizagem Criativa.
Nessa Trilha, foram disponibilizados previamente os textos na sala de aula virtual na plataforma do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA): “Criatividade como Ferramenta de Ensino”, de Jailson Lima; “O Aprender em Múltiplas Dimensões”, de Silvio Gallo; “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”, de Jorge Larrosa. Tais leituras eram necessárias à compreensão de conceitos como: Criatividade, Aprendizagem Criativa, Experiência e Inovação.
Para criar um ambiente diferenciado de aprendizagem e garantir a retenção da atenção dos alunos, foi realizada uma atividade gamificada chamada “Dominó Criativo”: a turma foi dividida em cinco grupos e foram entregues seis folhas de papel A3 e pincéis coloridos para a escrita de três palavras-chave e três frases do texto em cada uma das folhas.
Foi delimitado um tempo de 15 minutos para essa tarefa. Após a conclusão, os grupos se postavam em pé, formando um círculo, e tiravam par-ímpar para a ordem de saída. A dinâmica consistia, como em um jogo de dominó comum, em encaixar palavras com frases, mas, para que o encaixe acontecesse, o grupo teria que explicar e convencer os demais da pertinência do encaixe e, isso, demandava a leitura prévia dos textos. O grupo vencedor seria aquele que dispusesse todas as seis peças no chão.
O Dominó criativo funcionou perfeitamente para o fim a que se propunha, gerando interação entre os pares e aprendizagem criativa dos conceitos necessários à Trilha da Aprendizagem Criativa.
Concomitante a essas atividades, foi solicitada a produção de Lettering, uma espécie de Resumo Criativo, acerca de cada texto trabalhado. Essa atividade era realizada individualmente e postada na sala virtual da turma na plataforma SIGAA.
Na aula seguinte, foi realizada uma atividade em grupo com a produção de nuvem de palavras de forma artesanal que, ao final, era socializada com os demais grupos. Cada nuvem apresentava um formato diferenciado, conforme a área de conhecimento específico da turma. Observamos que, ao final da Trilha da Aprendizagem Criativa, os conceitos de criatividade, inovação, experiência, aprendizagem e aprendizagem criativa foram esclarecidos e estavam consolidados naquele momento para as próximas aulas.
A segunda etapa da CartoDiversidade consistia na Carta Exercício do Olhar que se desdobrava na Trilha Diversidade Etnicorracial e Arte através de três imersões: a) Imersão Artística no Afrofuturismo; b) Imersão na Diversidade Etnicorracial; c) Imersão Artístico-Etnicorracial.
Para a Imersão Artística no Afrofuturismo foi dado destaque à escritora Luciene Marcelino Ernesto, mais conhecida como Lu Ain-Zaila. É uma pedagoga e escritora afrobrasileira cujas temáticas são a ficção científica afrofuturista e a literatura fantástica.
Ela é formada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), publicou, em 2007, a sua primeira história, o conto “O Caminho Sankofa de Nande”, na revista Eparrei.
Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 2015, Lu Ain-Zaila percebeu a inexistência de livros que representassem sua história e resolveu criar uma história de ficção científica na Duologia Brasil 2408, composta pelos romances (In) Verdades (2016) e (R) Evolução (2017), lançados de forma independente, que contam a história de uma heroína negra chamada Ena, que luta contra a corrupção no Brasil do século XXV.
Em 2018, Lu Ain-Zaila lançou “Sankofia: breves histórias afrofuturistas”, contendo contos afrofuturistas protagonizados por personagens negros.
A escritora lançou Ìségún, em setembro de 2019, com elementos de cyberfunk e filosofia africana, fazendo uma escrita periférica, utilizando o componente da ancestralidade sobre problemas do passado/presente e da mitologia africana. A autora pensa no Afrofuturismo como uma forma de rever o passado para além da escravidão, trazendo à tona uma história esplêndida que deve ser contada pelo presente para que existamos no futuro, encharcadas de empoderamento para tornar seus leitores sujeitos capazes de produzir oportunidades justas a qualquer momento.
Isso inclui o resgate de mitologias africanas, o desenvolvimento de críticas sociais voltadas para problemas reais do nosso mundo contemporâneo e a construção de uma noção de futuro. Esses três aspectos quase compõem uma das premissas do Afrofuturismo de que é preciso resgatar um passado sistematicamente apagado para refletir sobre os problemas do presente e projetar futuros para a população negra. Também escreve artigos e ensaios sobre Afrofuturismo e ficção especulativa.
Foram utilizadas duas aulas, com base no capítulo 1 intitulado “Era Afrofuturista” do livro Sankofia e no ensaio da mesma autora “Afrofuturismo: o espelhamento negro que nos interessa”, todos disponibilizados na sala virtual na plataforma SIGAA com antecedência.
Na aula 1, os grupos, anteriormente formados, produziram nuvem de palavras e apresentaram suas produções com uma discussão acerca do conto “Era Afrofuturista”, principalmente destacando as características do Movimento Afrofuturista: ancestralidade, futuro possível, autonomia e tecnologia. Na segunda aula, foram produzidos desenhos livres pelos grupos e discussão coletiva sobre o texto O segundo encontro culminou com a construção de infográficos.
Para a Imersão na Diversidade Etnicorracial foram selecionados três conteúdos constantes da ementa da disciplina: a) Conceitos básicos da diversidade etnicorracial comumente usados (Raça, Etnia, Racismo, Etnocentrismo, Preconceito, Discriminação, Democracia Racial, Empoderamento, Estereótipo, Injúria Racial, Ações Afirmativas, Inclusão, Exclusão, Igualdade, Desigualdade); b) A invenção da África; c) Correntes Historiográficas sobre a África. Foram usadas três aulas e disponibilizados antecipadamente os seguintes textos na sala virtual na plataforma SIGAA: “Alguns Termos e Conceitos Presentes no Debate Sobre Relações raciais no Brasil uma Breve Discussão”, de Nilma Lino Gomes; “A Invenção da África. Introdução aos Estudos Africanos em Diáspora”, de Claudia Mortari Malavota; “Diversidade e capacitação em escolas de governo: Mesa-redonda de pesquisa-ação”, de Paula Montagner, Édio de Souza Viegas e Erasto Fortes Mendonça.
Em um primeiro momento, a turma, já dividida em cinco grupos, foi incumbida da confecção de produtos educacionais no formato nuvem de palavras em papel A3. Os modelos foram diversos, mas percebemos que os formatos se aproximavam da área de conhecimento de cada turma nos trabalhos com os três textos.
Um dos objetivos dessa disciplina é dar poder, através do conhecimento de conteúdos da Educação para Relações Etnicorraciais, aos futuros professores. Nesse sentido, o empoderamento é, conforme Berth (2018, p. 16), “[...] pensar em caminhos de reconstrução das bases sociopolíticas, rompendo concomitantemente com o que está posto, entendendo ser esta a formação de todas as vertentes opressoras que temos visto ao longo da história”.
Consequentemente, o propósito maior da metodologia CartoDiversidade está em munir o futuro professor com conhecimentos para desafiar as forças opressoras da sociedade, de forma a torná-la menos desigual.
A produção autoral de nuvem de palavras serviu como estímulo à interação entre os pares e, nesse caso, garantiu altos níveis de engajamento.
Em um segundo momento, produziram resumos criativos (Lettering) com os mesmos textos. Esta é uma ferramenta utilizada em sala de aula para manter a motivação do aluno, fornecendo estímulos de alta qualidade e com diferentes formatos. A experiência da imersão na diversidade etnicorracial com a produção de resumos criativos se expressou em concentração, atenção, compreensão da informação e na interação instantânea e contínua entre o aluno e o conteúdo. Nessa experiência, os alunos foram capazes de usar a imaginação para gerar soluções criativas aos problemas cotidianos envolvendo a diversidade etnicorracial.
Outra atividade interessante foi a realização de uma curadoria dos termos e conceitos da diversidade etnicorracial, materializados na confecção de glossários artísticos em diversos formatos como, calendários, roletas, vaso com flor cujas pétalas carregavam os conceitos, roleta, painel, revista no formato HQ, boneca preta em que em seu colar trazia os conceitos, enfim, uma infinidade de possibilidades criativas e inovadoras apresentadas pelos alunos.
A Curadoria é uma metodologia em que todos os atores educacionais se tornam curadores. As características desta metodologia inovadora estão centradas na pesquisa dos estudantes de forma não hierárquica e, sobretudo, estão em despertar nos estudantes a aprendizagem ativa ou, a autoaprendizagem - a busca pelo conhecimento de forma autônoma, que complementa de forma enriquecida os múltiplos contextos de aprendizagem atuais - formais e não formais (FOFONCA; FISCHER, 2017).
Nessa etapa de construção de glossários, foi possível observar alguns indícios de empoderamento, através da preocupação com a questão estética e a autoestima das alunas, como no modelo de glossário abaixo e na fala de uma aluna ao referir-se ao seu cabelo: “Amiga, creio que chegou a hora de libertar meu cabelo que ficou prisioneiro esse tempo todo... não aguento mais ser refém de chapinha só pra agradar os outros. Eu estou me vendo nessa boneca do glossário”.
Aqui, o conceito de empoderamento apoia-se em Berth (2018) e Paulo Freire (1995), que afirmam ser uma prática que parte do processo de autoconscientização e culmina em transformação a partir de movimentos internos do indivíduo. Segundo a autora, “o processo de fortalecimento da autoestima e estratégias conscientes das relações consigo mesmo também faz parte de um processo ativo de empoderamento e deve ser levado a sério [...]” (BERTH, 2018, p. 122).
Esta foi uma das formas escolhidas, que possibilita a educação do olhar interdisciplinar através do fazer artístico dos alunos e materialização do processo de curadoria. Além disso, apresenta-se como uma ponte para a próxima etapa: a Imersão Artístico-Etnicorracial, última fase da Trilha Diversidade Etnicorracial e Arte da Carta Exercício do Olhar. Foram utilizadas três aulas.
As turmas conceberam diversos produtos educacionais. Apresentamos aqui a “Era Afrofuturista” no formato História em Quadrinhos (HQ), usando o aplicativo pixton com base no livro Sankofia da artista Lu Ain-Zaila, produzido por um dos grupos, que possibilitou novas sínteses a partir da releitura apresentada pelos alunos.
A utilização de HQs como produto da aprendizagem criativa de conteúdos da diversidade etnicorracial na imersão artístico-etnicorracial é um ferramental poderoso em que se pode agregar texto escrito e imagem, oportunizando ao aluno a produção de conhecimento, desenvolvendo sua criatividade e o poder de síntese, possibilitando-o apresentar a releitura dos fatos abordados na obra Sankofia.
Ainda na Imersão artístico-etnicorracial da Trilha Diversidade Etnicorracial e Arte, as turmas foram orientadas na concepção de produtos educacionais denominados Tecnologias Educacionais em diversos formatos: tabuleiros, jogo de cartas, revista, ludo humano transversalizados pelo Afrofuturismo com suas quatro características: ancestralidade, tecnologia, autonomia e futuro possível.
Tais produtos se valem da gamificação ao utilizar o design e as técnicas próprias de jogos, para enriquecer o processo de ensino-aprendizagem.
Fardo (2013) faz um relato sobre a utilização da gamificação na educação, buscando estimular o interesse dos alunos, encorajando o aprendizado por meio da colaboração e participação. Esses recursos promovem diversas habilidades cognitivas, como o uso do pensamento estratégico para fazer escolhas, resolver problemas, buscar conhecimento e receber feedback, promovendo o engajamento.
O processo de concepção desses produtos inicia no primeiro dia de aula e está entrelaçado com todo o percurso vivenciado no decorrer da disciplina. Os alunos foram informados da necessidade de delimitarem um conteúdo de sua área específica, uma série da Educação Básica de sua área de atuação e orientados a trazer um livro didático na aula seguinte que tivesse o conteúdo escolhido pelo grupo.
Nesse processo que é a aprendizagem colaborativa, não cabe aos alunos o isolamento para realização das atividades de forma individual e fragmentada, mas deve-se promover o engajamento de todos em uma única tarefa compartilhada. Nossa experiência com o trabalho em grupo mostra ser necessária a responsabilização individual, o uso adequado de habilidades individuais e sociais e o uso dos talentos de cada membro em prol dos objetivos do grupo.
A comunicação entre a professora e a turma é realizada pela rede social facebook em grupos criados para cada turma onde os alunos postam as versões do Manual/Guia da Tecnologia Educacional a ser construída, cuja concepção não necessariamente precisa ser inédita, mas precisa ser autoral com as inovações no produto e processo adaptadas para o público-alvo e atendendo às especificidades das diversidades pensadas para transversalizar o produto. Os grupos passaram por orientações, com horários previamente delimitados, quando apresentaram a ideia inicial, através de uma chuva de ideias, escolhendo a mais viável, e materializam-na em forma de desenho para a discussão em orientação posterior.
O principal critério para a escolha do formato da Tecnologia é a viabilidade em relação ao tempo de construção. O próximo passo, após a ideia aprovada, é a construção de um fluxograma da Transposição Didática da provável Tecnologia Educacional, em que cada grupo precisa conhecer o conteúdo específico que vai ser trabalhado com as alocações no processo de interdisciplinaridade, bem como dos Temas Transversais que farão a transversalidade na formação do cidadão.
Em um outro momento, é solicitado aos grupos que apresentem uma versão inicial do protótipo em material alternativo, o qual denominamos de protótipo de teste para validar regras, tempo de execução de uma partida e tamanho.
O protótipo de teste é feito com material alternativo bastante rudimentar, constituído apenas pelo mínimo necessário para testar as mecânicas básicas, sem preocupações estéticas. É um modelo representativo que permite demonstrar como a Tecnologia Educacional deverá funcionar na prática e validar hipóteses com um grupo de usuários. Esse é o momento em que o grupo esclarece e afunila a ideia inicial, em uma troca contínua dos insights trazidos das etapas de imersão (através de pesquisa de produtos existentes) e ideação (através do brainstorming) para estimular a criatividade do grupo.
Nesse momento de estímulo à criatividade, são usados desenhos que depois evoluem para um protótipo de teste que é a representatividade mais próxima possível do produto final. Muitas das vezes é necessário reenquadrar o protótipo no que tange aos materiais e às regras antes estabelecidas. Na verdade, o protótipo de teste dá condições do grupo validar a Tecnologia Educacional quanto à usabilidade e às regras.
Os testes funcionam como feedback para os próprios autores e para a professora, pois o fluxo de respostas, os retornos ao ponto inicial da concepção, os ajustes têm o potencial de ajudar na melhoria do produto a ser oferecido às salas de aula de Educação Básica para a melhoria da qualidade do ensino. O teste, na maioria das vezes, não envolve o usuário final, que é o aluno das escolas de Educação Básica.
Durante o teste não pode haver interferências, apenas a anotação das dificuldades e facilidades. Na autoavaliação com a orientadora, os autores respondem questionamentos acerca das regras do jogo, se ficaram claras ou se possuem ambiguidades; se as peças que compõem o protótipo são suficientes, como carta, peças, material de apoio; se as perguntas estão fáceis ou difíceis demais. É um momento de escuta, observação e acolhimento de ideias.
Nesse contexto, regras vão sendo alteradas, trocadas, acrescentadas ou mesmo eliminadas. O número de participantes pode sofrer alterações. O desenvolvimento do trabalho com protótipos de teste favorece a escolha de materiais mais adequados, assim como a melhoria e aprimoramento da estética da Tecnologia Educacional e seus componentes.
A Carta Inspiração que é o “lugar de inspiração, dos cuidados e dos afetos entre os participantes” (VAZ; NERI JUNIOR; ROCHA, 2019, p. 32) acontece em duas trilhas: Trilha Inventário Artístico Etnicorracial e Trilha Caixa de Inspiração.
A Trilha do Inventário Artístico Etnicorracial é uma produção individual dos alunos e consta de sete perguntas que devem ser respondidas de forma criativa e materializada no formato de preferência do aluno. Essa atividade faz parte do Plano de Disciplina e foi disponibilizada aos alunos no início do semestre. Houve orientações para essa produção.
O Inventário, segundo Vaz (2018, p. 51), constitui-se como "um exercício criativo de aprendizado que aciona a história pessoal e a memória nas diferentes leituras sobre o aprendizado adquirido". Inventariar é identificar indícios dos saberes que estão incluídos na bagagem cultural, que faz parte do repertório pessoal enquanto sujeito, e são ressignificados através de novos saberes e afetos.
A produção dos inventários apresentou formatos diferenciados, como: cadernos artesanais, caixas interativas, álbum em formato de caixas, miniaturas de cine-teatro, cinema, slides, álbum postado nas redes sociais Instagram e Tumblr.
É perceptível o empoderamento dos alunos na confecção dos inventários, nos traços da simbologia Adinkra, nas caixas e na utilização da própria imagem como modelos de maquiagem afro. Chama a atenção também as frases de impacto nos seus inventários como esta:
Segundo a aluna:
No inventário tive espaço e possibilidade de escrever e desenhar, de me expressar para registrar o que os outros não escutam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre meus ancestrais.
Para me descobrir, me preservar, me construir e alcançar autonomia. Para me convencer de que tenho valor e que o que tenho para dizer é de grande importância para mudar esse mundo que aí está.
Ponderamos que, na CartoDiversidade, a participação do aluno como agente proativo no processo de aprendizagem é pressuposto para uma aprendizagem criativa. De fato, nessa proposta, aluno e professor dialogam, facilitando a elucidação de dúvidas, pela saída da zona de conforto, o que inclui um leque de possibilidades de aprendizado. Nessa perspectiva, a metodologia ativa CartoDiversidade surge como proposta de incentivo e suporte aos processos de aprender criativamente.
4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Na aplicação da CartoDiversidade, imperam a criatividade e a inovação nas questões etnicorraciais permeada pelo Afrofuturismo. Encontros, vivências e produtos nos afetaram nessa caminhada em que a pesquisadora explorava e tateava cuidadosamente. E esse ato de explorar estava impregnado das memórias e de imaginação criativa e encharcados de passado e futuro que se mesclavam e mostravam que a ancestralidade era o elo para nossas ações presentes que produziriam um futuro possível na produção de dados da pesquisa.
A CartoDiversidade promove o empoderamento no trato com as questões etnicorraciais através da produção de materiais didáticos de diversos formatos no IFPA. E isso ocorre em todas as três Cartas.
Foram produzidos infográficos, resumos criativos (lettering), nuvem de palavras, desenhos criativos, jogo de caça-palavras em formato criativo, tabuleiro humano, cartas criativas, HQ, fluxogramas, glossários criativos, tecnologias educacionais e inventários de diversos formatos digitais e artesanais muito ricos pois carregam os saberes dos alunos nas produções tanto do conhecimento específico de suas formações como dos saberes da diversidade etnicorracial.
O mais interessante é a autoestima dos alunos e alunas na apresentação de produtos educacionais autorais carregados de empoderamento, não só sobre as questões etnicorraciais, mas também, da profissão professor. A metodologia provoca conexões interdisciplinares entre o Afrofuturismo e a diversidade etnicorracial permeada pela criatividade e a inovação. Esses caminhos primam pela ousadia de trilhar percursos metodológicos como um processo sempre inconcluso, desafiador e (trans)formador.
Na abordagem afrofuturista na Educação, a criatividade e a inovação são elementos indispensáveis. Podemos concluir que o Afrofuturismo na Educação para a diversidade etnicorracial é uma atitude, uma postura construída cotidianamente pelos atores envolvidos no processo educacional e requer uma mudança que, na perspectiva de Messina (2001, p. 228) “implica desnaturalizar ou distanciarmo-nos do habitus que nos constitui, que é tão estruturante quanto estruturado, separarmo-nos desses modos de sentir, pensar e agir”.
Enquanto professora e pesquisadora da Diversidade Etnicorracial, é inevitável insistir e investir na aplicabilidade do Afrofuturismo no campo educacional, mais precisamente na Formação de Professores que se configura em um território fértil para germinar e florir com as flores mais belas e das cores mais variadas um mundo de possibilidades através da disseminação da CartoDiversidade em eventos locais, nacionais e internacionais para que outros professores se apropriem dessa arma poderosa.